Sentença de Julgado de Paz
Processo: 154/2018-JPCRS
Relator: ELISA FLORES
Descritores: DIREITOS E DEVERES DOS CONDÓMINOS
Data da sentença: 02/28/2019
Julgado de Paz de : CARREGAL DO SAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA
RELATÓRIO
Condomínio do Prédio A, propôs contra B, e mulher, C, a presente ação declarativa enquadrada na alínea c) do n.º 1 do artigo 9º da Lei 78/2001, de 13 de julho, pedindo a condenação destes no pagamento do valor global de € 2 126,31 (dois mil cento e vinte e seis euros e trinta e um cêntimos), respeitante a seis prestações para reparação do elevador e à diferença entre o orçamento aprovado de acordo com a distribuição em partes iguais e o critério da permilagem utilizado pelos demandados de setembro de 2011 a agosto de 2018, e ainda juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Para o efeito a demandante alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 4 a 6 e juntou dez documentos, que aqui se dão por reproduzidos.
Os demandados, regular e pessoalmente citados, apresentaram contestação nos termos constantes de fls. 64 e 65, alegando, em síntese, que não tendo a deliberação em que se decidiu a repartição das quotas em partes iguais sido votada com votos contra, a mesma é nula, pelo que, tendo os demandados sempre pago conforme a permilagem da sua fração, deverá improceder, por falta de fundamento o montante peticionado.
Juntaram doze documentos que aqui também se dão por reproduzidos. Nenhuma das partes apresentou prova testemunhal e os demandados não compareceram na Audiência de julgamento, sendo a respetiva falta justificada atento o facto de residirem nos Estados Unidos da América e outorgarem Procuração com poderes especiais a mandatário judicial.
O litígio não foi submetido a mediação.
-Valor da ação: € 2 126,31 (dois mil cento e vinte e seis euros e trinta e um cêntimos).
O artigo 60º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, na sua alínea c), prescreve que do conteúdo da sentença proferida pelo juiz de paz faça parte uma sucinta fundamentação. Assim:
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
1.º- O Condomínio, ora demandante, tem como atual Administração a empresa D Lda. que foi eleita em 25 de agosto de 2010, e desde então reeleita anualmente no cargo, por Deliberação tomada em Assembleia Geral de Condóminos, a última das quais na Assembleia realizada em 16 de agosto de 2018;
2.º- Encontra-se inscrita na matriz predial urbana da Freguesia de E sob o artigo 2125.º e descrita na Conservatória do Registo Predial de E sob o n.º 0000/19960919-B5 em nome do demandado, casado com a demandada no regime de comunhão geral de bens, a fração autónoma “B5” do prédio, que corresponde ao segundo andar direito, que se destina a habitação tipologia T2, com garagem privativa na cave e arrumos no sótão;
3.º- Por Deliberação da Assembleia de Condóminos realizada em 17 de agosto de 2011, foi deliberado manter-se a repartição das despesas de condomínio em partes iguais para o Lote 29 (cf. Ata nº 3 a fls. 7 a 17 dos autos);
4.º- Situação que se tem mantido até aos dias de hoje;
5.º- Nesta Assembleia de condóminos, votaram contra esta deliberação os proprietários da fração B4, assim como os demandados, que pretendiam a distribuição das despesas de acordo com o critério da permilagem previsto no n.º 1 do artigo 1424º do Código Civil;
6.º- Desde setembro de 2011 os demandados apenas têm pago as quotas de condomínio ordinárias em função do seu arbitrário critério da permilagem, ou seja, o valor constante de quota mensal de €15,83 (quinze euros e oitenta e três cêntimos);
7.º- A permilagem da fração dos demandados é de 25,000%, pelo que o valor das quotas a pagar segundo este critério era o de € 17,07 (dezassete euros e sete cêntimos) mensais no período de setembro de 2011 a agosto de 2014 e de €18,23 (dezoito euros e vinte e três cêntimos) mensais no período de setembro de 2014 a agosto de 2018);
8.º- À data da realização da Assembleia de Condóminos de 16 de agosto de 2018 os demandados eram devedores do valor global de € 2 126,31 (dois mil cento e vinte e seis euros e trinta e um cêntimos) - cf. Ata nº 12 a fls. 19 a 28 dos autos;
9.º- Sendo a importância de € 819,92 (oitocentos e dezanove euros e noventa e dois cêntimos) correspondente à diferença entre o valor de quota mensal aprovado de acordo com a distribuição em partes iguais, € 38.00 (trinta e oito euros), e o valor de € 15.83 (quinze euros e oitenta e três cêntimos) mensais pago pelos demandados de setembro de 2011 a setembro de 2014;
10.º- E o valor de € 1 107,41 (mil cento e sete euros e quarenta e um cêntimos), correspondente à diferença entre o valor da quota de acordo com a distribuição em partes iguais, entretanto atualizada para € 40,00 (quarenta euros) mensais, e o valor de € 15,83 (quinze euros e oitenta e três cêntimos) mensais que continuou a ser pago pelos demandados de outubro de 2014 a agosto de 2018;
11.º- Bem como se encontrava em dívida o valor de € 198,98 (cento e noventa e oito euros e noventa e oito cêntimos), correspondente a seis prestações para reparação do elevador no valor de € 33,33 (trinta e três euros e trinta e três cêntimos), cada uma, considerando repartido o valor total em partes iguais por todos os condóminos;
12.º- Repartição aprovada por Deliberação da Assembleia de condóminos de 25 de Agosto de 2010, em que o demandado marido esteve presente e aprovou – Cf. Ata n.º 2 a fls. 93 a 95 dos autos;
13.º- Foi ainda deliberado na supramencionada Assembleia de condóminos de 16 de agosto de 2018 conceder o prazo de 1 mês para pagamento voluntário da quantia global de € 2 126,31 (dois mil cento e vinte e seis euros e trinta e um cêntimos), sob pena de se avançar para cobrança judicial;
14.º- Assembleia a que os demandados não compareceram, apesar de regularmente convocados, na pessoa do demandado marido;
15.º- Sendo que lhes foi oportunamente notificada a respetiva Ata desta Assembleia, por carta registada rececionada em 24/08/2018;
16.º- Todavia os demandados nada disseram ou reclamaram;
17.º- E não procederam ao pagamento de qualquer importância relativamente ao valor global de € 2 126,31 (dois mil cento e vinte e seis euros e trinta e um cêntimos), para que foram interpelados.
Motivação dos factos provados:
Os factos assentes resultaram da conjugação das declarações das representantes da Administradora do condomínio demandante e dos documentos dos autos que não foram impugnados, ou dos que o foram mas que o seu conteúdo foi corroborado pelas declarações daquelas, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo mesmo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho e no artigo 396º do Código Civil (doravante designado simplesmente C. Civ.)
Mais foram tidos em conta, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do CPC, factos instrumentais e factos que complementam ou concretizam os que as partes alegaram e resultaram da instrução e discussão da causa e relativamente aos quais todos tiveram a possibilidade de se pronunciar.
Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes por falta ou insuficiente mobilidade probatória.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Do facto dos condóminos, nos prédios constituídos em propriedade horizontal, serem proprietários da respetiva fração e em simultâneo comproprietários das partes comuns do prédio, resulta a obrigação de contribuir, através de uma quota mensal, para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, devidamente aprovadas em Assembleias de Condóminos (cf. artigos 1405º, nº 1, 1420º, nºs 1 e 2, 1424º e 1430.º, n.º 1 do C. Civ).
Entende-se por despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns as que sejam indispensáveis para manter essas partes em condições de poderem servir para o uso a que se destinam, quer sejam despesas de manutenção ordinária quer sejam despesas extraordinárias, como no caso, as que se referem à reparação do elevador.
A regra geral em matéria de repartição destas despesas é o que tiver sido estabelecido pelas partes no título constitutivo.
Nada tendo sido estipulado, dispõe como critério o n.º 1 do artigo 1424.º do Código Civil que são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio (cf. nº 1.º, parte final, do artigo 1418º do C. Civ).
Para decidir a presente ação é necessário determinar previamente a validade ou invalidade da Deliberação tomada em Assembleia de Condóminos de 17 de agosto de 2011, no sentido de repartição das despesas de condomínio em partes iguais no Lote 29, onde se situa a fração dos demandados (cf. Ata nº 3 do condomínio), deliberação que foi tomada com dois votos contra, sendo um deles o do demandado.
Os demandados vêm invocar a respetiva nulidade, por violação do disposto no nº 1 do artigo 1424º do C. Civ., nulidade que pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo Tribunal (cf. artigo 286º do C. Civ).
Ora, a norma do nº 1 do artigo 1424º do C. Civ, apesar de tratar-se de ter natureza supletiva, podendo os condóminos disporem de outro modo, a mesma, relativamente a estas despesas, de conservação e fruição das partes comuns (1ª parte do nº 1 do artigo 1424º do C. Civ), só pode ser afastada por alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, por acordo de todos os condóminos e por Escritura Pública ou por Documento Particular autenticado (cf. artigo 1419º do mesmo Código).
Já o pagamento de serviços de interesse comum (2ª parte do nº 1 e nº 2 do artigo 1424º do C. Civ.), que aqui não estão em causa, poderia ser afastado por alteração do Regulamento de Condomínio com o voto de 2/3 do valor total do prédio, sem votos contra.
Como norma supletiva, a do nº 1 do artigo 1424º do C. Civ.,- e não sendo uma norma de interesse e ordem pública, que estabeleça direitos inderrogáveis entre os condóminos, é-lhe aplicável o disposto no nº 1 do artigo 1433º do C. Civ, que estabelece, como regra geral, que as deliberações contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são meramente anuláveis, a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
Não o fazendo, tais deliberações são convalidadas tendo, portanto, de ser acatadas, mesmo pelos condóminos que contra elas votaram. Assim sendo: Relativamente à deliberação de despesas de elevador tomada em 25 de agosto de 2010 (Ata 2) o demandado esteve presente, e embora não tenha assinado a respetiva ata (apenas a folha de presenças) é jurisprudência maioritária de que esta irregularidade, se não foi oportunamente objeto de reclamação, não afeta a deliberação tomada nem a exequibilidade do título nem a força vinculativa da deliberação, considerando-se aprovada pelos presentes se à mesma não se opuseram aquando da votação.
Quanto à deliberação de 17 de agosto de 2011 de repartição igual de despesas de condomínio (Ata 3), tendo havido oposição dos demandados, deveriam tê-la impugnado no prazo de sessenta dias a contar desta data, nos termos do nº 4 do artigo 1433º do C. Civ.
O que não alegaram ter feito. Sendo que também não poderiam alegar o desconhecimento dado que o demandado marido esteve presente.
A caducidade é, neste caso, de conhecimento oficioso, nos termos do nº 1 do artigo 333º do Código Civil e o direito de impugnar as referidas deliberações já tinha caducado há muito quando os demandados contestaram a presente ação.
Nestes termos, sanou-se a invalidade das referidas deliberações (a que se referem as Atas nºs 2 e 3) pelo decurso do tempo, pelo que têm de ser cumpridas por todos os condóminos.
E, não tendo alegado os demandados, e provado, qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do cumprimento desta obrigação, que não desconheciam, nem logrando provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (cf. nº 2 do artigo 342.º e artigos 798º e 799º, todos do Código Civil), são responsáveis, não apenas pelo pagamento do valor em dívida mas também pela reparação dos danos causados ao condomínio demandante.
Tratando-se de obrigações pecuniárias, e não tendo sido estipulado outra penalidade, a indemnização corresponderá, em regra, aos juros legais moratórios, a contar do dia da constituição em mora (cf. artigos 806º e 559º do Código Civil).
Tem, assim, o condomínio demandante direito ao pagamento da quantia peticionada, acrescida de juros de mora desde o fim do prazo que lhes foi concedido para o cumprimento - um mês após a interpelação extrajudicial- ou seja, desde 23 de setembro de 2018, nos termos do nº 1 do artigo 805º do Código Civil -, até efetivo e integral pagamento.
DECISÃO:
Em face do exposto, e dos normativos legais supra mencionados, julgo a presente ação procedente, por provada, e em consequência:
- Condeno os demandados, B e C, ao pagamento à demandante, Condomínio do Prédio A, a importância de € 2 126,31 (dois mil cento e vinte e seis euros e trinta e um cêntimos), acrescida de juros de mora civis, à taxa legal, desde 23 de setembro de 2018 até efetivo e integral pagamento.
Declaro os demandados parte vencida, com custas totais a seu cargo, de que apenas se encontra em falta a importância de €35,00 (trinta e cinco euros), a cujo pagamento deverão proceder no prazo de três dias úteis a contar da presente decisão, sob pena de lhe acrescer uma penalidade por cada dia de atraso, tudo conforme os artigos 1º, 8º e 10º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de dezembro.
Dê-se cumprimento ao disposto no artigo 9º da mesma Portaria.
Registe e notifique.
Carregal do Sal, 28 de fevereiro de 2019
A Juíza de Paz, (Elisa Flores)
Processado por computador (art.131º, nº5 do C P C)