Sentença de Julgado de Paz
Processo: 233/2015-JP
Relator: GABRIELA CUNHA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO/ DESISTÊNCIA/ DESPESAS CONTRATUAIS
Data da sentença: 12/16/2015
Julgado de Paz de : SINTRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

RELATÓRIO:

A, melhor identificada a fls. 1, intentou contra B e C, melhor identificados, também a fls. 1, a presente ação, pedindo que estes sejam condenados no pagamento da quantia de € 428,80 (quatrocentos e vinte e oito euros e oitenta cêntimos), relativo ao montante por esta entregue a título de reserva, despesas e juros de mora vencidos, acrescida de juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.

Para tanto alegou os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 1 a 6, que se dá por reproduzido. Juntou documentos (fls.7 a 17) que, igualmente, se dão por reproduzidos, e procuração forense.


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Os demandados foram regularmente citados.

O demandado B apresentou contestação nos termos plasmados a fls. 37 a 39 dos autos, que aqui se dá por reproduzida. Juntou documentos (fls. 40 a 55) que, igualmente, se dão por reproduzidos.


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O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território. Não existem nulidades que invalidem todo o processado.

As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.

Não existem exceções de que cumpra conhecer ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.


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Aberta a Audiência, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no artº 57.º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei nº 54/2013, de 31 de julho, tendo-se explorado todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no nº 1 do artº 26.º do mesmo diploma legal, o que não logrou conseguir-se, tendo-se procedido à Audiência de Julgamento, com observância do formalismo legal como das atas se infere.

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Os FACTOS:
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
a) A demandante teve que retirar a sua mãe do lar onde esta se encontrava, por encerramento do mesmo.
b) Com o objectivo de encontrar uma casa para habitar com a sua mãe, a demandante contatou a segunda demandada, -
c) que tinha angariado para arrendamento o imóvel, propriedade do primeiro demandado, sito na Rua xxxx, sito no Casal do Cotão, Cacém.
d) A demandante visitou o imóvel supra identificado.
e) A demandante aceitou as condições do arrendamento e entregou à segunda demandada, a título de reserva a quantia de € 380,00 (trezentos e oitenta euros).
f) O primeiro demandado assinou o contratado de arrendamento, datado de 24 de setembro de 2014, a iniciar em 1 de outubro de 2014.
g) A demandante constava no contrato de arrendamento como fiadora, sendo inquilina a D.
h) A demandante tomou posse do imóvel em 24 de setembro de 2014.
i) Nesse dia, o primeiro demandado deslocou-se à fração acompanhado de E para proceder às contagens dos contadores de água, luz e gás e encontrou na fração identificada em c) supra uma cama articulada e cadeiras de rodas e diverso material de apoio a idosos,
j) E encontrou duas senhoras idosas na sala.
k) O primeiro demandado desistiu de celebrar o contrato de arrendamento,
l) O que comunicou à demandante.
m) A demandante ocupou o imóvel apenas algumas horas.
n) A segunda demandada entregou ao primeiro demandado a quantia recebida a título de reserva.
o) A demandante enviou uma carta ao primeiro demandado, que este recebeu, solicitando a devolução do montante entregue a título de reserva.
p) Em 2 de junho de 2015, F emitiu uma fatura no valor de € 375,15 (trezentos e setenta euros e quinze cêntimos) relativa a trabalhos realizados na fração identificada em c) supra. -
q) O primeiro demandado apresentou uma queixa contra a segunda demandada no Instituto da Construção e do Imobiliário. -
r) O primeiro demandado em 1 de outubro de 2014 celebrou um contrato de arrendamento da fração identificada em c) supra com G e esposa H.
Factos não provados: -Não se provaram outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente:

1. A demandante procedeu ao transporte da sua mãe através de ambulância, tendo despendido a quantia de € 40,80 (quarenta euros e oitenta cêntimos). -
2. Os quartos de chão de madeira estavam riscados e as paredes do quarto principal e da sala estavam sujas e riscadas e com vários danos,
Motivação:
Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos e depoimento prestado em sede de audiência final. Foi relevante o depoimento da testemunha I, comercial que acompanhou o processo relativo ao arrendamento em causa nos autos. O seu depoimento foi esclarecedor e credível. O depoimento da testemunha chamada pelo Tribunal, J, revelou-se pouco credível, uma vez que não soube esclarecer o tribunal da data em que realizou obras na fração em causa nos autos, tendo aderido à versão dos factos apresentada pelo demandado. As testemunhas apresentadas pela demandante revelaram-se pouco credíveis, prestando um depoimento confuso e pouco isento e o depoimento da testemunha apresentada pelo primeiro demandado, E, companheira deste, revelou-se, credível, no que respeita a existir material de assistência a idosos na fração, tendo no restante aderido à versão apresentada pelo demandado.


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O DIREITO:

A demandante intentou a presente ação, peticionando a condenação dos demandados na restituição da quantia paga a título de reserva de um contrato de arredamento, que não se chegou a concretizar, por desistência da celebração do mesmo, pelo primeiro demandado. A locação é o arrendamento de uma coisa imóvel nos termos do disposto nos artigos 1023.º e 1022.º do Código Civil (Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição), e, como negócio bilateral, emergem desse contrato direitos e obrigações para ambas as partes, nos termos dos artigos 1031º e 1038º ambos do Código Civil, estando este contrato sujeito à forma escrita (art.º1069 do C.C.).

-Por ouro lado, estipula o artigo 227.º, nº 1 do Código Civil, quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na sua formação, proceder segundo as regras de boa fé, sob pena de ter de responder pelos danos que culposamente causou à outra parte, quer no caso das negociações serem interrompidas, quer no caso do contrato se consumar.

Da prova produzida nos autos resulta que, a demandante pagou à demandada imobiliária, a título de reserva de arrendamento de um imóvel, a quantia de € 380,00 (trezentos e oitenta euros). Certo é que, antes da assinatura do contrato de arrendamento, onde esta figura como fiadora, a demandante tomou posse da fração. Acontece que, o primeiro demandado deslocou-se à fração e constatou que, na mesma, existiam uma cama articulada e cadeiras de rodas e diverso material de apoio a idosos e desistiu de celebrar o contrato de arrendamento, ao suspeitar que o imóvel iria ser utilizado para um destino diferente, ou pelo menos, a ser utilizado por mais pessoas do que estava previsto. E nesse sentido, foi clara a testemunha ouvida que disse que tinha saído do lar e que ia morar naquela fração, existindo, também, uma clara confusão entre a responsável do lar e a pessoa da inquilina daquele imóvel. Perante esse facto, o demandado desistiu de celebrar o contrato de arrendamento, o que transmitiu à demandante, sendo a sua conduta reveladora de aceitar tal decisão, uma vez que abandonou o imóvel, Assente ficou que, a demandada entregou ao demandado a quantia entregue pela demandante a título de reserva, tendo esta remetido uma carta ao demandado a requerer a restituição da quantia, o que este não fez. Alega o demandado que, a demandante lhe causou danos no imóvel, nomeadamente, os quartos de chão de madeira estavam riscados e as paredes do quarto principal e da sala estavam sujas e riscadas e com vários danos, e que assim sendo, tinha direito de reter o valor recebido. Ora, não logrou provar tais danos, como lhe incumbia (art.º 342.º C.C.). Aliás, como resultou provado, poucos dias depois, o demandando celebrou um contrato de arrendamento da fração em causa a terceiros. Acresce que, a fatura junta aos autos encontra-se datada de 2 junho de 2015, não sabendo ao certo a testemunha que realizou as obras, em que data as realizou.

Certo é que, o demandado recebeu (indirectamente) da demandante a quantia de € 380,00 (trezentos e oitenta euros), que não lhe era devida, uma vez que o contrato de arrendamento não se concretizou, e não a restituiu, ou seja, locupletou-se sem causa justificativa. -Dispõe o nº 1 do art.º 473.º do Código Civil que “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.”. E o nº 2 que “A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido …”. Assim, para que possa existir a obrigação de restituir com fundamento no enriquecimento sem causa exige-se, principalmente, a verificação de três requisitos: a) a existência de um enriquecimento;

b) a falta de causa que o justifique;

e c) que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem pretende a restituição.

Vejamos, então, se estes requisitos se encontram preenchidos, no caso em apreço.

Resulta provado que existiu um enriquecimento, isto é, o demandado viu o seu património valorizado; o enriquecimento foi obtido à custa da demandante e entre um e o outro facto existe uma directa correlação. Assim, “enquanto um património aumenta ou deixa de diminuir, no outro dá-se o inverso: diminui ou deixa de aumentar. Relativamente à ausência de outro meio jurídico, dispõe o art. 478.º do C.C. que “não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído (…)”. Isto é, o instituto do enriquecimento sem causa apresenta carácter residual e apresenta-se como ação subsidiária, quando a ordem jurídica não apresenta outro meio (quer originário, quer superveniente) para cobrir os prejuízos daquele que viu o seu património desvalorizado, o que também se verifica nos presentes autos.

Já a última parte do art. 474.º do C.C. se refere ao requisito da ausência de preceito legal que negue o direito à restituição ou atribua outros efeitos ao enriquecimento. Isto é, não haverá lugar à restituição por enriquecimento quando o ordenamento jurídico recusar este direito, ou quando a lei atribua outros efeitos àquele enriquecimento. Cabe referir que também este último requisito se encontra preenchido no caso em apreço.

Assim sendo, e após verificados todos os pressupostos do enriquecimento, diz-nos o art. 479.º nº 1 do C.C. que “a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido (…)”. Nos presentes autos, o pedido da demandante, corresponde ao valor exacto da quantia entregue, para além do valor acordado, ao demandado, pelo que deve ser essa mesma a medida da restituição. Vejamos, agora, a responsabilidade da demandada.
De acordo com o respetivo regime legal (Decreto-Lei nº 211/2004, de 20 de agosto, com a redação dada pela Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, a atividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objeto seja um bem imóvel.

Como se esclarece no nº 2 do artigo 2 da referida Lei “A atividade de mediação imobiliária consubstancia-se no desenvolvimento de: ações de prospeção e recolha de informações que visem encontrar o bem imóvel pretendido pelo cliente e ações de promoção dos bens imóveis sobre os quais o cliente pretende realizar negócio jurídico, designadamente, através da sua divulgação, publicitação ou da realização de leilões”.

Por tal contrato, o mediador obriga-se a conseguir (ou diligenciar por conseguir) interessado para certo negócio e a aproximar esse interessado do comitente (com vista a que estes possam estabelecer as condições do negócio).

Da matéria fáctica assente resulta que, a demandante contatou a demandada com o objectivo de tomar de arrendamento um imóvel para habitar com a sua mãe e duas senhoras idosas, tendo após a visita à fração do demandado entregue à segunda demandada a quantia de € 380,00 (trezentos e oitenta euros), a título de reserva. Provado ficou que, o primeiro demandado desistiu da celebração do contrato.

Ora, dispõe o nº 1 do art.º 18 do supra referido diploma que “consideram-se depositadas à guarda da empresa de mediação quaisquer quantias que lhe sejam confiadas, nessa qualidade, antes da celebração do negócio ou da promessa do negócio visado com o exercício da mediação. O nº 2 do mesmo artigo estipula que “as empresas de mediação estão obrigadas (…) a restituir, a quem as prestou, as quantias mencionadas no número anterior”. Mais, ao depósito efetuado nº nº 1 do supra referido artigo aplicam-se as disposições previstas no código civil para o contrato de depósito (depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando exigida – art.º 1185.º C.C.).

Ora, conforme previsto na alínea c) art.º 1187.º do código civil, o depositário é obrigado a restituir a coisa. -Assim, sendo a demandada fiel depositária, e não se tendo celerado o contrato, por vontade do seu “cliente”, deveria restituir a quantia a título de reserva a quem a entregou. O que esta não fez.

Assim sendo, é também a demandada responsável pela restituição da quantia entregue. Quanto às alegadas despesas com ambulância para deslocação da mãe da demandante para a fração em causa, estas não podem ser imputadas aos demandados, por não provada a sua responsabilidade nas mesmas, improcedendo este pedido. Relativamente aos juros peticionados, verificando-se atraso no pagamento da prestação por causa imputável ao devedor, no caso os ora demandados, constitui-se estes em mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados ao credor, a aqui demandante (artigo 804º do Código Civil). Tratando-se de obrigações pecuniárias, a indemnização corresponderá aos juros a contar do dia de constituição em mora (artigo 806º do Código Civil). Deste modo, a demandante tem direito a juros de mora, à taxa legal de 4% (artigo 559º do Código Civil e Portaria nº 291/03, de 8 de Abril), desde a data da citação dos demandados, até efetivo e integral pagamento.


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DECISÃO


Em face do exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, condeno os demandados, solidariamente, a restituírem à demandante a quantia de € 380,00 (trezentos e oitenta euros), acrescida de juros de mora contabilizados desde a citação até efetivo e integral pagamento, indo no mais absolvidos.

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Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro, custas pelos demandados.-
Cumpra-se o disposto no número 9 da mesma portaria, em relação à demandante.

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Registe e notifique.

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Julgado de Paz de Sintra, 16 de dezembro de 2015

(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – artº 131º/ 5 do C.P.C - Verso em Branco)

Gabriela Cunha