Sentença de Julgado de Paz
Processo: 628/2014-JP
Relator: GABRIELA CUNHA
Descritores: RESPONSABIILIIDADE CIIVIIL - INDEMNIIZAÇÃO PELOS DANOS CASUSADOS
Data da sentença: 10/29/2014
Julgado de Paz de : SINTRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

Processo nº 628/2014-JP

RELATÓRIO:
FC a, melhor identificado a fls. 1, intentou contra L melhor identificada, também a fls. 1, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que esta seja condenada: “a) que o demandado seja condenado a pagar ao demandante o valor de € 19,99 (dezanove euros e noventa e nove cêntimos) correspondente à compra do fervedor de água eléctrico; b) € 30,00 (trinta euros), correspondentes ao gasto em material de enfermaria; c) € 3.750,00 (três mil setecentos e cinquenta euros), correspondentes a indemnização pelos danos causados – corporais; psíquicos e psicológicos; e juros de mora vencidos, no valor de € 208,22 (duzentos e oito euros e vinte e dois cêntimos).”.
Para tanto alegou os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 1 a 3 dos autos, que aqui se dá por reproduzido. Juntou documentos (fls. 4 a 36 e 80 a 89), que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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Regularmente citada, a demandada apresentou contestação nos termos plasmados a fls. 56 a 61, que aqui se dá por reproduzida. Juntou documentos (fls. 62 a 64), que aqui se dão, igualmente, por reproduzidos e procuração forense.
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O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território. Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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Iniciada a audiência, na presença do demandante e da mandatária da demandada, a Juíza de Paz procurou conciliar as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1, do artº 26º, da LJP, não tendo esta diligência sido bem sucedida.
Foram ouvidas as partes, nos termos do disposto no artº 57º da LJP, e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta da respectiva ata, tendo sido ouvidas as testemunhas apresentadas por ambas as partes.

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OS FACTOS:
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
a) No dia 24 de janeiro de 2013, o demandante adquiriu na loja da demandada em Alcoitão, um fervedor de marca SilverCrest, modelo SWKS 2400 B1, no valor de € 19,99 (dezanove euros e noventa e nove cêntimos).
b) Em 11 de março de 2013, pelas 9.30H, o demandante ao utilizar o supra identificado fervedor, foi confrontado com a água que verteu ao longo da parte inferior,
c) Causando-lhe uma queimadora no peito do pé direito.
d) Em 14 de março de 2013, o demandante informou, telefonicamente, a demandada do acidente ocorrido.
e) Em 20 de março de 2013, a demandada remeteu ao demandante a carta junta aos autos a fls. 12, que se dá por reproduzida.
f) Em 27 de março de 2013, um perito da UON Consulting, S.A, deslocou-se à residência do demandante para averiguar a situação,
g) Tendo o demandante preenchido o “boletim de sinistrado RC”, junto aos autos a fls. 13 a 15, que se dá por reproduzido.
h) Em 22 de maio de 2013, o demandante entregou ao perito o fervedor supra identificado, conforme declaração junta aos autos a fls. 16, que aqui se dá por reproduzida.
i) Em 27 de junho de 2013, a demandada remeteu uma carta ao demandante, a fls. 17 dos autos, que aqui se dá por reproduzida, informando que “não foi detetada nenhuma anomalia, isto é, o Jarro Eléctrico não apresenta qualquer defeito de fabrico, nem qualquer avaria.” .
j) Em 1 de julho de 2013, a seguradora AIG remete ao demandante uma carta a declinar a responsabilidade pela ocorrência reclamada, junta aos autos a fls. 18, que aqui se dá por reproduzida.
k) Em 18 de julho de 2013, o demandante apresentou uma reclamação contra a demandada no Serviço Municipal de Informação ao consumidor da Câmara Municipal de Cascais, junta aos autos a fls. 21 e 22, que aqui se dá por reproduzida.
l) Em 22 de julho de 2013, o demandante apresentou uma reclamação na Loja do Lidl de Alcoitão, junta aos autos a fls. 19 e 20, que se dá por reproduzida.
m) Em 25 de julho de 2013, a demandada remete ao demandante uma carta a responder à reclamação, junta aos autos a fls. 23, que aqui se dá por reproduzida, informando não ser possível a devolução do artigo, uma vez que no decorrer da peritagem do produto este foi desmantelado e após análise destruído e,
n) enviando-lhe um vale no valor de € 19,99 (dezanove euros e noventa e nove cêntimos) (cfr. fls. 24 dos autos).
o) Em 7 de agosto de 2013, o demandante devolveu à demandada o vale no valor de € € 19,99 (dezanove euros e noventa e nove cêntimos), junta aos autos a fls. 25, que se dá por reproduzida.
p) O demandante possui outro fervedor de água da mesma marca e modelo.
q) O demandante é acompanhado na consulta de Psiquiatria no Hospital de Cascais Dr. José de Almeida.
r) O demandante é acompanhado na consulta de Psicologia, no Hospital de Cascais Dr. José de Almeida.

Factos não Provados:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.

Motivação:
Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos e o depoimento testemunhal prestado em sede de audiência final.
Os depoimentos das testemunhas João Pedro Heitor e Francisco Correia foram pouco revelantes e pouco credíveis, não tendo conhecimento dos factos aqui em discussão, limitando-se, apenas, a confirmar a queimadura no pé do demandante.
Considerou-se o depoimento de Maria Teresa Correia, esposa do demandante, que não estava com o demandante quando este se queimou; disse que o demandante não foi ao hospital; disse que o demandante teve dores e ficou aborrecido com a situação; que ela própria tinha utilizado o fervedor; disse ainda que o formato do fervedor não é adequado.
Foram, também, considerados os depoimentos das testemunhas Joel Coutinho e Sara Trindade, funcionários do Lidl, que disseram que foi feita peritagem ao fervedor e não foi encontrado qualquer defeito, que não tiveram outras queixas relativamente aquele modelo de fervedor e que tal acidente deveu-se à má utilização do fervedor pelo demandante, que não cumpriu as instruções, designadamente porque colocou água acima do indicador. Os seus depoimentos revelaram-se credíveis.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.
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O DIREITO:
Entre demandante e demandada foi celebrado um contrato de compra e venda, definido no artigo 874º, do Código Civil, subordinado ao regime previsto no artigo 921º, do mesmo Código, que estipula que “Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador” (nº 1), acrescentando o seu nº 2 que “No silêncio do contrato, o prazo da garantia expira seis meses após a entrega da coisa, se os usos não estabelecerem prazo maior”, e o nº 3 que “O defeito de funcionamento deve ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia e, salvo estipulação em contrário, até trinta dias depois de conhecido”.
No caso sub judice, estamos perante uma compra e venda para consumo, nos termos da Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de junho), ou seja, o objeto do contrato é um bem destinado ao uso não profissional e as partes no contrato são, por um lado, um profissional (a demandada) e, por outro, uma pessoa particular (que não atua como profissional), visando a satisfação de necessidades pessoais, ou seja, o demandante.
Prescreve a Lei de Defesa do Consumidor, no seu artigo 4º, que “Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor”; tal Lei, complementada pelo prescrito no já citado Decreto-Lei n.º 67/2003 (na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio) que, além de presumir os casos em que os bens de consumo não são conformes com o contrato (n.º 2 do artigo 2.º), responsabiliza o vendedor pela falta de conformidade do bem no momento da sua entrega, presumindo-se que as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois anos a contar da data de entrega, já existiam nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade do bem (artigo 3º), prescrição com importantes reflexos a nível do ónus da prova: o comprador apenas terá de alegar e provar o mau funcionamento da coisa durante o prazo de garantia, sem necessidade de alegar e provar a específica causa do mau funcionamento e a sua existência aquando da entrega, enquanto que o vendedor, para se ilibar da responsabilidade, terá de alegar e provar que a causa do mau funcionamento é posterior à entrega, imputável ao comprador, ou a terceiro, ou é devida a caso fortuito.
Acresce que, nos termos do art.º 12.º da Lei do Consumidor, o consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens defeituosos.
Aqui chegados, analisemos o caso concreto.
Resultou provado que, no dia 24 de janeiro de 2013, o demandante adquiriu na loja da demandada em Alcoitão, um fervedor de marca SilverCrest, modelo SWKS 2400 B1, no valor de € 19,99 (dezanove euros e noventa e nove cêntimos).
Acontece que, em 11 de março de 2013, pelas 9.30H, o demandante ao utilizar o fervedor, foi confrontado com a água que verteu ao longo da parte inferior, que lhe causou uma queimadora no peito do pé direito.
Pretende o demandante imputar a responsabilidade por tal acidente à existência de defeito no fervedor adquirido na loja da demandada, pedindo a condenação da demandada, para além do valor do fervedor, em gastos com material de enfermaria e indemnização pelos danos causados – corporais, psíquicos e psicológicos.
Ora, não lhe assiste razão. O demandante não logrou provar o facto essencial – e praticamente único – que lhes competia: o mau funcionamento ou a existência de defeito no fervedor.
Assim sendo, não provando o demandante, como lhe incumbia, a falta de conformidade do artigo vendido, falece a sua pretensão relativamente ao pagamento de danos não patrimoniais e despesas de farmácia.
Peticiona o demandante a condenação da demandada no pagamento do preço do bem. Ora, resulta provado que, em 25 de julho de 2013, a demandada remeteu ao demandante um vale no montante de € 19,99 (dezanove euros e noventa e nove cêntimos), o qual o demandante devolveu e agora reclama. Ora a demandada já cumpriu a sua obrigação de devolução do preço e o demandante é que não o aceitou, peticionado agora nestes autos o que, mal, rejeitou.
Porém dúvidas não restam que o valor do bem deve ser restituído ao demandante já que a danificação do fervedor só à demandada pode ser imputado, pelo que procede este pedido, devendo esta restituir ao demandante o preço do bem, ou seja a quantia de € 19,99 (dezanove euros e noventa e nove) nos termos do art.º 483.º do Código de Processo Civil e art.º 566.º do Código Civil.
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DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgo parcialmente procedente a presente ação, por parcialmente provada e, em consequência, condeno a demandada - Lidl & Cia – a pagar ao demandante a quantia de € 19,99 (dezanove euros e noventa e nove), indo no demais absolvida.
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Custas na proporção do decaimento que se fixam em 99% para o demandante e 1% para a demandada.
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Registe.
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Julgado de Paz de Sintra, 29 de outubro de 2014
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 131º/5 do C.P.C.)

(Gabriela Cunha)