Sentença de Julgado de Paz
Processo: 35/2014-JP
Relator: IRIA PINTO
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
Data da sentença: 12/30/2014
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA


Processo nº 35/2014-JP
Relatório
A demandante …………………….., melhor identificada a fls. 1 dos autos, intentou em 31/1/2014, contra a demandada ………………………………, S.A., melhor identificada a fls. 1, ação declarativa para obtenção de reparação ou substituição de computador e para ressarcimento de danos não patrimoniais, formulando os seguintes pedidos:
- Ser a demandada condenada à condenada à reparação do computador Insys adquirido pela demandante, ou na impossibilidade de reparação ser condenada na substituição do computador por outro com idênticas caraterísticas, acrescida do montante de €1.000,00 a titulo de danos não patrimoniais.
Tendo, para tanto, alegado os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 3 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido. Juntou 3 (três) documentos, de fls. 4 a 28.
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Regularmente citada (fls. 34), a demandada apresentou a contestação de fls. 35 a 43, que se dá por integralmente reproduzida, impugnando em suma os factos relatados no requerimento inicial e peticionando a absolvição do pedido. Juntou 2 (dois) documentos, de fls. 44 e 45.
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O litígio foi submetido a pré-mediação, seguido de mediação, a qual resultou em não acordo (fls. 53/55).
Foi realizada audiência de julgamento em 23/5/2014 (como das respetiva Ata de fls. 68 se infere).
Cumpre apreciar e decidir
O Julgado de Paz é competente. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e não se verificam quaisquer outras exceções ou nulidades de que cumpra conhecer.
Fixo à causa o valor de €1.379,00 (mil trezentos e setenta e nove euros).
Fundamentação da Matéria de Facto
Assim, com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 - Em 06-06-2012, a Demandante comprou na loja da Demandada, sita no A Coimbra um computador Insys ……… pelo valor de €379,00.
2 - Em 15-10-2012, a Demandante deslocou-se à loja da Demandada onde apresentou reclamação pela avaria do equipamento, no livro de Reclamações.
3 - Entre 26-10-2012 e 18-11-2013, a Demandante expôs na DECO o caso para tentativa de resolução do problema.
4 - A Demandante para ocupar o tempo, escreve com regularidade no programa de texto do computador, elaborando livros de poesia.
5 - Para ilustração dos textos que escreve, a Demandante tem um cd com imagens.
6 - Acresce ainda, que a Demandante adquiriu o dispositivo pen drive.
7 - A Demandante, leiga em matéria informática, pretendia adquirir um computador de baixo custo e de simples utilização, tendo solicitado durante a venda informação, a qual foi prestada pelos colaboradores da Demandada.
8 – No mencionado dia 06-06-2012 o portátil INSYS ……………….., foi entregue à consumidora em perfeitas condições de funcionamento.
9 – A Demandante foi devidamente informada sobre as carateristicas técnicas do equipamento.
10 – Acresce que se encontra implementada uma politica de satisfação/devolução, de acordo com a qual os consumidores que não fiquem totalmente satisfeitos com o produto adquirido, possam proceder à respetiva devolução, no prazo de 15 dias a contar da aquisição, com o total reembolso do preço pago pela aquisição.
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Para a fixação da matéria fática dada como provada, foi tida em consideração a audição das partes, os factos admitidos, bem como a prova testemunhal apresentada e demais elementos de prova. Assim a testemunha apresentada pela demandante, sua filha, ………………., não convenceu o tribunal quando expõe que foi demonstrado ao funcionário da demandada, que atendeu a demandante, na altura da aquisição do computador, que a existência de leitor de cd/dvd no computador era imprescindível para tal aquisição, tendo aceite que foram mostrados vários equipamentos e que a demandante escolheu o que adquiriu, além de que fez uso do mesmo nos dias seguintes à aquisição. A prova testemunhal da demandada, trabalhadores da demandada, foram considerados credíveis e com conhecimento dos factos em questão, nomeadamente a testemunha …………. explicitou que a falta de leitor de cd/dvd não é uma desconformidade, mas uma característica do produto, além que a demandante poderia adquirir uma drive externa para o mesmo efeito, esclarecendo ainda a testemunha ………………… que os computadores Insys existentes na loja em causa, na altura da venda, não tinham originariamente leitor de drive, que no caso do computador em litigio tem sitio para o efeito, mas não abre, além de que o manual de instruções é genérico, usado como informação genérica para vários computadores, não especificando o modelo do computador em questão, expondo ainda que os funcionários da loja da demandada têm competências e formação adequadas para informar e esclarecer, tendo tido um procedimento conforme e legal, tendo a demandante alternativas, como a aquisição de leitor externo.
Além da prova mencionada, foram considerados os documentos de fls. 4 a 28 e 44, 45, elementos probatórios que conjugados com critérios de razoabilidade e de normalidade alicerçaram a convicção do julgador.
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a sua insuficiência ou inexistência. Nomeadamente não ficou provada a desconformidade do bem adquirido pela demandante.
O Direito
A demandante intentou a presente ação peticionando a condenação da demandada na reparação do computador Insys adquirido pela demandante, ou nessa impossibilidade na substituição do computador por outro com idênticas caraterísticas, acrescido do montante de €1.000,00 a titulo de danos não patrimoniais, alegando em sustentação desse pedido a celebração com a demandada de um contrato de compra e venda de um computador portátil portátil da marca INSYS …………………, que a demandada comercializou no âmbito da sua atividade comercial, alegadamente cumprido por parte da demandante e incumprido pela demandada.
Estamos perante um contrato de compra e venda previsto no artigo 874º do Código Civil, cujos efeitos essenciais são a transmissão da propriedade da coisa, a obrigação de a entregar e o pagamento do preço (artigo 879º do mesmo código).
Tratando-se da compra e venda de um computador portátil, por parte da demandante, para seu uso pessoal e atuando a vendedora ou demandada no âmbito da sua atividade profissional, há que qualificar esta relação contratual como uma relação de consumo, protegida por diversos instrumentos legais, dos quais salientamos a Lei de Defesa do Consumidor, Lei nº 24/96, de 31 de julho e o Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de abril, recentemente alterados pelo Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de maio.
Dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do supra citado Decreto-Lei que “em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”, clarificando o n.º 5 do mesmo artigo que “o consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais”.
No caso dos autos, verifica-se que a demandante, pretende fazer valer o seu direito à reparação ou substituição do bem, em virtude da sua desconformidade com o contrato de compra e venda realizado com a demandada.
Nos termos do artigo 5º, nº 1 do Decreto-Lei nº 84/2008, o consumidor pode exercer os direitos de resolução do contrato, quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois anos, a contar da entrega do bem, já que se trata de bem móvel. E ainda nos termos do artigo 5º-A desse Decreto-Lei, os direitos atribuídos ao consumidor caducam no termo do prazo acima mencionado.
Ainda, a propósito, dispõe o nº 2 do mesmo artigo, que, para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, a contar da data em que a tenha detetado.
Do exposto resulta que em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o que compreende defeitos, vícios e avarias, como consta do artigo 2º do mencionado decreto lei, o vendedor responde tanto no momento da entrega do bem como dentro do prazo de garantia, tendo o consumidor direito a que tal conformidade seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, a redução adequada do preço ou a resolução do contrato.
Vejamos, então, se existe a falta de conformidade do bem vendido.
Assim, o bem adquirido e entregue, em execução do contrato de compra e venda, deve estar isento de vícios físicos, defeitos intrínsecos inerentes ao seu estado material que estejam em desconformidade com o contratualmente estabelecido, ou em desconformidade com o que, legitimamente, for esperado pela compradora.
Da factualidade provada resulta que a demandante dirigiu-se ao estabelecimento comercial da demandada, com o intuito de adquirir um computador portátil que fosse de simples utilização tendo o funcionário do estabelecimento comercial mostrado à cliente os equipamentos com as carateristicas pretendidas pela demandante, tendo esta adquirido o computador INSYS objeto dos autos.
Ainda resulta da mesma prova, que em outubro de 2012, após sensivelmente quatro meses sobre a aquisição, a demandante ter-se-á deslocado ao mesmo estabelecimento, tendo referido que o computador não dispunha de qualquer drive de leitura de cd de origem, tendo a demandada verificado a inexistência de qualquer desconformidade do bem.
Ora, a demandante não faz prova de qualquer avaria, defeito ou desconformidade no bem adquirido, uma vez que o modelo de computador em causa, não tem de origem, tal função de leitura de cd/dvd.
Ao contrário, a demandada fez prova inequívoca de que vendeu um bem conforme ao contrato de compra e venda, tendo prestados os esclarecimentos devidos e as informações úteis à demandante, tanto no momento da aquisição, como na altura da reclamação da demandante.
Por outro lado, resulta ainda da prova produzida que, no momento da aquisição a demandante viu vários modelos de computadores, tendo optado livremente pelo adquirido, sem expor a essencialidade de existência drive de leitura de cd/dvd, tendo o funcionário do estabelecimento exercido a função de exposição e demonstração de equipamentos na medida do solicitado, até porque são funcionários com formação na área onde estão colocados, nem teriam interesse de que a demandante adquirisse determinado equipamento, ademais quando o computador em questão era o de mais baixo custo na loja na altura da compra e venda dos autos.
E o facto de existir um livro de instruções do computador, onde consta a drive de leitura de cd/dvd, juntamente com um dvd de instruções, não quer dizer que este computador tenha essa carateristica especifica, até porque tais livros e cd são genéricos para vários computadores da mesma marca, diferenciando-se depois segundo o modelo de cada um, como disso fez prova a demandada.
Além de que visualmente, considerando a exibição do portátil, é notório que o local de drive de leitura de cd/dvd é fixa, não sendo suscetivel de abrir. E se tal constatação, só foi visível pela demandante 4 meses depois, quando reclamou, não deixa tal facto de se considerar estranho. Até porque se constatou que a demandada tem uma politica de satisfação/devolução, de acordo com a qual os consumidores que não fiquem totalmente satisfeitos com o produto adquirido, podem proceder à respetiva devolução, no prazo de 15 dias a contar da aquisição, com o total reembolso do preço pago pela aquisição.
Por outro lado, sempre poderia a demandante adquirir uma pen, como fez aliás, para o uso de imagens nos seus trabalhos, como poderia adquirir um equipamento externo com a mesma finalidade e tal leitor externo teria a mesma funcionalidade como se fosse interno.
Acontece que para a demandante, o computador padece de defeito, dado não abrir o leitor de cd/dvd, pelo que carece de razão, pois o modelo adquirido não tem tal funcionalidade, correspondendo o bem ao preço, nem havendo qualquer confusão com outro computador, dado que na altura dos acontecimentos, existiam 2 computadores INSYS da mesma gama, não contendo nenhum deles a drive de leitura.
Nos termos do exposto, carece de razão a demandante, dada a inexistência de falta de conformidade do bem adquirido, pelo que não tem a demandante direito à peticionada reparação ou substituição do computador, improcedendo nessa medida o peticionado.
Quanto ao peticionado a título de prejuízos não patrimoniais, que sejam merecedores de tutela jurídica, os quais se encontram previstos no artigo 496º, nº 1, do Código Civil, considera-se que, não havendo lugar a procedência da pretensão da demandante, terá de improceder consequentemente o peticionado relativamente a danos não patrimoniais alegados pela demandante.
Decisão
Em face do exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada, e, consequentemente, absolvo a demandada ……………………., S.A. do pedido.
Custas
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, condeno a demandante ……………………….. no pagamento das custas totais do processo no valor de €70,00 (setenta euros), pelo que tendo pago a taxa de justiça inicial de €35,00, deve ainda proceder ao pagamento do restante valor de €35,00 (trinta e cinco euros), no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de €10,00 (dez euros) por cada dia atraso.
Devolva à demandada o valor de €35,00 (trinta e cinco euros).
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A Sentença (conforme A.O., processada em computador, revista e impressa pela signatária) foi proferida nos termos do artigo 60º da Lei nº 78/2001, alterada pela Lei nº 54/2013.
Na data e hora agendada para leitura de sentença – 30/5/2014, pelas 16H30 - não estiveram presentes partes ou mandatária.
Notifique e Registe.
Julgado de Paz de Coimbra, em 30 de maio de 2014
A Juíza de Paz (em acumulação de serviço)
(Iria Pinto)