Sentença de Julgado de Paz
Processo: 607/2010-JP
Relator: SOFIA CAMPOS COELHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
Data da sentença: 11/11/2010
Julgado de Paz de : SINTRA
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA


Objecto: Responsabilidade civil
(alínea h), do nº 1, do artigo 9º, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho – LJP)
Demandante:A
Demandada: B
RELATÓRIO:
O demandante, devidamente identificado nos autos, intentou contra a demandada, também devidamente identificada nos autos, a presente acção declarativa de condenação, pedindo que esta seja condenada a desligar de imediato os equipamentos na origem do ruído, a realizar obras de insonorização do estabelecimento comercial, a pagar-lhe a quantia de € 360 referente aos custos da avaliação acústica realizada, assim como a quantia de € 4.000 a título de indemnização por danos não patrimoniais. Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 3 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese, que desde Julho de 2009 é incomodado pelo ruído permanente das arcas frigoríficas do estabelecimento comercial C, sito imediatamente abaixo da sua residência, e propriedade da demandada. Mais alega que tais ruídos têm níveis superiores aos legalmente previstos. Mais alega que o ruído produzido lhe causa dores de cabeça, enxaquecas, stress contínuo e perturbações do sono. Juntou 1 documento, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
Regularmente citada, a demandada não contestou. Juntou aos autos o documento de fls. 34 a 60 dos autos.
As partes aderiram à mediação, tendo esta sido realizada, não tendo, contudo, logrado obter qualquer acordo. Em consequência procedeu-se à marcação de data para realização da audiência de julgamento, tendo as partes sido devidamente notificadas.
Iniciada a audiência, na presença do demandante e demandada, a Juíza de Paz procurou conciliar as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artº 26.º, da LJP, tendo esta diligência sido parcialmente bem sucedida e da qual resultou o acordo parcial, a fls. 61 dos autos.
Com vista a este tribunal decidir quanto ao pedido constante da alínea C) do requerimento inicial – na parte referente à peticionada indemnização por danos não patrimoniais – foram ouvidas as partes, nos termos do disposto no art.º 57.º da LJP, e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta da respectiva acta. Nenhuma das partes apresentou testemunhas.
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem excepções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 – O demandante reside no 1.º andar esquerdo do prédio sito na Rua D.
2 – A demandada é proprietária da fracção sita no rés-do-chão desse prédio, imediatamente abaixo da fracção onde reside o demandante.
3 – Na fracção referida no número anterior encontra-se instalado o estabelecimento comercial café – snack bar, denominado “C “, propriedade da demandada.
4 – Desde o verão de 2009 alguns dos equipamentos existentes no estabelecimento comercial referidos no número anterior produzem ruído acima dos limites legais permitidos (cfr. relatórios juntos aos autos a acordo alcançado pelas partes).
Não ficou provado:
Não se provaram mais factos com interesse para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto:
Para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreram os factos admitidos, e os documentos juntos aos autos (sendo de esclarecer que ambos os relatórios juntos aos autos – cada um por cada uma das partes – confirma a existência de níveis de pressão sonora, durante todo o dia – período diurno, entardecer e nocturno – acima do limite previsto no n.º 1 do artigo 13.º do regulamento Geral do Ruído).
Não foram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes, dada a ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao tribunal aferir da veracidade desses factos, após a análise dos documentos juntos aos autos.
FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO
A) – Acordo a fls. 61 dos autos:
Estando o objecto do acordado na disponibilidade das partes e verificada a legalidade do acordo, quer quanto ao objecto, quer quanto ao conteúdo, constante a folhas 61dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, homologo-o por Sentença, condenado as partes a cumpri-lo nos seus precisos termos – n.º 3 do art.º 300.º do Código Processo Civil, e art.º 56.º n.º 1 da Lei 78/2001, de 13 de Julho.
B) – Da indemnização por danos não patrimoniais:
A questão a resolver é daquelas que, se houvesse maior espírito de compreensão e de tolerância, teria sido resolvida conciliadoramente. Uma vez que as partes não encontraram esse caminho há que apreciá-la sob o prisma da legalidade.
Peticiona o demandante a condenação da demandada no pagamento de uma indemnização a título de danos não patrimoniais no valor de € 4.000 (quatro mil euros).
Prescreve o art.º 70.º, do Código Civil, que a Lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita, ou ameaça de ofensa, à sua personalidade física ou moral, permitindo ao ofendido, ou ameaçado, requerer, independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, as providencias adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação de ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida. Tutelam-se os direitos de personalidade, os chamados direitos essenciais, que constituem o núcleo mínimo necessário e imprescindível ao conteúdo da personalidade e sem os quais os outros direitos subjectivos perderiam todo o interesse para o indivíduo.
Na sua casa de habitação, cada um tem o direito de viver em tranquilidade, quer no desenvolvimento dos afazeres de cada dia, quer nos momentos de lazer, e muito especialmente, de aí poder passar, sem ruídos importunos vindos do exterior e produzidos por outrem. Nesse sentido, relembremos o Acórdão do STJ, de 17-01-2002, in www.dgsi.pt: “A ilicitude de um comportamento ruidoso, que prejudique o repouso, a tranquilidade e o sono de terceiros, está no facto de, injustificadamente e para além dos limites do socialmente tolerável, lesar tais baluartes da integridade pessoal. A ilicitude, nesta perspectiva, dispensa a aferição do nível do ruído por padrões legais estabelecidos”.
Por outro lado, nos termos do art.º 483.º do Código Civil, a responsabilidade civil por factos ilícitos tem como requisitos: o facto voluntário, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade. E, os danos não patrimoniais, considerando a sua gravidade, merecem a tutela do direito (artº 483.º e 496.º do C.C.).
Estes danos – não patrimoniais, ou morais – são "prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio, de reputação, de descanso, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização" (A. Varela, Das Obrigações, pág. 623).
De harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 496.°, do Código Civil, "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito", acrescentando o seu n.º 3 que "O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.° (…)" ou seja, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular do direito de indemnização, aos padrões da indemnização geralmente adaptados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, etc.
Donde resulta que, no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: "por um lado, visa reparar, de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada, por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente " (A. Varela, ob. cit., pág. 630).
Assim, o montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, calculado segundo critérios de equidade e tendo em conta as circunstâncias concretas do caso.
Atendendo ao elenco factual provado, é inquestionável que o demandante tenha sofrido incómodos e perda do seu direito ao descanso, tranquilidade e lazer e, pese embora, não se ter logrado provar que o demandante teve dores de cabeça perturbações do sono e stress contínuo (factos alegados, não tendo sido sujeitos a qualquer prova), é lícito concluir que dos factos provados resulta que o descanso, tranquilidade e lazer do demandante, dentro da sua casa, foram postos em causa por facto que a demandada tem que se imputar.
Assim sendo, considerando os factos provados imputados à demandada, a conduta desta desde o momento em que teve conhecimento dos danos causados, o grau da sua culpabilidade, os danos não patrimoniais provados e os padrões da indemnização geralmente adaptados na jurisprudência, consideramos que o valor indemnizatório peticionado pelo demandante - € 4.000 – manifestamente exagerado, pelo que nos termos do n.º 3 do artigo 496.º, do Código Civil, fixo em € 200 (duzentos euros) o montante indemnizatório a pagar pela demandada, ao demandante, a título de danos não patrimoniais.
DECISÃO
Em face do exposto:
a) homologo, por sentença, o acordo a fls. 61 dos autos, condenado as partes a cumpri-lo nos seus precisos termos;
b) no demais, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, condeno a demandada a pagar ao demandante a quantia de € 200 (duzentos euros), absolvendo-a do restante peticionado.
CUSTAS
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, demandante e demandada são condenadas no pagamento das custas em partes iguais.
Notifique as partes desta sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária – art.º 18.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho).
Registe.
Julgado de Paz de Sintra, 11 de Novembro de 2010
A Juíza de Paz,
(Sofia Campos Coelho)