Sentença de Julgado de Paz
Processo: 13/2016-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: AÇÃO RESPEITANTE A RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL - REPARAÇÃO DE AVARIAS DE AUTOMÓVEL
AO ABRIGO DE GARANTIA
Data da sentença: 02/07/2017
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA


Processo n.º 13/2016 – J.P.
RELATÓRIO:
O Demandante: N. M. P. C., NIF. xxxxxxxxx, residente no caminho de S. A., n.º ----, 5 Z, no concelho do Funchal.
Requerimento Inicial: Alega em síntese que, a 27/08/2015 adquiriu o veículo automóvel Seat ---- 1.0 TDI, com a matrícula UZ, à demandada, pelo montante de 8.350€ (6.850€ em numerário + 1.500€ em retoma). Antes de adquirir a viatura, esta foi submetida a um diagnóstico nas oficinas da CIAM, no qual foi detetado uma avaria no imobilizador (luz de avaria acesa), num airbag (luz de avaria acesa), sinal de chave fraca e fecho de porta direita / traseira com avaria. A demandada prontificou-se a resolver as avarias detetadas no diagnóstico, antes da sua aquisição. No momento da aquisição da viatura esta parecia estar num estado satisfatório, sendo que as luzes de indicação de avarias já não estavam acesas. A 03/09/2015 o demandante verificou que a fechadura da porta direita / traseira continuava avariada. A avaria foi comunicada à demandada que encaminhou o veículo para a CM Oficina. Na oficina foi informado que a peça da fechadura não era nova e nem era do modelo do automóvel que o demandante adquiriu, perante isso comunicou à demandada que não aceitava uma peça usada. Entretanto, pesquisou na internet a aquisição de uma peça nova, tendo encontrado uma por 40€, tendo comunicado esse facto à demandada que aceitou pagar esse montante ao demandante, no dia 04/09/2015, para que este a adquirisse. O demandante encomendou e pagou a peça, sendo posteriormente reembolsado pela demandada. Desde essa altura que aguarda que a demandada informe quando poderá dirigir-se à oficina a fim de substituir a referida peça. A 07/09/2015 deslocou-se ao stand da demandada para comunicar que havia uma avaria no painel de instrumentos. No dia 08/09/2015 o eletricista-auto informou o demandante que era necessário substituir o painel de instrumentos e que já tinha dado essa informação à demandada, aquando do diagnóstico realizado, antes da aquisição da viatura. O eletricista auto informou que as avarias detetadas antes da aquisição da viatura pelo demandante não tinham sido reparadas, mas que apenas tinham sido desativados os sensores de avaria, por ordem da demandada. No dia 09/09/2015 dirigiu-se a um outro eletricista-auto que confirmou que as avarias detetadas não tinham sido reparadas, mas que apenas tinham sido desativados os sensores de avaria. Assim, efetuou uma vistoria ao automóvel e verificou que não havia o código do rádio, essencial para o caso de substituição da bateria, pelo que interpelou a demandada para proceder á reparação das avarias, sob pena de resolução do contrato de compra e venda. No dia 10/09/2015 a demandada comunicou que o veículo em questão tem 12 anos e como tal não iria proceder a reparações com peças novas. O demandante comunicou que não aceitaria peças usadas. A demandada disse para o demandante se dirigir à A. a fim de fazer um novo diagnóstico das avarias. Assim, no dia 10/09/2015, o demandante levou o veículo à A. que detetou as suprarreferidas avarias. Desde 10/09/2015 que a demandada não estabeleceu mais nenhum contato com o demandante. No dia 16/09/2015, o demandante denunciou por ofício, via fax, as avarias, requerendo a sua reparação ao abrigo da garantia, no prazo de 15 dias. A demandada não respondeu, pelo que apresentou reclamação no Serviço de Defesa do Consumidor, no dia 30/09/2015. A demandada respondeu ao Serviço de Defesa do Consumidor que não tinha a obrigação de substituir o painel por um novo porque a viatura era usada e tinha 12 anos, mas que estava disponível para proceder à reparação nos termos em que o demandante tinha sido informado. Entretanto, surgiu uma suposta avaria no sistema de travões, possivelmente no servofreio (travões). No dia 16/12/2015 o demandante interpelou novamente a demandada para as avarias detetadas e para a sua reparação. A demandada não respondeu. A 06/01/2016, o demandante dirigiu-se ao stand da demandada para entregar um documento formal a denunciar a avaria no sistema de travões. Os funcionários do stand recusaram-se a assinar qualquer documento de tomada de conhecimento, pelo que nesse mesmo dia, a 06/01/2016, o demandante apresentou reclamação escrita no Livro de Reclamações da demandada. A demandada vendeu ao demandante um automóvel com defeitos, tendo conhecimento das suas avarias. Conclui pedindo que a demandada seja condenada a: A) Reparar a viatura Seat --- 1.9 TDI, com a matrícula UZ, sem encargos para o demandante, nos termos do orçamento da CIAM, S.A. – SEAT, no valor de 1.258,45€; B) Montar a fechadura eletrónica (nova) da porta do lado direito/traseiro, pedido que atribui o valor de 35€. Junta 15 documentos.

MATÉRIA: Ação respeitante a responsabilidade civil contratual, enquadrada no art.º 9, n.º 1, alínea H) da L.J.P.
OBJETO: Reparação de avarias de automóvel, ao abrigo de garantia
VALOR DA AÇÃO: 1.293,45€.

A DEMANDADA: H. C. 53, Unipessoal, Lda., NIPC. xxxxxxxxx, com sede no caminho de S. A., n.º ---, no concelho do Funchal.
Contestação: Alega em suma que, o painel de instrumentos do veículo avariou apenas uns dias depois da compra do veículo pelo demandante, em setembro de 2015. Que acordou pagar a fechadura nova ao demandante, mas que a respetiva montagem incumbiria ao demandante, sendo que até ao momento o demandante ainda não levou o veículo para efeitos de montagem da fechadura. O demandante comprou o veículo tendo conhecimento que este tinha uma avaria no imobilizador, e que sabia que a avaria no imobilizador não tinha sido reparada, mas tão-só tinha procedido à desativação da luz de avaria do imobilizador, aquando da sua compra pelo demandante. Que a avaria do imobilizador não coloca em causa o funcionamento do veículo. Entretanto, comunicou ao demandante que está disponível para proceder à reparação da viatura na oficina A., a qual é uma oficina certificada, e com quem tem uma avença. No entanto, o demandante exige que a reparação seja realizada na SEAT. Que autorizou o demandante a deixar o automóvel na oficina A., para efeitos de reparação, não tendo escondido as avarias do veículo e que o demandante comprou o veículo sabendo da existência da avaria no imobilizador. Que pretende reparar a viatura na oficina A., mas não é obrigado a reparar a viatura colocando peças novas quando é possível reparar as peças avariadas. Que as avarias no painel conta-quilómetros surgiram após a venda da viatura. Conclui: pela improcedência da ação, com absolvição da demandada.
Admissão de factos novos: Posteriormente, a demandada apresentou um requerimento a fls. 44, informando uma alteração dos factos. Alega que o demandante não aceita que a demandada proceda à reparação do veículo na A., exigindo que a reparação seja realizada na CIAM, não obstante ter disponibilizado um veículo de substituição e ter efetuado seguro para o mesmo, pelo período que demorasse a reparação.
Notificado para se pronunciar, o demandante alegou que o veículo tinha mais duas avarias: a válvula EGR a verter muito óleo e a bomba tandem (ou de alta pressão) a verter gasóleo, tendo comunicado as avarias à demandada. Porém, a demandada não lhe respondeu. Tendo em conta que se tratava de uma reparação urgente, deslocou-se à CIAM, para proceder à substituição da peça, tendo aproveitado para requerer o código do rádio, o que comunicou à demandada. Após a intervenção por parte da CIAM, tomou conhecimento que o veículo estava com uma avaria num tubo, que tinha muitas fissuras e não era no servofreio. No dia 10/02/2016 a demandada aceitou substituir o tubo em questão por um tubo da sucata. O demandante não aceitou a substituição por um tubo usado, pelo que este foi substituído na CIAM no dia 23/02/2016. Que ambas as partes estão de acordo quanto à reparação do veículo na oficina A. A discordância mantém-se quanto ao estado das peças a usar na reparação, uma vez que o demandante pretende que as peças avariadas sejam substituídas por peças novas e a demandada pretende que as peças avariadas sejam substituídas por peças usadas, provenientes da sucata. Junta 12 documentos.

Alteração do pedido e do valor da ação: No dia 22/06/2016 o demandante juntou aos autos um requerimento ampliando o pedido, alegando que no dia 01/05/2016 foi verificado que toda a área envolvente da cava da roda do veículo em questão, do lado do condutor estava repleta de massa lubrificante. Que se verificou que a referida massa lubrificante estava a sair pelo fole de proteção da cardin porque tinha uma braçadeira plástica em vez de inox. Que a avaria foi denunciada à demandada. Que a demandada concordou pagar os custos de reparação na CIAM. Que a peça necessária à reparação chegou no dia 09/05/2016. Nos dias 09 e 10/05/2016 não foi possível contactar a demandada, sendo a peça montada nas oficinas CIAM, pelo preço de 93,89€. Que a realização da supra-referênciada reparação foi, entretanto, comunicada à demandada. Conclui pela ampliação do pedido, nos seguintes termos: A) Reparação do veículo na CIAM, sem custos para o demandante, pelo valor de 915,63€; B) Aquisição e montagem da válvula EGR, de marca “Whalle”, na ELPS Peças Auto e na oficina CIAM, sem custos para o demandante, pelo valor de 153,72€; C) Pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais, no montante de 395,86€, referentes às reparações entretanto realizadas pelo demandante; D) e E) Pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, no montante de 1.000€. Junta 7 documentos.
Notificada para se pronunciar quanto à alteração do pedido e alteração do valor da ação, a demandada, nada disse.

TRAMITAÇÃO:
Não se realizou sessão de pré-mediação, por recusa do demandante.
O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:
Foi iniciada, dando cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º 1 da L.J.P., sem obtenção de consenso entre as partes. Seguiu-se para produção de prova, sem audição de testemunhas, já que nenhuma das partes apresentou prova testemunhal, cada uma das partes prestou declarações nos termos do art.º 57, n.º 1 L.J.P., terminando com alegações finais, conforme consta da ata, de fls. 90 e 91.

- FUNDAMENTAÇÃO –
I – FACTOS ASSENTES (Por Acordo):
A) O demandante a 27/08/2015 adquiriu o veículo automóvel Seat ---- 1.9 TDI, com a matrícula UZ, à demandada, pelo montante de 8.350€ (6.850€ em numerário + 1.500€ em retoma).
B) Que antes de adquirir a viatura, esta foi submetida a um diagnóstico nas oficinas da CIAM.
C) Que foi detetada uma avaria no imobilizador (luz de avaria acesa), num airbag (luz de avaria acesa), sinal de chave fraca e fecho de porta direita / traseira com avaria.
D) A demandada reembolsou o demandante, pelo montante de 40€, pela aquisição de uma peça da fechadura.
E) Há uma avaria no painel de instrumentos.
F) O demandante interpelou a demandada para a reparação das avarias, sob pena de resolução do contrato de compra e venda.
G) No dia 10/09/2015 a demandada comunicou que o veículo em questão tem 12 anos e como tal não iria proceder a reparações com peças novas.
H) O demandante comunicou que não aceitaria peças usadas.

II – DOS FACTOS PROVADOS:
1) No dia 16/09/2015 o demandante denunciou por ofício, via fax, as avarias, requerendo a sua reparação ao abrigo da garantia, no prazo de 15 dias.
2) O demandante apresentou reclamação no Serviço de Defesa do Consumidor, no dia 30/09/2015.
3) A demandada respondeu ao Serviço de Defesa do Consumidor que não tinha a obrigação de substituir o painel por um novo porque a viatura era usada e tinha 12 anos, mas que estava disponível para proceder à reparação nos termos em que o demandante tinha sido informado.
4) A 06/01/2016, o demandante reclamou no Livro de Reclamações da demandada.
5) A demandada vendeu ao demandante um automóvel com defeitos.
6) Um tubo foi substituído na CIAM no dia 23/02/2016.
7) O demandante denunciou desconformidades no veículo, por carta, a 03/03/2016.
8) O demandante denunciou desconformidades no veículo, por SMS, a 10/05/2016.
9) Em maio de 2016 foi detetada mais uma avaria que foi reparada nas oficinas CIAM.
10) O demandante levou o veículo ao stand da demandada, para efeitos de reparação.
11) A demandada disponibilizou uma viatura de substituição durante a reparação da viatura.
12) A reparação não foi efetuada porque o demandante não aceitou a viatura de substituição.
13) Até ao momento o demandante continua a conduzir o veículo.

MOTIVAÇÃO:
O Tribunal sustenta a sua fundamentação na análise de toda a documentação junta pelas partes, das declarações das partes proferidas em audiência, e as regras da experiência comum.
Não foram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes, dada a ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao tribunal aferir da veracidade desses factos.
Não se dão por provados quaisquer factos com interesse para a decisão da causa, nomeadamente os danos patrimoniais decorrentes da privação do uso e os danos não patrimoniais decorrentes do período de tempo em que o demandante teve em sua posse um bem desconforme, perda de tempo, período em que esteve com o sensor de airbag desligado e danos pela entrega de um automóvel de substituição desadequado.

III – DO DIREITO:
O caso dos autos trata-se de uma ação de responsabilidade civil contratual, na sequência da aquisição de uma viatura pelo demandante à demandada com defeitos.

I – QUESTÃO PRÉVIA
A) ADMISSÃO DE FACTOS NOVOS
Toda a defesa deve ser deduzida na contestação (art.º 573, n.º 1 C.P.C.). Depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes (art.º 573, n.º 2 C.P.C.).
Os factos que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da audiência (art.º 588, n.º 1 C.P.C.).
A demandada apresentou um requerimento a fls. 44, informando uma alteração dos factos. Alega que o demandante não aceita que a demandada proceda à reparação do veículo, não obstante ter disponibilizado um veículo de substituição e ter efetuado seguro para o mesmo, pelo período que demorasse a reparação.
Tratando-se de um facto ocorrido após a instauração da presente ação e não tendo sido contestado pelo demandante, é um facto admitido.

B) ALTERAÇÃO DO PEDIDO E DO VALOR DA AÇÃO
Constitui jurisprudência firme do Julgado de Paz, a possibilidade de ser requerida a ampliação da causa de pedir e do pedido, por aplicação do disposto no art.º 265, n.º 2 do C.P.C. via art.º 63.º da L.J.P..
Nos termos do art.º 265, n.º 2 do C.P.C. o demandante pode, em qualquer altura, ampliar o pedido até ao encerramento da audiência de julgamento, se a ampliação for o desenvolvimento do pedido primitivo.
O demandante juntou aos autos um requerimento de fls. 68 a fls. 79 ampliando o pedido, na sequência de uma avaria que surgiu no dia 01/05/2016, quando a ação já tinha sido instaurada no Julgado de Paz.
A demandada notificada para se pronunciar, nada veio a dizer.
No que diz respeito às avarias que surgiram na pendência do presente processo, considerando-se que se trata de um pedido que tem por base um facto novo e é um desenvolvimento do pedido primitivo, este pedido é admissível.
No que diz respeito aos pedidos de indemnização por alegados danos patrimoniais decorrentes da privação do uso e danos não patrimoniais decorrentes do período de tempo em que o demandante teve em sua posse um bem desconforme, perda de tempo, período em que esteve com o sensor de airbag desligado e danos pela entrega de um automóvel de substituição desadequado, no montante de 1.000€, já não se tratam de um desenvolvimento do pedido primitivo, pelo que não são admissíveis.
Não se tratando do desenvolvimento do pedido primitivo, mas de factos de que o demandante tinha o conhecimento desde o início da ação, deviam ter sido requeridos no início da ação.
De referir que apenas se enquadra no pedido de indemnização por danos patrimoniais a privação do uso da viatura. Sendo que, a este pedido não foi atribuído um valor concreto, mas um valor global de 500€ resultante de duas alíneas. No entanto, este não é um facto novo e muito menos um desenvolvimento do pedido primitivo. Pelo que, neste momento não é admissível.
Os restantes danos que alega são todos danos não patrimoniais para os quais foram atribuídos valores globais. Uma vez mais, não se trata do desenvolvimento do pedido primitivo nem de factos novos, pelo que, como tal não é admissível.
Verificou-se que o valor apresentado para a ação foi de 1.031,52€. Houve uma alteração do pedido e do valor da ação considerada admissível na parte referente às avarias que surgiram na pendência da presente ação. Processualmente trata-se de um incidente sobre o valor, o que é suscitado oficiosamente, nos termos do art.º 306 do C.P.C.. O valor da ação representa e corresponde à utilidade económica do pedido que é formulado. Tendo em conta que o demandante requer a reparação do veículo tendo em conta o orçamento no valor de 915,63€, a que se soma o valor da válvula EGR, no valor de 247,92€ de acordo com o orçamento apresentado pela A (sem IVA), a que se soma o montante entretanto gasto em reparações, no valor de 395,83€ e tendo em conta que compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes. Assim, entende-se corrigir e fixar o valor da ação em 1.559,38€.

II – DOS FACTOS E DO ENQUADRAMENTO DE DIREITO:
A relação contratual estabelecida entre demandante e demandada consubstancia uma relação de consumo, uma vez que a mesma cabe na previsão do artigo 2º, nº 1 da Lei nº 24/96, de 31 de Julho, bem como na dos artigos 1º-A e 1º-B do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de Maio (a qual está implícita doravante em todas as citações daquele diploma legal).
Ora, nestes casos de relações de consumo, o legislador foi aparentemente mais longe do que nos artigos 913º e seg. do C.C., uma vez que não se limita a tutelar os direitos do comprador em caso de defeito do bem, mas sim em todos os casos de desconformidade do mesmo com o contrato ( art.º 2, nº 2 do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril). Assim sendo, quer o bem não seja conforme com a descrição que dele foi feita pelo vendedor ou com a amostra apresentada, quer não seja adequado ao uso específico para o qual o consumidor o destine e de que tenha informado o vendedor, quer ainda não seja adequado às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo, quer finalmente se não apresentar as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, presume-se que o mesmo não está conforme com o contrato.
Aliás, o vendedor responde perante o consumidor não só por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue como também por aquelas que se manifestem no prazo de dois anos (no caso dos bens móveis, como este em apreço), salvo se provar que a mesma não existia no momento da entrega ou for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade (art.º 3 do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril). Evidentemente, o comprador está vinculado ao cumprimento de prazos, quer para a denúncia da desconformidade quer para o exercício do direito de propor a presente ação (art.º 5-A, n.ºs 1 a 3 do Decreto-Lei nº 67/2003), mas o demandante observou os mesmos, uma vez que denunciou prontamente as avarias sofridas pelo seu veículo e instaurou a presente ação menos de dois anos após a denúncia.
Nessa medida, o demandante beneficia da presunção de desconformidade do bem com o contrato estabelecida no artigo 2º, nº 2 do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril, pelo que lhe bastava provar os factos de que a lei retira essa presunção (artigos 349º e 350º, nº 1 do C.C.). E, neste caso, o demandante demonstrou que o veículo por si comprado à demandada tem várias avarias: painel de instrumentos, sensor de airbag, programação do painel, válvula EGR, fecho da porta direita, bomba Tandem, tubo de vácuo e fole da direção. Por seu turno, a demandada não logrou afastar completamente a referida presunção de desconformidade, sendo certo que o respetivo ónus lhe competia (art.º 344, nº 2 do C.C.), desde logo porque não apresentou qualquer meio de prova, designadamente para demonstrar que as desconformidades denunciadas, não existiam no momento da entrega ou que era incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.
Por outro lado, é importante recordar que “no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé” (art.º 762, nº 2 do C.C.). E que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” (art.º 334 do C.C.). Ora, o demandante foi fazendo as denúncias das desconformidades e dando prazos de 15 dias (carta enviada pelo demandante à demandada a 16/09/2015 -fls. 15 junto aos autos) de uma semana (carta enviada pelo demandante à demandada a 03/03/2016 - fls. 51 junto aos autos) e até de 3 dias (SMS enviada pelo demandante à demandada a 10/05/2016 – fls. 74 e 77 dos autos) findo o qual daria ordem de reparação do mesmo. A este propósito, convém ter em conta que, tratando-se de um bem móvel, a demandada tinha o prazo máximo de trinta dias para proceder à reparação do veículo, sem grave inconveniente e sem encargos para o demandante (cfr. art.º 4, n.º 2 do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril). Por sua vez, a demandada tem vindo a responder ao demandante que devia levar o seu veículo para a oficina A., oficina com quem tem uma avença, a fim de serem avaliadas as respetivas avarias, no que respeita ao seu cabimento dentro da garantia. Note-se, além disso, que a expressão legal “sem encargos” para o consumidor se reporta às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material (artigo 4º, nº 3 do Decreto-Lei nº 67/2003).
No decurso das declarações de parte, proferidas nos termos do art.º 57 da L.J.P. foi apurado que o demandante levou o veículo ao stand da demandada, para efeitos de reparação, mas nem sequer deixou que a reparação fosse iniciada porque considerou que o veículo de substituição “gentilmente” cedido pela demandada não era o mais adequado.
Na Lei do Consumidor nada obriga que a demandada entregue um veículo de substituição. Portanto, não tem qualquer fundamento legal este pedido do demandante. Todavia, a demandada de boa vontade, prontificou-se a fazê-lo. O demandante é que não quis o veículo de substituição que lhe tinha sido “oferecido” pela demandada, sem qualquer obrigação, daí que o demandante não pode vir agora reivindicar uma indemnização, por algo a que nem sequer tinha direito.
A questão a decidir radica, portanto, em saber se a demandada incorreu em mora ou mesmo em incumprimento da sua obrigação de reparação do veículo do demandante, face ao acima exposto. Ora, a nosso ver, os prazos fixados pelo demandante à demandada não têm qualquer suporte legal, mais parecendo ultimatos feitos com a intenção de provocar o incumprimento. De facto, a demandada não esteve em mora, pelo que não havia ainda lugar a qualquer interpelação admonitória de forma a converter a mesma em incumprimento definitivo (artigo 808, nº 1 do C.C., o qual, além do mais, fala em prazo razoável). E, de resto, a demandada não se havia recusado a cumprir.
E, por último, o demandante também não demonstrou que estivesse numa situação de urgência que exigisse a pronta reparação do veículo, aliás, segundo ele próprio alega, até ao momento continua a conduzir o veículo.
Isto posto, o artigo 4º, n.ºs 1 e 5 do citado Decreto-Lei nº 67/2003 prevê que, em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato, salvo se isso se manifestar impossível ou constituir abuso de direito.
Tendo-se os defeitos manifestado no período de garantia e cumpridos pelo demandante os prazos de denúncia e de ação que a Lei lhe impõe, é o bem havido como não em conformidade com o contrato celebrado, como se os defeitos se apresentassem no momento da entrega do bem e competia à demandada, provar que pelos defeitos denunciados não lhe cabe a si responsabilidade mas a outrem (ao comprador ou a terceiro), nomeadamente por mau uso.
De todo o exposto decorre que o demandante tem direito à reparação da viatura e que a demandada deve suportar os custos da reparação, nos termos dos n.ºs 1 e 3, art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril.
Num primeiro momento, o demandante requereu a reparação da viatura, aceitando que essa reparação fosse realizada na A, oficina com que a demandada tem uma avença.
Num segundo momento, o demandante exige que a reparação seja efetuada na oficina que ele pretende, na CIAM. Ora, esta exigência não tem qualquer fundamento legal. De facto, a lei faculta ao demandante que a reparação seja efetuada pela demandada e sem quaisquer encargos para o consumidor.
A reparação equivale à reposição do bem em conformidade, equivale à restituição natural da coisa, ou seja, consiste em repor o veículo no estado em que deveria estar.
A reparação é apta a repor a conformidade do bem e não é admissível exigir que seja um terceiro a proceder à reparação porque não foi com o terceiro que o demandante celebrou o negócio.
Tratando-se de uma exigência abusiva até porque no caso concreto, a demandada não se recusou a reparar. Pelo que, o demandante tem direito à reparação da viatura e a demandada deve suportar os custos da reparação pelo montante de 1.163,57€ (915,65€ reparação do veículo + € 247,92€ substituição da válvula EGR).
No que respeita ao pedido de indemnização no valor de 395,86€ referente às reparações entretanto realizadas pelo demandante, trata-se de danos patrimoniais em que a reparação era apta a repor a conformidade do bem. Assim sendo, e uma vez que o demandante não provou tratarem-se de reparações urgentes que a demandada tenha recusado realizar, o demandante devia ter dado oportunidade à demandada de proceder à reparação do seu veículo, sob pena de estar a onerar injustificadamente a mesma. Não o fazendo, o demandante incorreu em abuso de direito - o qual é de conhecimento oficioso -, tornando ilegítimo o exercício do mesmo. Assim sendo, não pode deixar este pedido de improceder.
No que diz respeito aos restantes danos patrimoniais e não patrimoniais, tendo em consideração que não foram admitidos, é desnecessário pronunciar-me em relação a esses.

DECISÃO:
Nos termos expostos, julga-se a ação parcialmente procedente e condena-se a demandada a proceder à eliminação dos defeitos do veículo vendido ao demandante, pelo montante de 1.163,57€, absolvendo-a do demais peticionado.

CUSTAS:
São a suportar pelas partes, em função do respetivo decaimento na ação, que se fixa em 50%. Na sequência encontram-se totalmente satisfeitas.

Notificada nos termos do art.º 60, n.º 2 da L.J.P..
Funchal, 7 de fevereiro de 2017
A Juíza de Paz
(redigido e revisto pela signatária, art.º 131, n.º 5 C.P.C)

(Margarida Simplício)