Sentença de Julgado de Paz
Processo: 220/2017-JPTRF
Relator: IRIA PINTO
Descritores: COMPRA E VENDA
PRESTAÇAO SERVIÇOS
Data da sentença: 04/27/2018
Julgado de Paz de : TROFA
Decisão Texto Integral:
Sentença

Processo nº 220/2017-JP
Relatório
A demandante ............................. LDA., melhor identificada a fls. 3 e 15 e seguintes dos autos, intentou em 25/10/2017, contra a demandada ............................ melhor identificada a fls. 3 e 26, ação declarativa com vista a solicitar o pagamento de uma fatura, formulando o seguinte pedido:
Ser a demandada condenada a pagar à demandante a quantia de €2.430,60, além de juros à taxa legal, tendo contabilizado em €334,00 o seu valor à data da propositura da ação.
Tendo, para tanto, alegado os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 3 a 5 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido. Juntou 2 (dois) documentos. Posteriormente juntou 3 (três) documentos.
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A demandante prescindiu da sessão de pré-mediação (fls. 18 dos autos).
Regularmente citada (fls. 23), a demandada apresentou a contestação de fls. 26 a 54, que se dá por integralmente reproduzida, impugnando os factos relatados no requerimento inicial. Juntou 4 (quatro) documentos.
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Foi realizada audiência de julgamento em 15/12/2017, tendo a demandante requerido perícia (como da respetiva Ata de fls. 109 e 110 se infere).
Realizado o contraditório, foi proferido Despacho de Indeferimento da Perícia requerida (fls. 120).
Em tempo, foi interposto Recurso do Despacho de Indeferimento da Prova Pericial e juntas as Alegações (fls. 160 e seguintes).
Foi proferido Despacho de admissão de Recurso com efeito devolutivo (fls. 205 a 207) e remetido o mesmo para o Tribunal Judicial competente.
Cumprindo fazer prosseguir os autos, considerando o efeito devolutivo do Recurso do Despacho atrás mencionado, foi designado para continuação de audiência de julgamento o dia 4/4/2018 e realizada a audiência (como da Ata se infere).
Cumpre apreciar e decidir
O Julgado de Paz é competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e não se verificam quaisquer outras exceções ou nulidades de que cumpra conhecer.
Fixo à causa o valor de €2.764,60 (dois mil setecentos e sessenta e quatro euros e sessenta cêntimos).
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Reunidos os pressupostos de estabilidade da instância, cumpre proferir sentença.
A alínea c) do nº 1 do artigo 60º da Lei nº 78/2001, de 13/7, alterada pela Lei 54/2013, 31/7, estatui que, nas sentenças proferidas, deve constar (entre outros) uma “sucinta fundamentação”.

Fundamentação da matéria de facto
Com interesse para a decisão da causa ficou provado que:
1 – A demandante dedica-se ao comércio, representações, instalações e assistência técnica de produtos diversos, nomeadamente ar condicionado, sistemas solares térmicos, aquecimento central, ventilações e similares.
2 – No exercício da atividade da demandante prestou à demandada serviços de assistência técnica a equipamentos diversos, além de fornecimento de materiais.
3 – Ao longo de meses, entre finais de 2016 e o primeiro semestre de 2017, demandante e demandada foram trocando mensagens por correio eletrónico, por um lado a demandante com vista a exigir o pagamento desses trabalhos e por outro lado, a demandada alegando defeitos na execução dos mesmos.
4 – Depois dos serviços realizados e dos materiais colocados e invocando a demandada defeitos, nomeadamente em março de 2017, a demandante disponibilizou-se para se deslocar a casa da demandada para verificar e realizar a reparação das alegadas deficiências, tendo em inícios de abril de 2017, sido agendada pela demandada data para o efeito, que esta acabou por desmarcar.
5 – Os serviços foram efetuados e os materiais colocados em casa da demandada, encontrando-se a fatura FAC 17/330, no valor global de €2.430,60, emitida e vencida na mesma data de 1/8/2017.
6 – Após o que não existiu qualquer outra reclamação da demandada, não obstante nada ter pago à demandante relativamente ao valor de €2.430,60 faturado pelos trabalhos realizados e materiais fornecidos.
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A matéria fática dada como provada resultou da audição das partes, dos factos admitidos, da prova testemunhal apresentada pela demandante, além dos documentos juntos aos autos a fls. 12 a 14, 6 a 11, 57 a 73, 242 a 244, em conjugação com as regras de experiência comum e critérios de normalidade e razoabilidade que alicerçaram a convicção do tribunal.
Relativamente à prova testemunhal e no que concerne à testemunha apresentada pela demandante, ....................., seu funcionário, demonstrou conhecimento dos factos em discussão, mostrando ser credível, expondo que a demandante, através de si e de outros trabalhadores, deslocou-se à residência da demandada, em Vila Verde, tendo realizados vários trabalhos de instalação e manutenção de equipamentos, nomeadamente a nível de máquinas, de sondas de poço, fitas led, tomadas elétricas, antenas, aspiração central, aquecimento, ventilação, transformadores, ar condicionado, lâmpadas, pirilampos, entre outros, que manusearam por toda a propriedade, quer na habitação, quer na casa de sal, alpendre, piscina, jardim, sempre acompanhados da demandada, nas datas constantes das folhas de serviço (juntas aos autos a fls. 242 a 244) elaboradas pelos trabalhadores da demandante e assinadas pela demandada, cujos trabalhos aí discriminados realizados e testados a testemunha confirmou, aludindo ainda a intervenção de uma empresa externa .................... de eletricidade, que interveio a nível do portão exterior da propriedade da demandada, sabendo da existência de reclamação muito posterior aos trabalhos executados, por parte da demandada, estando a seu ver os trabalhos corretamente realizados e acrescentando que um pirilampo teria uma avaria de fábrica, não tendo a demandada dado autorização de entrada na sua propriedade para retificação desse trabalho. Mais acrescentou a testemunha ter a empresa demandante realizados trabalhos anteriores para a demandada, não tendo existido problemas.
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a sua insuficiência ou inexistência.

Fundamentação da Matéria de Direito
A demandante intentou a presente ação peticionando a condenação da demandada no pagamento de materiais e instalação de vários acessórios e equipamentos de ar condicionado, elétricos, de aspiração e outros, constantes da fatura nº 17/330, no montante de €2.430,60, emitida e vencida em 1/8/2017, alegando em sustentação desse pedido a celebração de um contrato misto de compra e venda e prestação de serviços com a demandada, a seu pedido, tendo a demandante fornecido bens e prestado serviços de assistência técnica a equipamentos diversos da demandada, melhor discriminados na fatura de fls. 12 a 14, que até à presente data não foi paga pela demandada.
Estamos, assim, perante a figura jurídica de um contrato misto de compra e venda e prestação de serviços, sendo o contrato de compra e venda, previsto no artigo 874º do Código Civil, segundo o qual se dá a transmissão de propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço. Tal tipo de contrato tem como efeitos essenciais a transmissão da coisa, a obrigação de a entregar e a de pagar o preço respetivo (artigo 879º do Código Civil). O contrato de prestação de serviços, tem previsão no artigo 1154º do Código Civil, que dispõe que “... é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”
Demandante e demandada celebraram entre si uma modalidade do contrato de prestação de serviço, na modalidade de empreitada, comprometendo-se a demandante ao fornecimento de bens e prestação de serviços técnicos a diversos equipamentos, mediante o pagamento pela demandada desses serviços
Estabelece o artigo 1207º do Código Civil que a empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço. Se o direito principal do dono da obra, no caso a demandada, é a execução de determinada obra nos moldes convencionados, concomitantemente a sua obrigação principal consiste no pagamento do preço.
Considerando o que dispõe o artigo 1208º do Código Civil, o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o seu uso ordinário ou previsto no contrato.
A demandada veio contestar a presente ação, expondo que o incumprimento do contratado se deveu à demandante, que não cumpriu integralmente com o acordado, nomeadamente invocando a exceção de não cumprimento do contrato, além de invocar a não discriminação de materiais e serviços faturados pela demandante.
No âmbito dos contratos, dispõe o nº 1 do artigo 406º do Código Civil que, uma vez celebrados os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei, o que reflete o princípio da força vinculativa ou obrigatoriedade dos contratos. Assim, as obrigações contratuais devem ser cumpridas nos exatos termos em que são assumidas e segundo as normas gerais da boa-fé. Sendo que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, devendo as partes reger-se pelo princípio da boa-fé (artigo 762º do Código Civil). Ainda nos termos do artigo 227º, nº 1 do Código Civil, quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na sua formação, proceder segundo as regras de boa-fé, sob pena de ter de responder pelos danos que culposamente causou à outra parte, quer no caso das negociações serem interrompidas, quer no caso do contrato se consumar.
No âmbito da responsabilidade contratual, a lei estabelece uma presunção de culpa do devedor, sobre o qual recai o ónus da prova, isto é o devedor terá que provar que “… a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.” (artigo 799º, nº 1 do Código Civil), sendo que “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.” (artigo 798º do Código Civil).
Dos factos provados resulta que demandante e demandada celebraram o contrato de fornecimento e instalação de vários acessórios em equipamentos, nomeadamente de ar condicionado, eléctricos, de aspiração e outros como melhor discrimina a fatura nº 17/330, de 1/8/2017 (fls. 12 a 14), tendo a demandante entregue e prestado os serviços convencionados à demandada, a seu pedido, e, não tendo esta pago o valor de bens e serviços do montante de €2.430,60.
Resultou ainda provado que tais bens e serviços fornecidos e prestados pela demandante na propriedade da demandada, bem como os trabalhadores utilizados, as horas de trabalho, os materiais usados e as distâncias percorridas, entre outros elementos e menções, constam de 3 folhas de serviços da demandante, assinadas pelas partes, nomeadamente das folhas de serviços nº 14344, datada de 31/8/2016, nº 14468 correspondente ao período de 20 a 26/9/2016 e nº 14471 do período de 28 a 29/9/2016 (vide fls. 242 a 244).
Mais resultou provado que apesar da demandante ter instalado e verificado os bens e serviços em conformidade com o solicitado pela demandada e sempre acompanhada por esta na execução dos trabalhos, nos diversos pontos da propriedade da demandada, disponibilizou-se para voltar à propriedade desta com vista a retificar eventuais pequenos trabalhos, como é o caso de um pirilampo, o que não chegou a acontecer, dado que a demandada não disponibilizou a entrada aos trabalhadores da demandante, com vista a tais retificações finais.
Assim, decorreu da prova produzida que, apesar das diversas insistências com vista a eventual finalização de trabalhos, a demandada não franqueou a sua propriedade à demandante o que inviabilizou qualquer finalização ou correção, pelo que se viu a demandante forçada a emitir fatura objeto dos autos, algum tempo depois, dado ter estado a aguardar marcação com vista a finalizar ou a corrigir eventuais anomalias, o que não chegou a ocorrer por indisponibilidade da demandada, como ficou comprovado nos autos.
Ora, para que a exceção de não cumprimento do contrato invocada pela demandada procedesse teria de ser provada a reciprocidade existente entre a exigência do pagamento da fatura objeto dos autos e a recusa considerada como legitima do seu não pagamento, o que se considera que não se verificou, dado que resultou provado que a demandada reclamou defeitos, não obstante não disponibilizou a sua propriedade para a demandante proceder à verificação e eventual retificação dos mesmos, atendendo à disponibilidade para essa análise demonstrada pela demandante, obstaculizando a demandada o pagamento da fatura dos autos, cujo valor aceita parcialmente, dado que propõe unilateralmente um determinado valor para um pagamento prestacional, não obstante não justificar tal cálculo, admitindo porém dificuldades financeiras e, por outro lado, tendo a demandante emitido a fatura com materiais e serviços discriminados, tal como pretendido pela demandada, o que foi prontamente aceite pela demandante, que discriminou todos os materiais usados, o número de horas de trabalho realizado, o tipo de mão de obra utilizado e os serviços prestados (vide fls. 12 a 14 e comunicações electrónicas de fls. 6 a 11 e 57 a 73).
Daí que a demandada não tenha logrado provar que a falta de pagamento do valor da fatura que lhe é peticionada, tenha qualquer causa justificativa, ao contrário, a demandante fez contraprova da realização de trabalhos e fornecimento de materiais e de disponibilidade para verificação e retificação de eventuais anomalias, que não conseguiu analisar e realizar, por indisponibilidade da demandada.
Daí que a exceção de não cumprimento invocada pela demandada não se verifique, na medida em que é a própria que obstaculiza a verificação e eventual retificação dos trabalhos, dado ter ficado provada a impossibilidade de verificação e retificação de eventuais anomalias, imputável exclusivamente à demandada.
Face ao atrás exposto, conclui-se que é da responsabilidade da demandada o pagamento à demandante do valor total da fatura 17/330, no valor de €2.430,60, relativo a aquisição de artigos e montagem de equipamentos, a que corresponde a fatura de fls. 12 a 14 mencionada, onde estão discriminados os materiais usados, os serviços prestados, a mão-de-obra usada, com a quantidade de horas discriminada e as deslocações realizadas para a casa da demandada, para a realização de trabalhos.
Donde resulta ser a demandada devedora da fatura 17/330, no valor global de €2.430,60.
Quanto aos juros peticionados, constituiu-se a demandada em mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados à demandante (artigo 804º do Código Civil). Tratando-se de obrigações pecuniárias, deverão os juros vencidos ser contabilizados desde a data de vencimento da fatura em 1/8/2017, sobre a quantia de €2.430,60, até integral pagamento. Deste modo, tem a demandante direito a receber juros de mora à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento.

Decisão
Em face do exposto, julgo a presente ação procedente, por provada, e, consequentemente, condeno a demandada ...................................... a pagar à demandante a quantia de €2.430,60 (dois mil quatrocentos e trinta euros e sessenta cêntimos), além de juros de mora à taxa legal de 4%, contabilizados desde a data do vencimento da fatura, até efetivo e integral pagamento.
Custas
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, condeno a demandada .............................. (NIF ......................) no pagamento das custas totais do processo no valor de €70,00 (setenta euros), pelo que tendo pago a taxa de €35,00, deve ainda a demandada proceder ao pagamento dos restantes €35,00 (trinta e cinco euros), no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de €10,00 (dez euros) por cada dia atraso.
Proceda à devolução à demandante da taxa paga de €35,00 (trinta e cinco euros).
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A Sentença (conforme A.O., processada em computador, revista e impressa pela signatária) foi proferida nos termos do artigo 60º da Lei nº 78/2001, com a alteração da Lei 54/2013.
A Sentença agendada para 27/4/2018, pelas 16H30, não esteve disponível por razões de serviço, pelo que é notificada por via postal a partes e mandatários.
Registe.

Julgado de Paz da Trofa, em 27 de abril de 2018
A Juíza de Paz,
(Iria Pinto)