Sentença de Julgado de Paz
Processo: 77/2013-JP
Relator: IRIA PINTO
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
Data da sentença: 07/31/2013
Julgado de Paz de : SANTA MARIA DA FEIRA
Decisão Texto Integral: Sentença

Processo nº x
Relatório
A demandante A, melhor identificada a fls. 1 dos autos, intentou, em 23/5/2013, contra a demandada B, melhor identificada a fls. 1, ação declarativa nos termos do artigo 9º, nº 1, alínea i) da Lei 78/2001, de 13 de julho, formulando o seguinte pedido:
Ser a demandada condenada a reconhecer que a localização do primeiro ramal foi da sua inteira responsabilidade; a reconhecer que a única solução para a Demandante conseguir a ligação à rede pública de fornecimento de água era a construção de um ramal numa localização adequada; a reembolsar o valor cobrado à Demandante pela construção do segundo ramal no valor de 425,90€; além de suportar os encargos da presente ação.
Tendo, para tanto, alegado os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 4 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido. Juntou 18 (dezoito) documentos. Em audiência, juntou 2 documentos e 5 fotografias.
A demandada prescindiu da realização de sessão de pré-mediação (fls. 46).
Regularmente citada a demandada (fls. 40), apresentou contestação de fls. 41 a 46 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, impugnando em suma os factos relatados no requerimento inicial. Juntou 9 (nove) documentos. Em audiência juntou 7 fotografias.
Cumpre apreciar e decidir
O Julgado de Paz é competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e não se verificam quaisquer outras exceções ou nulidades de que cumpra conhecer.
Como dispõe o artigo 60º, alínea c) da Lei 78/2001, 13/7, da sentença constará, além dos demais elementos, uma sucinta fundamentação.
Fundamentação da Matéria de Facto
Factos provados
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 - A Demandante solicitou à Demandada a execução de um ramal de ligação à rede pública de abastecimento de água, uma vez que era proprietária de um terreno lavradio, ramal que foi construído no limite que separa o terreno de sua propriedade da propriedade do seu vizinho.
2 - Solicitou ainda o pagamento da construção desse ramal em 2 prestações, o que foi deferido na mesma data.
3 - A demandante pagou à Demandada, o valor de 448,24€ para a execução do ramal, conforme o estabelecido pela Demandada.
4 – Acontece que, após a construção de uma moradia no terreno mencionado, solicitou à demandada a realização de uma vistoria para ligação à rede pública de abastecimento de água e colocação de contador;
5 – Tendo os técnicos da demandada verificado que o ramal anteriormente executado não satisfazia os requisitos para efetuar a ligação à rede pública, uma vez que ficava muito distante da caixa do contador.
6 - A Demandada informou a demandante que para ter acesso ao fornecimento de água da rede pública deveria optar por alterar a localização da caixa do contador para junto do ramal existente, ou, em alternativa a Demandada procederia à execução de um novo ramal, na localização da caixa.
7 – Tendo a Demandante optado pela construção de um novo ramal.
8 - A Demandada enviou à Demandante uma fatura para pagamento, no valor de 586,96€, em que cobra à Demandante, o valor de 425,90€, relativo ao segundo ramal.
9 – Através de carta, a Demandante reclamou da fatura, solicitando que não fosse debitado o pagamento do novo ramal, por alegada má execução da obra por parte da Demandada.
10 - A Demandada respondeu, por carta, dizendo que a responsabilidade pelo pagamento do novo ramal era da Demandante e por isso aquela devia proceder ao pagamento da fatura.
11 - A Demandante, por carta, contestou o teor da carta enviada pela Demandada insistindo na substituição da fatura que imputa o custo do novo ramal.
12 - A Demandante pagou o valor total faturado pela Demandada, o qual ascendeu a 568,96€ (que inclui o custo do novo ramal), com a emissão de outra fatura.
13 - Em 29/08/2012 a Demandada respondeu à Demandante reiterando o conteúdo de anterior comunicação.
14 - Inconformada com a posição assumida pela Demandada, a Demandante apresentou reclamação na C.
15 - A Demandante também reclamou junto da D, sobre o mesmo assunto.
16 – Reclamações que não surtiram o efeito pretendido pela Demandante.
A fixação da matéria dada como provada resultou da audição das partes, dos factos admitidos, dos documentos de fls. 5 a 34 e 47 a 61, 68 a 77 juntos aos autos, além da prova testemunhal que se referirá a seguir, o que devidamente conjugado com as regras de experiência comum e critérios de razoabilidade alicerçou a convicção do Tribunal.
A Demandante não apresentou testemunhas, tendo as testemunhas da Demandada, apesar de funcionários da mesma, prestado depoimentos credíveis e isentos, reveladores do conhecimento dos factos em questão, nomeadamente a E, que esclareceu o modo de execução dos dois ramais, a solicitação da demandante, o primeiro, para um terreno, o qual foi colocado no limite da propriedade do prédio da demandante, como é usual no caso de terrenos e em diagonal, como também é normal e fica perfeitamente visível, ficando a ponta do ramal, perfeitamente visível, entre a via publica e a propriedade privada, como deve acontecer, o segundo para a moradia, quando foi solicitada a licença de habitabilidade, não tendo havido fiscalização anterior, como deveria ter acontecido, inexistindo a seu ver qualquer má execução por parte da demandada relativamente ao 1º ramal, localização que deveria ter sido considerada pelos técnicos e autores do projeto de construção da moradia para localização do contador, o que não foi, apesar de ser visível a ponta do ramal, mais expôs não ter existido qualquer reclamação relativamente ao 1º ramal; e o F corroborou o exposto pela anterior testemunha, dizendo que o 1º pedido de ramal foi em ... e que a demandante, mais tarde, deu início à obra da moradia sem fiscalização, estando a caixa do contador desfasada da ligação do ramal, tendo dado a alternativa à demandante, de tal ligação ser efetuada através de uma porta pedonal ou com um novo ramal, opção esta escolhida pela demandante, tendo esclarecido que aquele 1º ramal estava localizado no limite da propriedade da demandante, como é normal, inexistindo má execução da demandada relativamente ao mesmo e tendo sido construído o 2º ramal, por não ter sido considerada a localização do anterior.
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou insuficiência de prova nesse sentido. Nomeadamente não ficou provado que a localização do 1º ramal resultasse de má execução por parte da demandada.
Fundamentação da Matéria de Direito
A demandante intentou a presente ação peticionando a condenação da demandada a reconhecer que a localização do primeiro ramal foi da sua inteira responsabilidade; a reconhecer que a única solução para a Demandante conseguir a ligação à rede pública de fornecimento de água era a construção de um ramal numa localização adequada; a reembolsar o valor cobrado à Demandante pela construção do segundo ramal no valor de 425,90, alegando em sustentação desse pedido a celebração de um contrato de prestação de serviços com a demandada, alegando a demandante a má execução de um serviço pela demandada, o que levou a gastos acrescidos no valor de €425,90 na construção de um 2º ramal.
A relação material controvertida circunscreve-se a incumprimento contratual, dispondo o artigo 405º do Código Civil sobre o princípio da liberdade contratual, com os limites previstos na lei. Por outro lado, preconiza o artigo 405º do Código Civil acerca da liberdade contratual, devendo os contratos ser pontualmente cumpridos, só podendo modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimentos dos contraentes ou nos casos previstos na lei (artigo 406º). Assim, as obrigações contratuais devem ser cumpridas nos exactos termos em que são assumidas (pacta sunt servanta) e segundo as normas gerais da boa-fé. Ainda nos termos do artigo 227º, nº 1 do Código Civil, quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na sua formação, proceder segundo as regras de boa-fé, sob pena de ter de responder pelos danos que culposamente causou à outra parte.
Estamos, assim, perante um contrato de prestação de serviços que, segundo o artigo 1154º do Código Civil “… é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”
Constitui uma modalidade do contrato de prestação de serviços a empreitada, prevista nos artigos 1207º e seguintes do código Civil, dispondo o artigo 1207º que “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.”
Considerando, o que dispõe o artigo 1208º do Código Civil, o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o seu uso ordinário ou previsto no contrato. No caso dos autos, acontece que em abril de 2009 a demandante era proprietária de um terreno lavradio, local onde pretendeu a execução de um ramal de ligação à rede pública de água e ficou localizado no limite da propriedade da demandante, como é usual, nestes casos de inexistência de construção, como resultou provado. E em ... a demandante solicitou a realização de vistoria para ligação à rede pública de água e colocação de contador, altura em que a demandada verificou, através de fiscalização, que a caixa para colocação do contador estava muito distante do ramal existente desde ..., não tendo sido possível a ligação do contador. Ou seja, na altura da construção, deveria ser tida em consideração a localização do ramal já existente, o que não aconteceu, o que se provou ter sido imputável à demandante.
Atente-se que quando a demandante inicia a construção da sua moradia, o primeiro ramal de ligação já se encontra executado, sendo a sua localização perfeitamente visível, não obstante não terá sido tido em consideração na altura da elaboração do projeto de construção da moradia. E foi essa omissão que levou à construção do segundo ramal, por opção da demandante, que pretendeu que o mesmo desembocasse no local da caixa do contador, entretanto construída. Além de que a demandante sabia que teria que suportar o custo do novo ramal, como acabou por fazê-lo e, entretanto, não se conformando, terá reclamado de tal pagamento.
Em conclusão, resulta de toda a prova dos autos que a demandada cumpriu integralmente os contratos celebrados com a demandante, na execução de dois ramais de ligação à rede pública de água, a seu pedido, os quais foram devidamente e adequadamente localizados, atendendo o 1º ramal à existência de um terreno, seguindo os procedimentos usuais e após, o 2º ramal considerando a construção da moradia, considerando a proximidade ao contador de água, sendo que após a execução do 2º ramal foi colocado o contador e iniciado o fornecimento de água da rede pública à demandante, como lhe incumbia.
Em consequência do exposto, resultou provado que a demandada terá cumprido com as prestações de serviços acordadas com zelo e diligência, quer relativamente à execução do primeiro ramal, quer no que concerne ao segundo ramal.
Resulta ainda inequívoco que a responsabilidade pela necessidade de execução do segundo ramal se deveu a conduta omissiva que, como acima se expôs, se atribui a responsabilidade da parte demandante, face ao desrespeito da localização do primeiro ramal existente, que não pode ser imputado à demandada, seguindo a localização do primeiro ramal os procedimentos habituais e adequados para a sua execução em terrenos lavradios.
Pelo exposto, face à diligente execução dos dois ramais pela demandada, não é devido por esta qualquer valor à demandante, improcedendo na totalidade os pedidos da demandante.
Decisão
Em face do exposto, julgo a ação improcedente, por não provada e, consequentemente, absolvo a demandada do pedido.
Custas
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, sendo devida pelo presente processo a taxa única de €70,00 (setenta euros), condeno a demandante no pagamento de custas do processo, pelo que tendo pago de taxa de justiça inicial o valor de €35,00, deve ainda a demandante proceder ao pagamento do valor restante de €35,00 (trinta e cinco euros), no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação da sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de €10,00 (dez euros) por cada dia atraso.
Proceda à devolução de €35,00 (trinta e cinco euros) à demandada.
A sentença (conforme A.O., processada em computador, revista e impressa pela signatária - artº 18º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho) foi proferida, nos termos do artigo 60º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho.
Notifique e registe.
Julgado de Paz de Santa Maria da Feira, em 31 de julho de 2013
A Juíza de Paz (em acumulação de serviço)
(Iria Pinto)