Sentença de Julgado de Paz
Processo: 82/2015-JPSRT
Relator: JOANA SAMPAIO
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data da sentença: 12/12/2017
Julgado de Paz de : SERTÃ
Decisão Texto Integral: PROCESSOS 82/2015 E 83/2015

SENTENÇA

I. RELATÓRIO

AA e BB, melhor identificados a fls. 1 dos autos, vieram intentar a presente ação declarativa, com fundamento na alínea i) do n.º 1 do art. 9º da lei n.º 78/2001, de 13 de julho (alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho) contra CC e a sociedade comercial DD, Lda., melhor identificado a fls. 1 verso dos autos, pedindo que estes fosses condenados a pagar aos Demandantes a quantia de €11.410,00 (onze mil quatrocentos e dez euros) referente ao valor do corte de eucaliptos de sua propriedade; a quantia de €79,84 (setenta e nove euros e oitenta e quatro cêntimos) referente a despesas inerentes à devolução do cheque do valor referido; a quantia não inferior a €500,00 (quinhentos euros) referente a indemnização pela litigância de má fé por parte dos Demandados, e ainda, a entregar aos Demandantes a auto - fatura referente ao contrato de corte dos eucaliptos.
Para tanto, alegou, em suma, que são proprietários de diversas courelas de eucaliptos e pinhal na freguesia da Ermida; ainda em vida, o pai da Demandante mulher entregou à confiança das suas três filhas todos os seus prédios, permitindo que vendessem eucaliptos e/ou pinheiros ou permitissem o corte; decidiram, conjuntamente com irmãs e cunhadas, vender os eucaliptos em idade adulta; para tal contactaram o Demandado CC, com o qual acordaram verbalmente que, os Demandantes em conjunto com irmãs e cunhadas, venderiam um eucaliptal pelo valor global de €34.230,00. Para pagamento, o Demandado CC entregou aos Demandantes um cheque, cuja titularidade é a Demandada DD, Lda., no valor de €11.410,00 (onze mil, quatrocentos e dez euros), o qual foi devolvido por falta de provisão.
Para prova do por si alegado juntou 5 (cinco) documentos, de fls. 4 a 8, que se dão por reproduzidos.
Os Demandados foram regularmente citados, em 31-08-2015, cfr. fls. 48 e 49 dos autos, tendo apresentado a contestação de fls. 60 e 61, na qual, em síntese, alegam que o Demandado CC não agiu no negócio em questão a título pessoal, mas enquanto legal representante da demandada DD, Lda.; foi esta sociedade que emitiu os três cheques para pagamento do preço acordado entre aquela e a demandante e suas irmãs.
Foi agendada a sessão de pré-mediação para o dia 22-09-2015, a qual não se realizou por falta dos Demandados.
Por despacho de 09-08-2017 (fls. 93 e 94) foi julgada a instância extinta, por inutilidade superveniente da lide, relativamente à Demandada DD, Lda., declarada insolvente por sentença transitada em julgado. Prosseguiram os autos contra o Demandado CC, tendo sido agendada e realizada a Audiência de Julgamento, na qual compareceram os Demandantes e Demandado, tendo ambos oferecido prova testemunhal.
Foi requerida, no âmbito do processo nº 82/2015 pelas partes a apensação do processo nº 83/2015 àquele, a qual foi deferida por despacho de fls. 160 a 163.
No processo apenso é Demandante a irmã da Demandante AA, EE, a qual requer a condenação dos demandados CC e a sociedade comercial DD, Lda., a pagar a quantia de €11.410,00 (onze mil quatrocentos e dez euros) referente ao valor do corte de eucaliptos de sua propriedade; a quantia não inferior a €500,00 (quinhentos euros) referente a indemnização pela litigância de má fé por parte dos Demandados, e ainda, a entregar a auto - fatura referente ao contrato de corte dos eucaliptos.
Para prova do por si alegado juntou 2 (dois) documentos, de fls. 4 e 5, que se dão por reproduzidos.
Os Demandados foram regularmente citados, em 31-08-2015, tendo apresentado a contestação de fls. 53 e 54, nos mesmos termos que apresentaram na ação principal.
A sessão de pré-mediação não se realizou por falta dos Demandados.


II. SANEAMENTO DO PROCESSO
Verificam-se os pressupostos de regularidade da instância, já que:
O Tribunal é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território, nos termos do disposto no artigo 6º nº 1, 8º, 9º nº 1 al. i), 10º e 12º nº 1, da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, respetivamente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não existem nulidades, exceções ou outras questões prévias a conhecer.
Fixa-se o valor da ação principal em €11.989,84 (onze mil novecentos e oitenta e nove euros e oitenta e quatro cêntimos) e do processo apenso em €11.910,00 (onze mil novecentos e dez euros), conforme indicação dos Demandantes e artigo 315º nº 1 do Código de Processo Civil (CPC).

III. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Consideram-se provados e relevantes para o exame e decisão da causa, nomeadamente, os seguintes os factos:
1 – Os Demandantes são proprietários de diversas courelas de eucaliptos e pinhal na freguesia da Ermida;
2 - Algumas das quais que, herdaram dos pais das Demandantes AA e EE;
3 - Ainda em vida, o pai da Demandante mulher entregou à confiança das suas três filhas todos os seus prédios, permitindo da mesma forma que, vendessem eucaliptos e/ou pinheiros que permitissem o corte;
4 - Decidiram os Demandantes, conjuntamente com irmãs e cunhadas, vender os eucaliptos em idade adulta, a fim de realizarem algum dinheiro;
5 - Contactando o Demandado CC, acordaram verbalmente que, os Demandantes em conjunto com irmãs e cunhados, venderiam um eucaliptal pelo valor de €34.230,00 (trinta e quatro mil, duzentos e trinta euros);
6 - O valor a pagar referido no ponto precedente, seria dividido em três cheques, sendo que, cada cheque passado à ordem das herdeiras.
7 - Um desses cheques passado à ordem da Demandante AA, no valor de €11.410,00 (onze mil, quatrocentos e dez euros);
8 - Os outros dois, no mesmo valor cada um, passados à ordem das restantes herdeiras;
9 – Entre os quais, um cheque passado à ordem da Demandante EE, no valor de €11.410,00 (onze mil, quatrocentos e dez euros);
10- O corte e remoção de toda a madeira de eucalipto foi feito durante o mês de Junho de 2014;
11- Após, e depois de muitas insistências dos Demandantes, o Demandado CC passou os referidos cheques conforme tinham acordado aquando do contrato verbal de compra e venda;
12 – O Demandado CC entregou aos Demandantes AA e marido três cheques, cuja titularidade é a Demandada DD, Lda., no valor de €11.410,00 (onze mil, quatrocentos e dez euros) cada um;
13- Os Demandantes AA e marido e EE depositaram o cheque;
14 - Receberam na sua morada o cheque devolvido por falta de provisão;
15- A demandante AA e marido, juntamente com despesas inerentes à mesma devolução que somam a quantia de €79,84 (setenta e nove euros e oitenta e quatro cêntimos);
16 – Além do cheque dos Demandantes, também o cheque de igual valor da irmã da Demandante mulher foi devolvido pelo banco X por falta de provisão.
17 – O Demandado não entregou aos Demandantes Auto-fatura referente ao contrato de compra e venda;
18 - O Demandado CC agiu no negócio em questão enquanto legal representante da sociedade comercial DD, Lda.;
19 – A demandada DD, Lda. procedeu à emissão de três cheques post datados, no valor unitário de €11.410,00 (onze mil quatrocentos e dez euros), para pagamento da quantia do preço acordado entre a demandada DD, Lda. e a demandante e suas irmãs.
20- A Demandante aceita o cheque emitido pela demandada DD, Lda.;
21- A demandada DD, Lda. não procedeu ao pagamento do cheque em questão na data acordada.

Os factos assentes resultaram da conjugação ponderada dos factos admitidos por acordo, das declarações de parte prestadas pelo Demandado CC e a Demandante no processo apenso EE, dos documentos juntos aos autos e da prova testemunhal, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do CPC, aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho e no artigo 396º do Código Civil (CC).
Quanto às testemunhas arroladas pelos Demandantes:
FF: referiu conhecer o Demandado CC pois fez negócio com ele depois da demandante e da irmã; não sabia que o demandado tinha uma sociedade, negociou com ele em termos individuais; sabe que o Sr. CC é conhecido como “CC das X”; o seu pagamento foi através de cheque em nome do CC; não assinou contrato; depositou o cheque logo que o recebeu e foi pago.
Relativamente ao negócio em causa nos autos, a testemunha afirmou não ter assistido; confrontada com a cópia do cheque que consta nos autos (fls. 5) referiu que o cheque que lhe foi passado a ele também tinha a assinatura de CC. Questionado sobre se se recordava que menção continha por cima da assinatura, se tinha a referência a uma empresa, respondeu não se recordar.
GG: referiu ser cunhado dos demandantes; que as três irmãs fizeram negócios autónomos da parte que lhes cabia.
Relativamente ao negócio de compra e venda dos eucaliptos a testemunha referiu diretamente nada saber, pois nem ele nem a esposa estiveram presentes. Não presenciou o negócio, não sabe como chegaram ao valor total, não sabe o que foi para a fábrica. Sabe o que os demandantes lhe transmitiram: que o negócio foi feito com o Sr. CC, os telefonemas foram sempre feitos para ele; nunca lhe foi transmitido a existência de empresa. Referiu que o corte foi no 2º semestre de 2014 e no final do ano o CC entregou um documento (doc. 1) ao cunhado - ao que não assistiu. Era a única prova que tinham do que foi cortado, pois confiaram e não fiscalizaram o corte; não tem conhecimento de qualquer fatura ou documento equivalente. Não tem conhecimento nem nunca ouviu falar da DD, Lda.; os pagamentos foram autónomos a cada uma das filhas;
Quando confrontado com o cheque: referiu estar convencido que o negócio foi feito com o CC porque ele era uma pessoa da terra e tida como íntegra; insistiram telefonicamente e ele nunca disse que não pagava;
Referiu ter encontrado casualmente o Demandado num dia em que vieram à Sertã, o qual perguntou se não se importavam que o cheque fosse da sociedade porque não tinha disponibilidade para pagar, o que aceitaram só porque queriam receber. Nessa única vez que viu/esteve com o Demandado (2015), não sabia qual o valor devido pela madeira, valor que só apareceu no final do ano; os cheques foram emitidos sequencial e mensalmente, sendo o primeiro à esposa (a irmã mais nova) até à mais velha e entregues posteriormente, mas não à testemunha. O cheque da sua esposa foi pago, os outros não.
EE: referiu ser irmã da Demandante mulher. A testemunha declarou não ter participado no negócio de compra e venda do eucaliptal, não saber quem fez o corte dos eucaliptos, apesar de ter visto umas máquinas no terreno, mas não sabe que nome tinham; não sabe como foi apurado o valor a receber, só sabe o que está escrito no documento que consta dos autos a fls. 4, que não sabe quem escreveu, mas o cunhado diz que foi o CC que lho entregou.
A testemunha referiu que só interveio um ano depois do negócio, em janeiro de 2015, quando começou a ligar ao Demandado para ele pagar; nos contactos que estabeleceu o Demandado nunca disse que tinha sido uma empresa a cortar/comprar; foi a casa do Demandado CC duas vezes mas não o encontraram; no dia seguinte à segunda vez, deu uma volta com o cunhado (testemunha GG) pela Sertã e encontraram o Sr. CC na Carvalha, que lhes disse que a única forma que havia para pagar era através de cheques da empresa pré-datados, que aceitaram. Os cheques foram entregues posteriormente, ao cunhado demandante. Referiu que só soube que o cheque era de uma empresa do CC quando o cheque dela não teve provisão e como era bancária foi pesquisar de quem era a empresa.
A testemunha referiu ainda que se o negócio tivesse sido feito com uma empresa teriam outras cautelas; não participou na negociação, mas falava com o cunhado sobre isso, até porque sabia que a responsabilidade das empresas é diferente, teria de ter dado um sinal, não confiavam.
Esta testemunha prestou ainda declarações de parte que foram requeridas após ter sido requerida e deferida a apensação do processo nº 83/2015 em que esta figura como demandante (cfr. ata de fls. 138 e 139). Para além do já referido supra a declarante acrescentou que os cheques foram entregues ao cunhado demandante nas primeiras semanas de fevereiro de 2015; antes de celebrado o negócio não conhecia o Demandado; até 2015 delegaram no cunhado BB.
No que respeita à prova testemunhal produzida pelo demandado CC:
HH: referiu ter sido o contabilista certificado desde 2005 da demandada DD, Lda., empresa de exploração florestal que comprava, cortava e vendia; empresa muito conhecida na Sertã como a empresa do Sr. CC das X; comprava madeira a particulares e em termos contabilísticos era passada uma auto-fatura, sendo que havia casos de particulares que não queriam as auto-faturas para não pagarem impostos. Os pagamentos eram feitos em cheque ou dinheiro, por vezes cheques particulares. A madeira ia para as fábricas com uma guia de remessa, transporte; os negócios eram feitos a olho ou a peso, quem transportava para as fábricas era a DD, que tinha um contrato com a fábrica XX. Os negócios eram sempre feitos pela DD, Lda. No caso em específico não sabe como foi feito o negócio, tal como não sabe se existem faturas com os nomes dos demandantes. Questionado sobre como era feito quando os particulares não queriam fatura respondeu que os pagamentos eram feitos em dinheiro e não havia documentação.
Relativamente às declarações do Demandado CC: declarou que fez o negócio na XXX com o Demandante e filho J. Fizeram o negócio depois de ver o eucaliptal e pode ter referido o valor de € 50.000,00 mas como indicativo. Confrontado com o doc. de fls. 4 diz não ter sido ele o autor; disse que quando estavam a adega (na XXX) a fazer o negócio, enquanto comiam uma bucha, referiu que o preço por m3 tem 4€ a mais que o da tonelada.
Quem cortou foram os seus empregados, da empresa DD Lda. e as madeiras foram faturadas a essa empresa. Referiu que as contas foram feitas através das guias das cargas (da madeira que tinha saído), guias que entregou ao demandante e passou três cheques porque era para dividir pelos três filhos; referiu que DD, Lda. começou em 2001; não referiu que só pagava se fosse com cheque da empresa; era conhecido como o CC das X tal como o demandante BB é conhecido como o B da XXX.
Por último, referiu que não sabe se passou auto-fatura; que também estava coletado em nome pessoal e as suas árvores, que o próprio vendia à Cooperativa, eram faturadas em nome pessoal.

Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão da causa, por falta de mobilidade probatória ou prova minimamente credível e susceptível de convencer o Tribunal da pertinente factualidade, nomeadamente: a) que os Demandantes venderam ao demandado CC; b) o Demandado entregou os cheques em 20/05/2015 aos Demandantes AA e marido; c) o Demandado entregou, em 20/05/2015, um cheque à Demandante EE, já que esta referiu que os três cheques foram pré-datados, o seu tinha vencimento em 20.04.2015, e foram entregues ao cunhado nas primeiras semanas de fevereiro de 2015; d) que os Demandados conheciam a inexistência de dinheiro na conta bancária, e mesmo assim não se coibiram em entregar cheques sem cobertura bancária aos Demandantes.


IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Vieram os Demandantes propor a presente ação peticionando a condenação do Demandado a pagar aos Demandantes a quantia de €11.410,00 (onze mil quatrocentos e dez euros) a cada um referente ao valor do corte de eucaliptos de sua propriedade; quantia não inferior a €500 (quinhentos euros) a cada um referente a indemnização pela litigância de má fé por parte dos Demandados; a entregar aos Demandantes a auto - fatura referente ao contrato de corte de eucaliptos e ainda, aos Demandantes AA e marido, a pagar a quantia de €79,84 (setenta e nove euros e oitenta e quatro cêntimos) referente a despesas inerentes à devolução do cheque.
Em sede de contestação o Demandado CC alegou que atuou no negócio apenas como legal representante da sociedade também Demandada DD, Lda.
Se dúvidas não subsistem que no caso foi celebrado um contrato de compra e venda, o mesmo não se poderá dizer da figura do comprador. Efetivamente, mostra-se controvertida a atribuição ao Demandado CC da qualidade de comprador dos eucaliptos que os Demandantes venderam. Por conseguinte, há que, antes de tudo, analisar a legitimidade substantiva daquele Demandado, da qual depende a procedência ou improcedência do pedido.
Oficiosamente consultada a certidão permanente da sociedade comercial por quotas DD, Lda. (fls. 25 a 29 e 164), constatamos que foi constituída no ano de 2001, figurando o Demandado CC como sócio e único gerente. Relativamente ao objeto social, consta a exploração florestal e atividades conexas tais como abate de árvores e sua comercialização; comércio a retalho de adubos e rações.
As pessoas coletivas atuam através dos respetivos órgãos sociais (deliberativos, representativos ou executivos). São através destes que as pessoas coletivas ganham expressão externa, celebram negócios jurídicos, adquirem direitos e contraem obrigações. Esta dogmática decorre do n.º 1 do artigo 163.º do Código Civil, com a atribuição da personalidade jurídica àquele tipo de pessoas.
Especificamente para as sociedades por quotas, o artigo 252º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) estabelece que a sociedade é administrada e representada por um ou mais gerentes, os quais devem praticar os atos que forem necessários ou convenientes para a realização do objeto social, com respeito pelas deliberações dos sócios (259º CSC). Os atos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante nas limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios (260º CSC). Em atos escritos, os gerentes vinculam a sociedade, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade (260º nº 4 CSC).
No caso concreto, foi celebrado um contrato de compra e venda, através do qual os demandantes venderam um eucaliptal sua propriedade. Aquele contrato envolve a transmissão da propriedade de uma coisa, a obrigação da sua entrega e o pagamento do preço (art. 874º e 879º CC), devendo ser pontualmente cumprido (art. 406º CC).
Relativamente aos dois primeiros efeitos, ficou demonstrado que os Demandantes autorizaram o corte e remoção da madeira de eucalipto, que foi concretizado. Não foi, contudo, o pagamento do preço (terceiro efeito) cumprido. Associado a esta obrigação de pagamento do preço surge a emissão de um cheque no valor de €11.410,00 emitido à ordem da Demandante AA e, um outro, no mesmo valor, emitido à ordem da Demandante EE. Nos dois cheques figura como sacador a sociedade comercial DD, Lda., estando assinados pelo legal representante CC.
O cheque é um título que contém uma ordem dirigida a um banco, no qual o emitente tem fundos disponíveis, de pagar a soma nele inscrita (artigo 1º e 3º da Lei Uniforme relativa aos Cheques - LUC). É um meio de pagamento diferido já que só existe pagamento através do cheque quando o beneficiário recebe do sacado, o banco, a importância que dele consta.
Nos termos do disposto no artigo 1º da referida lei o cheque contém, entre outros, o mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada (2º) o nome de quem deve pagar (3º) e a assinatura de quem passa do cheque (sacador) (6º).
O Demandado CC, em sede de declarações de parte, admitiu ter emitido os referidos cheques para pagamento do valor em dívida aos vendedores, sustentando, porém, que o fez enquanto gerente da sociedade comercial.
Os cheques constituem documento com força probatória nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 362º e 376º do Código Civil. Estando a existência dos dois cheques aceite, é inegável que contêm uma ordem de pagamento.
Nos termos do disposto no artigo 342º nº 1 do Código Civil “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”. Caberia antes de mais aos Demandantes provar que, apesar da ordem de pagamento ter sido emitida pela sociedade comercial, o negócio foi efetuado pelo Demandado pessoa singular.
Relativamente à prova testemunhal, nenhuma das testemunhas ouvidas presenciou ou interveio no ato negocial em si. A primeira testemunha apenas privou com o demandado quando quis vender o seu eucaliptal; as restantes demonstraram não ter conhecimento direto sobre os termos do negócio, tendo somente intervindo cerca de um ano mais tarde, nas tentativas de recebimento.
A testemunha apresentada pelo Demandado, e o próprio em sede de declarações, demonstraram que o CC é gerente da sociedade demandada a qual se dedicava à data dos factos, à exploração florestal, nomeadamente ao abate de árvores e sua comercialização. De tal forma que, o modo de vida conhecido o Demandado era negociar com madeiras. E foi nesse âmbito que os Demandantes contactaram o Demandado, como dizem, após terem decidido vender os seus eucaliptos.
É certo, como referimos, que as pessoas coletivas ganham expressão externa através dos atos dos seus representantes.
Ficou demonstrado que os Demandantes contactaram o Demandado, o Sr. CC, porque o conheciam como gente da terra e nele confiavam. Mas será que tal demonstração será suficiente para sustentar a conclusão de que o negócio foi celebrado com aquele em nome individual? E não com a empresa da qual aquele era o único (legal) representante? Parece-nos que não.
Vejamos, temos por natural que os Demandantes querendo vender madeira contactassem alguém da terra, mas não soubessem o nome (ou até a existência) da sua empresa. De facto, as empresas só falam com a boca e as palavras dos seus representantes. São estes que se apresentam, que negoceiam, que ditam os preços, que fecham negócios. Aliás, o Demandado referiu que foi com o Demandante e seu filho ver o eucaliptal em causa e depois sentaram-se na adega a comer uma bucha e ali falaram sobre os termos do negócio. São também os gerentes, que devem ser pessoas singulares e com capacidade jurídica plena (252º nº 1 in fine do CSC), que dão ordens de pagamento, que atendem o telefone e justificam o atraso no pagamento, que assinam os cheques…
Repare-se a este propósito que a primeira testemunha foi perentória em afirmar que vendeu ao Sr. CC das XX e que o cheque foi passado pelo Sr CC porque no cheque tinha a assinatura dele. Questionado, porém, sobre se teria na parte superior do cheque o nome da empresa, a testemunha não se recordava.
Temos como corriqueiro que o Demandado CC não tenha dito agir em nome de uma empresa. Frequentemente os gerentes personificam, simbolizam as próprias empresas. Repare-se que o Demandado quando prestou declarações referiu que quem cortou foram os seus empregados, da empresa DD Lda.
O nome/firma das empresas muitas vezes torna-se conhecido do outro contraente quando é emitido um documento (um orçamento, uma fatura, por exemplo). No caso concreto, o contrato de compra e venda foi, como os Demandantes referem, verbal. O documento (fls. 4) particular que os Demandantes juntaram para prova do preço acordado e, ao que alegaram, entregue pelo Demandado, não foi por aquele reconhecido. Cabia aos Demandantes a prova da sua veracidade, nos termos do disposto no artigo 374º nº 2 do CC, o que não lograram pois, como referimos, a prova testemunhal não presenciou a sua feitura ou entrega, imputando-a ao Demandado CC apenas porque o Demandante BB lhes disse que assim tinha sido.
Acresce que, a prova testemunhal dos demandantes declarou que o demandado fez o corte e removeu a madeira, sem que, contudo, conseguissem identificar se os camiões/máquinas continham alguma publicidade, eventualmente da sociedade demandada. Já a testemunha do Demandado, conhecedor da empresa, referiu que no desempenho da atividade de exploração florestal as máquinas, os camiões utilizados e os trabalhadores empregues, são da sociedade demandada.
Por último, diga-se ainda, que, em relação à argumentação de que o cheque foi emitido pelo Demandado pela empresa como sendo a única forma de receber, também não se mostrou convincente.
Desde logo vejamos, esta argumentação surgiu em sede de resposta à matéria de exceção deduzida na contestação. Os Demandantes vieram responder que só tiveram conhecimento da sociedade insolvente quando o Demandado perguntou se se importavam de ficar com um cheque da mesma, para assim mais facilmente e antecipadamente receber o preço da mesma, o que aceitaram até pela confiança e conhecimento que existia (fls. 113).
Sucede que, a demandante EE, quando ouvida na qualidade de testemunha declarou que aquando da alegada proposta não sabia de que empresa era o cheque e só soube que o cheque era de uma empresa do CC quando o cheque dela não teve provisão e como era bancária foi pesquisar de quem era a empresa. Repare-se que esta conclusão da testemunha não pode merecer credibilidade desde logo porque o cheque está assinado pelo Demandado, CC. Não nos parece crível que a testemunha, até pela sua atividade profissional de bancária, não tivesse entendido quando recebeu o cheque assinado pelo Demandado que a empresa fosse dele pois, certamente sabia e sabe, que os cheques das empresas são assinados pelos respetivos representantes legais.
No seguimento, a testemunha referiu ainda que se o negócio tivesse sido feito com uma empresa teriam outras cautelas até porque sabia que a responsabilidade das empresas é diferente.
Diga-se que, o Tribunal não ficou convencido de que teria outra ou tão diferente atuação.
A própria testemunha, à semelhança da testemunha GG, admite que não participou no ato negocial, confiando nas decisões do cunhado que conhecia o Demandado e nele confiava por ser uma pessoa da terra. Fazem uma venda de mais de três dezenas de milhar de euros (mas ao que dizem, na primeira abordagem o Demandado referiu valer cerca de 50.000€) a uma pessoa que sabem exercer profissionalmente a atividade de compra de madeira/pinhal, e não fazem ou exigem um documento escrito; não sabem quanta madeira vendem e não fiscalizam o corte; não sabem como foi apurado o valor…
Se a testemunha refere conhecer o regime da responsabilidade das empresas, não se compreende como quando o Demandado lhe faz a alegada proposta, independentemente de saber ou não a identidade da empresa emissora do cheque, não exige também ao Demandado CC um cheque pessoal, um escrito de reconhecimento de dívida, por exemplo. Tanto mais que, esta testemunha referiu estar com o cunhado GG, o qual referiu que internamente sempre questionou a família porque não existia um documento comprovativo da venda, pelo que mal se compreende a nova imprudência.
Tudo conjugado, resta-nos concluir que não conseguiram os Demandantes convencer este Tribunal de que foi o Demandado, pessoa singular, em nome próprio, que celebrou o negócio jurídico de compra do eucaliptal, pelo que o pedido formulado terá de improceder, ficando prejudicado o conhecimento dos restantes pedidos formulados, com exceção do pedido de condenação em litigância de má-fé que apreciamos de seguida.

Quanto ao pedido formulado pelos Demandantes de condenação do Demandado em litigância de má-fé:

Alegam no seu requerimento inicial que “presume a demandante que o demandado CC sabia que não tinha dinheiro na conta da demandada DD, Lda. para pagar (…) só podem estar de má-fé perante a Demandante em virtude do conhecimento que tinham sobre a inexistência de dinheiro na conta bancária, e mesmo assim, não se coibiram em entregar um cheque sem cobertura bancária à Demandante, sabendo da falta de provisão”.
No que respeita à alegada má-fé na emissão dos cheques, desde logo observe-se que, tal como ficou demostrado foram emitidos e entregues três cheques, no mesmo montante, um para cada uma das irmãs. O primeiro cheque foi pago, tal como os Demandantes reconhecem, o que, por si, não indicia a intenção de incumprimento. A Demandante EE declarou que os cheques foram pré-datados, ou seja, com data de vencimento posterior à data da sua emissão. Poderia, até no momento da sua emissão, a Demandada não ter a conta bancária provisionada, mas concerniria que a tivesse na data do vencimento. Mas o facto de dois dos três cheques emitidos daquela forma não terem sido pagos não permite, por si só, presumir que o seu emissor estivesse de má-fé, nomeadamente conhecesse ou previsse a falta de fundos na sua conta no momento da apresentação do cheque a pagamento. Nada se apurou a este respeito, pelo que concluímos não se ter provado a má-fé, o que determina desde logo a improcedência do pedido de condenação a título de indemnização por litigância de má-fé.
Acresce que, a litigância de má-fé, instituto previsto no art. 542º do CPC, tem subjacente a noção de boa-fé que deverá sempre nortear a atividade das partes de modo a que estas, conscientemente, não formulem pedidos injustos, não articulem factos contrários à verdade, não requeiram diligências meramente dilatórias, tudo em violação do princípio de cooperação das partes e dos deveres que lhe são inerentes.
Ora, não ficou provado que o Demandado tenha alterado a verdade dos factos, ou que tenha omitido factos relevantes para a decisão da causa, ou que tenha feito um uso abusivo ou manifestamente reprovável do processo.
Assim, e atento o exposto, não procede o pedido dos Demandantes de condenação do Demandado em litigância de má-fé.

V. DECISÃO

Face ao que antecede, considero a presente ação improcedente por não provada, e em consequência, absolvo o demandado CC do pedido contra si formulados pelos Demandantes.

As custas são a suportar pelos demandantes, que considero parte vencida (artigo 8º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro).
Registe e notifique.
Julgado de Paz da Sertã, 12 de dezembro de 2017.


A Juíza de Paz,
(em substituição)


(Joana Sampaio)