Sentença de Julgado de Paz
Processo: 424/2017-JPPRT
Relator: LUIS FILIPE GUERRA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO - CONDIÇÕES PARTICULARES - INDEMNIZAÇÃO
Data da sentença: 06/19/2018
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Proc. nº 424/2017

I. RELATÓRIO:
A, com os demais sinais identificativos nos autos, intentou ação declarativa destinada a efetivar o cumprimento de obrigações contra B – Companhia de Seguros, S.A., melhor identificada a fls. 2, pedindo a condenação da mesma a pagar-lhe a quantia de 2.485,68 €, correspondente ao montante dos prejuízos a reparar na sequência do sinistro por si descrito.
Para tanto, o demandante alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 2 a 5, que aqui se dá por reproduzido, tendo juntado ao mesmo oito documentos.
Regularmente citada, a demandada apresentou a contestação de fls. 43 e 44, que aqui se dá por reproduzida, pugnando pela improcedência da ação.
Não se realizou a sessão de pré-mediação, dado que a demandada afastou expressamente essa possibilidade.
Foi, por isso, marcada e realizada a audiência de julgamento, segundo as regras legais.

II. SANEAMENTO DO PROCESSO:
Verificam-se os pressupostos de regularidade da instância, nomeadamente:
Este julgado de paz é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território (cfr. artigos 6º, 8º, 9º nº 1 a) e 12º, nº 1 da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho).
As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não há outras nulidades, exceções ou outras questões prévias que seja necessário apreciar.
Isto posto, fixa-se o valor da ação em 2.485,68 €.
Assim, cabe apreciar e decidir:

III. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA:
Discutida a causa, ficaram provados os seguintes factos:
1. O demandante celebrou com a demandada um contrato de seguro multirriscos habitação, titulado pela apólice nº MR----------, relativamente ao seu bem imóvel, sito na Rua -----------, 77-81, na cidade do Porto, e respetivo conteúdo.
2. Em Setembro de 2014, na cozinha da habitação do demandante, mais concretamente na banca, ocorreu um problema de escoamento da água, tendo a mesma começado a ficar depositada na pia e a escoar muito lentamente, tornando a utilização da banca muito difícil.
3. O demandante chamou um técnico para tentar descobrir a origem do problema.
4. O tubo que faz o escoamento da água da banca passa da cozinha, que fica ao nível do rés-do-chão, para um piso inferior ao nível da cave e daí faz a ligação para a caixa que fica na parte exterior da casa, no quintal da habitação, posto o que faz o escoamento para a caixa que fica na rua.
5. Atendendo à distância entre a banca e a caixa exterior, foi colocado um sifão de varejamento no tubo de escoamento das águas provenientes da primeira, na cave da habitação, a meio caminho entre as duas.
6. O técnico tentou o desentupimento do referido tubo a partir da caixa exterior situada no quintal para o interior, mas sem êxito.
7. Perante esse facto, o técnico teve que recorrer à abertura do sifão de varejamento.
8. Aquando desse procedimento de abertura do sifão de varejamento, a água que se encontrava no tubo entre a banca da cozinha e o referido sifão saiu de forma repentina para o chão da cave.
9. A água que saiu do tubo que vinha da banca da cozinha causou danos ao nível da cave, designadamente chão de madeira, rodapés e pintura.
10. Na sequência do ocorrido, o demandante fez uma participação à demandada.
11. Após a participação, foi efetuada uma peritagem pelos peritos indicados pela demandada.
12. Nessa peritagem, foram apurados, de forma condicional, danos no imóvel no montante de 2.485,68 €.
13. Da ata técnica da peritagem consta de forma pormenorizada todos os trabalhos a executar e respetivos preços finais.
14. Em 14/10/2014, a demandada enviou ao demandante uma carta a comunicar que o referido sinistro não tinha enquadramento no âmbito da cobertura de danos por água, em virtude dos danos verificados no pavimento de madeira terem sido decorrentes dos trabalhos de desentupimento efetuados ao nível da canalização do imóvel.
15. A água já andava a escorrer lentamente do tubo para o chão da cave antes dos trabalhos de desentupimento.
16. A quantidade de água saída do tubo aquando do desentupimento era insuficiente para causar todos os danos.

Os factos n.ºs 1 a 3 e 10 a 14 assentam no acordo das partes.
Os factos n.ºs 4 a 9 e 15 a 16 tiveram por base o depoimento da testemunha C, canalizador, que efetuou o desentupimento do tubo acima aludido, na habitação do demandante, a pedido deste, e que confirmou o trajeto do mesmo, bem como as manobras por si desenvolvidas para conseguir resolver o problema, tendo-se deparado com uma ratazana morta no interior do tubo, que impedia o normal escoamento das águas da banca para a caixa exterior e que não permitiu o desentupimento de fora para dentro, obrigando à abertura do sifão de varejamento, tendo, então, reparado que havia humidade no local proveniente do referido tubo, por efeito da pressão da água, a qual se veio depois a espalhar pelo chão uma vez aberta a tampa, tendo sido apanhada na medida do possível, sendo certo que, em sua opinião, essa quantidade não era suficiente para causar os danos verificados, e tendo ainda relatado, por outro lado, que demorou cerca de uma semana a ir a casa do demandante após a chamada deste.
Foram também valorados os documentos constantes dos autos, nomeadamente apólice de seguro, relatório de peritagem e carta da demandada para o demandante, bem como o depoimento da testemunha D, supervisor em empresa de peritagens, o qual teve contacto com o relatório de peritagem e com a documentação do processo, sendo de opinião que os danos resultaram dos trabalhos de desentupimento, os quais não deviam ter sido efetuados de dentro para fora com a técnica utilizada, já que, ao destampar as tubagens verticais, a água que estava acumulada caiu por ali abaixo, inundando a sala, sendo certo que 2,5 metros de tubagem carregada de água é suficiente para causar os danos verificados.
Da conjugação da prova produzida com as regras da experiência resultou a convicção de que os danos sofridos pelo demandante foram o resultado combinado quer do lento escorrimento de água acumulada no tubo através da tampa do sifão de varejamento, ao longo de pelo menos uma semana, quer da libertação da mesma aquando dos trabalhos de desentupimento, uma vez que a água se infiltrou para debaixo do soalho em madeira, humedecendo a placa.
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa, nomeadamente se o demandante procedeu à reparação, a expensas suas, das deteriorações causadas no seu imóvel em resultado desta inundação, dado que não foi oferecido qualquer meio de prova a esse respeito, nem que não havia alternativa ao desentupimento pela forma efetuada, se tivessem sido empregues outros meios técnicos.

IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
O artigo 1º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, estipula que por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, enquanto o tomador do seguro se obriga a pagar o prémio correspondente.
Por sua vez, o sinistro corresponde à verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o acionamento da cobertura do risco prevista no contrato, devendo ser participado pelo tomador do seguro ou segurado à seguradora, nos oito dias imediatos àquele em que tenha conhecimento do sinistro (cfr. artigos 99º e 100º, nº 1 do mesmo diploma legal).
Ora, além da prova do prejuízo sofrido, o tomador ou o beneficiário do seguro tem de provar a ocorrência do sinistro, nos termos gerais (cfr. Pedro Romano Martinez. Direito dos Seguros. Lisboa, Principia, 2006, pág. 101). De facto, o artigo 342º, nº 1 do Código Civil faz recair a prova dos factos constitutivos do direito alegado sobre aquele que o invoca. Por seu turno, a seguradora tem a seu cargo o ónus de alegação e prova da verificação de alguma das exclusões das coberturas contratadas.
Por outro lado, a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (cfr. artigo 414º do Código de Processo Civil).
Neste caso, o demandante fez prova da ocorrência do sinistro, bem como do seu enquadramento no contrato de seguro, concretamente nas condições particulares e na alínea a) da cobertura de danos aos bens seguros por rotura de canalizações interiores, constante das condições gerais do contrato de seguro. Com efeito, em resultado do entupimento de um tubo da rede interior de esgotos do edifício, o imóvel do demandante veio a sofrer danos por água. Efetivamente, como resultou da discussão da causa, por efeito da pressão da água acumulada no tubo de escoamento das águas residuais da banca da cozinha do demandante, aquela foi escorrendo lentamente pela tampa das tubagens verticais existentes ao nível da cave (sifão de varejamento), infiltrando-se pouco a pouco para debaixo do soalho em madeira da sala situada na cave.
Por sua vez, a demandada veio alegar que se verificava a exclusão contratual prevista no nº 1 b) da cobertura de danos aos bens seguros por rotura de canalizações interiores, uma vez que os danos se teriam ficado a dever exclusivamente à pesquisa e reparação de entupimentos. E, na verdade, a demandada logrou demonstrar que parte dos danos resultou efetivamente da queda da água acumulada no tubo que se libertou com a abertura do sifão de varejamento para efeitos de se proceder ao desentupimento daquele. No entanto, tudo ponderado, os danos apresentados pelo imóvel não se afiguram inteiramente compatíveis com o contacto pontual da água expelida nas circunstâncias acima descritas com os materiais do soalho, dos rodapés e das paredes. De facto, embora em quantidade razoável, parte dessa água, que se espalhou pelo soalho, foi apanhada pelo demandante e o canalizador que procedeu ao desentupimento do tubo em causa.
Ora, como decorre do artigo 126º, nº 1 do RJCS, em caso de sinistro, o segurado deve empregar os meios ao seu alcance para prevenir ou limitar os danos. Neste caso, porém, na ânsia de resolver o problema, o demandante contribuiu para o agravamento dos danos, uma vez que acabou por precipitar a saída de água do tubo para o chão da sala, aumentando o fluxo daquela que já tinha vindo a cair paulatinamente para esse local. Deste modo, há lugar à aplicação do disposto no nº 3 do mesmo preceito legal, o qual remete para o artigo 101º, nº 1 do mesmo preceito legal, que admite que o contrato possa prever a redução da prestação do segurador, atendendo ao dano que o incumprimento do dever acima aludido lhe cause. E, efetivamente, o contrato de seguro prevê essa possibilidade, como resulta da cláusula 22ª, nº 1 b) e 3 a) das condições gerais. De resto, a igual resultado se poderia chegar por via do artigo 570º, nº 1 do Código Civil.
Assim sendo, para fixar o valor da indemnização devida, é necessário ponderar a proporção com que o demandante contribuiu para o agravamento dos danos. Para esse efeito, não se pode escamotear o facto de ter decorrido cerca de uma semana entre o momento em que foi detetado o problema e a sua resolução, em função da disponibilidade do canalizador para se deslocar a casa do demandante, durante a qual a água foi gotejando pela tampa do sifão de varejamento, sem que o demandante soubesse. Por outro lado, torna-se necessário atender à quantidade de água acumulada no tubo entupido que se verteu para o chão quando o sifão foi aberto, sendo certo que a referência são cerca de 2,5 metros de tubo até ao local do estrangulamento. Isto posto, afigura-se equitativo reduzir o valor da indemnização devida a 1.491,41 €, correspondente a 60% do valor dos prejuízos verificados.

V. DECISÃO:
Nestes termos, julgo a presente ação parcialmente procedente e provada e, consequentemente, condeno a demandada a pagar ao demandante a quantia de 1.491,41 €, absolvendo-a do demais peticionado.
Custas por demandante e demandada na proporção do respetivo decaimento, fixando as mesmas em 40% par ao primeiro e 60% para a segunda (cfr. artigos 607º, nº 6 do CPC e 8º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro).
Registe e notifique.
Porto, 19 de Junho de 2018,

O Juiz de Paz,


(Luís Filipe Guerra)