Sentença de Julgado de Paz
Processo: 7/2018-JP-LSB
Relator: SOFIA CAMPOS COELHO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO – DANOS PRÓPRIOS – INDEMNIZAÇÃO
Data da sentença: 01/30/2019
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: Processo n.º 7/2018-JPLSB

Objeto: Contrato de Seguro – danos próprios – indemnização.
Demandante: A..
Mandatário: Sr. Dr. B..

Demandada: C. SEGURADORAS UNIDAS, S.A.
Mandatário: Sr. Dr. C.

RELATÓRIO:
A demandante, devidamente identificada nos autos, intentou contra a demandada, também devidamente identificada nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 14.310,78 (catorze mil trezentos e dez euros e setenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora. Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 13 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese, que no dia 16 de julho de 2017, pelas 00:30 horas, enquanto circulava com o seu veículo automóvel marca …. matrícula 00-TA-00 (adiante designado TA), na Rua …., em Unhos, Sacavém, ao ser encadeada por veículo que circulava no sentido contrário, afastou-se do eixo a via e foi embater em muro existente no lado direito da faixa de rodagem. Aceitando que o sinistro ocorreu por sua responsabilidade, transmitiu à demandada o mesmo, que mandou peritar o TA, tendo a sua reparação sido orçada em € 22.167,38 (vinte e dois mil cento e sessenta e sete euros e trinta e oito cêntimos), tendo a demandada lhe comunicado, por carta de 4 de agosto de 2017, que considerava o veículo em situação de perda total, propondo indemniza-la; o que nunca fez, tendo por carta de 6 de Setembro de 2017 lhe comunicado que o não fazia por o sinistro não ter ocorrido conforme participado. Alega que, vendeu o veículo por € 6.666 (seis mil seiscentos e sessenta e seis euros) e que o seguro tinha uma franquia de € 250 (duzentos e cinquenta euros), quantias que deverão ser subtraídas ao capital seguro. Juntou procuração forense e 14 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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Regularmente citada, a demandada contestou (a fls. 83 e 84 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas), aceitando a celebração de contrato de seguro com a demandante, onde se inclui a cobertura de choque, colisão ou capotamento, e que a demandante participou-lhe o sinistro referido nos autos e acionou essa cobertura. Contudo, averiguado o sinistro, verificou que a descrição do acidente participada pela demandante e a extensão dos danos não se coadunam, pelo que impugna os factos alegados quanto à ocorrência e dinâmica, que tenha vencido o TA pelo valor alegado e que, por via do contrato celebrado, seja devedora à demandante da quantia peticionada. Juntou procuração forense e 3 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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A demandada afastou a mediação, pelo que foi marcada data para realização da audiência de julgamento, tendo as partes, e mandatários, sido devidamente notificados.
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Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, na presença da demandante e dos mandatários, tendo a Juíza de Paz procurado conciliar as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artº 26.º, da LJP, não tendo esta diligência sido bem sucedida.
Foi ouvida a parte presente, nos termos do disposto no art.º 57.º da LJP, e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta da respetiva ata, tendo sido ouvidas uma testemunha apresentada pela demandante.
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Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor de € 14.310,78 (catorze mil trezentos e dez euros e setenta e oito cêntimos).
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem nulidades ou exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 – Em 17 de julho de 2017, a demandante era proprietária do veículo automóvel marca ….. matrícula 00-TA-00 (adiante designado TA).
2 – Em 17 de julho de 2017, a responsabilidade civil decorrente da circulação do TA encontrava-se transferida para a Companhia de Seguros demandada, ao abrigo do contrato de seguro automóvel titulado pela apólice nº 000 (cujas condições particulares e gerais e especiais encontram-se de fls. 17 a 66 e 85 a 87 dos autos), que incluía, além da cobertura de responsabilidade civil obrigatória, e no que ao caso interessa, a cobertura de choque, colisão e capotamento.
3 – Nesse contrato de seguro, a cobertura de choque, colisão e capotamento tem o capital de € 20.791,49 (vinte mil setecentos e noventa e um euros e quarenta e nove cêntimos).
4 – Com uma franquia de € 250 (duzentos e cinquenta euros).
5 – Em 17 de julho de 2017, o TA foi rebocado (Doc. 75).
6 – Em dia não apurado a demandante remeteu à demandada a declaração amigável de acidente de viação, de fls. 76 e 77 dos autos, participando-lhe um sinistro nos termos constantes desse documento e na declaração a fls. 88 dos autos.
7 – Em 25 de julho de 2017 o perito da demandada deslocou-se à oficina E. e peritou o TA e efetuou o relatório de peritagem de fls. 89 a 93 dos autos, tendo orçado a reparação do veículo em € 21.917,38 (vinte e um mil novecentos e dezassete euros e trinta e oito cêntimos).
8 – Em 4 de agosto de 2017 a demandada remeteu à demandante a carta a fls. 78 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, comunicando-lhe que se propunha indemniza-la em € 13.875,49 (treze mil oitocentos e setenta e cinco euros e quarenta e nove cêntimos), considerando que a reparação do TA foi estimada em € 21.917,38 (vinte e um mil novecentos e dezassete euros e trinta e oito cêntimos), a melhor proposta de aquisição do veículo com danos ascendia a € 6.666 (seis mil seiscentos e sessenta e seis euros), a franquia de € 250 (duzentos e cinquenta euros), e o capital garantido de € 20.791,49 (vinte mil setecentos e noventa e um euros e quarenta e nove cêntimos).
9 – Em 6 de setembro de 2017 a demandada remeteu à demandante a carta a fls. 79 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, comunicando-lhe que “(…) no seguimento de diligências por nós efectuadas constatámos que o sinistro participado não ocorreu conforme as circunstâncias descritas na participação (…) não nos é possível tomar outra posição que não seja proceder ao encerramento imediato do referido processo (…)”.
Não ficou provado:
Não se provaram mais nenhum facto alegado pelas partes, com interesse para a decisão da causa, designadamente:
1 No dia 16 de julho de 2017, pelas 00:30 horas, enquanto circulava com o TA na Rua ….., em Unhos, Sacavém, ao ser encadeada por veículo que circulava no sentido contrário, a demandante afastou-se do eixo a via e foi embater em muro existente no lado direito da faixa de rodagem.
2 A demandante vendeu o TA à entidade identificada na carta a fls. 77 dos autos por € 6.666 (seis mil seiscentos e sessenta e seis euros).
Motivação da matéria de facto:
Para fixação da matéria fática dada como provada concorreram os factos admitidos, os documentos juntos aos autos e o depoimento da testemunha apresentada pela demandante.
Esclareça-se que a testemunha não presenciou o acidente, desconhecendo os termos em que o mesmo ocorreu, tendo deposto somente sobre o orçamento de reparação do TA, por ser o proprietário da oficina onde o perito o peritou.
Não foram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes, dada a ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao tribunal aferir da veracidade desses factos, após a análise dos documentos juntos aos autos e da audição da demandante e da testemunha apresentada. Esclareça-se ainda que não há nenhum documento junto aos autos que comprove os factos acima dados como não provados, ambos impugnados pela demandada, e a testemunha não depôs sobre os mesmos.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO
O caso em apreço é revelador do espírito de litigância que ainda impera nas relações sociais, avessas à conciliação como modo de resolução amigável dos conflitos. No caso era essa a via indicada para que a justiça fosse feita. Contudo, uma vez que as partes não perfilharam esse caminho há que apreciar a questão que nos é colocada sob o prisma da legalidade. E, neste prisma, não basta alegar: é preciso provar.
Debruçando-nos, assim, nesse prisma, sobre o caso em juízo.
Com a presente ação pretende a demandante ser indemnizada no montante de € 14.310,78 (catorze mil trezentos e dez euros e setenta e oito cêntimos), correspondente ao valor que a demandada se propôs indemniza-la, acrescida de juros, tendo alegado que celebrou com a demandada um contrato de seguro, que tinha por objecto a responsabilidade civil derivada da circulação do veículo TA incluindo, no que ao caso interessa, a cobertura de choque, colisão e capotamento, e que na noite de 16 de julho de 2017 o teve um acidente com o TA. Deste modo, a demandante intenta a presente ação fundamentando o seu pedido na responsabilidade contratual, derivada de um contrato de seguro que celebrou com a demandada, que incluía, além da cobertura de responsabilidade civil obrigatória, a cobertura de choque, colisão e capotamento.
Um contrato de seguro é a convenção pela qual uma das partes (segurador) se obriga, mediante o pagamento pela outra parte (segurado) de uma retribuição (prémio), a assumir um risco ou conjunto de riscos e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado (cfr. Prof. Almeida Costa, in R.L.J.; 129; 20), ou seja, a existência de risco é fundamental para a existência do contrato, assim como a sua verificação o é para o pagamento da indemnização convencionada.
Para uma determinada cobertura de um contrato de seguro ser acionada é condição “sine qua non” a comunicação à entidade seguradora do sinistro da verificação do risco assumido, pois sem esta comunicação jamais se poderá considerar que a situação de risco se concretizou; e, de seguida, se necessário, comprovar a verificação do risco assumido e existência de prejuízos a serem indemnizados, nos termos da condições gerais do contrato de seguro celebrado.
A demandante alega que a demandada não cumpriu o contrato de seguro celebrado, pelo que, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º, do Código Civil, que prescreve Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, competia-lhe provar os factos constitutivos do direito que alega ter, no caso, a celebração do contrato de seguro alegado, a verificação do risco assumido e consequente incumprimento contratual da demandada. Por sua vez, competia à demandada provar, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º, do Código Civil, que prescreve “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita” que o risco não se verificou nos termos participados.
Produzida a prova e analisada a mesma, podemos concluir que a demandante não logrou provar que o evento futuro e incerto assumido se verificou. Conforme já referimos, em sede de contestação a demandada impugnou que o sinistro se tenha verificado nos termos em que lhe foi participado; e a demandante não produziu prova, nem mesmo testemunhal, de que o sinistro ocorreu nesses termos. Juntou somente aos autos a declaração amigável de acidente automóvel, subscrita unicamente por si, e pela qual participou o sinistro à demandada, nada mais. Ora, atenta a defesa apresentada pela demandada (impugnação da verificação do sinistro) aguardava-se que a demandante produzisse prova da verificação do mesmo, porém assim não ocorreu, não apresentou qualquer outra prova nesse sentido. E em qualquer ação não basta alegar os factos, é necessário prová-los.
E, assim sendo, como é, a sorte da presente ação terá de ser a sua improcedência.
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DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada e, consequentemente, absolvo a demandada do pedido.
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CUSTAS
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, declaro a demandante parte vencida, indo condenada no pagamento das custas processuais, pelo que deverá proceder ao pagamento dos € 35 (trinta e cinco euros) em falta, neste Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis a contar da data de notificação da presente decisão, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10 (dez euros) por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no número 9 da mesma portaria, em relação à demandada.
Decorridos vinte dias sobre o termo do prazo acima concedido, sem que se mostre efetuado o pagamento das custas, emita-se a respetiva certidão para efeitos de execução por falta de pagamento de custas, e remeta-se aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo Local Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa, pelo valor das custas em dívida, acrescidas da respetiva multa, com o limite previsto no n.º 10 da citada Portaria.
Após trânsito, e encontrando-se integralmente pagas as respectivas custas processuais, arquivem-se os autos.
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A presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária - artº 18º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho) foi proferida e notificada ao mandatário da demandante, nos termos do artigo 60º, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, que ficaram cientes de tudo quanto antecede.
Remeta-se cópia à demandante, demandada e sua mandatária.
Registe.
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Julgado de Paz de Lisboa, 30 de janeiro de 2019
A Juíza de Paz,

(Sofia Campos Coelho)