Sentença de Julgado de Paz
Processo: 181/2017-JPBBR
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: MANDATO
RESPONSABILIDADE DO MANDATÁRIO
DENUNCIA DOS DEFEITOS DO BEM ADQUIRIDO
PRAZOS
Data da sentença: 03/02/2018
Julgado de Paz de : BOMBARRAL-OESTE
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
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RELATÓRIO:
A, identificada a fls. 1, propôs em 18 de Dezembro de 2017, contra B, melhor identificado a fls. 1 e 24 e 30 a presente acção declarativa de condenação, pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de1776,00 (mil setecentos e setenta e seis euros), relativa à reparação de um veículo automóvel que adquiriu àquele e que veio a apresentar problemas graves de motor que teve de ser substituído – (976,08€), e indemnização por danos não patrimoniais no valor de 800,00€.
Para tanto, alegou os factos constantes do seu Requerimento Inicial de fls. 1 a 3, que se dá por reproduzido, dizendo, em síntese que o veículo foi adquirido pelo seu avô e lho ofereceu. Que no dia em que foi levantar o veículo ao stand – 11 de março de 2017 -, este apresentou problemas de óleo e no escape. Refere que o demandado reparou ambas as situações, no entanto em Setembro, o veículo deixou de funcionar por completo, tendo havido a necessidade de substituir o motor, o que importou a quantia peticionada a esse título.
Juntou 8 documentos (fls. 4 a 11) que, igualmente, se dão por reproduzidos.
Citado nos termos do nº 1 e 5 do art.º 229º CPC, o Demandado apresentou a sua contestação alegando excepção de ilegitimidade, porquanto não vendeu o veículo em causa á demandante e que estava na sua oficina para fazer reparações e era de um cliente – C. Alega ter sido este que, na qualidade de proprietário vendeu a viatura, tendo apenas servido de ponto de contacto entre o comprador e o vendedor. Sem conceder alega ainda a caducidade do direito que a demandante pretende exercer e termina peticionando a sua condenação por litigância de má-fé.
Não juntou documentos.

Tramitação e Saneamento
Tendo ambas as partes aderido á mediação, realizou-se sessão em 24 de Janeiro de 2018 sem que as partes tenham logrado chegar a acordo. Assim designou-se o dia 21 de Fevereiro de 2018 para a realização da audiência de julgamento, tendo comparecido ambas as partes, sendo que a demandante se fez representar por D, cfr. procuração fls. 48.
A audiência realizou-se, com cumprimento das formalidades legais conforme da respectiva acta melhor se alcança.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor - que se fixa em 1776,00 € – artºs 297º nº1 e 306º nº2, ambos do C. P. C.
As questões a decidir por este tribunal são as que se seguem:
a) Determinar os sujeitos da relação contratual - celebração de contrato de compra e venda do veículo em causa nos autos;
b) Em caso de demonstração da titularidade do demandado na relação material controvertida, determinar a sua responsabilidade civil contratual, por venda de bem defeituoso.
c) Da eventual caducidade do direito exercido pela demandante.

FUNDAMENTAÇÃO de Facto

Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1- O demandado tem como actividade comercial a compra e venda de veículo automóveis usados e oficina de mecânica que gira sob o nome comercial B.

2- Em Março de 2017, D dirigiu-se às instalações do demandado com o intuito de comprar um veículo usado para a sua neta.

3- Foi atendido pelo demandado, tendo mostrado interesse no veículo X que se encontrava na oficina, tendo acertado com este a sua compra.

4- O demandado informou o referido D que o veículo era de um particular.

5- O preço do referido veículo foi pago ao demandado, por D, avô da demandante, no valor de 795,00€, (100,00€ em numerário e 695,00€ com cartão de crédito), nas instalações do demandado.

6- No dia 11 de Março de 2017 a demandante, acompanhada por D e E, deslocou-se ao estabelecimento do demandado, tomando posse do veículo;

7- Na data referida em 6, o demandado entregou os documentos da viatura á demandante, bem assim como a declaração de venda.

8- No dia 16 de Março de 2017, a demandante registou o veículo X com matricula PM de 28/4/2000, em seu nome, junto da Conservatória do Registo Automóvel de Peniche.

9- Cujo titular registado era F, residente na Rua X, em Peniche

10- À saída do stand, tendo percorrido alguns quilómetros, a demandante constatou que o veículo parou de acelerar e acendeu uma luz amarela no painel.

11- O referido E conduziu o veículo até à oficina do demandante, que verificou o veículo tendo colocado óleo, apertado a grelha do radiador e dias mais tarde procedeu à solda do escape;

12- A demandante continuou a circular com o veículo até ao dia 14 de Setembro:

13- No dia 14 de Setembro, em viagem de regresso do Algarve, o veículo deixou de funcionar na zona de Ourique, tendo sido rebocado para uma oficina, onde foi reparado.

14- No dia 30 de Novembro de 2017 a demandante adquiriu um motor Fiat que foi instalado no veículo, tendo despendido a quantia de 615,00€;

15- O veículo em causa nos presentes autos encontrava-se na oficina do demandado para proceder a reparações, tendo o proprietário instruído o demandado que, caso aparecesse um interessado, o vendesse;

16- O demandado não recebeu qualquer contrapartida pelo contrato de compra e venda.

Não resultaram provados os seguintes factos:

1 – Que o veículo, sempre que atingia os 80 km /h perdia velocidade até ficar imobilizado.

2 – A demandante recorreu á oficina do Sr. João Leitão, em Amoreira, Óbidos onde lhe foi transmitido que o veículo tinha problemas de motor mas que só para identificar o problema teria de pagar 300,00€.

3 – O avô da demandante tentou que o demandado resolvesse o problema do motor do veículo;

4 – O avô da demandante deslocou-se com o veículo a uma oficina nas Caldas da Rainha onde, através de computador identificaram um problema numa peça do motor, mas que só abrindo o mesmo podia identificar o problema o que teria um custo de 700,00€

5 – O avô da demandante efectuou vários arranjos no veículo no valor de cerca de 200,00€.

MOTIVAÇÃO

Para a formação da convicção do tribunal concorreram decisivamente, os depoimentos das testemunhas E e C, porquanto as declarações das partes eram completamente contraditórias. Na verdade, a testemunha da demandante relatou os problemas que o veículo apresentou logo no momento da compra, sendo que não esteve presente na data das negociações ou posteriormente. Já quanto á testemunha do demandado, marido da proprietária registada do veículo, para além do mais, referiu factos relevantes para o enquadramento legal que adiante se fará, nomeadamente o facto de ter levado o veiculo para a oficina para reparar ou para vender, caso houvesse interessados.

No que diz respeito aos factos considerados não provados, eles resultam por um lado da impugnação dos documentos apresentados pela demandante, que não foram infirmados por outro tipo de prova, nomeadamente testemunhal e por outro, de manifesta falta de prova.

Quanto ao facto referido e 1, porquanto está em contradição com o facto sob o n.º 12 dos factos provados e do normal acontecer.

FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO

Resulta da prova produzida que o proprietário da viatura em causa nos autos, incumbiu o demandado de intermediar a venda da mesma, tendo sido em obediência às instruções deste que o demandado procedeu às negociações, entregou a viatura e respetivos documentos e recebeu o preço.

Não se estabeleceu qualquer negociação entre o dono da viatura e o comprador, porquanto se verifica ter existido um mandato para venda do veículo.

"Configura-se um mandato sem representação, nos termos e para os efeitos dos art.s 1180º e seguintes do C.Civil, quando, concertadamente, e sem outorga da procuração específica, o mandatário celebra um dado negócio jurídico em seu próprio nome (nomine proprio) mas por conta do mandante, ocorrendo em tal situação uma interposição real de pessoas" – cit. Ac. Do STJ de 9-10-2003.

É o que se passa in casu, na medida em que o anterior dono do veículo o colocou nas instalações do demandado, com o objectivo de o reparar ou para que este o vendesse, caso aparecesse um comprador interessado.

Ora tal configura um acordo de consignação, entre o proprietário e o aqui demandado, ainda que possa não ter sido remunerado. (porquanto se encontra ilidida a presunção do art. 1158º do Código Civil).

Neste âmbito, podem ser adoptadas duas teses tendo em vista a questão da repercussão no mandante dos negócios celebrados entre o mandatário e o terceiro: a tese da dupla transferência, segundo a qual os efeitos se repercutem na esfera do mandatário, sendo necessário um negócio autónomo para os transmitir para o mandante; e a tese da projecção imediata, segundo a qual os efeitos se repercutem directamente na esfera do mandante, sem terem que passar pelo património do mandatário. Entre ambas as teses existe uma outra que sustenta a dupla transferência no mandato para adquirir e a projecção imediata no mandato para alienar.

Independentemente da discussão doutrinal sobre esta questão, entendemos, no que concerne ao mandato para alienar e nos termos do disposto no art. 1181º CC, aderir á tese da dupla transferência, por considerar que para o mandatário transferir os direitos adquiridos em execução do mandato, este o adquiriu primeiramente do terceiro (adquirente).

O que, desde logo tem implicações na responsabilidade do mandatário, como dizem Pires de Lima e Antunes Varela em anotação ao Código Civil, pois a situação do mandante é, em princípio, estranha às pessoas que contratam com o mandatário, e estas pessoas, por seu turno, também não é com o mandante, mas com o mandatário que estabelecem relações negociais.

Assim, o mandatário, aqui demandado, responde directamente perante terceiros com quem contratou, pelos defeitos da coisa vendida.

Analisada a responsabilidade do demandado, decorrente do mandato sem representação, havemos de analisar em que consiste e se dos factos provados decorre o dever de indemnizar.

Ora, verificamos que os defeitos apontados ao veículo, - falta de óleo, barulhos na grelha e escape - logo na data em que o mesmo foi levantado do stand pela demandante, foram devidamente reparados, sem custos, na oficina do demandado.

No que diz respeito ao motor, cuja substituição terá sido necessária após o episódio de 14 de Setembro de 2017, não se encontra provado que, a demandante tenha denunciado tal circunstância ao demandado.

Para poder exercer o direito que a lei lhe confere - 914º do Código Civil - haveria a demandante de proceder á denuncia atempada do defeito, ou seja nos 30 dias após o seu conhecimento e dentro dos 6 meses após a sua entrega.

Ora, tendo a demandante optado por mandar reparar o veículo em Novembro de 2017 e interpor a presente acção em 13 de Dezembro de 2017, sem precedência de denúncia atempada, inviabiliza a procedência do pedido na presente acção.

Ainda que considerássemos que a presente situação se pudesse enquadrar no regime dos direitos do consumidor (DL 24/96 de 31 de Julho e DL 67/2003 de 8 de Abril), ainda assim o prazo de denúncia encontrar-se-ia igualmente ultrapassado.

No que diz respeito á litigância de má-fé por parte da demandante, este pedido haverá de improceder na medida em que os motivos e fundamentos alegados pelo demandante não se verificam e ainda, na esteira do que vem sendo decidido pelo do Supremo Tribunal de Justiça: “A defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 542 nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, todavia, se não forem observados os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé, patenteia-se litigância de má fé”., o que não sucedeu.

DECISÃO
Em face do exposto e das disposições legais aplicáveis, julga-se a presente ação totalmente improcedente, pelo que se absolve o demandado do pedido.

Custas a suportar pela demandante, que se declara parte vencida, nos termos e para os efeitos dos nº. 8º da Portaria n.º 1456/2001, de 28-12 devendo ser pagas, no Julgado de Paz, no prazo de 3 (
três) dias úteis a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação (nº 10 da Port. n.º 1456/2001, de 28-12; o n.º 10 com a redação dada pelo art.º único da Port. n.º 209/2005, de 24-02).




Registe.

Bombarral, 2 de Março de 2018

A Juíza de Paz,



(Cristina Eusébio)