Sentença de Julgado de Paz
Processo: 122/2018-JPBBR
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL - DANOS PROVOCADOS POR ACTOS PRATICADOS NO DIAGNÓSTICO DE AVARIA - CONTRATO DE EMPREITADA
Data da sentença: 09/26/2018
Julgado de Paz de : OESTE - BOMBARRAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA
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Processo n.º 122/2018JP
RELATÓRIO:
A, identificado a fls. 1 e 3, propôs em 15 de maio de 2018 contra B – COMÉRCIO E REPARAÇÃO DE VEÍCULOS AUTOMÓVEIS S.A. melhor identificada a fls. 1 e 12, a presente acção declarativa de condenação, pedindo que esta fosse condenada a reparar o dano causado na cortina do tecto de abrir do seu veículo pela oficina demandada e a providenciar uma viatura de substituição durante o período que durar tal reparação.
Para tanto, alegou os factos constantes do seu Requerimento Inicial de fls. 3 que se dá por integralmente reproduzido.
Juntou 2 documentos (fls. 4 e 5) que igualmente se dão por reproduzidos.
Regularmente citada, veio a demandada apresentar contestação de fls. 12 a 15 pugnando pela improcedência da acção.
Juntou um documento correspondente a uma fotografia do tecto de abrir do veículo em causa nos autos.
Tendo a Demandada afastado o recurso à Mediação, procedeu-se á marcação da Audiência de Discussão e Julgamento, para o dia 5 de Setembro de 2018.
Procedeu-se à realização da Audiência de Julgamento, com observância do formalismo legal, conforme da respectiva acta melhor se alcança.
O demandante juntou aos autos os documentos de fls. 41 a 48 que aqui se dão por reproduzidos .

SANEAMENTO
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
Não existem nulidades que invalidem o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem excepções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito da causa.

QUESTÕES A DECIDIR
Ao tribunal cabe decidir a) o enquadramento legal do contrato celebrado b)a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil decorrente do referido contrato b) da obrigação da demandada indemnizar o Demandante pelos danos verificados

FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficaram provados os seguintes factos:
1. O demandante é proprietário do veículo ligeiro de passageiros de matricula ID- Marca -------- do ano de 2009 - ( Doc fls 41) :
2. Em 21 de Julho de 2017, o demandante celebrou com a empresa C – Garantia e Assistência Automóvel S.A., um contrato de garantia convencional (cfr. doc. fls 41 a 44).
3. No dia 17 de Abril de 2018, o demandante, ao abrigo da referida garantia e por indicação da C, entregou o veículo identificado em 1 na oficina da demandada em Torres Vedras para verificação de eventuais avarias, vulgarmente designado por diagnóstico.
4. A demandada procedeu á verificação da viatura, tendo efectuado um test-drive para apuramento dos problemas de direcção e procedeu á verificação do tecto de abrir;
5. Ao acionar o mecanismo, o tecto de abrir não abria e a cortina não fechava na sua totalidade;
6. Para o vidro do tecto levantar é obrigatório que a cortina esteja toda recolhida;
7. A cortina recolhe através de guias corrediças e um motor eléctrico que a faz recuar;
8. Para verificar o relatado problema do tecto de abrir, a demandada teria de começar por recolher a cortina e ao fazê-lo, imediatamente, ficou encravada nas corrediças.
9. O tecido da cortina encontrava-se preso nas corrediças bloqueando o seu normal funcionamento.
10. A demandada, ao “desencravar” a cortina do tecto de abrir, em tecido, que estava presa á calha, rasgou o tecido da mesma e soltou a calha;
11. A cortina apresenta um rasgo de cerca de 6 centímetros e a calha encontra-se solta.
12. O mecanismo eléctrico que recolhe o tecto de abrir e a cortina do veículo, que não funcionava, ficou a funcionar em virtude da retirada do tecido encravado.
13. A demandada procedeu á elaboração de orçamento que não foi aceite pela C porquanto entendeu que a reparação da cortina não estava no âmbito da garantia contratada; (doc. fls 47);
14. A demandada facturou o serviço de diagnóstico à empresa C – Garantia e Assistência Automóvel S.A.
15. O demandante apresentou reclamação junto da demandada, no acto de entrega da viatura (cfr. doc. fls 5).

Não provados:
1 - Que a cortina tinha rasgos pré-existentes à intervenção da demandada e que se encontrava ressequida pelo sol.
2 - Que a vida útil normal da cortina é inferior a 8 anos.
3 - Que o tecido da cortina vai perdendo as suas propriedades, tornando-se mais fraco e que tal é comum e transversal a praticamente todas as marcas de carros que utilizam o sistema de cortinas.
4 - Antes da intervenção da demandada, a cortina estava lassa, folgada, danificada e deteriorada.
5 - O tecido rasgou dado o grande desgaste do mesmo.

Não resultaram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes ou com interesse para a decisão da causa.

MOTIVAÇÃO
A convicção probatória do tribunal, de acordo com a qual se selecciona a matéria dada como provada ou não provada, ficou a dever-se ao conjunto da prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomados em consideração os documentos de fls .4,5, 41 a 48 ; a inspecção judicial ao veiculo cfr. auto de fls 50 conjugada com o depoimento da testemunha D – chefe de oficina da demandada - , que explicou os actos praticados pelo mecânico para realização do diagnóstico pedido bem como o funcionamento do mecanismo em causa e relatou que o rasgo da cortina resultou da acção do funcionário que a puxou para a desencravar da calha, a fim de verificar eventual avaria do mecanismo eléctrico (factos sob os n.ºs 4,8,9,10,11,12)
Igualmente se tomaram em consideração as declarações da testemunha E, funcionário da demandada, sem conhecimentos técnicos de mecânica que confirmou a reclamação apresentada pelo demandante, bem como explicitou que o diagnóstico foi facturado à C, porquanto foi realizado ao abrigo do contrato de garantia. (factos sob os n.º14 e 15)
Quanto á matéria dada por não provada, resulta da ausência de prova que infirmasse tais factos, sendo certo que ambas as testemunhas apresentadas desconheciam os factos sob os n. 2 e 3 e quanto aos factos sob os n.os 1,4, e 5 são contrários a factos dados como provados.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
Para o devido enquadramento jurídico da relação material controvertida diremos que, o diagnóstico prévio á reparação de uma viatura, constitui acto integrante do contrato de empreitada, - ainda que preparatório da reparação.
Na prossecução de tal diligência, ocorreram danos no veículo, atendendo á matéria dada como provada nos autos.
A questão a decidir será, portanto, a responsabilidade da oficina reparadora por danos causados por actos tendentes á verificação do veículo que se pretendia reparar.
A empreitada é, nos termos do disposto no art. 1207º do CC, o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço, referindo P. de Lima e A. Varela que “como realização de uma obra deve entender-se não só a construção ou criação, como a reparação, a modificação ou a demolição de uma coisa…do que não pode prescindir-se é dum resultado material, por ser esse o sentido usual, normal, do vocábulo obra e tudo indicar que é esse sentido visado pelo artigo 1207º.”
Assim, a obrigação do empreiteiro é executar a obra, nos termos acordados e, uma vez concluída restituir a coisa ao respectivo dono.
Ora, se ao realizar o serviço para que foi contratado, o empreiteiro causa outros danos na coisa a reparar, deverá eliminá-los antes de entregar a coisa ao seu dono. Na realidade, o mesmo sucederia por exemplo, se no realizado teste de estrada, a demandada causasse um acidente do qual resultassem danos materiais para o veículo.
Ainda que as partes não tenham, por outros motivos, acordado na reparação, a oficina sempre teria de entregar o veículo ao demandante, no estado em que lhe foi entregue.
No caso em apreço, verificamos que o tecto de abrir tinha uma avaria mas também que a cortina daquele mecanismo não se encontrava rasgada – antes presa no mecanismo. O rasgo na cortina veio a verificar-se por acção da demandada, ainda que bem-intencionada e na prossecução do que lhe foi incumbido.
De facto, é exigível á demandada um especial dever de cuidado e cumprimento das leges artis, na verificação dos materiais, quando efectua diagnósticos de avaria.
Assim, a responsabilidade decorrente da acção da demandada enquadra-se na responsabilidade civil contratual.
Ora, nos termos do disposto no art. 798º e 1223º do Código Civil, o contraente que não cumprir as obrigações decorrentes do contrato, torna-se responsável pelos danos que causar á contraparte, recaindo sobre si presunção de culpa.- art. 799º do mesmo código.
Ao demandante incumbirá provar os restantes requisitos da responsabilidade civil, ou seja a ocorrência do facto lesivo e o nexo de causalidade entre esse facto e o dano provocado, de acordo com a teoria da causalidade adequada.
De facto, tal como na responsabilidade extracontratual ou delitual, na responsabilidade contratual são quatro os pressupostos: o facto ilícito, a culpa (que aqui se presume – art.799º/1, C.C.), o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Ora, da factualidade provada resultam claramente que os referidos requisitos se encontram preenchidos, porquanto, como expendido o dano na cortina resultou da acção da demandada.
Assim, dúvidas não restam de que o pedido de reparação do dano haverá de proceder, nos termos do disposto no art. 562º do CC.
No que diz respeito à peticionada entrega de viatura de substituição pelo tempo necessário á referida reparação, diga-se que, nos termos do disposto no art. 564º CC, o tribunal pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis. De facto, atendendo á condenação da demandada a reparar o veículo, necessariamente tal acarretará a privação do seu uso pelo tempo que decorrer a dita reparação.
Por forma a prevenir a verificação de tal dano, procederá igualmente o pedido do demandante, no que ao veículo de substituição diz respeito.

Decisão:
Nos termos e com os fundamentos invocados, decido declarar a presente acção procedente e em consequência condena-se a demandada a reparar o dano provocado na cortina do tecto de abrir do veículo ID , bem como entregar ao demandante uma viatura de substituição pelo tempo necessário á dita reparação.
As custas serão suportadas pela demandada que se declara parte vencida (Art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro e n.º 3 do art.º 446.º, do C.P.C.).



Registe
Bombarral , 26 de Setembro de 2018
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 138.º/5 do C.P.C.)
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(Cristina Eusébio