Sentença de Julgado de Paz
Processo: 149/2017-JPCSC
Relator: MARIA DE ASCENSÃO ARRIAGA
Descritores: DIREITO DO CONSUMO
INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
GARANTIA DE BOM FUNCIONAMENTO
Data da sentença: 04/24/2018
Julgado de Paz de : CASCAIS
Decisão Texto Integral:
--- SENTENÇA ----
I - RELATÓRIO – As partes e o objeto do litígio
Nos presentes autos, o Demandante, Pedro, com o NIF 111, propôs a presente ação declarativa de condenação contra a aqui Demandada Serviços, S.A., com o NIPC 555, com instalações no Centro Comercial Cascais Shopping, em Alcabideche, pedindo a condenação desta a reconhecer a resolução do contratou devolvendo-lhe, em consequência, a quantia de €699,90 acrescida de juros de mora vencidos , no valor de €67,94, e vincendos. Subsidiariamente, pede a condenação da Demandada a entregar-lhe um telemóvel novo topo de gama e a pagar-lhe a quantia de €540. Em qualquer caso, a condenação nas custas do processo. Atribui à ação o valor de €1.307,39.
Alega para tanto e em síntese, que no dia 19.novembro.20013 adquiriu à Demandada, no estabelecimento desta, sito no Cascais Shopping, para seu uso pessoal, um telemóvel XXX, pelo preço de €699,90. Cerca de um ano após a compra, o ecrã do telemóvel ficou completamente escuro e em 08.01.2015 o Demandante entregou-o na loja da Demandada para reparação. Verificando-se não ser possível a reparação ao abrigo do contrato de seguro em virtude de este ter cessado, a Demandada sugeriu que a reparação se efetuasse ao abrigo da garantia. Ao longo de doze meses o Demandante foi perguntando à Demandada pela reparação do telemóvel e esta foi respondendo que “está em reparação, terá de aguardar”. No dia 28.12.2015, o Demandante recebeu uma mensagem da Demandada para ir levantar o telemóvel. Porém, ao levantá-lo, o Demandado verificou que o aparelho estava exatamente no mesmo estado de quando o havia entregue. O empregado da Demandada explicou ao Demandante que o aparelho estava fora do prazo de garantia e, por esse motivo, não tinha sido reparado. Por se encontrar privado do seu telemóvel, o Demandante teve de adquirir um novo, pelo preço de €540, o qual foi pagando em 24 prestações de €22,50, cada. Com o requerimento inicial juntou 12 documentos (cf. fls. 10/45 e ofícios de nomeação de patrono oficioso e de comunicação de concessão de proteção jurídica na modalidade de dispensa de taxas de justiça e encargos e nomeação e pagamento da compensação de patrono).
Após tentativas frustradas, veio a Demandada a ser citada por correio registado com aviso de receção e remetido para a morada da sede registada na Conservatória do Registo Comercial (cf. fls. 60). Não apresentou contestação.
A Demandada faltou, sem justificação, à pré-mediação marcada para dia 05.dez.2017.
Designado o dia 16.abril.2018 para audiência de julgamento, a Demandada não compareceu e não veio justificar a falta. Agendada, em 2ª marcação, audiência de julgamento para a presente data, foi a mesma desmarcada de modo a evitar mais deslocações do Demandante.
Fixo à ação o valor de €1.307,39.
O tribunal é competente (artigo 7º da Lei 78/2001, de 13.07).
Cabe apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
Considerando o teor dos documentos juntos aos autos, que se dão por reproduzidos, e a falta de contestação da Demandada – que, conjugada com a falta injustificada à audiência de julgamento, equivale a confissão dos factos articulados pelo Demandante, ao abrigo do disposto no nº2 do artigo 58º da Lei nº 78/2001, de 13.julho.2001, alterada pela Lei 54/2013 de 31.julho.2013 - cabe considerar provada toda a factualidade invocada que acima se deixou enunciada.
Dos factos apurados – suportados também na documentação junta -retira-se que entre o Demandante e a Demandada foi celebrado, no dia 19.12.2013, um contrato de compra e venda cujo objeto foi um telemóvel XXXX, pelo preço de €699. Cerca de um ano depois, o ecrã do telemóvel ficou completamente escuro e o Demandante entregou-o em 08.01.2015 nas instalações da Demandada para reparação. No final de 12 meses e de inúmeros contactos, a Demandada dispôs-se, em 28.12.2015, a devolver o telemóvel ao Demandante sem estar reparado sob alegação de extinção da garantia de bom funcionamento. Para minorar os efeitos da privação do seu telemóvel o Demandante adquiriu um outro, a prestações, pelo valor de €540.
Está em causa, no essencial, um contrato de compra e venda de um bem móvel regulado nos artigos 874º e segs. do Código Civil ao qual são aplicáveis as normas relativas à proteção do consumidor e aos prazos de garantia de bens de consumo, já que o contrato em causa foi celebrado entre um consumidor e um comerciante (respetivamente, a Lei 24/96, de 31.julho cuja última versão decorre do Decreto Lei 47/2014, de 28.julho -doravante referida por Lei de Defesa do Consumidor - e o Decreto Lei nº 67/2003, de 08.abril, relativo a garantias dos bens de consumo, na versão dada pelo Decreto Lei 84/2008, de 21.maio).
Em conformidade com o nº1 do artigo 2º da Lei de Defesa do Consumidor e a alínea c) do artigo 1º-B do Decreto Lei nº 67/2003, respetivamente, o Demandante é, aqui, o consumidor por ser “ aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios”; a Demandada é, aqui, a vendedora uma vez que tem essa qualidade “qualquer pessoa singular ou colectiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua atividade profissional”.
Nos termos do nº1 do artigo 2º do Dec. Lei 67/2003, o vendedor tem a obrigação de entregar ao comprador bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda. Com vista a um maior esclarecimento e proteção do consumidor, o legislador enunciou algumas situações de desconformidade entre o bem entregue e o contrato de compra e venda. Designadamente, na alínea d) do nº2 do artigo 2º referido, estabelece-se que não é conforme com o contrato de compra e venda o bem que não apresentar as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à própria natureza desse bem e a eventuais declarações públicas sobre o seu desempenho e características feitas pelo vendedor ou produtor ou seu representante.
Se a desconformidade se manifestar dentro de um prazo de dois anos após a compra de um bem móvel, presume-se que já existia à data da entrega do bem. Logo, impende sobre o vendedor o ónus de alegar e demonstrar que o “defeito” ou “avaria” ou “desconformidade” decorreu de qualquer ato imputável ao consumidor (cf. nº2 do artigo 3º do Dec. Lei 78/2001).
Havendo desconformidade, assiste ao consumidor o direito de obter a reparação do bem ou a sua substituição ou a redução adequada do preço ou a resolução do contrato devendo denunciar ao vendedor os defeitos ou desconformidade num prazo de dois meses após os ter detetado e dentro do prazo de dois anos após a compra de bem móvel (cf. artigo 5º, nº1, e artigo 5º -A, nº1 e nº2, do mesmo diploma).
O Demandante logrou provar que o telemóvel deixou de funcionar, por avaria do ecrã, antes de decorrido o prazo de dois anos sobre a data da compra e venda.
A Demandada não logrou demonstrar que a avaria do telemóvel foi consequência de qualquer ato do seu utilizador. Logo, tem de se presumir que o defeito de mau funcionamento já existia à data da compra do aparelho em causa.
Em consequência, assiste ao Demandante, o direito de declarar a resolução do contrato e exigir da Demandada a devolução do valor do telemóvel que, como se apurou, é de €699. A resolução tem como efeito a destruição do vínculo contratual e a concomitante obrigação de cada parte devolver à outra o que recebeu em cumprimento do contrato (cf. artigo 801º, nº2, e artigo 433º conjugado com o artigo 289º, nº1, todos do Código Civil).
Vejamos quanto ao pedido de juros.
Estabelece o nº1 do artigo 12º da Lei de Defesa do Consumidor que “O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos”. No mesmo sentido estabelece o artigo 798º do Código Civil que, nas relações contratuais, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação responde pelos danos que causar ao credor.
Ora, in casu, a partir de 28.12.2015, data em que entregou o aparelho para reparação, o Demandante viu-se privado da utilização de um telemóvel, no qual investiu €699,90, o que corresponde, sem dúvida, a um prejuízo digno de proteção legal; o Demandante efetuou um investimento sem o retorno esperado e expectável. Tem, por conseguinte, direito a ser indemnizado de tais danos os quais faz corresponder aos juros de mora legais contados da data de aquisição até integral e efetivo reembolso de €699. Posto que está em causa a devolução de uma quantia pecuniária e visto o disposto nos artigos 804º a 806º do Código Civil, afigura-se-nos que este critério de avaliação de danos é lógico e adequado e, por isso, o acolhemos. Os juros vencidos até 17.05.2017 totalizam €67,49 e, desde essa data até ao presente, somam mais €25,63, num total de €93,12.
Pelo exposto e visto o disposto no nº1 do artigo 554º do Código de Processo Civil, fica prejudicada a apreciação dos pedidos subsidiários formulados.
III - DECISÃO
Em face do exposto, considero a ação totalmente procedente e, em consequência, declaro resolvido o contrato de compra e venda dos autos condenando a Demandada a pagar ao Demandante a quantia de €766,49 (setecentos e sessenta e seis euros e quarenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora calculados sobre €699, a contar da presente data e até integral e efetivo pagamento, à taxa legal de 4% ou outra que vier a ser fixada.
As custas do processo ficam a cargo da Demandada (artigo 8º da Portaria 1456/2001, de 28.12).
Custas: €70.
Nada a devolver porquanto o Demandante beneficia de isenção de pagamento de taxas de justiça.
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A Demandada deverá pagar as custas de sua responsabilidade e no valor de €70, no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente decisão sob pena de incorrer numa penalização de €10 por cada dia de atraso e até um máximo de €140 (cf. nº 10 da Portaria 1456/2001, de 28.dezembro). Decorridos 15 dias sobre o termo do prazo, sem que se mostre efetuado o pagamento, será extraída a competente certidão e remetida ao Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais para efeitos de eventual execução por custas e penalidades em dívida (€210).
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Registe e notifique por correio o Demandante e sua I. Patrona Oficiosa e a Demandada.
Cascais, Julgado de Paz, 24 de abril de 2018
(elaborado informaticamente pela signatária)
A Juíza de Paz

Maria de Ascensão R.P. Arriaga