Sentença de Julgado de Paz
Processo: 402/2014-JPCBR
Relator: MARTA NOGUEIRA
Descritores: AÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO
NOS TERMOS DO ARTIGO 9º N.º 1 AL. H) DA LEI N.º 78/2001
DE 13 DE JULHO
Data da sentença: 07/27/2018
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: Processado por meios informáticos (art. 131.º n.º 5 do CPC). Revisto pela signatária. Verso em branco.

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Processo n.º 402/2014 – JP Coimbra
Objeto da ação: Ação Declarativa de Condenação, nos termos do artigo 9º n.º 1 al. h) da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho. ---
Valor: € 12.387,32 (doze mil trezentos e oitenta e sete euros e trinta e dois cêntimos). ---
Demandante: L, Lda. ---
Demandada: O, Lda. ---
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OBJETO DO LITÍGIO
A Demandante, L, Lda., melhor identificada nos autos a fls. 1, intentou, em 19-12-2014, contra a Demandada, O, Lda., também melhor identificada a fls. 1 dos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que esta fosse condenada a proceder ao pagamento da quantia de € 12.387,32 (doze mil trezentos e oitenta e sete euros e trinta e dois cêntimos) a título de indemnização pelo interesse contratual negativo.
Para tanto, alegou os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 1 a 9, que aqui se dá por reproduzido.
Juntou: 1399 (mil trezentos e noventa e nove) documentos, que igualmente se dão por reproduzidos.

A Demandada foi regularmente citada (fls. 37 dos autos), tendo apresentado a contestação de fls. 46 e segs., nas quais se defende por impugnação, que se dá por reproduzida.
Juntou: 3 (três) documentos, que igualmente se dão por reproduzidos.

TRAMITAÇÃO
Foi designado o dia 08-07-2016, pelas 10h30m, para a realização da Audiência de Julgamento, na qual estiveram presentes todas as partes, a qual se realizou cfr. da respectiva acta se alcança. Foi a mesma suspensa para continuar no dia 14-10-2016, pelas 14h00m, na qual foram ouvidas as partes e inquiridas as testemunhas, cfr. da respetiva ata se alcança. Foi a mesma suspensa para continuar no dia 09-01-2017, pelas 14h00m, tendo sido produzidas as respetivas alegações. Foi a mesma suspensa para continuar no dia 24-02-2017, pelas 14h00m, para prolação de sentença. Por motivos de serviço, de acumulação de funções da Juiz de Paz titular do processo, baixa médica por gravidez de risco e licença de maternidade, não foi possível proferir sentença, pelo que a audiência de julgamento designada para dia 24-02-2017, veio a ser desmarcada.

Verificam-se os pressupostos processuais de regularidade e validade da instância, inexistindo questões prévias ou nulidades que invalidem totalmente o processo ou obstem ao prosseguimento dos autos.

FUNDAMENTAÇÃO
Factos provados
1 – Demandante e Demandada celebraram um contrato de reparação de uma impressora Fuji 410DL;
2 - A reparação foi orçamentada na quantia de € 4.038,04 (quatro mil e trinta e oito euros e quatro cêntimos);
3 – O orçamento foi aceite pela Demandante;
4 – A Demandante procedeu ao pagamento da quantia de € 2.000,00 por conta da reparação acordada;
5 – As reparações levadas a cabo pela Demandada não lograram reparar o equipamento;
6 – Em finais de junho de 2014 a reparação continuava pendente;
7 – A Demandante solicitou os serviços da P, Lda. para proceder à reparação do equipamento em causa;
8 – A Demandante, a Demandada e a P acordaram que esta iria proceder à recolha das duas cabeças de impressão que a Demandada colocou na impressora;
9 – Devendo a Demandada passar nas instalações da P para recolha das mesmas;
10 – Por carta datada de 08-08-2014 a Demandante resolveu o contrato celebrado com a Demandada, solicitando a restituição, no prazo de 10 dias, da parte do preço que tinha adiantado, ou seja, os € 2.000,00;
11 – A Demandada, no dia 18-08-2014, procedeu à devolução da quantia de € 1.754,27 à Demandante;
12 – Obtida pela subtração à quantia de € 2.000,00 da quantia de € 245,73;
13 – A Demandante dedica-se, entre outras atividades, mas essencialmente à venda de fotografias tiradas em locais turísticos, sendo que a impressora Fuji 410DL, usada no Portugal dos PP, e Coimbra, além da função de impressão, permite fazer cópias das mesmas mediante a simples inserção na impressora do código identificador que aquela insere automaticamente no verso de cada fotografia original que imprime.

Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.

Motivação dos factos provados
Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos, das declarações das partes e dos depoimentos testemunhais prestados em sede de audiência de julgamento. As testemunhas prestaram o seu depoimento de forma isenta e credível, demonstrando ter conhecimento directo sobre a factualidade sobre a qual depunham.

Motivação dos factos não provados
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.

DO DIREITO
Pretende a Demandante, por via desta ação, tornar efetiva a responsabilidade civil contratual da Demandada, em virtude da factualidade acima esboçada.

Nos termos do preceituado no art. 483º do Código Civil «aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação». Ali se estabelece, pois, o princípio geral da responsabilidade civil, fundada em facto que seja objetivamente controlável ou dominável pelo agente, isto é uma conduta humana, que tanto pode consistir num facto positivo, uma ação, como num negativo (omissão ou abstenção), violadora do direito de outrem ou de qualquer disposição legal que vise proteger interesses alheios — comportamento ilícito. Para que desse facto irrompa a consequente responsabilidade necessário se torna, à partida, que o agente possa ser censurado pelo direito, em razão precisamente de não ter agido como podia e devia de outro modo; isto é que tenha agido com culpa.

A ilicitude e a culpa são elementos distintos; aquela, virada para a conduta objetivamente considerada, enquanto negação de valores tutelados pelo direito; esta, olhando sobretudo para o lado subjetivo do facto jurídico. A responsabilidade traduz-se na obrigação de indemnizar, de reparar os danos sofridos pelo lesado. Este dever de indemnizar compreende não só os prejuízos causados, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão — art. 564º do Código Civil. O prejuízo surge, pois, como um elemento novo a acrescer ao facto ilícito e à culpa, sem o qual o agente não se constituiria na obrigação de indemnizar. Os danos podem ter um conteúdo económico (danos patrimoniais) abrangendo os danos emergentes, efetiva diminuição do património do lesado, o prejuízo causado nos seus bens, e o lucro cessante, os ganhos que se frustraram por causa do facto ilícito, ou imaterial (danos não patrimoniais ou morais, que resultam da ofensa de bens de carácter espiritual ou morais, e que não sendo suscetíveis de avaliação pecuniária, podem, todavia, ser compensados pelo sacrifício imposto no património do lesante). A reparação dos danos deve efetuar-se em princípio mediante uma reconstituição natural, isto é, repondo-se a situação anterior à lesão; mas quando isso não for possível, ou não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor, então haverá que subsidiariamente fixar-se a indemnização em dinheiro - cfr. art.s 562º e 566º do Código Civil. Nesta hipótese, o dano real ou concreto é expresso pecuniariamente, refletindo-se sobre a situação patrimonial do lesado (dano patrimonial ou abstrato).

A responsabilidade civil pode, no que ora nos interessa, verificar-se no âmbito de um contrato, gerada pelo incumprimento de uma das partes, sendo certo que não é necessário que aquele seja definitivo, já que a simples mora constitui o devedor na obrigação de indemnizar o credor – artigo 804º do Código Civil. Sendo um dos pressupostos de indemnizar, a lei prevê, para além do dolo, a culpa, como um dos requisitos a qual se presume em sede contratual. Estatui o art. 798º do Código Civil que «o devedor que falta culposamente ao cumprimento de uma obrigação torna-se responsável pelo prejuízo causado a credor». O Tatbestand desta norma, no âmbito da responsabilidade contratual, exige para a respetiva violação: «1º o facto voluntário (ação ou omissão); 2º violação cometida na relação obrigacional e dentro dos deveres compreendidos na relação de prestação; 3º relação entre o facto voluntário e a violação de um dever compreendido na relação de prestação».

A responsabilidade extracontratual ou aquiliana resulta da prática de factos ilícitos culposos violadores de direitos ou interesses alheios juridicamente protegidos, causadores de prejuízos a outrem; como resulta dos seus próprios termos, esta responsabilidade gera-se fora do círculo de uma relação obrigacional entre as partes.

Muito embora em pouco se traduza, no tocante aos respetivos requisitos, a diferença entre os dois tipos de responsabilidade suprarreferidos, certo é que, no que concerne ao ónus da prova, existe entre ambas uma diferença fundamental; na responsabilidade civil obrigacional a culpa presume-se, o que não sucede na responsabilidade extracontratual ou aquiliana, em que cabe ao lesado provar a culpa do lesante.

Da matéria dada como provada resulta que a Demandante e a Demandada celebraram um contrato de prestação de serviços, na modalidade de empreitada. O contrato de prestação de serviço, tal como o contrato de empreitada, são contratos típicos, inseridos no que alguma doutrina chama a um conjunto muito amplo de contratos, contratos de troca, e que se caracterizam pela bilateralidade de custos e de benefícios «para as partes e a divergência das finalidades típicas de cada uma delas» - (Carlos Ferreira de Almeida, Contratos II – Conteúdo. Contratos de Troca, 2.ª edição, Almedina, 2011, págs. 113 113/115).

O autor citado, caracterizando o contrato de empreitada, chama a atenção para dois aspetos que nos parecem relevantes: 1) O contrato de empreitada insere-se no conjunto mais amplo dos contratos de prestação de serviço, «configurando-se a obra como um serviço com recorte particular», mas 2) sendo o conceito de obra essencial para a qualificação do negócio, «a lei e a doutrina distinguem o (simples) serviço e a obra consoante a prestação tenha como objeto a atividade em si mesma ou o seu resultado»; no entanto, esse critério «parece incompatível com o preceito legal segundo o qual a prestação de serviço consiste em proporcionar a outrem um certo resultado do trabalho intelectual ou manual (artigo 1154.º). Como, na lógica do Código Civil, a obra é uma espécie de serviço, a empreitada teria como objeto a realização do resultado… do resultado.» (Carlos Ferreira de Almeida, Contratos II…, cit. págs. 150 e 152). No fundo – acrescentamos – o serviço proporcionará um certo resultado e a obra não deixa de ser um resultado.

A jurisprudência tem caracterizado o contrato pelo qual alguém, por exemplo, entrega o veículo numa oficina para reparação como um contrato de empreitada, ainda que a situação de facto surge em casos de entrega pura e simples e em que está em causa o inerente dever de guarda do veículo (por todos, atenta a jurisprudência e doutrina aí citada, Ac. RC de 6.06.06, CJ/2006, T.III, págs. 17/19). No caso em apreço está em causa a reparação de uma impressora Fuji 410DL, pelo que entendemos qualificar como de empreitada o contrato celebrado entre a Demandante e a Demandada, previsto no art. 1207º do CC - «Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.» Quer isto dizer que o empreiteiro se obriga a realizar uma determinada obra. Por sua vez, o dono da obra está obrigado a pagar ao empreiteiro o preço da referida obra, cfr. art. 1207º do CC.

Isto tudo para corroborar que a presente ação se funda no âmbito da responsabilidade civil contratual, e não pré-contratual, sendo que é nesta última que a jurisprudência e a doutrina têm vindo a decidir que é indemnizável o interesse contratual negativo, pela rutura negocial injustificável, pois só esta é suscetível de fundar a obrigação de indemnização. Conforme se pode ler no Acórdão da Relação de Lisboa de 23-03-2004, processo n.º 514/2004-1, em que é relator André dos Santos, disponível em www.dgsi.pt, «existe ilicitude, quando deliberadamente se crie na contraparte a convicção de que irá haver contratação e, sem justificação, se promova a ruptura.» No caso e apreço foi a própria Demandante quem resolveu o contrato de empreitada relativo à reparação da impressora Fuji 410DL, e não a Demandada. No que diz respeito aos danos indemnizáveis, a jurisprudência tem entendido que a indemnização abrange o interesse contratual negativo, «podendo, em casos limites e de acordo com as circunstâncias concretas do caso, incluir o interesse contratual positivo, se já existia um acordo global e faltava apenas a formalização do negócio» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-10-2012, proferido no âmbito do processo n.º 2625/09.0TVLSB.L1.S1, em que é relator Bettencourt de Faria, disponível em www.dgsi.pt). No mesmo sentido, se a culpa «estiver na violação de um dever de conclusão de um contrato, é de indemnizar o interesse positivo, ou seja, o interesse do cumprimento» (vd. Ac. Relação de Lisboa, já citado).

De todo o exposto, é nosso entendimento que a indemnização peticionada pela Demandante não se situa no âmbito da responsabilidade civil pré-contratual, não havendo lugar a qualquer indemnização pelo interesse contratual negativo.

Vejamos agora se a Demandante terá de ser indemnizada no âmbito da responsabilidade civil contratual.

Não está em causa, porque aceite, que entre a Demandante e a Demandada se celebrou um contrato de prestação de serviços, na modalidade de empreitada, que consistia na reparação de uma impressora Fuji 410DL. Da mesma forma também não está em causa, porque aceite, que a Demandada não terá conseguido reparar a referida máquina. E tanto assim foi que a própria Demandada devolveu à Demandante a quantia que esta pagou com a adjudicação do orçamento, compensada pela quantia de € 245,73 que a Demandante devia à Demandada pela reparação de uma outra máquina.

Portanto, a questão em apreço prende-se com a existência, ou não, do nexo causal entre aquele incumprimento e os danos que a Demandante alega ter sofrido, e que fundamentam o pedido indemnizatório da quantia de € 12.387,32.

Debruçando-se sobre esta temática, Pessoa Jorge começa por aludir à «teoria da equivalência das condições», para a qual «(...) cada condição sine qua non seria causa de todo o efeito, porque, sem ela, as outras condições não teriam actuado». Sendo notório, porém, que uma tal teoria jamais poderia ser transposta, na sua genuidade, para o domínio da responsabilidade civil – por ser patentemente injusto responsabilizar alguém por prejuízos que nada tiveram a ver, em concreto, com a sua conduta – haverá que eleger então, de entre as várias condições do dano, aquelas que legitimam a imposição, ao respetivo agente, da obrigação de indemnizar.

Ora, a nossa lei civil exige que a par do facto e do dano exista, entre estes dois elementos, uma ligação, isto é, que o incumprimento contratual por parte da Demandada tenha sido causa dos danos sofridos pela Demandante.

Portanto, o nosso ordenamento jurídico consagra a doutrina da causalidade adequada, na sua formulação negativa: «o facto só deixará de ser causa adequada do dano, desde que se mostre, por sua natureza, de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais». Como a transcrita previsão legal logo sugere, a adequação relevante não é aquela que se basta com o simples confronto entre o facto e o dano isoladamente considerados, mas, pelo contrário, aquela que atende a todo o processo causal que, na prática, conduziu efetivamente ao dano. E, nessa medida, exige-se «(...) que o efeito tenha resultado do facto, considerado causa dele, pelo processo por que este é abstractamente adequado a produzi-lo», como salienta Pessoa Jorge, que, logo após, explicita: «Pode, na verdade, suceder que o comportamento do agente seja adequado (por si e em abstracto) a provocar o dano, mas este se produza segundo um processo diferente daquele que leva a considerar tal comportamento como causa adequada desse dano», o que leva a excluir da responsabilidade «(...) não só os prejuízos, que este normalmente não produziria, como também aqueles que normalmente produziria, mas por processo diferente do que realmente se deu». Conforme se vê, a lei exige, para fundamentar a reparação, que o comportamento do agente seja abstrata e concretamente adequado a produzir o efeito lesivo. Portanto, o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente (gleichgultig) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercedam no caso concreto.

Como refere Antunes Varela «(…) do conceito de causalidade adequada pode extrair-se, desde logo, como corolário, que para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano.».
É, no fundo, a consagração do ensinado por Enneccerus-Lehman, que para o Dr. Ribeiro de Faria, conduz a que «a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias».

Resulta, pois, do exposto que não é qualquer relação fenomenológica ou, se preferirmos, ôntico-naturalística que, embora seja condição próxima de produção de um resultado danoso (causal) entre dois fenómenos, releva para efeitos da teoria da causalidade adequada, mas aquele que for determinante no plano jurídico, isto é, entre um comportamento juridicamente censurável e o resultado danoso.

Por isso, com inteira razão, a dogmática moderna tende a substituir a designação imprópria de teoria de causalidade adequada, que a praxis tradicional consagrou, pela da teoria ou doutrina da adequação, ou seja pela imputação normativa de um resultado danoso à conduta reprovável do agente, nos casos em que pela via da prognose póstuma se possa concluir que tal resultado, segundo a experiência comum, possa ser atribuído ao agente como coisa sua (produzida por ele).

O processo de determinação do nexo de ligação do facto ao dano comporta duas fases: numa, a inicial, averigua-se no plano naturalístico se certo facto concreto é ou não efetivamente condicionante de um dano; noutra, posterior, determina-se se esse facto, considerado em abstrato e geral, é ou não apropriado a provocar tal dano. A primeira etapa, de apuramento da sequência naturalística dos factos em ordem a apurar se um causou outro e/ou qual foi a ordem cronológica causal dos factos e seus efeitos, constitui pura matéria de facto, pois subjaz-lhe uma operação de avaliação da prova que incide sobre a referida sucessão de factos e efeitos. A segunda fase implica o confronto daquela sequência cronológica com as regras jurídicas que delimitam o conceito de causalidade adequada e, desse modo, radica numa operação de subsunção jurídica.

Feitos estes breves considerandos, pensamos, salvo outro e melhor entendimento que, no caso concreto, se não mostra provado o apontado nexo de causalidade.

Certo é que, tratando-se de responsabilidade contratual como in casu se trata, há presunção legal de culpa do contraente faltoso, nos termos do n.º 1 do art. 799º do Código Civil. Daí que a Demandante, ao beneficiar dessa presunção «juris tantum» não tenha que provar os factos conducentes à demonstração daquele nexo de imputação subjectiva, «ex vi» do n.º 1 do art. 350º do mesmo diploma, invertendo-se outrossim, o «ónus probandi»- n.º 1, 1.ª parte, do art. 344º do Código Civil.

Porém, tal não basta para concluir pela responsabilidade da Demandada. É que, a Demandante terá sempre de demonstrar os outros pressupostos daquele tipo de responsabilidade: violação contratual, dano (ou prejuízo) e nexo causal, assim e nos termos do n.º 1 do art. 342º do Código Civil. Trata-se da aplicação do princípio «actor incumbit probatio; reus in exipiendo fit actor».

O ónus da prova recai, assim, sobre ambos os litigantes, devendo o autor provar os factos constitutivos do direito que alega ter, sendo que o réu terá de provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que aquele invoca. Não se trata de repartir o encargo da prova em atenção à qualidade do facto probando mas à posição na lide daquele que o invoca.

Fora de dúvida que a Demandante fez prova da violação contratual. Restaria, para completar o elenco dos pressupostos da responsabilidade contratual, a demonstração do dano, do nexo causal entre a culpa (como nexo de imputação subjetiva) e o dano obrigacional (contratual ou negocial), isto é, que o incumprimento do contratado constituiu causa do dano, o qual terá de se apresentar como resultado direto e atual daquele.

Coisa que, salvo outro e melhor entendimento, a Demandante não fez.
E com um cálculo bastante simples, de acordo com os elementos existentes no processo, verificamos, a título de exemplo, o porquê de tais danos não estarem provados.

- Do custo e do lucro de e por cada fotografia
Diz a Demandante que o custo de cada fotografia é € 0,10 com a Fuji 410DL, e que, com as outras impressoras, o custo é de cerca de € 0,30.
Diz a Demandante que € 6,00 é o preço pelo qual vende cada fotografia ao cliente final.

Apesar de não estar minimamente provado o valor quanto ao custo de cada fotografia, seja impressa na Fuji 410DL, seja noutra máquina, é de admitir, porque a Demandante envia uma relação das faturas emitidas à Autoridade Tributária e Aduaneira, que os € 6,00 de preço de venda de cada fotografia, alegados pela Demandante, incluem o IVA à taxa legal em vigor, pelo que os cálculos efetuados pela Demandante quanto ao custo e lucro de cada fotografia não estão corretos.

- Da venda das 12.183 fotografias entre abril e julho de 2014
Admitimos que este número foi alcançado pelo valor pago pela Demandante à FBB € 12.183,00, cfr. declaração junta aos autos a fls 28.
No entanto, verificamos que no pedido efetuado à referida Fundação, junto aos autos a fls. 199 e 200, o valor pago foi de € 12.193,00, sendo que € 9.904,88 serão, alegadamente, de fotografias vendidas e € 2.278,12 correspondem ao IVA à taxa legal, pelo que não resulta provado que a Demandante tenha vendido 12.183 fotografias, o que faz com que todos os cálculos baseados nesta premissa estejam incorretos.

Acresce que, da listagem de vendas de 01-04-2014 a 31-07-2014 junta aos autos pela Demandante a fls. 149 a 181, verificamos que foram vendidos produtos e/ou serviços, discriminados da seguinte forma:
sigla FS, Doc n.º 76 a Doc. n.º 208, total valor pago € 7.781,00 – 132 documentos;
sigla FS1, Doc n.º 1866 a Doc. n.º 2547, total valor pago € 69.241,00 – 681 documentos;
sigla FS2, Doc n.º 765 a Doc. n.º 1022, total valor pago € 25.313,00 – 257 documentos;
sigla FS3, Doc n.º 531 a Doc. n.º 799, total valor pago € 20.992,00 – 268 documento,

Ou seja, alegadamente foram vendidos produtos e/ou serviços no montante de € 123.327,00, num total de 1.338 documentos, sendo certo que do Doc. junto aos autos a fls. 125 consta que a Demandante, alegadamente, entregou à Autoridade Tributária e Aduaneira 1.343 documentos, não resultando provado que todos os produtos e/ou serviços vendidos digam respeito a fotografias vendidas, também por aqui os cálculos da Demandante não se podem considerar fidedignos, até porque , se o fossem, os cálculos da Demandante seriam com base na quantia de € 123.327,00…

E não estando provado que a Demandante tenha vendido 12.183 fotografias, também não se pode dar como provado que tenha tirado 20.305 fotografias, que não foram vendidas 8.122 fotografias, que a Demandante tenha tido um acréscimo no custo das fotografias no valor de € 1.624, 20, que tenha vendido 10% de cópias das fotografias vendidas, ou seja 1.218 cópias, que tenha deixado de ter um lucro de cerca de € 7.186,20, por exemplo.

Quanto à quantia de € 1.140,12 referente aos cartuchos desperdiçados nas intervenções, que a Demandante calculou à razão de 3 intervenções x € 380,04 (4 cartuchos de tinta), temos que a Demandante refere, no art. 34º do seu requerimento inicial, que «tendo nas primeiras sido usados os cartuchos que a A. já dispunha, apenas se tornando necessário comprar mais para a última intervenção.».

Daqui resulta, salvo melhor opinião, que não se pode dar como provado que cada reparação pressuponha o esvaziamento de 4 cartuchos de tinta, pois que é a própria Demandante que admite que nas primeiras intervenções (as duas primeiras) foram usados os cartuchos que a mesma já dispunha, pelo que 4 cartuchos de tinta darão para mais do que uma reparação. Além de que estes cartuchos usados nas duas primeiras intervenções estavam, muito provavelmente, em poder da Demandante para serem usados na impressão das fotografias na Fuji 410DL, pelo que não foram adquiridos para que pudesse ser feita qualquer intervenção.
Assim sendo, e uma vez que os materiais e utensílios necessários à execução da obra devem, em regra, ser fornecidos pelo empreiteiro, cfr. art. 1210º do Código Civil, vai a Demandada condenada no pagamento à Demandante da quantia de € 380,04 correspondente a 4 cartuchos de tinta para a impressora Fuji 410DL, nos termos do disposto no art. suprarreferido, e não, para clarificar, nos termos de uma qualquer indemnização decorrente do incumprimento contratual da Demandada.

Ou seja, não estando provado o dano, jamais se pode dar como demonstrado o nexo causal entre essa omissão, a traduzir incumprimento contratual, e os danos causados à Demandante.
Acresce que a Demandada, ciente desse mesmo incumprimento, devolveu à Demandante a quantia que esta lhe pagou (€ 2.000,00), operada pela compensação de € 245,73, ou seja, a quantia de € 1.754,27. E a este respeito salientamos apenas o seguinte: no âmbito de um contrato de empreitada, diz o art. 1229º do Código Civil, que «O dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a sua execução, contanto que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia retirar da obra.».
No caso em apreço o dono da obra é a Demandante.
No caso em apreço foi a Demandante quem desistiu da obra.
No caso em apreço a obra já tinha sido iniciada na sua execução.
No caso em apreço foi a Demandada quem devolveu à Demandante a quantia que esta pagou com o início dos trabalhos…
Fica para ambas as partes refletirem…

DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgo parcialmente procedente, por provada, a presente ação, e condeno a Demandada a pagar à Demandante a quantia € 380,04 referente a 4 cartuchos de tinta. Do demais peticionado vai a Demandada absolvida.

Custas: declaro ambas as partes vencidas, na proporção do respetivo decaimento que se fixa em 97% para a Demandante e 3% para a Demandada.
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A Demandante deverá efetuar o pagamento das custas em dívida, no valor de € 32,90 (trinta e dois euros e noventa cêntimos), num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, incorrendo numa sobretaxa de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação, conforme disposto nos números 8º e 10º da Portaria 1456/2001, de 28 de dezembro.

Decorridos catorze dias sobre o termo do prazo suprarreferido sem que se mostre efetuado o pagamento, será entregue certidão da não liquidação da conta de custas ao Ministério Púbico, para efeitos executivos, no valor então em dívida, que será de € 172,90 (cento e setenta e dois euros e noventa cêntimos).

Cumpra-se o disposto no n.º 9 da referida Portaria em relação à Demandada, e devolva-se a quantia de € 32,90.
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Notifique, sendo que a Demandante também para o pagamento das custas de sua responsabilidade.
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Julgado de Paz de Coimbra, 27 de junho de 2018
A Juíza de Paz,


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(Marta Nogueira)