Sentença de Julgado de Paz
Processo: 46/2017-JPSXL
Relator: MARIA FERNANDA CARRETAS
Descritores: ARRENDAMENTONULIDADECONTRATO / ARRENDAMENTORURAL
Data da sentença: 06/08/2018
Julgado de Paz de : SEIXAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA
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RELATÓRIO:
A, representada pelo cabeça-de-casal – B - identificada a fls. 1 e 3, intentou, em 21 de fevereiro de 2017, a presente ação declarativa de condenação, contra C, melhor identificado, também, a fls. 1 e 3, pedindo que este fosse condenado a: a) pagar-lhe o valor de 2.750,00 € (Dois mil, setecentos e cinquenta euros, a título de rendas vencidas e despesas; b) a pagar todas as rendas vincendas na pendência da ação; c) a proceder à entrega imediata do locado livre de pessoas e bens por resolução do contrato por atraso reiterado no pagamento das rendas e c) a uma sanção pecuniária compulsória, no valor que se deixa ao prudente arbítrio do Tribunal, por cada dia de atraso que o R. tenha na entrega do locado. ---
Para tanto, alegou os factos constantes do seu Requerimento Inicial de fls. 1 a 5, que aqui se dá por reproduzido, dizendo que: é proprietário do imóvel sito na Quinta D, denominado por parcela de terreno situado na Quinta D, Serviço de Finanças – E -, ------, Amora; foi constituída uma obrigação de gozo do imóvel em que o Autor da Herança cedeu o gozo do imóvel ao Réu mediante o pagamento de uma retribuição mensal, em tudo semelhante a um contrato de arrendamento, porém não reduziram a escrito tal contrato; as partes acordaram a retribuição mensal de 350,00 € (Trezentos e cinquenta euros), valor atualizado à presente data e a ser pago até ao dia 8 de cada mês; o Réu tem utilizado o espaço para o fim a que o mesmo se destina, ou seja, stand de compra e venda de automóveis, pagando a contrapartida acordada; no entanto, desde agosto de 2016, inclusive, que o Réu não faz qualquer pagamento; no dia 19 de janeiro de 2017, o Cabeça-de-casal, enviou carta registada, com Aviso de Receção que não foi recebida pelo Réu, instando-o para que procedesse à liquidação da dívida e dando-lhe um prazo para tal; acontece que, além de não ter feito o pagamento também não contatou o Cabeça-de-casal, nem a mandatária, a fim de se tentar chegar a um acordo de pagamento do montante em dívida, pelo que estão em dívida 7 meses, no montante total de 2.450,00 € (Dois mil, quatrocentos e cinquenta euros) a título de rendas vencidas; bem como todas as rendas que se vençam até integral pagamento, taxa de justiça e demais encargos com a mandatária que se cifram, desde já, em 300,00 € (Trezentos euros), estando, assim, o R. em dívida para com a herança no montante de 2.750,00 € (Dois mil, setecentos e cinquenta euros); perante este comportamento não resta à Herança outra alternativa que não seja a resolução do contrato com fundamento em falta de pagamento das rendas, e que requerer que o R. seja condenado a proceder à entrega imediata do locado livre de pessoas e bens, bem como requerer também que o A. (quereria dizer R) seja condenado a uma sanção pecuniária compulsória, no valor que se deixa ao prudente arbítrio do Tribunal, por cada dia de atraso que o R. tenha na entrega do locado, desde o trânsito da sentença. -
Juntou 3 documentos (fls. fls. 6 a 15) que igualmente se dão por reproduzidos. ---
O Demandado foi, pessoal e regularmente, citado para contestar, no prazo, querendo, tendo juntado aos autos Requerimento de concessão do benefício da Proteção Jurídica, na modalidade de Apoio Judiciário, com dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono para contestar. ---
Em 7 de junho de 2017 foi nomeada patrona a Ilustre advogada – Sra. Dra. F - tendo os autos sido conclusos – como já o foram em 7 de abril de 2017, quando da junção do referido requerimento – em 5 de julho de 2017, quando da apresentação da douta contestação, mas apenas em 29 de janeiro, após redistribuição de processos, em 26 de janeiro de 2018, foi possível à signatária, dar-lhes o necessário impulso processual com a designação de data para a realização da Audiência de Julgamento. O tribunal teve já a oportunidade de apresentar o seu pedido de desculpas aos intervenientes processuais pela delonga na tramitação processual. ---
Foi apresentada a douta contestação de fls. 41 a 45, que se dá por reproduzida, na qual o Demandado comenta o facto de a Demandante alegar que foi constituída uma obrigação de gozo do imóvel, em tudo semelhante a um arrendamento, entendendo que o fez por se tratar de prédio rústico, pelo que o pretenso contrato seria reconduzido a um contrato de arrendamento rural, ainda que tal fosse ilidível; com efeito, a análise do incumprimento contratual resultante de tais contratos não encontra competência na presente sede, como decorre do disposto no art.º 9.º, n.º 1, al. i), do supracitado diploma; não obstante, toda a alegação feita pelo Demandante e bem assim os pedidos que formula, apontam para uma causa de pedir consubstanciada na existência e validade de um contrato de arrendamento que terá de se tipificar como sendo de arrendamento atento o facto de ser um imóvel que lhe serve de objeto e bem assim a natureza debitória das prestações que foram reclamadas; citou a legislação definidora do contrato de locação; alegando que seja qual for a interpretação que se entenda por bem atribuir à alegação, é evidente que a mesma será sempre consubstanciada num contrato de locação, ainda que se chame “obrigação de gozo do imóvel”, como o fez a Demandante; nessa medida e ainda que de forma dissimulada, vem a Demandante promover um despejo sob a forma encapotada que peticiona de “entrega imediata do locado livre de pessoas e bens para resolução do contrato por atraso reiterado no pagamento das rendas”, ou seja, com fundamento na falta de pagamento de rendas; donde se infere que esta opção de formulação, de facto, também não será inocente, na justa medida em que, a presente sede, tal como se referiu acima, carece de competência para a apreciação de tal matéria, como decorre do supramencionado artigo 9.º; só um contrato de arrendamento, seja ele rural ou urbano, plenamente válido poderá servir de fundamento ao exercício de um direito que o tenha como requisito; no caso dos autos, o Demandante não juntou qualquer contrato válido que legitime e valide as suas pretensões, limitando-se, numa interpretação pessoal e muito própria, a fazer uma qualificação de factos a seu bel-prazer para daí retirar conclusões jurídicas e obter deste julgado uma validação que a lei não lhe confere, o que, naturalmente, não pode proceder; acrescendo o facto de a aqui Demandante, desde logo, ter prescindido da mediação, onde, eventualmente, se poderia ter apurado a efetiva natureza da sua pretensão; a informalidade e a simplicidade pela qual se pauta a ação dos Julgados de Paz não pode ser tão amplamente invocada ao ponto de se desvirtuar toda e qualquer aplicação das regras jurídicas, subvertendo-se conceitos e rigor jurídico, ao ponto de se expurgar as pretensões das partes da aplicabilidade da lei e dos seus critérios; os princípios pelos quais se regem os Julgados de Paz que evidenciam o espírito deste sistema de justiça, estão dispostos no art.º 2.º da vulgarmente denominada Lei dos Julgados de Paz, sendo eles o princípio da participação cívica, do estimulo ao acordo, da simplicidade, da adequação, da informalidade, da oralidade e da economia processual, servindo este artigo de guia para a interpretação de todo o diploma e para a atuação destes tribunais; termos em que contesta a pretensão deduzida pela Demandante entendendo-se que este Julgado de Paz carece de competência em razão da matéria ex vi do art.º 9.º, n.º 1, alíneas i) e g), da Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, para se pronunciar sobre a questão que lhe foi submetida, com as legais consequências. ---
Não juntou documentos. ---
No início da Audiência de Julgamento, a Demandante pronunciou-se sobre a exceção da incompetência do tribunal, em razão da matéria, oferecendo o merecimento dos autos. ---
Verificando-se deficiência formal do douto Requerimento Inicial (RI), uma vez que, a nosso ver, a Herança Indivisa não tem capacidade judiciária, logo personalidade jurídica, foi a Demandante convidada a aperfeiçoar o seu RI e, tendo-se constatado que o outro herdeiro já identificado, havia também falecido, estando identificados os seus herdeiros, veio a Demandante requerer a concessão de prazo não só para aperfeiçoar o RI, mas também para juntar aos autos os documentos necessários ao suprimento da “ilegalidade”, ao que o Demandado não se opôs, pelo que se decidiu em conformidade, deferindo ao requerido e concedendo prazo ao Demandado para se pronunciar sobre o que viesse a ser junto aos autos. ---
A fls. 76, veio a Demandada aperfeiçoar o RI, indicando como Demandante o B; a G e a H, na qualidade de herdeiros da Herança Indivisa por óbito de A e I, declarando que ratificavam todo o anteriormente processado e juntou procuração outorgada pelos referidos herdeiros. Nada requereu. ---
Juntou Escritura de Habilitação de herdeiros, por óbito de I e cópia da certidão de Registo do imóvel (fls. 77 a 81) que se dão por reproduzidas. ---
O Demandado pronunciou-se sobre o douto requerimento junto aos autos, nos termos consignados no douto requerimento de fls. 85 e 86, que se dá por reproduzido. ---
Entendeu-se como lapso a falta de qualquer requerimento, por parte da Demandante, pelo que, em homenagem aos princípios enformadores deste tribunal, se convidou a Demandante a vir requerer o que tivesse por conveniente. ---
Na sequência, vieram os suprarreferidos B; G e H requerer que fossem aceites como parte Demandante nos presentes autos, ratificando todo o processado (fls. 98). ---
O Demandado nada disse, pelo que por despacho de fls. 103 e 102, foram estes admitidos como Demandantes, na qualidade de herdeiros dos falecidos, declarando-se sanada a preterição do litisconsórcio necessário ativo (por lapso, no despacho proferido, consignou-se litisconsórcio passivo, o que agora se corrige), tendo também sido ordenada a correção do requerimento Inicial e o prosseguimento dos autos. ---

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Cabe a este tribunal decidir sobre a validade e qualificação do contrato celebrado verbalmente entre as partes; se houve incumprimento contratual e, na afirmativa, quais as suas consequências. ---
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Tendo os Demandantes afastado o recurso à Mediação para resolução do litígio (fls. 4), logo após a redistribuição processual, foi designado o dia 14 de fevereiro de 2018 para a realização da Audiência de Julgamento e não antes atento o prazo necessário para a notificação dos intervenientes processuais (fls. 60). ---
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Aberta a Audiência, e estando presentes o primeiro Demandante – B -, acompanhado da sua Ilustre Mandatária – Sra. Dra. J - e o Demandado – C – acompanhado da sua Ilustre Patrona Nomeada – Sra. Dra. F – verificando-se as vicissitudes suprarreferidas, foi esta suspensa para regularização da instância quanto à parte Demandante, conforme da respetiva ata melhor se alcança. ---
Não foi, de imediato, designada data para a sua continuação, em virtude de ser necessário juntar aos autos documentos em poder de terceiros.
Regularizada a instância quanto à parte Demandante foi designado o dia 17 de abril de 2018 para a continuação da audiência de Julgamento (fls. 104). ---
Data que viria a ser dada sem efeito, a requerimento a Ilustre Patrona nomeada ao Demandado, tendo- se designado, em sua substituição o dia 18 de abril de 2018 (fls. 124). ---
Reaberta a audiência, não obstante verificar-se a falta da segunda e terceira Demandante que, no entanto, foi justificada, nos termos do disposto no Art.º 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho (LJP), tendo-se explorado todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no n.º 1 do Art.º 26.º do mesmo diploma legal, o que não logrou conseguir-se, pelo que se procedeu à Audiência de Julgamento, com observância do formalismo legal, conforme da respetiva ata melhor se alcança. -- Devido ao facto de haver diligências agendadas para a mesma hora e à necessidade de ponderação da prova, a audiência foi suspensa, designando-se o dia 17 de maio de 2018 para a sua continuação, com prolação de sentença. Data que viria a ser dada sem efeito, por necessidade de junção de documento imprescindível à decisão. Designou-se, em sua substituição, a presente data. ---
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Cumpre, antes de mais, decidir sobre a incompetência, em razão da matéria, invocada pelo Demandado. Vejamos: ---
O Demandado vem arguir a incompetência do tribunal, em razão da matéria, nos termos do disposto no art.º 9.º, n.º 1, al. g) e i), da lei n.º 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013,de 31 de julho (LJP). ---
Alega para tanto que os Demandantes sem apresentarem qualquer contrato válido, sendo certo que se referem ao acordo celebrado com o Demandado, “em tudo semelhante a um contrato de arrendamento”, acordo que mais não é do que um contrato de arrendamento como ele é configurado na legislação sobre a locação. ---
Que, sendo um contrato de arrendamento de uma parcela rústica, terá de se considerar como contrato de arrendamento rural para cuja apreciação este tribunal não tem competência, nos termos da al. i), do n.º 1, do art.º 9.º da LJP. ---
Mais alega que, ainda que assim não se considere, o que os Demandantes pretendem é efetivar o despejo do Demandado, para cuja apreciação o tribunal não tem competência, nos termos do disposto na al. j) do referido diploma legal. ---
Ora, quanto à qualificação do contrato, dúvidas não há de que as partes quiseram celebrar (e celebraram) um contrato de arrendamento. Mas, será um contrato de arrendamento rural - por se tratar de parte de um prédio rústico – ou será um contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais – atento o fim a que se destinava o gozo do imóvel? ---
É certo que a parcela de terreno que foi arrendada ao Demandado é parte integrante de um prédio misto (uma quinta), estando inscrito na matriz predial do Seixal, freguesia de Amora, como prédio rústico, mas não é menos certo que o fim a que o Demandado destinava o locado era a exposição de veículos automóveis, em segunda mão, que comercializava. ---
A este propósito, dispõe o art.º 1027.º, do Código Civil (CC) que “Se do contrato e respetivas circunstâncias não resultar o fim a que a coisa locada se destina, é permitido ao locatário aplicá-la a quaisquer fins lícitos, dentro da função normal das coisas de igual natureza.” ---
E o art.º 1066.º, do CC dispõe que “1. O arrendamento conjunto de uma parte urbana e de uma parte rústica é havido por urbano quando essa seja a vontade dos contratantes; 2. Na dúvida, atende-se, sucessivamente, ao fim principal do contrato e à renda que os contratantes tenham atribuído a cada uma delas; 3. Na falta ou insuficiência de qualquer dos critérios referidos no número anterior, o arrendamento tem-se por urbano.”. ---
Daqui resulta que, independentemente da qualificação do prédio na respetiva matriz, o contrato será rural ou urbano, consoante o fim a que se destina. ---
Neste caso, o fim a que o Demandado destinava o locado era o exercício da sua atividade comercial de compra e venda de veículos usados, pelo que seria absurdo considerar que se tratava de um contrato rural. ---
E, assim sendo, como é, não se verifica a incompetência deste tribunal, prevista na al. i), do n.º 1, do art.º 9.º, que exclui da competência, em razão da matéria, as ações respeitantes ao arrendamento rural. ---
Mas, verificar-se-á a incompetência decorrente da al. g) do referido dispositivo legal, ou seja, com a presente ação pretenderão os Demandantes promover o despejo do Demandado?
Afigura-se-nos que a resposta a esta questão terá de ser também negativa, uma vez que, a nosso ver, pese embora o facto de os Demandantes invocarem a falta de pagamento da renda acordada, a ação está configurada no sentido da reivindicação da posse, uma vez que o Demandado continua a fruir do imóvel sem que, pela fruição, pague qualquer contrapartida aos Demandantes. ---
E, tratando-se, como a nosso ver trata de uma ação possessória, tem este tribunal competência para a apreciar e julgar, nos termos do disposto no n.º 1, al. e), do art.º 9.º, da LJP. ---
Decisão: ---
Nos termos e com os fundamentos invocados, declaro o Julgado de Paz do Seixal competente para a presente ação, declarando improcedente a exceção da sua incompetência, em razão da matéria. ---
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Nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 299.º e do art.º 306.º, do Código de Processo Civil (CPC), fixo o valor da ação na quantia de 2.750,00 € (Dois mil, setecentos e cinquenta euros). ---
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Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir: ---
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A convicção probatória do tribunal, ficou a dever-se ao conjunto de prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomados em consideração os documentos juntos pelos Demandantes e bem assim as declarações das partes em audiência de julgamento e a falta de impugnação. ---
Ponderaram-se, ainda, os depoimentos das testemunhas apresentadas pelos Demandantes e pelo Demandado, as quais prestaram depoimento com isenção, credibilidade e conhecimento direto dos factos sobre os quais prestaram depoimento, sendo certo, no entanto, que, do que era necessário apurar, pouco ou nada sabiam a não ser que o Demandado utiliza um espaço, individualizado, da quinta para a exposição de veículos em segunda mão, há vários anos. ---
Assim: ---
1.ª – K, que, aos costumes, declarou ser trabalhador do primeiro Demandante e conhecer o Demandado por ter um stand de automóveis no terreno, sendo que era a testemunha quem recebia a renda. Mais declarou a testemunha que, embora não soubesse datas, a situação perdura por mais de 8 anos. ---
2.ª L, que, aos costumes, declarou conhecer o primeiro Demandante e o Demandado, em virtude de ter uma casa comercial na zona, sendo que conhece o primeiro Demandante há mais tempo porque ambos pertenceram a um Clube de Pombos. --
3.ª M, que, aos costumes, declarou o primeiro Demandante de vista e o Demandado por convívio que têm no local onde se situa o stand. ---
4.ª N, que, aos costumes, declarou conhecer razoavelmente o Demandado por gostar de carros e ir, de vez em quando, ao stand que este tem na parcela de terreno e o primeiro Demandante de vista. ---
Com interesse para a decisão da causa ficaram provados os seguintes factos: ---
1. Em data que não foi possível apurar mas que se situa há cerca de 10 anos, logo em 2008, o primeiro Demandante e o Demandado, celebraram um contrato de arrendamento verbal de parte do prédio, denominado de parcela de terreno, situado na Quinta D, na Amora concelho do Seixal (Doc. n.º 2); ---
2. O referido prédio é composto por área urbana e área rústica, descrita na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número ----/------ e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo -- (Doc. n.º 2 e de fls.80); ---
3. A parcela de terreno está delimitada por gradeamento, possuindo um portão de acesso; ---
4. O referido prédio veio à posse dos Demandantes por sucessão hereditária, por morte de A e O (Doc. n.º 1 e de fs. 77 a 81); ---
5. Integrando a herança indivisa destes; ---
6. O local arrendado destinou-se e destina-se à exposição de veículos automóveis, em segunda mão, que o Demandado comercializa; ---
7. A renda acordada foi no valor de 350,00 € (Trezentos e cinquenta euros), pagável até ao dia 8 de cada mês; ---
8. Até ao mês de agosto de 2016, o Demandado sempre pagou a renda acordada, o que deixou de fazer no referido mês; ---
9. Em 19 de janeiro de 2017, o primeiro Demandante, através da sua mandatária, enviou ao Demandado, carta registada, com aviso de receção, na qual o interpelou a pagar as rendas em dívida, concedendo-lhe o prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de ser instaurada ação judicial (Doc. n.º 3); ---
10. O Demandado, além de não ter pago a renda acordada, também não procurou o primeiro Demandante ou a sua mandatária para celebração de acordo de pagamento faseado, não tendo dado qualquer resposta à referida carta; ---
11. O Demandado continua a utilizar o local arrendado até à presente data; -
12. À data da propositura da ação estavam em dívida as rendas dos meses de agosto de 2016 a fevereiro de 2017, no montante total de 2.450,00 € (Dois mil, quatrocentos e cinquenta euros); ---
13. Venceram-se na pendência da ação as rendas relativas aos meses de março de 2017 e junho de 2018, inclusive, no montante global de 5.600,00 € (Cinco mil e seiscentos euros); ---
Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão da causa. ---
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
A relação material controvertida circunscreve-se às relações decorrentes da celebração de um contrato de arrendamento, urbano, verbal entre o primeiro Demandante e o Demandado e ao incumprimento do mesmo por parte do Demandado. ---
O arrendamento é a locação de uma coisa imóvel e nos termos do disposto no Código Civil, “é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.” (art.ºs 1022.º e 1023.º). ---
Neste caso, o locado (parcela de terreno de uma quinta) destinava-se ao comércio que o Demandado exercia. ---
Tendo tal contrato sido celebrado – embora verbalmente – há cerca de 10 anos é aplicável ao contrato que ora analisamos o regime instituído pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, com as sucessivas alterações. ---
O referido diploma legal trouxe uma importante alteração ao art.º 1024, do CC, aditando-lhe o n.º 2 que dispõe que “O arrendamento de prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores só é válido quando os restantes comproprietários manifestem, por escrito e antes ou depois do contrato, o seu assentimento.”. ---
Por seu turno, dispõe o 1069.º do CC que “O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito, desde que tenha duração superior a seis meses.”. –
Mas, já antes, em 2000, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 64-A/2000, de 22 de abril, passou a ser exigido apenas o escrito particular para a válida celebração de contratos de arrendamento para destinados ao comércio, indústria ou exercício de profissão liberal, sendo certo que na vigência da anterior legislação se exigia a escritura pública. ---
Feito que está o arresto sintético da legislação aplicável, importa, agora, analisar o caso dos autos. ---
Os Demandantes vêm alegar que entre o primeiro Demandante e o Demandado “foi constituída uma obrigação de gozo do imóvel, em que o autor da Herança cedeu o gozo do imóvel ao R. mediante o pagamento de uma retribuição mensal, em tudo semelhante a um contrato de arrendamento, porém não reduziram a escrito tal contrato.” (sic). Mais alega que, desde o mês de agosto de 2016, inclusive, o Demandado não paga a retribuição mensal acordada de 350,00 € (Trezentos e cinquenta euros). ---
Compreende-se que os Demandantes tivessem usado a terminologia que usaram, eventualmente com vista a fugirem à exceção da incompetência do tribunal, se se entendesse que se tratava de uma ação de despejo, o que já se viu, não é, mas a verdade é que não existem acordos “em tudo semelhantes ao contrato de arrendamento”, ou existe arrendamento ou qualquer outra figura jurídica aplicável ao caso ou não. ---
Aliás, os próprios Demandantes no seu douto requerimento inicial, acabaram por não conseguir evitar a alegação de que havia “rendas” em dívida e à designação de locado. ---
E, na verdade, no caso, o que os contratantes quiseram contratar e contrataram, embora verbalmente, foi um contrato de arrendamento para fins comerciais. ---
Tal contrato deveria ter sido reduzido a escrito, sob pena de nulidade. ---
De facto, dispõe o art.º 220.º do CC que “A declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei. ---
A nulidade do contrato de arrendamento por falta de forma reconduz-se, em princípio, a nulidade de direito comum (art.º 286.º do CC), podendo ser invocada a todo o tempo e declarada oficiosamente (Pereira Coelho, RLJ, ano 126, pág. 196, AC RP de 29/05/2003, CJ, ano XXVIII, Tomo III, pág. 182). ---
O Demandado, na sua douta contestação, limitou-se a invocar a exceção da incompetência do tribunal, não impugnando os factos alegados, nomeadamente o valor da renda e as rendas devidas. ---
Atento o que antecede, forçoso é concluir que o contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado é nulo por falta de forma, nulidade que, repete-se, é do conhecimento oficioso. ---
Os efeitos da declaração de nulidade do contrato são retroactivos, devendo ser devolvido tudo o que foi prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (cfr. art.º 289.º, n.º 1, do CC). ---
A restituição abrange tudo o que tenha sido prestado, ainda que pelo valor correspondente se não for possível a restituição em espécie, de modo a que as partes sejam colocadas na situação objetiva que tinham antes da celebração do contrato ou como se o mesmo não tivesse sido realizado. ---
Assim, no caso de nulidade do contrato de arrendamento, a obrigação do locatário de restituir (art.º 289.º, n.º 1, do CC) abrange não só a entrega do locado, como o pagamento do valor correspondente à sua utilização (rendas acordadas e não pagas) – (cfr. a título de exemplo Ac. RL, de 28/11/96, CJ, ano XXI, Tomo V, pág. 113). ---
Ou seja, declarada a nulidade do contrato de arrendamento, por vício de forma, o arrendatário (o Demandado) fica obrigado, não só a restituir o locado ao senhorio, como também a pagar-lhe uma indemnização pela utilização do mesmo, correspondente, em regra, ao montante da renda acordada, enquanto tal utilização se mantiver. ---
Neste caso, como o Demandado fruiu totalmente o locado pelo tempo em que pagou a renda, estando o contrato economicamente cumprido naquele período e, não podendo restituir as vantagens de tal fruição, tem de entender-se que nada há a devolver. ---
No entanto, a fruição continuou até à presente data, sendo certo que, desde o mês de agosto de 2016 que o Demandado deixou de pagar a contrapartida acordada para essa fruição, pelo que terá de pagar aos Demandantes as rendas já vencidas, incluindo as que se venceram na pendência da ação, no valor total de 8.050,00 € (Oito mil e cinquenta euros). ---
Como deveria ser condenado no pagamento das rendas vincendas até à efetiva entrega do locado. ---
A este propósito, pedem os Demandantes a condenação do Demandado no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, cujo valor deixam ao arbítrio do tribunal, por cada dia de atraso na entrega do locado. ---
Tendo em consideração o que supra se expendeu, condena-se o Demandado no pagamento do valor mensal da renda acordada – ou a parte correspondente dela - até à entrega efetiva do locado, o que, a nosso ver, não colide com o princípio do limite à condenação (n.º 1, do art.º 609.º, do Código de Processo Civil). ---
Os Demandantes pedem também a condenação do Demandado no pagamento das despesas inerentes à contratação da sua Ilustre mandatária e à taxa paga com a entrada da ação, no montante global de 300,00 € (Trezentos euros). ---
Ora, quanto à taxa paga, é questão a decidir no momento próprio da presente sentença de acordo com o vencimento ou decaimento da pretensão dos Demandantes. ---
E, quanto à quantia correspondente aos honorários da Ilustre mandatária, além de nada ter sido provado a este propósito, nos processos tramitados no Julgado de Paz não tem aplicação o Regulamento das Custas Processuais, não estando contempladas as custas de parte na Portaria que disciplina as custas. ---
E. assim sendo, como é, o pedido não pode deixar de improceder quanto a esta parte. ---
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DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, decido declarar nulo o contrato celebrado e, em consequência, condenar o Demandado a: ---
1. A entregar imediatamente o locado, livre de pessoas e bens; ---
2. A pagar aos Demandantes, a título de indemnização pela ocupação do imóvel, as rendas vencidas, até ao presente mês de julho de 2018, no montante global de 8.050,00 € (Oito mil e cinquenta euros; ---
3. A pagar aos Demandantes as rendas ou parte delas, que se vençam até à entrega efetiva do locado. ---
Mais decido absolver o Demandado do pedido de pagamento da quantia de 265,00 €, a título de honorários da Ilustre mandatária dos Demandantes. --
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As custas serão suportadas pelos Demandantes e pelo Demandado, em razão do decaimento e na proporção respetiva de 10% e 90% (Art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro), sem prejuízo do benefício da Proteção Jurídica, na modalidade de Apoio Judiciário, que foi concedido ao Demandado pelo Instituto de Segurança Social, IP. ---
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Registe. ---
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Tendo em consideração as circunstâncias em que o arrendamento foi celebrado e a eventual subtração dos impostos devidos, extraia Certidão do Requerimento Inicial; dos documentos que o acompanham e da presente sentença para envio à Autoridade Tributária, para os fins que forem tidos por convenientes. ---
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Seixal, 8 de junho de 2018
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 131.º/5 do C.P.C.)
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(Fernanda Carretas)