Sentença de Julgado de Paz
Processo: 21/2018-JPLSB
Relator: SOFIA CAMPOS COELHO
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA – FORMA ESCRITA – INDEMNIZAÇÃO
Data da sentença: 01/31/2019
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: Processo n.º 21/2018-JPLSB

Objeto: Contrato de mediação imobiliária – forma escrita – indemnização.

Demandante: A, UNIPESSOAL, LDA.
Mandatário: Sr. Dr. B.
Demandada: C.

RELATÓRIO:
A demandante, devidamente identificada nos autos, intentou contra a demandada, também devidamente identificada nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 14.507,85 (catorze mil quinhentos e sete euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora. Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 6 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese, que no exercício da sua atividade comercial, prestou à demandada os seus serviços no âmbito da venda da fração autónoma designada pelas letras “AX”, correspondente ao ..º andar ..do bloco.. do prédio sito na Avenida …., em Lisboa. Alega que mediante acordo verbal a demandada acordou remunera-la em 3,5% do preço da venda, acrescido de IVA, pelo que lhe é devida a quantia peticionada, que a demandada nunca lhe pagou. Juntou procuração forense e 26 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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Regularmente citada, a demandada, advogada em causa própria, contestou (de fls. 53 e 62 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas), alegando inexistir contrato de mediação, por não conhecer, nem nunca ter conhecido a demandante, com quem nada contratou, contrato que, por lei, tem de ser reduzido a escrito e ter as menções constantes no diploma legal que rege a actividade de mediação imobiliária. Aceita que a fração identificada no requerimento inicial era de sua propriedade e que a vendeu, alegando que celebrou contrato de mediação imobiliária com duas imobiliárias (… e …, não com a demandante. Alega que o comprador da fração é que era cliente da demandante, não a demandada, razão pela qual em visita à fração, a tia do comprovador (residente nos ….) foi visitar a fração, acompanhada do legal representante da demandante, data em que a demandada o conheceu, tendo este alegado ser amigo da tia do comprador e que devido á sua prática no ramo iria ajudar. Alega ainda que foi ela que elaborou o contrato promessa e diligenciou a obtenção de toda a documentação necessária à escritura pública. Juntou 9 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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As partes aderiram à mediação, não tendo logrado alcançar um acordo nesse âmbito. Foi, então, marcada data para realização da audiência de julgamento, tendo as partes, e mandatário, sido devidamente notificados.
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Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, na presença das partes e mandatário, tendo a Juíza de Paz procurado conciliar as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artº 26.º, da LJP, diligência que não foi bem sucedida.
Foi ouvida a parte presente, nos termos do disposto no art.º 57.º da LJP, e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta da respetiva ata, tendo sido ouvidas as testemunhas apresentadas pelas partes.
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Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor de € 14.507,85 (catorze mil quinhentos e sete euros e oitenta e cinco cêntimos).
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem nulidades ou exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 – Em 13 de outubro de 2017 a demandada vendeu a D. venda a fração autónoma designada pelas letras “AX”, correspondente ao … andar … do bloco… do prédio sito na Avenida ….e Rua …. em Lisboa, pelo preço de € 337.000 (trezentos e trinta e sete mil euros), constando da escritura que o ato não teve mediação imobiliária – (Doc. fls. 7 e seguintes).
2 – Demandada e D. e mulher tinham já, em13 de agosto de 2017 celebrado contrato promessa de compra e venda que tinha por objecto a fração identificada no número anterior (cfr. Doc. de fls. 15 a 19 dos autos).
3 – Dão-se aqui por integralmente reproduzidas as comunicações eletrónicas trocadas entre demandante e D, ou sua mulher, de fls. 20 a 26, 30, 32 e 33 dos autos, referentes ao negócio em apreço, das quais não resulta que a demandante esteja a mediar o negócio em representação da demandada.
4 – Dão-se aqui por integralmente reproduzidas as comunicações eletrónicas trocadas entre demandante e demandada de fls. 27 a 29, 31, 34 a 36, 39 a 43 e 76 a 80 dos autos, referentes ao negócio em apreço, das quais não resulta que a demandante esteja a mediar o negócio em representação da demandada.
5 – Dão-se aqui por integralmente reproduzidas as comunicações eletrónicas trocadas entre demandante e E., da F, a fls. 37 e 38 dos autos, relativa às diligências/formalidades a realizar no âmbito do mútuo contraído pelo comprador do imóvel a essa instituição bancária.
6 – Dão-se aqui por integralmente reproduzidas as comunicações eletrónicas trocadas entre demandada e a … Portugal, empresa de mediação imobiliária, de fls. 63 a 71 dos autos, relativa a diligências de mediação na venda da fração identificada no nº. 1 supra.
7 – Dão-se aqui por integralmente reproduzidas as comunicações eletrónicas trocadas entre demandada e a … empresa de mediação imobiliária, de fls. 72 a 75 dos autos, relativa a diligências de mediação na venda da fração identificada no nº. 1 supra.
8 – Dá-se aqui por integralmente reproduzido o rascunho da comunicação electrónica a fls. 81 e 82 dos autos emitida pela demandada, desconhecendo-se se foi expedida.
Não ficou provado:
Não se provaram mais nenhum facto alegado pelas partes, com interesse para a decisão da causa, designadamente:
1 Demandante e demandada acordaram verbalmente a mediação da primeira na venda da fração identificada em nº 1 de factos provados.
2 Demandante e demandada acordaram, verbalmente, que a remuneração da primeira seria 3,5% do preço da venda, acrescido de IVA.
3 Quem elaborou o contrato promessa de compra e venda de fls. 15 a 19 dos autos.
Motivação da matéria de facto:
Para fixação da matéria fática dada como provada concorreram os factos admitidos, os documentos juntos aos autos e o depoimento das testemunhas apresentadas pelas partes.
Quanto à testemunha apresentada pela parte demandante (testemunha que prestou depoimento de modo seguro e convincente, demonstrando ter conhecimento directo dos factos sobre os quais depunha e explicando a sua razão de ciência) disse que foi o seu sobrinho que comprou a casa à demandada e foi ela que a foi visitar a casa em companhia do Sr. G., legal representante da demandante tendo dito que tinha a ideia que nessa altura a demandada e o Sr. G. não se conheciam. Disse que negociou com a demandante para a compra da casa para o seu sobrinho que se encontrava no estrangeiro. À pergunta da Juíza de Paz se sabe se demandante e demandada acordaram a mediação dessa compra e venda e respetivos termos disse não saber. Acrescentando saber que celebrou com o seu sobrinho a venda de um imóvel e, de seguida, a compra de outro, ou seja, a compra em apreço nestes autos.
Não foram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes, dada a ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao tribunal aferir da veracidade desses factos, após a análise dos documentos juntos aos autos e da audição das partes e testemunhas.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO
O caso em apreço é revelador do espírito de litigância que ainda impera nas relações sociais, avessas à conciliação como modo de resolução amigável dos conflitos. No caso era essa a via indicada para que a justiça fosse feita. Contudo, uma vez que as partes não perfilharam esse caminho há que apreciar a questão que nos é colocada sob o prisma da legalidade. E, neste prisma, não basta alegar: é preciso provar.
Debruçando-nos, assim, nesse prisma, sobre o caso em juízo.
Com a presente ação pretende a demandante que a demandada seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 14.507,85 (catorze mil quinhentos e sete euros e oitenta e cinco cêntimos), correspondente ao valor da retribuição que acordou para negócio imobiliário que medicou. Assim, intenta a presente ação fundamentando o seu pedido na responsabilidade contratual, derivada de um contrato de mediação imobiliária que celebrou com a demandada, desde logo alegando, e aceitando, que tal contrato foi celebrado sob a forma verbal.
O contrato de mediação imobiliária, tal como se encontra regulamentado pela Lei n.º 15/03, de 28 de fevereiro, está sujeito à forma escrita, conforme estipula o n.º 1 do art.º 16.º dessa Lei, e tem a menção obrigatória das especificações legalmente previstas no n.º 2 desse artigo (entre as quais avulta o estabelecimento contratual das condições de remuneração do mediador, nomeadamente o montante, percentagem e forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável), prescrevendo-se ainda que o incumprimento de tais exigências de forma gera a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação (cfr. n.º 5 do mesmo artigo), o que se justifica por a imposição dessa forma contratual ter sido estabelecida predominantemente no interesse da parte que contrata com esta. Acresce ainda que a jurisprudência e doutrina são unanimes em considerar que essa nulidade não pode ser oficiosamente conhecida; tem de ser invocada pelo cliente.
Analisada a contestação, temos de concluir que embora a demandada tenha alegado que o contrato não observou a forma escrita, em violação da forma legal prescrita, em momento algum invoca a nulidade do contrato por falta de forma, o que é percetível já que alega nada ter acordado com a demandante, nem sequer verbalmente, ou seja, não ter celebrado qualquer contrato de mediação mobiliária.
Por outro lado, e assentando a pretensão da demandante na celebração contrato de mediação imobiliária verbal, aceitando o desrespeito da forma legalmente imposta, a admissibilidade de declaração tácita por parte de algum dos contraentes depende, não apenas da concludência dos comportamentos ou condutas materiais, mas também da circunstância de os factos em que se corporizam tais comportamentos terem algum suporte em documento escrito. E, da análise desses vários documentos, de nenhum se pode concluir a celebração de um contrato de mediação imobiliária entre demandante e demandada, sendo certo que da prova testemunhal apresentada (e referimo-nos à apesentada pela demandante) ficámos convictos que a demandante celebrou, e acordou, a prestação de serviços ao comprador do imóvel, não à vendedora, ora demandante.
E não se tendo provado qualquer convenção das partes acerca da prestação de serviços, muito menos ficou apurada uma pretensa remuneração, sobre a qual a demandante não apresentou a este tribunal qualquer prova, já que dos documentos juntos aos autos nada resulta sobre este facto e a testemunha que apresentou foi perentória ao afirmar desconhecer se as ora partes tenham celebrado qualquer contrato, bem como os termos do mesmo.
E perante tal insuficiência da factualidade constitutiva do direito alegado, integradora da causa de pedir, quanto à celebração do alegado contrato, e consequentemente quanto à remuneração acordada, a sorte da presente ação terá de ser a sua improcedência.
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DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada e, consequentemente, absolvo a demandada do pedido.
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CUSTAS
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, declaro a demandante parte vencida, indo condenada no pagamento das custas processuais, pelo que deverá proceder ao pagamento dos € 35 (trinta e cinco euros) em falta, neste Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis a contar da data de notificação da presente decisão, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10 (dez euros) por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no número 9 da mesma portaria, em relação à demandada. Decorridos vinte dias sobre o termo do prazo acima concedido, sem que se mostre efetuado o pagamento das custas, emita-se a respetiva certidão para efeitos de execução por falta de pagamento de custas, e remeta-se aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo Local Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa, pelo valor das custas em dívida, acrescidas da respetiva multa, com o limite previsto no n.º 10 da citada Portaria.
Após trânsito, e encontrando-se integralmente pagas as respetivas custas processuais, arquivem-se os autos.
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A presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária - artº 18º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho) foi proferida e notificada às partes e mandatário, nos termos do artigo 60º, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, que ficaram cientes de tudo quanto antecede.
Registe.
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Julgado de Paz de Lisboa, 31 de janeiro de 2019
A Juíza de Paz,

(Sofia Campos Coelho)