Sentença de Julgado de Paz
Processo: 137/2018-JPALQ
Relator: ELENA BURGOA
Descritores: DIREITOS DE PERSONALIDADE DOS VIZINHOS. EXERCÍCIO DE CULTO RELIGIOSO COLECTIVO. RÚIDO. INCOMÓDO/PREJUÍZO SUBSTANCIAL. OBRAS DE INSONORIZAÇÃO. LOCAL ARRENDADO
Data da sentença: 02/26/2019
Julgado de Paz de : OESTE
Decisão Texto Integral: Proc.º n.º 137/2018
SENTENÇA

RELATÓRIO:
A., identificada a fls. 1, intentou, em 29 de maio de 2018, contra B. Assembleia… e C., melhor identificados a fls. 1 e 2, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que estes fossem condenados a: 1) a deixar de usar o R/C para os fins de culto; ou 2) a proceder à insonorização do imóvel, devidamente certificada pela realização de ensaios acústicos, no prazo máximo de 30 dias, estabelecendo-se ainda o pagamento de uma multa diária em caso de incumprimento do prazo referido; e 3) a uma indemnização decorrente da privação de sossego em valor nunca inferior a €5000,00 (cinco mil euros), conforme resulta de requerimento de ampliação de pedido (de desenvolvimento de pedido primitivo), de fls. 48, pelos danos morais (não patrimoniais) que a Demandada lhe provocou. O que foi admitido por legalmente admissível através do Despacho de 4 de dezembro de 2018 (fls. 54 e 55).
Para tanto, alegou, os factos constantes do Requerimento Inicial e de aperfeiçoamento de fls.1, 2 e 48, que se dá por reproduzido. Juntou 6 documentos (fls. 49 a 53, 87 e 91) que, igualmente, se dão por reproduzidos.
Regularmente citados os Demandados, não vieram apresentar Contestação, tendo o 2.º Demandado C. juntou aos autos cópia do contrato de arrendamento celebrado com a 1ª Demandada B (fls. 80 a 85), em cumprimento de Despacho de Audiência de Julgamento (fls. 46).
Tendo a Demandante aceite o recurso à Mediação para a resolução do litígio, foi agendado o dia 17 de agosto de 2018 para a realização da sessão de Pré-Mediação, a qual se realizou sem que as partes tenham chegado a acordo, pelo que foi designado o dia 20 de novembro de 2018 para a realização da Audiência de Julgamento (fls. 46).
Aberta a Audiência, a mesma decorreu com cumprimento das formalidades legais como da respetiva acta se alcança (fls. 46), tendo sido proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, nos termos do art. 43º, nº 5 da Lei dos Julgados de Paz (LJP) a que a Demandante aderiu, e requerida a junção aos autos de documentos idóneos comprovativos da titularidade dos imóveis em causa e demais factos alegados, ficando a audiência suspensa. Em 29.11.2018, veio a Demandante requerer a ampliação do pedido, peticionando também o pagamento de indemnização decorrente de danos não patrimoniais (pela privação de sossego) a fixar em valor nunca inferior a €5000,00 (cinco mil euros), tendo sido admitida a ampliação do pedido por se tratar de consequência do pedido primitivo e estar baseado em factos já alegados no Requerimento Inicial, Despacho de fls. 54.
Designado o dia 08.01.2019 para continuação da Audiência de Julgamento, em virtude de, nessa data, a GNR não ter ainda dado cumprimento ao oficiado pelo Tribunal relativa a informação sobre as participações da Demandante, foi a mesma reagendada para o dia 05.02.2019, tendo comparecido ambas as partes e designada a presente data para prolação da sentença.
A pretensão da Demandante tem por base a qualidade de proprietária de uma fração autónoma e dos direitos que daí lhe advêm, os quais considera que têm sido violados pelos Demandados, alegadamente, proprietário da fração autónoma do R/C (A) e arrendatária B. Com fundamento no que antecede pede que os Demandados sejam condenados 1) a deixar de usar o R/C para os fins de culto religioso; ou 2) a proceder à insonorização do imóvel, devidamente certificada pela realização de ensaios acústicos, no prazo máximo de 30 dias, estabelecendo-se ainda o pagamento de uma multa diária em caso de incumprimento do prazo referido; e a indemnizá-la pelos danos morais sofridos com os ruídos por toda a situação.
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Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir:
Valor da ação: 15 mil euros
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A convicção probatória do Tribunal, de acordo com a qual seleciona a matéria dada como provada ou não provada, ficou a dever-se ao conjunto da prova produzida nos presentes autos, da análise crítica, á luz da experiência e das máximas da experiência de vida, tendo sido tomados em consideração os documentos juntos aos autos, as declarações das partes e o depoimento das testemunhas apresentadas pela Demandante na audiência final, as quais prestaram depoimento com isenção, revelando conhecimento direto dos factos sobre os quais testemunharam. Assim:
D., que, aos costumes, disse ser vizinha/moradora, no n.º .., 2.º andar, ao lado do prédio da Demandante e do R/C onde está instalada a 1.º Demandada. Disse que foram lá a viver em março/abril de 2018 e que gostam de estar em casa sobretudo no domingo – que é o seu dia de folga- sentem muito barulho e tem de ligar a TV, sendo que é impossível estar, que é várias vezes ao dia e que passa das 21h. Confirmou ter falado com os Representantes da Igreja, pelo menos 2 vezes, já depois das 22h, mas que nada foi resolvido; que a sua sogra – que mora no 1º andar- foi a primeira pessoa a alertar o proprietário do R/C (o 2.º Demandado) do problema do barulho; que não fala muito com a Dona A. (a Demandante), tendo referido que quando falou, uma vez por telefone, lhe pareceu estar desesperada com a situação. Disse ter ela própria ter apresentado uma queixa na Camara Municipal de Alenquer por causa dos incómodos sofridos com a atividade da Demandada. Na sequência desta declaração, foi requerida a junção aos autos da exposição realizada ao órgão autárquico, que veio a juntar (fls. 89 e 90). Referiu que, por 2 vezes, se deslocou ao local de culto pelos ruídos; que chamada a GNR não podem fazer nada, pelo facto de ter muitas chamadas (a GNR de Alenquer) e quando vai ao local- Carregado- já se encontrar fechado. Questionada sobre os sons/barulhos audíveis na sua habitação respondeu dizendo que “ouvia músicas, cânticos, gritos e que são produzidos com uma aparelhagem enorme ligada”.
E., irmã da Demandante, disse ter ouvido os barulhos provenientes do local de culto por telefone, tendo referido que ouve gritos e sons muito incomodativos e intensos. Disse que faziam muito barulho, tendo concretizado que sua irmã liga para ela quando está mais aflita e desesperada e que tem ligado de forma mais constante, sendo que “está cheia de nervos e não aguenta o barulho”. Confirmou, com alguma emoção visível, que a irmã “não está bem do coração, de nervos, tomando medicamentos para dormir e antidepressivos” e o sofrimento que sentia.
F., residente na fração da Demandante, desde há 1 ano atrás, disse conhecer do problema por essa razão. Disse que trabalha das 8h às 17h e costuma estar em casa às 18h, que há um barulho forte e incomodativo das 19h até 22h:30 ou 23h, que o mesmo vai variando. Tendo confirmado “ouvir todo” o conteúdo das celebrações: orações, cânticos, gritos, choros, etc. E que ouve, também, de manhã nos dias da sua folga. Relatou que tenta acalmar a Demandante e que de dia para dia a tem visto mais irritada com os barulhos provenientes do culto.
G., amiga de longa data da Demandante, que costuma visitá-la com frequência, referiu ter visitado a Demandante um dia quase a noite e que ficou surpreendida com o barulho ao ponto de quase não poder comunicar/conversar, tendo, por isso, passado a ir noutros horários mais calmos (de manhã). Por sua vez, afirmou que a Demandante era uma pessoa muito calma e tinham muitos assuntos para conversar, sendo que agora, praticamente, este tema domina sempre a conversa, referindo que a Demandante, nas conversas mantidas, anda muito irritada e relata que “a situação é insuportável e que ninguém a ouve”.
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Com interesse para a decisão da causa ficaram provados os seguintes factos:
1. A Demandante habita a fração autónoma da sua titularidade correspondente ao primeiro andar direito do prédio urbano, sito na Rua .., n.º .., 1º andar, Carregado, doc. de fls. 52 e 53;
2. O 2º Demandado é titular da fração autónoma (A) correspondente ao R/C, do mesmo prédio, doc. de fls. 80 a 85;
3. A 1 ª Demandada B, celebrou com o 2.º Demandado C. contrato de arrendamento para a prática de culto religioso, em 18 de setembro de 2017, pelo prazo de duração de 5 anos, com início a 3 de outubro de 2017 e termo no dia 3 de outubro de 2022, renovável por períodos sucessivos de 3 anos, docs., de fls. 80 a 85;
4. A 1.ª Demandada B é uma pessoa Coletiva Religiosa/Igreja, NIPC nº … CAE …, doc. 80 a 85 e 78;
5. A fração A (R/C) do prédio situado na Rua …, n.ºs…, Carregado destinada a comércio na respetiva autorização de utilização está a ser utilizada para a prática de culto religioso, docs. de fls. 49 a 51;
6. O local funciona em arrendamento destinado a prática de culto religioso sem autorização dos restantes condóminos, isto é, da condómina Demandante;
7. Quer a 1ª Demandada quer o 2.º Demandado sabiam que no prédio em que se insere a fração arrendada (R/C) vivia outra moradora e que está inserido em zona habitacional;
8. Quer a 1.ª Demandada quer o 2.º Demandado não efectuaram/implementaram quaisquer medidas de insonorização/isolamento acústico na fração do R/C;
9. Sabiam que o prédio é antigo e que o local não está munido de isolamento acústico;
10. Desde o início do contrato de arrendamento a 1ª Demandada tem exercido o culto religioso expondo a Demandante e moradores da zona às emissões ruidosas provenientes de atos religiosos, designadamente de músicas, cânticos, orações, gritos, choros, vozes altas com funcionamento de equipamentos de som instalados, desde o dia 3 de outubro de 2017 até a atualidade, de forma sistemática, duradoura e continuada;
11. A Demandante tem falado, por diversas vezes, com os Representantes da Igreja para que efetuassem diligências para minimizar o impacto do barulho/dos sons associados ao funcionamento do espaço destinado a prática religiosa;
12. A Demandante telefonou para a GNR de Alenquer, algumas vezes, queixando-se do barulho/sons produzidos e audíveis a partir da sua habitação por não suportar o mesmo, docs. 73 a 75- historial de atendimento;
13. Que atento o volume de solicitações efetuadas à GNR, com maior incidência no final de tarde e durante a noite, resultam limitações para constatar, quantificar o ruido e registar ocorrências, docs. 73 a 75- historial de atendimento;

14. A Demandante fez uma exposição respeitante ao ruído da atividade de culto religioso na Camara Municipal de Alenquer, existindo um processo e do qual resultou a notificação ao 2.º Demandado (C.) de fls. 49, datada de 02.07.2018, na qual é notificado para requerer a alteração do uso da fração, doc. de fls. 49;
15. Além da queixa da Demandante, a vizinha de ao lado- D.- também reclamou ao órgão municipal dos incómodos resultantes da atividade religiosa da 1.ª Demandada, sobretudo nos horários das 20h às 22h, doc. de fls. 89 e 90;
16. A 1.ª Demandada utiliza o espaço arrendado para culto religioso, que funciona em horas e dias específicos, com um padrão regular, sendo que desde o início tem funcionado todos os dias, salvo o sábado, entre as 19h e as 22h- culto a noite, tendo-se prolongado, não raras vezes, para além daquela hora, assim no dia 13.04.2018 em que a Demandante chamou à GNR pelas 23h:15, deslocando-se uma patrulha ao local, docs. 73 e 74;
17. Também funciona no período diurno, nomeadamente na 3ª e 5ªF e domingo;
18. O número de participantes nas atividades religiosas varia, tendo no domingo uns 40/50 participantes, e noutros atos uns 25/30, assim como variam os Pastores e a dinâmica das celebrações;
19. Os Demandados não adotaram medidas preventivas acústicas com vista a salvaguardar o sossego e tranquilidade diária na fração da Demandante e habitações vizinhas;
20. A 1.ª Demandada tem alterado, recentemente, alguns horários de celebração, designadamente na 6ªF (até às 22h) e no Domingo (de manhã de 9h:30 a 12h:30 e o culto das 18h às 21h:30);
21. O ruído e a falta de isolamento acústico provocaram transtornos ao descanso, tranquilidade e repouso diário da Demandante causando danos à sua saúde, tendo que ter sido prescrito tratamento antidepressivo, ansiedade generalizada, de problemas de coração e controlo da hipertensão, doc. de fls. 87;
22. Que a ausência de insonorização no local objeto dos autos, o som que atravessa as paredes do R/C é intensamente percetível na fração da Demandante e tem vindo a afetar-lhe, de forma crescente e negativamente, a sua vida diária, o conforto, tranquilidade e condições de saúde- resulta das declarações também da Demandante, testemunhas e é claramente visível;
23. Tendo a Demandante, por causa do seu estado de irritação, descido às instalações da 1ª Demandada, chegando a entrar no decorrer das celebrações religiosas, proferido algumas palavras ofensivas e perturbantes para a 1ª Demandada, alusivas a demónios e inferno;
24. Tendo numa outra ocasião rasgado um cartaz publicitário, colocado na fachada do edifício, com o nome da Igreja;
25. Por causa do seu desconforto provocado pelo funcionamento do local sem isolamento acústico tem a casa a venda. Porém, pelo facto, tem dificuldade em vender o imóvel.
26. Não foram efetuadas avaliações técnicas dos sons produzidos pelo culto religioso e pelo funcionamento dos equipamentos de som instalados.
Não resultaram provados quais quer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais com interesse para a decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
Os presentes autos têm por base a falta de adoção de medidas contra os incómodos do ruido resultante do exercício de culto religioso com afetação intolerável do direito ao descanso dos moradores.
Alegando ser proprietária da fração autónoma onde reside, a Demandante peticiona que os Demandados deixem de usar o R/C para os fins de culto religioso ou sejam condenados a proceder à insonorização do imóvel, devidamente certificada pela realização de ensaios acústicos, no prazo máximo de 30 dias, estabelecendo-se ainda o pagamento de uma multa diária em caso de incumprimento do prazo referido; e ao pagamento de danos não patrimoniais em montante não inferior a cinco mil euros.
Alega que é proprietária da fração autónoma que habita (1º andar) na Rua …, nº.., Carregado e invoca a violação grave e reiterada dos seus direitos de personalidade uma vez que os ruídos que advêm da utilização do R/C pela 1ª Demandada para culto religioso a incomodam e retiram o sossego que lhe é devido e que deve ser proporcionado a um qualquer cidadão que esteja em sua casa.
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Vejamos os contornos jurídicos desta questão.
Por um lado, temos que a 1ª Demandada é uma Igreja e o exercício do direito constitucional à liberdade religiosa, está garantido constitucionalmente (art. 41.º da CRP), determinando o n.º 4 que as “igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto”.
Nas palavras da jurisprudência (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23/10/2002):
“Porém, no que concerne ao seu exercício, os direitos constitucionais não têm uma natureza de direitos absolutos, antes têm de sofrer as restrições necessárias para assegurar a satisfação de outros direitos ou interesses também constitucionalmente garantidos, como expressamente se prevê no n.º 2 do art. 18.º da C.R.P.
Neste caso, o próprio n.º 2 do mesmo art. 41.º estabelece que «ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa», disposição esta que consubstancia uma proibição de qualquer discriminação fundada em motivos religiosos, seja negativa seja positiva. «Trata-se de uma explicitação do art. 13º, n.º 2 (princípio da igualdade). Além de ninguém poder ser prejudicado nos seus direitos por motivos religiosos, também ninguém pode ser isento dos seus deveres jurídicos (obrigações) ou deveres cívicos». ((…) J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, de 3.ª edição, página 243.)
Assim, por força desta explícita sobreposição do princípio da igualdade aos direitos emergentes de convicções religiosas, está afastada a possibilidade de o princípio da liberdade de culto servir de suporte para isentar a Recorrente das obrigações ou deveres que são impostos à generalidade dos cidadãos, designadamente da observância das regras do ordenamento urbanístico e das que visam satisfazer interesses ambientais”.

Da prova produzida resulta claro que a utilização realizada pela 1.ª Demandada da R/C não é adequada ao fim licenciado do imóvel, que está em desacordo com o uso licenciado.
Por outro lado, manter um local destinado a culto religioso junto/no meio de uma zona habitacional, é pouco menos que razoável.
O exercício do Culto colectivo dispensa de autorização administrativa prévia (art. 45º, 1 da CRP) mas não serve para dizer que só porque deriva do direito à liberdade religiosa- não viola os direitos de personalidade dos vizinhos que habitam junto do local arrendado para culto.
Cumpre ter presente que tendo a Demandante baseado a presente ação na violação, por parte dos Demandados, do seu direito ao descanso e ao bem-estar na fração do 1.º andar, de que é proprietária e moradora, por se produzirem ruídos, vibrações na fração R/C que a incomodam, quase diariamente, sempre teríamos de concluir que os Demandados mantêm uma conduta ilícita e reprovável, independentemente dos valores de produção de ruído.
E neste particular, a Demandante que vive num primeiro andar, tendo por baixo instalado um local destinado ao culto religioso que provoca ruídos frequentes e com intensidade, e assim sendo, incomodativos e insuportáveis na vida diária das pessoas, independentemente da respetiva medição, decorrentes quer dos cânticos, vozes de fieis e Pastores, quer da música difundida através de colunas e aparelhagens instaladas no local, e que são audíveis na fração da Demandante, afectam de forma traumatizante a sua vida diária, tranquilidade e descanso, embora seja produzido um “ruído sadio”, de culto religioso por uma “Igreja de Paz”.
A jurisprudência tem considerado “que o direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade são pressupostos da realização do direito à saúde e à qualidade de vida, constituindo emanação dos direitos fundamentais de personalidade, nomeadamente dos direitos à integridade física e moral, a um ambiente de vida sadio, constitucionalmente tutelados como Direitos Fundamentais no campo dos direitos, liberdades e garantias pessoais”.
Note-se que a Igreja funciona todos os dias da semana menos o sábado e, por regra, entre as 19h:30 e as 22h:00, e ao domingo entre as 9h:30 e as 11h:30 e as 18h:00 até às 21H:30, e que utilizam equipamento de som. Neste cenário, sempre seria de perguntar qual a dúvida que possa existir quanto à gravidade da situação em termos de perturbação da vida diária da Demandante e que, neste caso, dura desde sua instalação, no dia 3 de novembro de 2017, maxime quando estamos perante pessoas mais debilitadas, como é o caso da Demandante, reformada e já com uma idade avançada.
O facto da consagração constitucional do direito à liberdade religiosa não quer dizer seja permitido afetar outros direitos de igual dignidade constitucional (direito ao repouso e à saúde). Deste modo, resulta claro que têm de ser reduzidos os ruídos produzidos no local de culto – e que utiliza microfones e colunas de som, chegando a participar um grupo numeroso de fiéis (40/50 participantes ou 25/30, consoante os atos religiosos). E isto, independentemente de que sejam inferiores ou superiores ao máximo permitido, por causadores de desassossego e perda de condições de tranquilidade bem como do agravar duma doença.
É sabido por todos, até por experiência comum, que um ruído continuado, ainda que baixo [o que não é o caso, que é coletivo], é algo que altera os nossos níveis de resistência e de boa disposição. No caso, esses ruídos são da pratica de culto religioso com funcionamento de equipamento de som, levadas a efeito todos os dias salvo o sábado, como podemos aferir das declarações das partes, testemunhas e documentos juntos aos autos - queixas à Câmara Municipal de Alenquer e GNR, em que a Demandante e outros vizinhos demonstram o seu incómodo e pesar perante o órgão autárquico e de segurança perante a situação e pedem a sua intervenção para a resolução do problema que, malogrado todo o exposto, se arrasta desde 2017, ainda sem solução, não obstante as declarações da 1ª Demandada (Sr. Pastor Regional …) de reconhecer como lesada a Demandante e querer resolver a situação.
Resulta notório que as autoridades policiais e administrativas deparam-se com limitações muito relevantes que se prendem com a dificuldade em quantificar o ruído e direitos e garantias fundamentais, sendo que a questão tem de ser resolvida judicialmente ou por recurso aos Julgados de Paz, entre o lesado e o autor da lesão. Chegando o Provedor da Justiça a recomendar que apenas estas instâncias podem ponderar a incomodidade, em termos subjetivos, e promover soluções de conciliação entre direitos em conflito (artigo 335.º do Código Civil), cfr. Relatório do Provedor de Justiça, 2012, pág. 30 http://www.provedor-jus.pt/archive/doc/Boas_praticas_municipal_ruido.pdf
Deve ser garantido o direito da liberdade de culto, e assim pode e deve a 1ª Demandada prosseguir com a sua atividade de culto, só que, ao fazê-lo, têm de respeitar os deveres legais inerentes a tal exercício e o direito de terceiros, legalmente protegidos, o que não aconteceu neste caso, como decorre claramente da matéria de facto dada como Provada.
A atividade da Demandada, praticada na fração R/C – titularidade do 2º Demandado- prejudicam objetiva e subjetivamente o direito da Demandante e subsumem-se como um prejuízo substancial, significativo e importante, para o uso que a Demandante faz do seu imóvel, fração 1º andar, local da sua habitação permanente, o seu lar (descansar, ler, ver televisão, cozinhar, relaxar, etc.) o que lhe permite opor-se à continuação de tais ofensas, tal como o faz, entre outros procedimentos adotados (solicitações aos Demandados para diminuir o ruído e isolar acusticamente o imóvel, reclamações (na Camara Municipal de Alenquer, GNR) e, com a instauração da presente ação.
Estamos perante a verificação objetiva, efetiva e diária de danos continuados no direito ao sossego e à saúde em geral da Demandante enquanto direitos de personalidade com tutela jurídico-constitucional, em confronto com o direito à liberdade religiosa/exercício de culto colectivo por parte da 1.º Demandada, que não cumprem com a preservação dos direitos dos moradores. Como decorrência desta atividade por parte da Demandada na fração “R/C”, decorrem danos prejudiciais na vida e na saúde da Demandante e que não podem, neste contexto, serem considerados como aceitáveis.
Assim, resulta o dever de indemnizar, pelo facto de se ter causado sofrimento profundo e duradouro; sendo impossível a reconstituição natural, nos termos do n.º 1 do art. 566.º do Código Civil, há que fixar equitativamente o montante da indemnização, nos termos do seu n.º 3.
No caso, é inquestionável que o direito ao repouso da Demandante foi perturbado pelo funcionamento do culto religioso coletivo sem isolamento acústico.
Assim, quer o direito da Demandante à saúde e ao repouso, quer o direito dos 1.º Demandado e 2.º Demandado têm consagração na lei fundamental e apresentam-se conflituantes entre si, o que impõe o recurso ao instituto de colisão de direitos (cf. artigo 335° do Código Civil).
Estabelece o art. 335°, n.° 1 do Código Civil: “Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente os seus efeitos, sem maior detrimento para qualquer das partes.”
Contudo, o n.° 2 do referido normativo legal acrescenta: “Se os direitos forem desiguais ou de espécies diferentes, prevalece o que deva considerar-se superior.”
A jurisprudência tem vindo a seguir o entendimento que em caso de colisão entre o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono num ambiente ecologicamente equilibrado e o direito de uso, fruição que o proprietário tem sobre a coisa que lhe pertence, deve prevalecer o primeiro. Com efeito, tal direito, porque contende com a integridade física e moral do indivíduo, afectando os direitos de personalidade de uma pessoa, deve preponderar sobre o direito de propriedade do 2.º Demandado.
Não obstante, as regras de proporcionalidade e da justa composição dos interesses justificam que mesmo o direito inferior (v.g. o direito de propriedade) deva ser respeitado até onde for possível e a sua limitação deve circunscrever-se à exata proporção em que isso é exigido pela tutela razoável do conjunto principal de interesses. Deste modo, para efeitos do funcionamento da prevalência do direito superior, será necessário provar-se que a ação ilícita (no caso, a emissão de ruídos decorrente da atividade de culto) viola o direito ao repouso, tranquilidade e sono dos autores, para efeitos do estatuído no art. 1346º do C. Civil.
Ora, para que os donos de um prédio vizinho se possam opor à emissão de ruídos (ou à produção de trepidações e outros factos semelhantes provenientes de outro prédio) devem tais emissões importar num uso anormal do imóvel, ou num prejuízo substancial (ou seja, um dano considerável) para uso do seu imóvel. Nestas circunstâncias, sendo inconciliáveis os direitos em disputa, deve prevalecer, enquanto direito de personalidade, o direito ao repouso, descanso e saúde das pessoas lesadas – cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1-03-2016, relator Garcia Calejo, processo n.° 1219/11.4TVLSB.L1.S1 publicado na base de dados do ITIJ.
Terá de ser em face da situação concreta e por via da ponderação das respectivas especificidades e a avaliação dos interesses em jogo, que se encontrará o modo de exercício dos direitos.
Certo é que no âmbito dos direitos de personalidade não se deve ter por referência os parâmetros de um homem médio ou cidadão normal e comum, pois, “como direitos eminentemente pessoais, inerentes a cada pessoa per se, tais direitos devem ser entendidos como corporizados numa pessoa individualizada, ao lesado com a sua individualidade própria, com a sua sensibilidade.” Mas “[…] respeitando a sensibilidade da Demandante, o critério judicial de conformação do quadro factual não pode deixar de apelar a conceitos de normalidade, razoabilidade e proporcionalidade, sob pena de bastar a prova de qualquer ruído para conduzir à procedência de toda e qualquer oposição à sua emissão.” – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-03-2010, relatora Cecília Agante, processo n.º 462/06.2TBTNV.C1 disponível na base de dados do ITIJ.
Assim, os ruídos, incómodos suportados pela Demandante de acordo com os mencionados critérios de razoabilidade, devem considerar-se substanciais, porque, sendo a Demandante uma pessoa de idade que gosta de passa grande parte do seu tempo na fração onde reside (fração 1.º andar) a ler, ver televisão, cozinhar e relaxar, é evidente que não pode deixar de se mostrar afetada pelos ruídos que emanam da fração “R/C”, causando-lhe transtorno e incomodidade e desassossego na sua vida diária.
No caso, trata-se de uma pessoa de idade que passa e gosta de passar grande parte de o seu tempo no seu imóvel e, ainda que os ruídos causados possam não ultrapassar os limites legais – e isto é do conhecimento de qualquer cidadão médio e conhecedor da convivência num prédio constituído em regime de propriedade horizontal –, certo é que a reiteração/frequência dos ruídos, e vibrações e a sujeição da Demandante, diariamente, sobremaneira nos períodos de fim da tarde e noite, aos incómodos deles decorrentes, transformam-nos em lesão exponencial da sua tranquilidade e sossego.
Sendo que o que importa é o facto de se ter comprovado a existência do dano, no caso, os já mencionados prejuízos consideráveis, inaceitáveis e prejudiciais ao direito de terceiros (neste sentido, entre outros, Código Civil Anotado, Ana Prata e Outros, II.º vol., Almedina, 2017, págs. 166/ss.
E verificando-se que os Demandados conhecem os problemas aqui em consideração, desde a sua instalação, ignoram-nos, e continuam a sua atividade religiosa sem se importarem com a falta de condições do local e danos que provocam a terceiros, apesar de terem sido por várias vezes e por diversos modos alertados para esses factos, nomeadamente, pela Demandante sem que tenham alterado ou procurado alterar essa situação, tudo permanecendo na mesma até a presente data.
Aliás, melhor dizendo, a única coisa que alterou, e só, recentemente, foram alguns horários, conforme resulta dos factos provados.
Na verdade, em sede de conciliação, a única proposta encima da mesa para chegar a acordo e efetivar as obras de isolamento acústico pela 1ª Demandada estava condicionava à comprovação dos níveis acústicos. Ora, se os Demandados queriam realizar essas obras, tiveram tempo de verificar in loco, per se, o ruído emitido visando alterações no funcionamento daquele local como melhor forma de resolver o problema, o que não fizeram.
A Demandante, enquanto proprietária do 1º andar, goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição da sua fração autónoma, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas – cfr. art. 1305º do CC.
Como esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª edição, pág. 94 e 95) as restrições a que se refere a parte final do dispositivo em questão, podem ser de interesse público e de interesse privado, sendo estas últimas as que resultam das relações de vizinhança.
Nesse âmbito, o proprietário pode opor-se à emissão de ruídos, bem como à produção de trepidações e outros quaisquer factos semelhantes provenientes de prédio/fração vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso da sua fração – art. 1346º do C.C.
Por outro lado, estabelece o art. 70º nº 1 do C. Civil que “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ou ameaça de ofensa à sua personalidade física e moral”, acrescentando o nº 2 da disposição que “independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida”.
Por sua vez, o art. 25º nº 1 da Constituição afirma que a integridade moral e física das pessoas é inviolável. A respeito desta disposição Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª edição – 2007, pág. 454), referem que o “direito à integridade pessoal abrange as duas componentes, a integridade moral e a integridade física, de cada pessoa (n.º 1). Assim, tendo ocorrido uma ofensa ilícita, a lei admite que possa, além das providências adequadas à situação, haver lugar à responsabilidade civil caso se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, designadamente, a culpa e a existência de um dano (art. 70°, nº 2, em ligação com o art. 483°).
Ora, como vimos, não foram realizadas no R/C obras de isolamento acústico e o ruído produzido, regularmente, decorrente do culto religioso passou a afetar a Demandante no seu direito ao repouso, o que constitui manifestamente uma violação ilícita dos seus direitos, máxime do seu direito de personalidade.
Assim, não se tratando de uma situação de simples incómodos, mas da violação efetiva do direito ao repouso e da tranquilidade da autora, terá se se concluir que se trata de um prejuízo substancial (ou seja, um dano considerável) para uso do seu imóvel, o qual vai para além dos limites socialmente toleráveis e lesa, realmente, a integridade pessoal da Demandante.
E verificando-se uma colisão entre o direito ao descanso da Demandante e o direito dos Demandados de usufruírem da fração nos moldes que entenderem, sempre prevalecerá o direito ao repouso, repouso no seu lar e, como não poderia deixar de ser, o seu local de conforto, direito que tem garantia legal e constitucional na vertente do princípio ao respeito pela dignidade da pessoa humana e o direito a um ambiente sadio e equilibrado, com o inerente direito de o poderem defender – artigos 25.º e 66.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigo 70.º, n.º 1, do Código Civil.
Ora, peticiona a Demandante a condenação dos Demandados no pagamento de uma indemnização em valor não inferior a € 5.000,00 pelos danos sofridos pela Demandante resultantes da violação do direito ao repouso, ao sono e ao ambiente equilibrado.
A Demandante tinha o ónus de provar os factos que alegou e que conduziriam a esta conclusão, o que veio a fazer.
No que toca à questão de saber sobre quem recai a obrigação de indemnizar, importa ter presente que a lei exige a verificação de todos os pressupostos dessa obrigação: o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade – art. 483º do C. Civil.
Efetivamente, o direito (de crédito) a uma indemnização, embora decorra da violação de um ius in re, tem, em relação a este, plena autonomia.
Ora, não se apurou que o 2.º Demandado tenha qualquer intervenção na prática de culto. O que se provou foi que a emissão de ruído, sons provem da pratica da atividade de culto coletivo pela 1.ª Demandada.
Essa atuação, para além de ilícita, nos termos sobreditos, não pode deixar de se considerar culposa, existindo nexo entre o facto ilícito e os danos.
Incumbe, pois, a 1.ª Demandada indemnizar a Demandante dos aludidos danos.
No que se refere ao montante da indemnização a arbitrar à Demandante pelos danos não patrimoniais sofridos, importa ter presente que essa indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente – cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 9ª ed., pág. 630.
Para a determinação da indemnização a atribuir por danos não patrimoniais, o tribunal há de decidir segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (nº 3 do mesmo artigo 496º e artigo 494º).
Deverá ainda atender-se ao que vem sendo decidido pelos tribunais, em casos de ruídos sistemáticos incomodativos com grande perturbação na vida diária das pessoas, por força do estatuído no nº 3 do art. 8º do Código Civil. Assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03.05.2018,
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/14c315b6719afe4c802582a600381679?OpenDocument&Highlight=0,ru%C3%ADdo
No presente caso, apurou-se que esses danos perduraram desde o ano de 2017, sendo que os níveis de ruído atingidos na fração em causa podem ser considerados objetivamente prejudiciais para o homem médio, sendo lesivos do direito ao sono, ao repouso e tranquilidade de quem lá possa permanecer, tendo a 1.ª Demandada ao longo do tempo adotado algumas medidas para minimizar o ruído tais como a substituição de alguns aparelhos de sons e ajustado, recentemente, o horário das celebrações para terminar mais cedo.
Provando-se, nomeadamente que a Demandante, viu-se obrigada a receber tratamento médico ansiolítico e antidepressivo, que mantém, ingerindo medicamentos, para diminuir os sintomas de desgaste psicológico e emocional que lhe causam mal estar e ansiedade generalizada, consequente do barulho diário e utilizando volume de aparelhagem sonora audível em todo o prédio, pela sua intensidade, duração e repetição que produzem vibração no chão, que até hoje, apesar de algumas tentativas, não eliminaram substancialmente, funcionando seis dias por semana, é adequada a fixação da quantia de 2500,00 euros, calculado por referência à presente data, a título de danos não patrimoniais por esta sofridos, e indemnizáveis porque, pela sua gravidade objetiva, merecem a tutela do direito (art. 496º, n.º 1 do Código Civil).
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Por outro lado, utilizar um prédio situado numa zona habitacional como local de culto, ponderando as realidades da vida, o direito ao repouso de qualquer cidadão, da qualidade de vida dos habitantes dessa zona, constitui um uso anormal do prédio para efeitos do art. 1346º do CC, por se traduzir numa sua utilização disfuncional, atento o destino sócio-económico que lhe deveria ser dado. Se da referida utilização resulta para os vizinhos incómodos e mal-estar, existe prejuízo substancial nos termos do referido dispositivo, dado que o que está em causa é a sua residência, ou seja, o centro da sua vida pessoal, logo, onde têm o direito a não serem perturbados.
Desta forma, face à lei civil, a emissão de ruídos, mesmo que o nível sonoro destes seja inferior ao legal e a atividade da 1ª Demandada não precise de autorização administrativa, ocorre direito de oposição, sempre que tais omissões impliquem ofensa de direitos de personalidade e (ou) violação das relações de vizinhança.
Nestes termos, a forma de conciliar os direitos da Demandante e dos Demandados (art. 335º do C. Civil), passa pela realização de obras de insonorização eficazes na fração correspondente ao R/C, de forma a que os sons da prática de culto não sejam audíveis no imóvel da Demandante e demais moradores vizinhos, sem que se justifique impor as concretas obras a executar, cabendo aos Demandados efetuar as obras que entenderem para alcançar aquele objetivo (eliminar os incómodos dos moradores).
Essa obrigação recai sobre todos os Demandados.
Com efeito, no caso, a obrigação de eliminar a situação material violadora dos direitos consagrados no art. 1346º do C. Civil constitui uma obrigação propter rem. Assim, a obrigação de eliminar a situação material violadora do direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, constitui uma obrigação propter rem, pois que tem o seu fundamento em normas que, em vista da proteção do ambiente, sujeitam a propriedade a certo estatuto – cfr. pags. 276 e 277 Manuel Henrique Mesquita (Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina).
Deve entender-se, pois, que a obrigação propter rem tem sempre como devedor o titular do direito real, mesmo que os atos que o originam sejam praticados por terceiro (por um possuidor, por um detentor legítimo ou ilegítimo, ou por qualquer pessoa) igualmente vinculado ao cumprimento” – pag. 311.
Assim sendo, ainda que outra coisa disponha a cláusula 9º do contrato de arrendamento junto aos autos (fls. 82) são ambos os Demandados responsáveis frente a Demandante; o 2º Demandado é responsável enquanto proprietário da fração correspondente ao R/C esq., à data da constituição daquela obrigação, e a 1.ª Demandada é responsável enquanto causadora do ato ilícito.
Deste modo, os Demandados serão condenados a realizar obras de insonorização na fração correspondente ao R/C., de forma a que a irradiação desses ruídos possa ser evitada através da utilização de eficazes elementos de insonorização para não perturbar o ambiente de tranquilidade e repouso de pessoas que habitam no andar imediatamente superior, ultrapassando os limites do socialmente suportável
O pedido formulado pela Demandante, no sentido de os Demandados procederem a insonorizar o local arrendado é totalmente legítimo, não colocando em sequer em causa o prosseguimento da atividade de culto exercido no estabelecimento, como não poderia ser, uma vez que a irradiação desses ruídos pode ser evitada através da utilização de eficazes elementos de insonorização.
Pelo contrário, não é procedente o 1.º pedido no que tange a deixar de usar o R/C para fins de culto uma vez que o Tribunal não é competente para determinar o encerramento administrativo, pelo que se determina a absolvição da instância da 1.ª Demandada deste pedido, enquanto trata-se de um local destinado a culto, nos termos do art. 278.º do Código de Processo Civil.
Do prazo para a realização das obras/da sanção pecuniária compulsória:
A Demandante veio, igualmente, peticionar a fixação de um prazo máximo de 30 dias meses para a realização das obras e a condenação dos Demandados numa sanção pecuniária compulsória diária de incumprimento além daquele prazo.
No que toca ao prazo para a realização das obras, o mesmo é razoável e adequado à realização das mesmas, e como tal se fixará.
No que toca à sanção pecuniária compulsória, a mesma mostra-se prevista na lei para as obrigações de facto infungível – art. 829-A, n.º 1, do C. Civil.

Acontece que a obrigação de realização de obras que se irá impor aos Demandados é fungível, na medida em que pode se realizada por terceiros, sem prejuízo para a Demandante (art. 767º do Código Civil).
Por essa razão, improcede o pedido de fixação da sanção pecuniária compulsória.
DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, decide-se:
- Julgar a ação procedente por provada, condenando-se todos os Demandados a realizar obras de insonorização na fracção correspondente ao R/C do prédio urbano sito na Rua …, de forma a obter isolamento acústico com eficácia bastante para obstar os inconvenientes indesejáveis de ouvir-se no interior da fração da Demandante, correspondente ao 1.º andar, emissões sonoras das práticas de culto religioso, fixando-se o prazo máximo de 30 dias para a sua realização, a contar do trânsito em julgado da presente decisão.
- Condenar a primeira Demandada B. no pagamento à Demandante de uma indemnização pelos danos não patrimoniais causados no montante de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros);

Custas devidas na proporção de metade por cada parte.
As custas da Demandante mostram-se pagas, devendo ser pagas pelos Demandados, no Julgado de Paz, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação (nº 8.º e 10 da Port. n.º 1456/2001, de 28-12; o n.º 10 com a redação dada pelo art.º único da Port. n.º 209/2005, de 24-02).
Registe.
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Julgado de Paz do Oeste, Alenquer, 26 de fevereiro de 2019
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 138.º/5 do C.P.C.)
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Elena Burgoa