Sentença de Julgado de Paz
Processo: 29/2014-JP
Relator: DANIELA DOS SANTOS COSTA
Descritores: CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES
Data da sentença: 06/24/2014
Julgado de Paz de : TAROUCA
Decisão Texto Integral: ATA DE LEITURA DE SENTENÇA
Aos 24 de Junho de 2014, pelas 16.00 horas, realizou-se no Julgado de Paz do Agrupamento de Concelhos de Tarouca, Armamar, Castro Daire, Lamego, Moimenta da Beira, Resende, a Audiência de Julgamento do Proc. n.º x em que são partes:
Demandantes: A e B
1ª Demandada: C
2º Demandado: D
Realizada a chamada, não se encontrava ninguém presente.
Reaberta a Audiência, foi pela Meritíssima Juíza de Paz proferida a seguinte:
SENTENÇA
Os Demandantes intentaram contra os Demandados a presente ação declarativa, enquadrável na alínea a) do nº 1 do Art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, adiante LJP, pedindo a condenação destes nos seguintes termos:
a) declarar-se resolvido o contrato de empreitada celebrado entre demandantes e demandados por culpa única exclusiva destes;
b) condenarem-se os demandados à devolução do valor de € 7.747,00, relativo ao valor pago pelos demandantes, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
A 1ª Demandada, ausente e representada pelo Ilustre Defensor Oficioso, nos termos do Art. 21º do CPC, apresentou contestação, conforme plasmado a fls. 107, impugnando os factos vertidos no requerimento inicial.
Regularmente citado, o 2º Demandado apresentou contestação, conforme plasmado a fls. 74 a 80, impugnando os factos vertidos no requerimento inicial, além de ter invocado a caducidade da presente ação.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor.
Não há exceções, nulidades ou quaisquer questões prévias que cumpra conhecer, além das que infra se apreciará.
Valor da ação: € 7.747,00
FACTOS PROVADOS:
A. Os demandantes são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano destinado a habitação, sito na X, lote 10, inscrito na respectiva matriz da freguesia de x sob o artº x, actualmente artº xº da freguesia de x, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lamego sob o nº x e aí inscrito a seu favor pela inscrição G-x;
B. O referido prédio urbano tem um logradouro com a área de 522m2, no qual se encontra instalada, há cerca de seis anos, uma piscina, inicialmente em fibra, com as dimensões, à superfície, de 9m x 4 m;
C. A 1ª Demandada, usando o nome “E”, com sede no concelho de Peso da Régua, dedicava-se à instalação, revestimento, manutenção e reparação de piscinas, bem como à montagem de aparelhos de tratamento da água;
D. A 1ª Demandada tinha um estabelecimento comercial na referida Avenida x, com painéis publicitários e uma piscina exposta no espaço exterior do dito estabelecimento, onde atendia os clientes e distribuía diversos cartões publicitários, indicando o nome, atividade e contactos, que entregava aos clientes;
E. “E” não tem qualquer registo;
F. Tratava-se da atividade profissional da 1ª Demandada, que a exercia em conjunto com o alegado marido, sendo que a demandada mulher tratava da parte logística, designadamente, assinando os respetivos contratos com os clientes e sendo o 2º Demandado que se apresentava nos locais de obra, com trabalhadores ao serviço da 1ª Demandada e que executava, ele mesmo, também, os trabalhos solicitados;
G. Era esta a atividade profissional conhecida da 1ª Demandada e da qual retirava os seus rendimentos;
H. No decorrer do ano de 2010, os demandantes decidiram modificar o revestimento da referida piscina, substituindo o material - em fibra - pela colocação de pequenos azulejos com as dimensões de cerca de 2cmx2cm, designados como pastilhas;
I. Decidiram, ainda, a substituição do tratamento e filtragem da água - que era feito através de cloro - passando a fazer-se através de um aparelho de sal, denominado x;
J. E, assim, vieram a celebrar com a 1ª Demandada, que usava o nome comercial “E”, como se disse, um contrato para realização de tal obra, em 13 de Maio de 2010;
K. Tal contrato, foi assinado pela 1ª Demandada, no qual foi assumida a obrigação de proceder ao revestimento da piscina, em pastilha, numa área calculada de 72 m2 e ainda à colocação de um aparelho de sal – o já acima referido x;
L. Do contrato, consta “revestimento de piscina em pastilha com uma área calculada de 72 m2, pelo preço de € 4.320,00 e aparelho de sal pelo preço de € 2.856,00, acrescido de IVA à taxa de 20%, pelo montante de € 571,00”;
M. Os demandantes comprometeram-se a pagar a quantia de €7.747,00 (sete mil setecentos e quarenta e sete euros), referente aos materiais adquiridos e ao trabalho de colocação, da seguinte forma: 30% da referida quantia, ou seja - €2.324,10, na data de assinatura da proposta, 13 de Maio de 2010; 40% da referida quantia, ou seja - €3.098,80, na data de inicio da obra e 30% da referida quantia, ou seja € 2.324,10, na data de conclusão da obra.
N. No entanto, os demandantes pagaram, logo, na data de celebração do contrato, ou seja, 13 de Maio de 2010, a quantia de €5.000,00;
O. Os trabalhos tiveram o seu início cerca de uma semana após a assinatura do doc. nº 3, junto aos autos a fls. 13;
P. Em meados de Julho de 2010, os Demandados informaram os demandantes de que a obra estava feita na totalidade, tendo-lhes sido entregue nessa altura;
Q. Em finais de Julho de 2010, cerca de 20% das pastilhas colocadas na base da piscina, descolaram, impossibilitando o uso normal da piscina;
R. Ao mesmo tempo que começaram a verificar-se danos na pele e no cabelo e ainda na roupa de banho dos utilizadores, que apresentavam partes queimadas;
S. A piscina não foi utilizada nesse Verão, a partir da verificação dos factos supra relatados;
T. Após várias tentativas de contacto por parte dos demandantes e outras tantas promessas não cumpridas da parte dos demandados, alegando sempre que tinham muito trabalho, o 2º Demandado, deslocou-se ao local, em Outubro desse ano, reconheceu os defeitos da obra e, comprometeu-se a colocar pastilhas novas e a recolocar as pastilhas em falta, removendo as pastilhas soltas;
U. Esta reparação foi levada a cabo pelo 2º Demandado e dois dos trabalhadores, em Março de 2011;
V. E a piscina ficou sem utilização, durante vários meses, aguardando a chegada do Verão;
W. Por volta do dia 15 do mês de Julho do mesmo ano, os demandantes começaram a utilizar a piscina;
X. Como consequência imediata, as pastilhas, novamente, começaram a descolar, o que se constatou cerca de uma semana depois do início da sua utilização e a que acresciam novamente os danos acima referidos, ou seja, danos na pele e no cabelo e ainda na roupa de banho dos utilizadores, que apresentavam partes queimadas;
Y. Imediatamente após a verificação destes defeitos da obra (no mesmo dia 15 de Julho), foram contactados os Demandados, sendo que o 2º demandado se deslocou ao local e reconheceu que a obra apresentava defeitos;
Z. Os demandantes contrataram os serviços de uma entidade sanitária;
AA. Em resultado da análise solicitada e obtida em 5 de Agosto de 2011, foi recomendado aos demandantes não fazerem uso da piscina sob pena de surgirem problemas de saúde nas pessoas;
BB. As análises feitas à água concluíram que: a) a piscina continha um PH de 5,29, muito inferior ao aconselhado – entre 7,2 e 7,6; b) o cloro, que deveria situar-se entre 0,5 a 2,0, encontrava-se em 8,7;
CC. Confrontados os demandados, com este resultado das análises, que os Demandantes lhes apresentaram, vieram a reconhecer, em 5 de Agosto de 2011, que o problema tinha a ver com o funcionamento da máquina de sal;
DD. Segundo afirmaram, então, a máquina de sal, porque não realizava o seu trabalho no que se refere à alimentação do cloro, provocava o descolamento dos azulejos (pastilhas) e os outros danos, já referidos;
EE. Assim, em Agosto de 2011, os Demandados reconheceram que a máquina de sal que colocaram na obra em causa, apresentava deficiências e comprometeram-se a reparar ou a substituir a máquina e, posteriormente a recolocar as pastilhas;
FF. Porém, nunca mais qualquer um dos demandados compareceu no local e nem se deixou contactar, não obstante as várias insistências dos demandantes, que, a 21 de Setembro de 2011, lhes enviaram o e-mail de fls. 17.
FACTOS NÃO PROVADOS:
A. Os demandantes tomaram conhecimento da existência dos serviços prestados pelos demandados porque um cliente destes lhes entregou um dos referidos cartões, com os contactos;
B. Quando os demandantes decidiram contratar os serviços dos demandados, fizeram-no para o nome que lhes foi sugerido e que constava dos cartões fornecidos – “E” – na suposição legítima de que este nome correspondia a uma empresa devidamente legalizada, tanto mais que até dispunha de um site na internet;
C. Anteriormente a esta informação de alegada conclusão da obra, já os demandantes tinham pago aos demandados todos os valores acordados porque estes lhes iam solicitando adiantamentos de dinheiro, alegando dificuldades de tesouraria;
D. O 2º Demandado afirmou que o problema tinha de ter origem em outro facto, que não a má colocação das pastilhas, razão por que comunicou aos demandantes que iria contactar a empresa fornecedora dos materiais que utilizara, nomeadamente, de cola e azulejos;
E. Empresa essa que é e sempre foi a fornecedora dos materiais que os demandados utilizavam na sua actividade;
F. Assumiram, assim, a sua responsabilidade embora a tenham atribuído aos seus fornecedores, como proveniente dos materiais que os próprios demandados tinham utilizado;
G. Em simultâneo, o demandado marido aconselhou os demandantes no sentido de que fossem feitas análises à água da piscina;
H. Não tendo obtido qualquer resposta, em 7 de Outubro de 2011, os Demandantes enviaram aos demandados, em nome de E (o nome que conheciam e tinham razões para acreditar que assim se identificava, como supra se alegou), a comunicação e que veio a ser devolvida aos demandantes com a menção “não reclamado”.
Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos, de fls. 11 a 17, e do depoimento testemunhal prestado em sede de audiência final.
Assim, foi ouvido F, indicado pelos Demandantes, cujo depoimento foi considerado sério e credível na medida em que conhece a factualidade em análise e assistiu ao aparecimento dos defeitos na piscina dos autos.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Questões Prévias:
a) Da caducidade da ação (contrato de empreitada)
Veio o 2º Demandado invocar, em sede de contestação, a caducidade da ação do contrato de empreitada, referente ao revestimento da piscina em pastilha, com fundamento de que tal obra contratada foi concluída e entregue em meados de julho de 2010, logo, os respetivos direitos de eliminação dos defeitos, resolução do contrato e indemnização só poderiam ser exercidos no prazo de dois anos sobre a entrega da obra, logo, à data da propositura da presente ação – 24 de Fevereiro de 2014, o direito de ação já teria caducado .
b) Da caducidade da ação (contrato de compra e venda)
Veio o 2º Demandado invocar, em sede de contestação, a caducidade da ação do contrato de compra e venda, referente ao aparelho de sal x, com fundamento de que a denúncia do respetivo defeito ocorreu a 5 de Agosto de 2011 e que a presente ação foi intentada em 24 de Fevereiro de 2014, isto é, cerca de dois anos e seis meses após a referida denúncia de desconformidade, logo, o direito de ação já teria caducado porque foi largamente ultrapassado o prazo de dois anos de que os Demandantes dispunham para a respetiva propositura.
Cumpre apreciar e decidir:
Antes do mais, importa qualificar o contrato dos autos de modo a apurar qual é o regime jurídico aplicável.
Do modo como a causa de pedir vem configurada pelos Demandantes, nos termos do qual se alega a celebração de um negócio jurídico com os Demandados, que tinha por objeto o revestimento da sua piscina em pastilha e, concomitantemente, a instalação de um aparelho de sal x, e após a fixação da matéria factual, entendemos estar na presença de um contrato de empreitada.
De acordo com o Art. 1207.º e ss. do Código Civil (CC), empreitada é o contrato pelo qual umas das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.
Assim, a 1ª Demandada (empreiteira) obrigou-se a realizar uma obra (revestimento da sua piscina em pastilha e instalação de um aparelho de sal x), mediante o pagamento pelos Demandantes do preço ajustado (donos da obra) que, no caso, ascendeu a € 7.747,00.
Por outro lado, vieram os Demandantes alegar que a obra não chegou a ficar concluída e que, por tal motivo, estão em tempo de acionar os Demandados e de pedir, nesta sede, a resolução do contrato de empreitada.
Quanto a este ponto, no seguimento da matéria dada por assente, não resultou provado que os Demandados não tivessem concluído a obra, com abandono da mesma e renúncia ao cumprimento integral do contrato de empreitada.
Pelo contrário, ficou demonstrado, no item P, que, em meados de Julho de 2010, os Demandados informaram os Demandantes de que a obra estava feita na totalidade, tendo-lhes sido entregue nessa altura.
Situação diversa teria sido se os Demandados tivessem abandonado a obra, sem qualquer motivo, e não tivessem completado as tarefas a que se tinham comprometido, deixando-as a meio ou até sem qualquer arranque efetivo.
Ora, contrariamente a essas hipóteses, os Demandados concluíram a obra em meados de Julho de 2010, sendo que no final desse mesmo mês, surgiram defeitos, com o descolamento de cerca de 20% das pastilhas colocadas na base da piscina, e, mais tarde, com problemas de funcionamento da máquina de sal.
Dispõe o Art. 1221.º, n.º 1 do CC que se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção.
Só se não for possível a sua eliminação ou a construção de nova obra, é que o dono da obra poderá exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, conforme dispõe o Art. 1222º do CC, sem prejuízo do direito a ser indemnizado nos termos gerais, de acordo com o Art. 1223º do mesmo Código.
Porém, tais direitos obedecem a uma ordem sequencial, iniciando-se pela eliminação de defeitos, seguido pela redução do preço e, por fim, pela resolução do contrato, com a consequente devolução do que tiver sido prestado, segundo jurispudência dominante: S.T.J. 2/12/93 Col.III-157; S.T.J. 11/5/93 Col.II-97; S.T.J. 8/6/93 Col.II-144; Ac.R.C. 6/1/94 Col.I-10; Ac.R.P. 25/5/92 Col.III-291; Ac.R.P. 29/1/91 Bol. 403/480; Ac.R.P. 16/9/93 Col.IV-203; Ac.R.E. 19/1/95 Col.I-274).
Por outro lado, o exercício de tais direitos terá de observar o cumprimento de prazos legais, sob pena de caducidade dos mesmos. Na verdade, segundo o Art. 1225º, n.º 1 a 3 do CC, os direitos atrás enunciados devem ser exercidos pelo dono da obra segundo determinados parâmetros: a) um ano para fazer a denúncia dos defeitos, contado desde a data do conhecimento dos mesmos; b) um ano, a contar dessa denúncia, para pedir (através da competente acção jurisdicional) a eliminação dos defeitos e/ou a indemnização pelos prejuízos causados pelos mesmos; c) e de cinco anos, a contar da entrega do imóvel, dentro dos quais terá que ser efetuada tal denúncia e proposta a competente acção de reparação do imóvel e/ou de indemnização pelos prejuízos causados por tais defeitos e sempre no respeito daqueles referidos prazos.
No caso em análise, ficou provado que a obra referente à modificação de uma piscina, entendida como imóvel de longa duração, ficou concluída e foi entregue em meados de Julho de 2010. Por outro lado, também ficou demonstrado que a denúncia dos defeitos relativos ao aparelho de sal ocorreu a 5 de Agosto de 2011, data em que os demandados foram confrontados com o resultado das análises, a fls. 15 a 16, tendo reconhecido, nessa data, que o problema de descolamento de pastilha tinha a ver com o funcionamento daquela máquina.
Assim, teriam os Demandantes de intentar a competente ação no prazo de um ano a contar daquela denúncia, o que não o fizeram em tempo útil.
Consequentemente, deverá proceder a exceção perentória de caducidade arguida pelo 2º Demandado, o que afasta a possibilidade de ser apreciado o mérito da causa.
DECISÃO:
Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de Direito invocados, julgo procedente a exceção perentória de caducidade arguida pelo 2º Demandado e, consequentemente, absolvo os Demandados do pedido.
Custas pela parte vencida – os ora Demandantes, em conformidade com os Artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro.
Notifique as partes, Ilustres Mandatários e Defensor Oficioso, bem como os Serviços do Ministério Público de Lamego, de acordo com o previsto no Art. 60º, n.º 3 da LJP.
Para constar se lavrou esta Ata que vai ser devidamente assinada.
Tarouca, 24 de Junho de 2014
Dr.ª Daniela dos Santos Costa
Juíza de Paz
Gabriela Albuquerque
Técnica de Apoio Administrativa