Sentença de Julgado de Paz
Processo: 156/2014-JP
Relator: ANTÓNIO CARREIRO
Descritores: DIREITOS E DEVERES DE CONDÓMINOS - PRESTAÇÕES RELATIVAS A DESPESAS E SERVIÇOS DE CONDOMÍNIO - PENALIZAÇÃO - LOCATÁRIO FINANCEIRO
Data da sentença: 06/30/2014
Julgado de Paz de : SETÚBAL
Decisão Texto Integral: Sentença
(N.º 1, do art.º 26.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho)

Matéria: Direitos e deveres de condóminos.
(Alínea c), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho).
Objecto do litígio: Pagamento de prestações relativas a despesas e serviços de condomínio.
Demandante: A- Condomínio do prédio sito na Rua xxx, n.ºx, Setúbal, NIPC xxxxxxx, administrado por B-, representada por C- com domicílio profissional na Av. xxxxxx, Setúbal.
Mandatário: D- , advogado, com escritório na Av. xxxxxx Setúbal.
Demandada: E-, NIPC xxxxx, com sede na Av. xxxx, Lisboa.
Mandatária: F- Dr.ª , advogada, com escritório na Rua xxxxx Lisboa, com o substabelecimento no G -Dr., advogado, com escritório na mesma morada.
Valor da acção: 995,00€.
Dos articulados
O condomínio alega que a demandada E é proprietária da fracção “G”, correspondente ao primeiro andar C, do mesmo condomínio, estando em dívida para com este, com o montante de 995,00€, relativos a encargos do condomínio e penalização, cujo pagamento requer, bem como o das prestações que se vencerem no decurso da acção.
Alegou conforme requerimento inicial de fls 3 a 6, que aqui se dá como reproduzido.
A demandada contestou, a fls 39 a 48, que aqui se dão como reproduzidas.
Sustenta que, em 27-05-2008, celebrou contrato de locação financeira com Fábio Tavares da silva, sendo a responsabilidade pelo pagamento de prestações ao condomínio do locatário, nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 10.º do DL 149795, de 24 de Junho, não afastado pelo n.º 1, da cláusula 4.ª das Condições Gerais do Contrato, que o reforça. Impugna a matéria e aí refere que o contrato de locação financeira se manteve em vigor até ser resolvido pela locadora, por incumprimento contratual do locatário. Pediu a entrega judicial do imóvel que veio à sua posse em 12-04-2012. Neste processo foi reconhecida a resolução do contrato com efeitos à data de 04-05-2011. Alega que procedeu ao pagamento de todos encargos a partir de 12-04-2012, data em que reentrou na posse, gozo e fruição do imóvel, tendo efectuado o pagamento de 315,00 €, em 14-02-2014 (21 mesesx15,00 €), correspondentes às quotas vencidas de Abril de 2012 a Dezembro de 2013). Efectuou também o pagamento de 45,00 €, em 08-05-2014, correspondentes às quotas vencidas no ano de 2014.
Alega ainda que a acção é instaurada com base na acta da assembleia de Condóminos de 13-05-2011, “em momento em que ainda se encontrava em vigor o aludido contrato de locação financeira”, não podendo participar na assembleia, para o que não foi convocada e apenas agora teve conhecimento da mesma. Refere ainda que não foi interpelada para pagar. Conclui pela procedência da excepção de ilegitimidade e improcedência da acção.
Fundamentação
De facto
Com base nos depoimentos das partes, testemunhas, que foram credíveis e imparciais, e documentos, dão-se como provados os seguintes factos:
1 – B, representada pelo gerente C, com domicílio profissional na Av. xxxx , n.º xx Setúbal, é administradora do Condomínio do prédio sito na Rua xxx, n.º x, Setúbal, NIPC xxxxxxx.
2– F é proprietária da fracção “G”, correspondente ao primeiro andar C, do mesmo condomínio, desde 27-05-2008 (data da escritura pública), com averbamento no registo predial a 24-03-2009.
3 – A demandada celebrou contrato de locação financeira com H-, a 27-05-2008, também averbado no registo predial a 24-03-2009.
4 – Este contrato de locação foi validamente declarado resolvido pela demandada a 04-05-2011, devido a incumprimento contratual do locatário, tendo sido averbado o cancelamento do contrato de locação financeira no registo predial a 31-08-2011.
5 – O locatário não entregou de imediato o imóvel, tendo o mesmo voltado à posse da demandada a 12-04-2012, após acção judicial para o efeito.
6 – Em 29-01-2014, o demandante interpelou a demandada, na qualidade de proprietária, para efectuar o pagamento de 795,00 €, correspondentes a 53 meses de quotas ordinárias de condomínio em dívida, correspondentes aos meses de Novembro de 2009 a Janeiro de 2014 (fls 11).
7 – Com esta interpelação foram enviadas “cópias das últimas deliberações de Condóminos, cópia do NIB do Condomínio, cópia do NIPC e Aviso de Pagamento” (fls 11 e referiu-se “aguardaremos até ao próximo dia 10-02-2014, que V. Exa., proceda ao pagamento da totalidade das quotas vencidas”.
8 – Em 14-02-2014, a demandada procedeu ao pagamento de 315,00 €, por transferência bancária para a conta do condomínio, correspondentes a 21 meses de quotas ordinárias (15,00€/mês).
9 – Em 08-05-2014, a demandada procedeu ao pagamento de 45,00 €, por transferência bancária para a conta do condomínio, correspondentes a três meses de quotas ordinárias (15,00€/mês).
10 - Em 09-06-2014, a demandada procedeu ao pagamento de 45,00 €, por transferência bancária para a conta do condomínio, correspondentes a três meses de quotas ordinárias (15,00€/mês).
11 – Relativamente a estes pagamentos o demandante emitiu três recibos, que enviou à demandada, juntos ao processo na audiência de julgamento:
- recibo n.º xxx, emitido a 17-02-2014, no valor de 315,00 €, que considerou para pagamento das quotas de Novembro de 2009 a Julho de 2011;
- recibo n.º xxx, emitido a 09-05-2014, no valor de 45,00 €, que considerou para pagamento das quotas de Agosto a Setembro de 2011;
- recibo n.º xxx, emitido a 09-06-014, no valor de 45,00 €, que considerou para pagamento das quotas de Novembro de 2011 a Janeiro de 2012;
12 – Em 10-04-2014, a demandante instaurou a presente acção, por, relativamente à fracção, não terem sido pagos os seguintes encargos ao condomínio:
- Prestações mensais ordinárias (15,00€/mês), com vencimento a 08 de cada mês, de Agosto de 2011 a Abril de 2014, no montante de 495,00€, corrigindo este valor, na audiência de julgamento, para 405,00 €, devido aos pagamentos de 09-05-2014 e 09-06-2014.
13 - Nos termos da deliberação da assembleia de condóminos de 13-05-2011 (acta n.º 15), no caso de atraso de pagamentos superior a seis meses e necessidade de acção judicial para cobrança das prestações, aos condóminos faltosos é aplicada uma penalização no montante de 500,00€, sendo requerido o pagamento deste montante, a título de penalização.
14 – No decurso da acção venceram-se as prestações mensais (15,00€), com vencimento a 08 de cada mês, de Maio e Junho de 2014, no montante de 30,00 €.
15- – O contrato de locação financeira estabelece que o locatário suportará todos os encargos e despesas de condomínio (Cláusula 4.ª, n.º 1, das Condições Gerais).
Fundamentação
De direito
Ilegitimidade da demandada
Nos termos do n.º 1, do art.º 1424.º, do Código Civil, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos na proporção das suas fracções, estabelecendo-se no artigo 1421.º, do mesmo código, que cada condómino é proprietário exclusivo da fracção e comproprietário das partes comuns, sendo ambos os direitos incidíveis.
Nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 10.º, do DL 149/95, de 24 de Junho, alterado pelos DL 265/97, de 2 de Outubro, DL 285/2001, de 3 de Novembro, e DL 30/2008, de 25 de Fevereiro é obrigação do locatário financeiro “pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns do edifício e aos serviços de interesse comum”.
A questão da suscitada ilegitimidade da demandada é resolvida pela interpretação das normas acima referidas. Há posições doutrinais e jurisprudenciais a defender o pagamento pelo locatário e outras pelo condómino/locador. Como argumentos referem-se a natureza real das prestações de condomínio, originadas na coisa (propter rem), em contraponto com o carácter obrigacional do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 10.º, do DL 149/95. Por outro lado esgrime-se também a relação de lei geral (para o artigo 1424.º do Código Civil) e de lei especial (para o DL 149/95).
Numa fundamentação sucinta, a posição que se sustenta é que ambas as normas podem coexistir pacificamente, não retirando uma a aplicação da outra, nem o legislador ao estabelecer a alínea b), do n.º 1, do artigo 10.º, do DL 149/95 afastou ou pretendeu afastar a aplicação do artigo 1424.º do Código Civil ao condómino/locador. Ao invés de retirar legitimidade ao condómino/locador para ser demandado pelas prestações do condomínio, o que aquela alínea b) vem fazer é que o locatário também possa ser parte legítima nestas acções (situação diferente da que existe entre senhorio e inquilino).
Sendo o contrato de locação financeira obrigado a registo tem o condomínio conhecimento do mesmo e pode demandar o locatário, por também estar estabelecido na lei (a referida alínea b) que este tem de suportar o encargo das despesas correntes do condomínio (atente-se neste pormenor que a lei se refere apenas a despesas correntes e não a todas as despesas, o que pode ter como consequência a necessidade de determinar quais são as despesas correntes - o que aqui não se impõe por se tratar apenas de prestações ordinárias e, contratualmente, o locatário responder por todas as despesas e encargos de condomínio), daqui se inferindo desde logo que alguém, no pensamento do legislador, terá de responder pelas despesas não correntes – e esse alguém, face ao artigo 1424.º, do CC, só pode ser -- e é - o condómino (proprietário/locador financeiro). Por outro lado, a ser oponível ao condomínio a norma da alínea b) para o locador se eximir ao pagamento das prestações, no caso de incumprimento do contrato de locação financeira, haveria uma situação injusta e irrazoável para os restantes condóminos, que seriam indirectamente obrigados a suportar os custos de uso e fruição de uma fracção de outrem, beneficiando locador e locatário. E sem qualquer segurança e certeza jurídica pois seria impossível saber se alguma ou várias fracções viriam ou não a ser objecto de contrato de locação financeira.
As regras de interpretação em nada impedem a coexistência das duas normas e a sua aplicação, podendo o locatário ser directamente demandado mas sem prejuízo do condómino/locador ser demandado sempre que o condomínio o entenda, na medida em que este, pela alínea b) em causa, não é desresponsabilizado de responder sempre perante o condomínio, sem prejuízo de lhe assistir o direito de regresso do locatário, caso satisfaça o pagamento das prestações. Nesta posição vai-se portanto mais além em relação às posições que sustentam que só e apenas o condómino locador ou só o locatário pode responder perante o condomínio (Sobre a matéria, acórdão do STJ, de 19-03-2002, processo 01A3861, e sobre quem é condómino, o de 24-06-2008, in dgsi.pt e com posição contrária o indicado pela demandada de 02-03-2010, todos com votos de vencido).
Do mérito
A demandada é proprietária da fracção, desde 27-05-2008, embora só figure no registo predial a partir de 24-03-2009, pelo que não se pode eximir às suas obrigações de condómina, designadamente ao pagamento dos encargos da fracção, nos termos do artigo 1421.º do Código Civil.
Foi interpelada para efectuar o pagamento de 995,00 € em dívida, em Janeiro de 2014. Efectuou um pagamento parcial de 315,00 €, em 14 de Fevereiro de 2014, que o demandante imputou às prestações mensais mais antigas, de Novembro de 2009 a Julho de 2011. Entende a demandada que tal pagamento deveria ter sido imputado aos meses de Abril de 2012 e seguintes, com base em que o imóvel apenas voltou à sua posse efectiva em 12-04-2012.
Não lhe assiste razão.
Por um lado, este argumento - de que só é responsável a partir da entrega da fracção em 12-04-2012 - não tem qualquer base legal, mesmo que se entendesse que só o locatário seria responsável pelo pagamento dos encargos enquanto vigorasse o contrato de locação financeira. Mesmo neste entendimento sempre a demandada seria responsável pelos pagamentos a partir da data da resolução do contrato, no caso a 04-05-2011, data da resolução do contrato de locação.
Por outro lado o condomínio não podia ter conhecimento das relações entre o locatário financeiro e a demandada e não tinha acesso a qualquer informação que lhe indicasse que a demandada só entrou na posse do imóvel nesta data e, mais relevante, a demandada não lhe transmitiu que o pagamento efectuado teria de respeitar àqueles meses em concreto, limitando-se a fazer uma transferência bancária com aquele quantitativo (referentes a 21 meses) quando fora interpelada para o pagamento de 53 meses (desde Novembro de 2009). Aceita-se que a demandada pudesse especificar os meses cujo pagamento desejava efectuar, por legalmente admissível, mas também se tem como correcto o procedimento do condomínio ao imputar os pagamentos às quotas mais antigas, dado que nada lhe foi transmitido em sentido contrário.
Os mesmos argumentos valem para os outros dois pagamentos de 45,00 €.
Refira-se que é o proprietário que tem que informar o condomínio e não o inverso (n.º 9, do artigo 1432.º do Código Civil), não podendo o locador financeiro desinteressar-se do condomínio como se não fora proprietário, sendo-o (diga-se que a figura de “proprietário económico”, por vezes, referida para o locatário financeiro, não existe na lei e que o locatário tem também a obrigação de informar o locador sobre as questões relacionadas com o locado).
Em consequência a quota-parte dos encargos peticionados (405,00€), reduzidos dos dois pagamentos efectuados no decurso da acção, é devida e da responsabilidade da demandada.
Alega a demandada que a acção é instaurada com base na acta da assembleia de Condóminos de 13-05-2011, “em momento em que ainda se encontrava em vigor o aludido contrato de locação financeira”, não podendo participar na assembleia, para o que não foi convocada e apenas agora teve conhecimento da mesma. Também este argumento não procede porquanto a 13-05-2011 o contrato de locação já havia sido resolvido a 04-05-2011 e por outro lado era sobre a demandada que impendia a obrigação de informar o condomínio deste facto para que pudesse ser convocada e participar na assembleia. Aliás podem os condóminos impugnar as deliberações quer delas tenham ou não conhecimento, no prazo de 60 dias (n.º4, do artigo 1433.º, do Código Civil) a contar da deliberação e não do seu conhecimento (matéria sobre a qual tem havido controvérsia mas que já foi objecto de análise pelo Tribunal Constitucional).
A penalização estabelecida pela assembleia de condóminos é legal nos termos do n.º 1, do artigo 1434.º, do Código Civil, não afectando o limite do n.º 2 do mesmo artigo, no caso presente.
No que se refere à natureza jurídica da mesma entende-se que se trata de cláusula penal e, por conseguinte, tem-se seguido o princípio de aquilatar da sua proporcionalidade, tendo-se decidido em casos idênticos, por se entender equitativo e com recurso aos artigos 809.º a 812.º, do Código Civil, que a penalização não poderá exceder o montante das prestações em dívida, o que não é o caso. É de salientar que os condóminos faltosos sabem (e têm a obrigação de saber e podem impugnar as deliberações, nos prazos legais) que a penalização estabelecida opera só após seis meses de pagamentos em atraso e se e quando for instaurada acção, pelo que podem obstar a que a mesma não seja aplicada.
No presente caso a penalização está estabelecida no montante de 500,00 €, quantitativo que é requerido. Aplicando o critério uniforme que se tem sido seguido reduz-se para 495,00 € (montante em dívida à data da interposição da acção)
A acção procede, por provada, impendendo sobre a demandada, a obrigação do pagamento da quantia de 930,00 €, relativos a despesas e serviços de condomínio (435,00 €), como decorre dos valores descriminados em factos provados, e penalização (495,00€).
Assiste à E o direito de regresso sobre o locatário financeiro, relativamente às prestações na vigência do contrato de locação financeira.
Decisão
Em face do exposto, condeno a demandada E a pagar ao demandante a quantia de 930,00€ (novecentos e trinta euros), referente às prestações de condomínio em dívida e penalização.
Custas
Nos termos do n.º 8.º, da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, a demandada E é declarada parte vencida para efeitos de custas, pelo que deve efectuar o pagamento de 35,00€, referente à segunda parcela de custas, neste Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação para o efeito, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de 10,00 € por cada dia de atraso.
Reembolse-se o demandante, nos termos do disposto no n.º 9.º daquela Portaria.
Esta sentença foi proferida e notificada, nos termos do art.º 60.º, n.º 2, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho.
Envie-se cópia aos que faltaram.
Julgado de Paz de Setúbal (Agrupamento de Concelhos), em 30-06-201
O juiz de Paz
António Carreiro