Sentença de Julgado de Paz
Processo: 179/2017-JPBBR
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: ENCARGOS COMUNS DOS CONDÓMINOS
PAGAMENTO DE QUOTAS ORDINÁRIAS E EXTRAORDINÁRIAS
PRESCRIÇÃO
ANULABILIDADE DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
Data da sentença: 03/15/2018
Julgado de Paz de : BOMBARRAL-OESTE
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
RELATÓRIO:
A, identificado a fls. 1 e 3, propôs em 13 de Dezembro de 2017, contra B, melhor identificado a fls. 1 e 3 , a presente ação declarativa de condenação, pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 1876,85 € (Mil, oitocentos e setenta e seis euros e oitenta e cinco cêntimos), relativa às quotas ordinárias de condomínio vencidas e não pagas no período compreendido entre os meses de Janeiro de 2012 a Dezembro de 2017; quotas extraordinárias param pagamento obras de reparação de canalização/contadores, juros de mora e despesas de cobrança do valor em débito.
Para tanto, alegou os factos constantes do Requerimento Inicial de fls.3 a 4 que aqui se dá por reproduzido.
Juntou 8 documentos (fls. 5 a 16) que, igualmente, se dão por reproduzidos.
Regularmente citado, veio o demandado apresentar a sua contestação de fls 25 a 27, que se dá por reproduzida na qual invoca a prescrição relativamente às quotas do ano de 2012, bem como irregularidades de notificação por parte da administração do condomínio e impugna os valores peticionados por não corresponderem ao deliberado pelos condóminos em Assembleia.
Alega ainda compensação de valores relativos a obra (220,00€) que teve de suportar e que em seu entender caberia ao condomínio realizar e pagar, bem como a quantia de 7,89€ que terá pago a mais em quota extraordinária para pintura do prédio.
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Cabe a este tribunal decidir se o Demandado é devedor da quantia peticionada e decorrente da sua responsabilidade pela quota-parte nas despesas com as partes comuns do edifício, analisadas que sejam as questões por si levantadas quanto à prescrição e invalidade das deliberações por falta de notificações das actas da assembleia.
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Agendada a audiência de julgamento para o 27 de Fevereiro de 2018, esta realizou-se com cumprimento das formalidades legais conforme da respectiva acta se alcança.
As partes não apresentaram testemunhas, tendo sido juntos aos autos pelo demandante os documentos de fls. 54 a 99 no prazo concedido para o efeito.
Notificado o demandado para se pronunciar sobre os documentos apresentados, veio apresentar requerimento de fls. 110 e 111 e juntou documentos a fls.102 a 109 e 112 a 128.
Verifica-se que, no entanto, o requerimento apresentado pelo demandado não contém qualquer pronúncia sobre os documentos, constituindo um verdadeiro articulado com considerações e factos novos.
Por outro lado, vem juntar documentos relativos aos anos de 2010 e 2011 que não estão em causa nos autos e documentos por si produzidos com outras considerações e cálculos.
Ora, na tramitação processual dos julgados de paz existem apenas dois articulados (requerimento Inicial e contestação e, excecionalmente, nos casos em que é deduzida, a resposta à Reconvenção), estando os procedimentos concebidos e sendo orientados por princípios de simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia processual (n.º 2, do art.º 2.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho);
Por outro lado, a prova que a parte pretenda apresentar, deve ser junta até ao início da audiência de discussão e julgamento nos termos do disposto no art. 59º n.1 da Lei nº 78/2001 de 13 de Julho com a redacção que lhe foi dada pela Lei 54/2013 de 31 de Julho, (doravante LJP).
Assim, por ser processualmente inadmissível novo articulado e por a apresentação dos documentos se afigurar extemporânea, ordeno o desentranhamento de fls 102 a 128, ficando cópia nos autos.
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Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir:
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A convicção probatória do tribunal, ficou a dever-se ao conjunto de prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomadas em consideração as declarações das partes na audiência de julgamento e os documentos juntos, uma vez que não foram apresentadas quaisquer testemunhas.
Com interesse para a decisão, ficaram provados os seguintes factos:
1 – O demandado é dono e legítimo proprietário das fracções autónomas designadas pelas letras “X” e “X1” correspondente ao primeiro andar esquerdo, destinado a habitação e lugar de estacionamento respectivamente, do prédio sito na Rua ZZZZZ Caldas da Rainha, descrito na Conservatória do Registo predial de Caldas da Rainha sob o n.º ZZZZZZ- “X” e “X1”.
2 – O valor mensal da quota de condomínio e contribuição para o fundo de reserva, para a fracção destinada a habitação nos anos de 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, era de 18,66€ (fracção X) e 1,86€ mensais para a fracção E.
3 – Por deliberação tomada em Assembleia de Condóminos em 24 de março de 2012 foi aprovado orçamento para vigorar naquele ano no valor de 1376,10€, tendo tais despesas sido repartidas pelos condóminos segundo as respectivas permilagens (doc. Fls 72 a 76)
4 – Na mesma Assembleia foi deliberado que o pagamento da factura de reparação dos contadores no valor de 360,39€, seria efectuado através de uma quota extraordinária calculada por permilagem para as fracções 3º esquerdo, 2º esquerdo, 1º esquerdo, rés-do-chão, 3º frente e 2º frente.
5 – O demandado esteve presente na assembleia referida em 3 e 4, tendo aposto a sua assinatura na acta respectiva.
6 – O valor das quotas mensais dos condóminos manteve-se inalterado desde 2012 até 2017.
7– As convocatórias para as assembleias foram afixadas no hall do prédio em causa, para conhecimento dos condóminos.
8 – A administração do condomínio remeteu por correio registado ao demandado a acta n.º 28 do ano de 18/2/ 2014. (fls. 85 e 86).
9 - O demandado não pagou as quotas ordinárias nos anos de 2012 a 2017, nem a quota extraordinária relativa a reparação dos contadores..
10 – O demandado pagou em 1/5/2012 a quota extraordinária relativa a pintura do prédio, no valor de 247,98€.
11 – A obra de pintura do saguão foi orçamentada na quantia de 1500,00€ + IVA por C – Pinturas, Impermeabilizações e Remodelações, em data não concretamente apurada.

Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
A relação material controvertida circunscreve-se às relações condominiais e ao incumprimento por parte do Demandado, das suas obrigações de condómino, por falta de pagamento das quotas, ordinárias e extraordinárias, de condomínio relativas à fração de que é proprietário.
Ora, a posição de condómino, confere direitos e obrigações, sendo uma dessas obrigações aquela que resulta do disposto no Art.º 1424.º do Código Civil (CC) que “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comuns são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.”.
A administração das partes comuns do edifício cabe à Assembleia dos condóminos e a um administrador (cfr. Art.º 1430.º do C.C.).
É função do administrador, entre outras, cobrar as receitas e exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas (als. d) e e) do Art.º 1436.º do C.C.), enquadrando-se nessa categoria as quotas, ordinárias e extraordinárias, de condomínio a pagar por cada condómino.
Ora, tal responsabilidade na cobrança atempada das quotas vencidas e não pagas, deverá ser exercida, diligentemente, no decurso dos cinco anos após o respectivo vencimento. Nos termos do disposto no art. 310º do Código Civil prescrevem, no prazo de 5 anos, quaisquer prestações periodicamente renováveis. Assim, procede a invocação de prescrição pelo demandado, relativamente às quotas ordinárias vencidas no ano de 2012.
Resulta provado que o Demandado é proprietário da fração autónoma objeto dos presentes autos e que, na qualidade de condómino, não pagou as quotas, ordinárias e contribuição para o fundo de reserva (no valor de 1231,20€ de Janeiro de 2013 até Dezembro de 2017) e extraordinária supra referida (no valor de 60,66€), no montante total de 1291,86 € (Mil duzentos e noventa e um euros e oitenta seis cêntimos).
No que se refere á fixação do valor das quotas a pagar por cada condómino, resulta provado que o orçamento de 2012 foi aprovado e que os cálculos por fracção anexos à acta lavrada se encontram de acordo com o deliberado e ainda que o Demandado esteve presente na Assembleia tendo aposto a sua assinatura na acta.
Ora, dispõe o art.º 1433.º, do CC, sob a epígrafe – Impugnação das deliberações – que: 1. As deliberações da assembleia de condóminos contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado. (Bold nosso).
Por conseguinte, caso se verificasse alguma de anulabilidade não poderia o demandante impugnar a deliberação que aprovou.
Por conseguinte, não tendo a deliberação sido impugnada por qualquer condómino que não a tenha aprovado, ela mantém-se válida e de cumprimento obrigatório para todos os condóminos.
Não se provou qualquer facto que conduza a declaração de nulidade da referida deliberação.
No que diz respeito à notificação ao demandado (ausente) das actas relativas aos anos de 2013 a 2016, o demandado requereu que fosse o demandante instado a juntar a documentação comprovativa do seu envio, ao abrigo do art. 429º do CPC, o que lhe foi deferido.
No entanto, o demandante apenas juntou documento comprovativo do envio da acta do ano de 2014 e não quanto aos restantes. A remessa das actas aos condóminos ausentes sendo uma imposição legal prevista no artº 1432º, nº 6 do CPC se não for cumprida pode ser causa de anulabilidade da deliberação por violação da lei.
A anulabilidade de deliberação não pode ser arguida por via de excepção nos termos estatuídos no artigo 287.º, nº 2 do C.C. para os negócios jurídicos. Tal anulabilidade terá de ser invocada, pelo respectivo condómino, em acção própria intentada para o efeito dentro do prazo legalmente previsto, ou em via reconvencional quando se verifiquem os respectivos pressupostos, o que não é o caso dos autos.
Diga-se, ainda, que a eventual anulabilidade de deliberações tomadas nas assembleias, cujas actas não chegaram ao conhecimento do demandado, não alteram a sua obrigação contribuir para as despesas comuns.
A falta de comunicação das deliberações tem como único efeito dilatar para mais tarde (quando seja feita por qualquer meio idóneo: carta registada com aviso de recepção ou outro mais solene, como a citação) o início do prazo de impugnação.
Pelo exposto, nesta data mantém-se válidas todas as deliberações tomadas em assembleia de condóminos, nomeadamente a aprovação dos orçamentos dos anos de 2013 a 2016.
É legítimo aos condóminos discordar da actuação ou gestão do administrador, dispondo de meios legais de reacção, devendo deles lançar mão.
Mas não deixa de relevar que o demandado poderia consultar toda a documentação e orçamentos aprovados pelas assembleias, para as quais havia sido convocado (ainda que, eventualmente, sem cumprimento de formalidade legais) ou tinha conhecimento.
A lei apela á activa participação dos condóminos na vida do condomínio, mas não raras vezes assistimos ao alheamento dos problemas condominais com nefastas consequências para todos os comproprietários.
É inconcebível que o proprietário de uma fracção autónoma de um prédio constituído em propriedade horizontal há mais de 6 anos, não tenha pago qualquer contribuição para os serviços comuns, nem se tenha preocupado em saber quem presta serviços como a limpeza, energia eléctrica, manutenção de elevadores etc.
Como bem refere Rui Vieira Miller in “ A propriedade horizontal no Código Civil citando acórdão de 12.10.2009 no processo n.º 5944/05.0TBVFR.P1 “quem vive em condomínio sabe que tem responsabilidades para com os seus compartes, que há encargos comuns que por todos têm de ser assumidos, que a vida em propriedade horizontal, com integração de várias fracções em unidade predial, acarreta incómodos e afazeres para os seus proprietários, que o exercício dos seus direitos e deveres obedecem a regulamentos e normas, não pode ignorar que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício bem como o pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos, que há uma administração para as partes comuns do edifício que compete à assembleia de condóminos e a um administrador.”
Quanto á compensação alegada pelo demandado, não produziu prova suficiente que permita ao tribunal determinar que o valor da obra que alega ter realizado, seja devido pelo condomínio, ora demandante. Para operar tal crédito deveria o demandando provar que a responsabilidade na realização da obra caberia ao condomínio, por se tratar de um problema nas partes comuns, bem assim como a prova dos valores efectivamente despendidos, o que não fez.
Quanto à quantia paga pelo demandado a título de contribuição para a pintura do prédio no valor de 247,98€, não pode o tribunal determinar se o montante pago seria devido, porquanto não foi feita prova do efectivo custo da obra, constando dos autos somente um orçamento de 1500,00€ acrescido de IVA.
Face ao que antecede, e sem necessidade de maiores indagações, não pode deixar de proceder o pedido no que às quotas, ordinárias e extraordinárias, de condomínio diz respeito, desde Janeiro de 2013 até Dezembro de 2017.
Já no que diz respeito ao valor peticionado a título de despesas com a cobrança - carta de advogado -, diga-se que, na falta de deliberação da Assembleia de Condóminos nesse sentido, deveria o demandante vir provar nos autos que, efectivamente despendeu a quantia referida o que não fez. Pelo que este pedido haverá de improceder.
Quanto ao pedido de condenação em juros, os mesmos são devidos nos termos do disposto nos arts. 804º e seguintes do Código Civil, porquanto resulta provado que as quotas condominiais se venceram e não foram pagas pelo demandante na data do respectivo vencimento (obrigações com prazo certo), encontrando-se nesta data vencidos na quantia de 107,21€.
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DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente ação parcialmente procedente, porque provada, decido condenar o Demandado a pagar ao Demandante, a quantia de 1399,07 € (Mil trezentos e noventa e nove euros e sete cêntimos), relativa às quotas, ordinárias e extraordinárias, de condomínio vencidas e não pagas até ao mês de Dezembro de 2017 e juros de mora vencidos.
Mais decido condenar o Demandado no pagamento de juros de mora, à taxa legal de 4% que se vencerem a partir desta data até integral pagamento.
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As custas serão suportadas por ambas as partes, em razão do decaimento na proporção de 29% para a Demandante e 71% para o Demandado, declarando-se ambas parte vencida (Art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro e n.º 3 do art.º 446.º, do C.P.C.), devendo ser pagas, no Julgado de Paz, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da presente data, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação (nº 10 da Port. n.º 1456/2001, de 28-12; o n.º 10 com a redação dada pelo art.º único da Port. n.º 209/2005, de 24-02).
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Registe.
Bombarral, 15 de Março de 2018
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 131.º/5 do C.P.C.)

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(Cristina Eusébio)