Sentença de Julgado de Paz
Processo: 203/2014-JP
Relator: SOFIA CAMPOS COELHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
Data da sentença: 06/26/2014
Julgado de Paz de : SINTRA
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Processo n.º x
Objecto: Responsabilidade civil
(alínea h) do n.º 1, do artigo 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho – LJP, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho).
Demandante: A
Mandatário: B
Demandada:
Mandatária: D
RELATÓRIO:
A demandante, devidamente identificada nos autos, intentou contra a demandada, também devidamente identificada nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 4.603,91 (quatro mil seiscentos e três euros e noventa e um cêntimos). Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 10 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese, que no dia 19 de janeiro de 2013 ocorreu um grande temporal, chuva e ventos fortes, na zona de Belas, Sintra, na sequência do qual uma marquise da fração da demandada partiu-se e parte da estrutura metálica da mesma e vidros caíram na via publica, danificando o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca x, matrícula ZG, propriedade da demandante, cuja reparação ascende a € 2.488,91. Mais peticiona a condenação da demandada no pagamento de indemnização pela privação do uso do veículo. Juntou procuração forense e 23 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
Regularmente citada, a demandada não contestou, tendo requerido, (a fls. 51 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas) a intervenção principal provocada da sua companhia de seguros, E, alegando que o ocorrido não se deveu a culpa sua, tendo tido origem em força maior da natureza, o que foi indeferido, nos termos do despacho a fls. 53 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido. Juntou procuração forense e os documentos de fls. 60 a 63.
As partes aderiram à mediação, tendo esta sido realizada em 28 de abril de 2014, durante a qual as partes não lograram obter qualquer acordo. Em consequência procedeu-se à marcação de nova data para realização da audiência de julgamento, tendo as partes, e mandatários, sido devidamente notificados.
Iniciada a audiência, na presença da demandante, da demandada e sua mandatária, a Juíza de Paz procurou conciliar as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artº 26.º, da LJP, não tendo esta diligência sido bem sucedida.
Foram ouvidas as partes, nos termos do disposto no art.º 57.º da LJP, e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta da respectiva ata, tendo sido ouvidas as testemunhas apresentadas por ambas as partes.
FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 – A demandante é proprietária do veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca x, matrícula ZG.
2 – A demandante tem a sua sede social em Massamá, Belas, Sintra.
3 – A demandada é proprietária da fração autónoma designada pela letra “T”, correspondente ao 7.º andar esquerdo, do prédio sito em Massamá, Belas, Sintra.
4 – No dia 19 de Janeiro de 2013 ocorreu um temporal, com chuva e ventos fortes, na zona de Belas, Sintra.
5 – Na sequência desse temporal, parte da estrutura metálica, e vidros, da marquise existente na fração da demandada partiram-se, tendo caído para a via pública;
6 – A marquise não se encontrava devidamente conservada.
7 – Nesse dia, o veículo da demandante identificado no número 1 supra, encontrava-se estacionado na via pública, em frente ao prédio identificado nos números em 2 e 3 supra.
8 – tendo parte da estrutura metálica da marquise da demandada danificado o tejadilho do veículo da demandante, provocando um buraco.
9 – Em dia não apurado a legal representante da demandante foi falar com a demandada, que inicialmente assumiu a responsabilidade pelo ocorrido, participando os danos à sua companhia de seguros.
10 – A companhia de seguros da demandada afastou a sua responsabilidade nos termos constantes da carta a fls. 61 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
11 – A companhia de seguros da demandada indemnizou-a dos danos que a sua fração sofreu (cfr. carta a fls. 60 dos autos).
12 – Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do orçamento a fls. 39 e 40 dos autos, de reparação e pintura do tejadilho, portas de trás e da frente direita e retirar autocolantes do veículo da demandante, no montante total de € 1.394,21 (mil trezentos e noventa e quatro euros e vinte e um cêntimos).
13 – Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do orçamento a fls. 41 dos autos, de decoração do veículo da demandante, no montante total de € 1.094,70 (mil e noventa e quatro euros e setenta cêntimos).
14 – Desde a data do temporal o veículo continua a ser utilizado diariamente pela demandante.
15 – O buraco no tejadilho foi provisoriamente tapado pela demandante.
Não ficou provado:
Não se provaram mais factos com interesse para a decisão da causa:
1 – Os danos na porta direita do veículo da demandante foram causados pela estrutura ou vidros da marquise da demandante. 2 – Os autocolantes de publicidade do veículo da demandante ficaram danificados.
3 – A companhia de seguros da demandada afastou a sua responsabilidade na reparação dos danos da demandante por a marquise da demandada ter sido construída ilegalmente.
4 – O veículo identificado em 1 de factos provados é o único veículo utilizado pela gerente da demandante nas suas deslocações diárias.
Motivação da matéria de facto:
Para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreram os factos admitidos, os documentos juntos aos autos e o depoimento das testemunhas apresentadas por ambas as partes.
Quanto ao depoimento das testemunhas apresentadas cumpre esclarecer que todas prestaram depoimento de modo seguro e convincente, demonstrando terem conhecimento directo dos factos sobre os quais depunham, e tendo esclarecido o tribunal de todas as questões que lhes eram colocadas. Esclareça-se que nenhuma das testemunhas se referiu a danos nas portas do veículo, nem nos autocolantes publicitários existentes na mesma.
Não foram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes, dada a ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao tribunal aferir da veracidade desses factos, após a análise dos documentos juntos aos autos e da audição das partes e testemunhas. Esclareça-se, quanto ao facto dado como não provado em 4, que a segunda testemunha apresentada pela demandante, esclareceu que a gerente da demandante usava o veículo para fins profissionais e pessoais, e que a demandante tem outro veículo.
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO
Prescreve o n.º 1, do artigo 492.º, do Código Civil (C.C.) que “O proprietário ou possuidor de edifício ou de outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos.” ou seja, o proprietário ou possuidor de edifício, ou outra obra, que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos. Quer isto dizer que o citado artigo estabelece uma presunção de culpa do proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, para o efeito de o fazer responder pelos danos causados, sendo necessária, para haver tal presunção de culpa, a prova de que a ruína (parcial ou total) foi devida a um vício de construção ou a falta de manutenção, incumbindo ao demandante esta prova, uma vez que incide sobre factos constitutivos do seu direito de indemnização (cfr. artigo 342º do C.C. e acórdãos do S.T.J. de 17/3/77, BMJ 265º- 223, de 28/4/77, BMJ 266 pag. 161 e de 6/2/96, CJ/STJ, 1996, 1º- 77.). Nos termos gerais (cfr. artigo 483º, nº 1, do C.C.), incumbe ao lesado provar a culpa do autor da lesão (aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da obrigação). Na situação em causa há lugar a uma inversão do ónus da prova, nos termos explicitados supra.
No caso sub júdice a demandante logrou provar que o desprendimento e queda de parte da estrutura metálica, e vidros, da marquise da fração propriedade da demandada se deveu a falta de manutenção ou conservação da mesma pelo que tem plena aplicação a presunção de culpa que deriva do disposto no artigo 492,º do Código Civil. Porém, e apesar de ter também ficado provado que no dia em causa ocorreram condições climatéricas adversas (um temporal, com fortes ventos e chuvas), que causaram o desprendimento de parte da estrutura metálica, e vidros, da marquise da fração da demandada, a verdade é que esta não logrou provar (como lhe competia) – o que, aliás, nem o alegou - que apesar da marquise estar devidamente mantida e/ou conservada, perante as condições climatéricas em causa os danos não se teriam evitado, já que nem sequer alguma das testemunhas apresentadas depôs sobre estes factos.
E, tendo ficado provado a existência de danos (facto 8 de factos provados – e só estes está a demandada obrigada a indemnizar), assiste assim à demandante o direito de ser reembolsada pela demandada dos danos sofridos, atento o disposto no art.º 562.º do Código Civil. Nos termos desta disposição legal, quem está obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, sendo que a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão e será fixada em dinheiro quando for impossível ou inconveniente a reconstituição natural. Dos factos provados resulta que a reparação do veículo, em concreto reparação e pintura do tejadilho, portas de trás e da frente direita e retirar autocolantes, foi orçada em € 1.394,21 (mil trezentos e noventa e quatro euros e vinte e um cêntimos) – cfr. doc. a fls. 39 e 40 dos autos – mas sabemos que este tribunal não deu como provado que todos esses danos (refira-se que a demandante alega danos numa porta do veículo (porta direita), enquanto o orçamento orça a reparação de duas portas – portas direitas da frente e de trás) tenham sido provocados pelos destroços da marquise da demandada, mas somente o dano causado no tejadilho do veículo, pelo que atento o teor discriminado desse documento e o prescrito no n.º 3 do artigo 566.º, do Código Civil, fixa-se o valor de tal reparação em € 520 (quinhentos e vinte euros).
Quanto ao pedido de reparação da decoração publicitária do veículo da demandante, não tendo a demandante provado o nexo de causalidade entre o evento e esse dano, não tem a demandada a obrigação de o reparar.
A demandante peticiona ainda a condenação da demandada no pagamento de indemnização por privação do uso do veículo. Ora, sobre a questão jurídica em causa, defendemos, a par da maioria da nossa mais recente Jurisprudência e Doutrina, que a privação de uso de um veículo constitui por si só, autonomamente, um dano indemnizável sem necessidade de comprovação de prejuízos concretos (cfr. António Abrantes Geraldes, in “Indemnização do Dano de Privação do Uso”, pág. 33-41; Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, vol. I, pág. 269 e Ac. do STJ de 9.06.1996, in BMJ 457, pág. 325; Ac. Rel. do Porto de 5.02.2004, in CJ. 2004, Tomo 1, pág. 178; Ac.do STJ de 13.12.2007 e Ac do STJ de 6.05.2008, ambos in www.dgsi.pt.). Na verdade, entendemos que durante o período em que uma pessoa está privada de usar, fruir e gozar determinada coisa da sua propriedade, existe uma lesão directa do seu direito de propriedade, uma vez que o proprietário vê-se impossibilitado de usar, fruir e gozar um bem de sua propriedade, vendo-se privado de dele retirar as utilidades que presidiram à sua aquisição, ocorrendo uma lesão de um direito absoluto. Entendemos, também, que a simples possibilidade de usar, fruir e gozar um bem constituiu uma vantagem patrimonial susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a privação do uso constitui um dano patrimonial, atento o disposto no art.º 1305.º do Código Civil, indemnizável por força do disposto nos artºs 483.º e 562.º e seguintes do mesmo Código, e que, mesmo na falta de elementos concretos que permitam quantificá-lo, ou na falta de alegação ou prova da impossibilidade de utilizar outro bem durante o período de privação, não pode deixar de ser ressarcido, com apelo à equidade, ou seja, ao prudente arbítrio do julgador, ponderadas as circunstâncias do caso, cfr. artº 566.º n.º 3 do Código Civil.
Porém, como a demandante não logrou provar que esteve privada do uso do seu veículo não pode o peticionado neste âmbito proceder.
DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, condeno a demandada a pagar à demandante a quantia de € 520 (quinhentos e vinte euros), indo no demais absolvida.
CUSTAS
Custas na proporção do decaimento, que se fixam em 12% para a demandada e 88% para a demandante, devendo demandante e demandada proceder ao pagamento das respectivas custas, no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10 (dez euros) por cada dia de atraso.
A presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária – art.º 18.º da LJP) foi proferida e notificada às partes, e mandatários, nos termos do artigo 60.º, da LJP, que ficaram cientes de tudo quanto antecede.
Registe.
Julgado de Paz de Sintra, 26 de junho de 2014
A Juíza de Paz,
(Sofia Campos Coelho)