Sentença de Julgado de Paz
Processo: 277/2018-JPFNC
Relator: CARLOS FERREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DERIVADA DA COMPRA E VENDA DE BENS DE CONSUMO
POR DESCONFORMIDADE DO OBJETO DO CONTRATO - DEFEITO DE EQUIPAMENTO
Data da sentença: 02/01/2019
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral: Processo n.º 277/2018-JPFNC
Sentença
Relatório:
A, melhor identificado a fls. 1, intentou contra B – Equipamentos para o Lar, SA, também melhor identificada a fls. 1, a presente ação declarativa de condenação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 1 a 6, dos autos, que aqui se declara integralmente reproduzido, peticionando a condenação da Demandada a pagar-lhe a quantia global de €4.328,00 (quatro mil trezentos e vinte e oito euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Para tanto alegou, em síntese que, no dia 2 de maio de 2017, comprou no estabelecimento comercial da Demandada, sito no Funchal, um esquentador pelo preço de €146,89 (cento e quarenta e seis euros e oitenta e nove cêntimos), que pagou no ato. O referido esquentador foi entregue e instalado na morada do Demandante, no dia 8 de maio de 2017.
No dia seguinte, o referido esquentador quase explodiu, e rebentou um cano de água que provocou uma inundação do apartamento. O Demandante procedeu por sua conta à substituição do referido tubo, suportando o respetivo custo no montante de €105,35 (cento e cinco euros e trinta e cinco cêntimos).
A única explicação que o Demandante encontra para o sucedido reside num defeito de fabrico do aparelho, ou mau manuseamento pelo técnico que procedeu à instalação, ou deficiente informação no livro de instruções do fabricante.
Apesar de ter havido alguma demora na análise da situação, a Demandada aceitou a reclamação apresentada pelo Demandante e devolveu o valor correspondente ao preço do esquentador acima referido.
O Demandante optou por adquirir outro modelo de esquentador, pelo qual pagou a quantia de €223,00 (duzentos e vinte e três euros).
A avaria que provocou os danos colocou em risco de vida do Demandante e das restantes pessoas que residem no apartamento, que também poderia ter ficado muito danificado se o aparelho não tivesse sido desligado pelo Demandante a tempo de evitar tais danos.
No entanto, a Demandada não aceita o pedido de indemnização para além do valor do preço que já restituiu, alegando que o equipamento foi mal manuseado pelo Demandante.
Juntou 5 documentos.
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Tramitação: ---
Regularmente citada, a Demandada apresentou contestação de fls. 18 a 21, dos autos, que aqui se declara integralmente reproduzida.
Por impugnação a Demandada, alegou sucintamente que, rejeita que o aparelho tivesse uma avaria ou defeito de fabrico, devendo-se os factos a causas externas, alheias à Demandada. -
De facto o técnico detetou uma alteração na válvula de pressão, que fazia um “ruído”, tendo recomendado a instalação de uma válvula redutora de pressão, a colocar à entrada da instalação da rede.
Que, o Demandante contratou um canalizador para efetuar a colocação da referida válvula. O referido técnico deixou o aparelho desligado enquanto foi comprar o material necessário para a colocação da válvula, mas quando voltou ao local verificou que o aparelho tinha sido ligado para utilização pelo Demandante.
Após ter sido feita a substituição do tubo danificado, foi chamado o técnico da Demandada para colocar o aparelho em funcionamento.
O referido técnico verificou antecipadamente a pressão da rede, e confirmou que a mesma estava dentro dos valores normais, isto é entre 2,5 e 3 Bar.
Logo depois de ter colocado o referido aparelho em funcionamento, a pressão começou a subir até aos 7 Bar, pelo que, o técnico ao serviço da Demandada colocou o aparelho fora de serviço e recomendou ao Demandante o acionamento da garantia junto dos serviços daquela.
A Demandada assumiu a troca do aparelho por razões de satisfação do cliente, mas declina a responsabilidade pelos danos reclamados na presente ação, porque o cliente mexeu e colocou o aparelho em funcionamento, à revelia das recomendações técnicas, o que causou os danos.
Juntou procuração forense.
Aberta a audiência e estando todos presentes, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP).
Foi feito o esforço necessário e na medida em que se mostrou adequado, para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no art.º 2.º, e n.º 1, do art.º 26.º, ambos da LJP, o que não logrou conseguir-se.
Frustrada a tentativa de conciliação, prosseguiu a realização da audiência de julgamento com a observância das normas de processo, como resulta documentado na respetiva ata. (Fls. 37 e 38, dos autos).
Na audiência foi admitida a junção do documento a fls. 39, conforme requerido pelo Demandante.
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Valor: atribuo à causa o valor de €4.328,00 (quatro mil trezentos e vinte e oito euros). Cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 2; e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi, art.º 63.º da LJP.
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Questões a decidir:
Na presente ação o objeto do processo é delimitado pela causa de pedir e pelo pedido, pelo que, as questões a decidir são as seguintes:
Se o Demandante sofreu os danos reclamados devido a desconformidade do aparelho adquirido à Demandada; e na positiva, se esta é responsável por indemnizar tais danos.
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Saneamento:
Estão reunidos os pressupostos da estabilidade da instância.
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa.
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Nos termos do art.º 60.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 78/2001, de 13/07, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP), a sentença inclui uma sucinta fundamentação.
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Fundamentação – Matéria de Facto:
Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que:
1. No dia 2 de maio de 2017, o Demandante comprou no estabelecimento comercial da Demandada, sito no Funchal, um termoacumulador pelo preço de €146,89 (cento e quarenta e seis euros e oitenta e nove cêntimos). Cfr., fls. 7;
2. O Demandante pagou o referido preço na data mencionada no número anterior. (Idem);
3. O referido termoacumulador foi entregue e instalado na morada do Demandante, em data não concretamente apurada, mas antes do dia 17 de maio de 2017. Cfr., fls. 10 e 11);
4. A instalação do aparelho foi efetuada por um técnico ao serviço da Demandada. Cf. doc. 11;
5. No momento da instalação do aparelho o técnico ao serviço da Demandada detetou uma alteração na válvula de pressão do aparelho, que fazia um “ruído”;
6. O técnico da Demandada deixou o aparelho ligado para o aquecimento inicial;
7. O referido técnico verificou que a válvula de retenção de não retorno fazia um pingo;
8. Na data da instalação, o técnico da Demandada recomendou ao Demandante que procedesse à instalação de uma válvula de redução da pressão da água, a colocar à entrada da instalação da rede. (Cfr. fls. 11);
9. O Demandante contratou a instalação da válvula redutora de pressão;
10. O referido aparelho sobreaqueceu;
11. Com o sobreaquecimento o termoacumulador rebentou um cano de água da residência do Demandante;
12. O referido rebentamento do cano provocou o derramamento de água no pavimento da residência do Demandante;
13. Em 17 de maio de 2017, o Demandante procedeu por sua conta à substituição do referido tubo;
14. O Demandante suportou o custo respeitante à substituição do referido tubo, no montante de €105,35 (cento e cinco euros e trinta e cinco cêntimos). Cfr., fls. 8;
15. Após ter sido feita a substituição do tubo danificado, foi chamado o técnico da Demandada para colocar o aparelho em funcionamento.
16. O referido técnico verificou antecipadamente a pressão da rede, e confirmou que a mesma estava dentro dos valores normais, isto é, entre 2,5 e 3 Bar. Cfr., Fls. 11;
17. Logo depois de ter colocado o referido aparelho em funcionamento, a pressão indicada no manómetro começou a subir até aos 7 Bar. Cfr., fls. 11;
18. Face ao referido valor de pressão de água, o técnico da Demandada desligou o aparelho e deixou-o fora de serviço. Cfr., fls. 11;
19. Na mesma data, o técnico da Demandada recomendou ao Demandante o acionamento da garantia junto dos serviços da Demandada.
20. No dia 5 de junho de 2017, o Demandante apresentou reclamação escrita, registada no Livro de Reclamações do estabelecimento comercial da Demandada. Cfr., fls. 10;
21. Em 12 de junho de 2017, a Demandada enviou ao Serviço da Defesa do Consumidor, a sua resposta à reclamação escrita apresentada pelo Demandante. Cfr., fls. 11;
22. Em 14 de junho de 2017, a Demandada remeteu ao Demandante a sua resposta à reclamação apresentada por este. Cfr., fls. 39;
23. Na referida resposta o departamento de assistência técnica da Demandada, admite que foram detetados problemas na válvula de retenção do aparelho em causa nos autos. (Idem);
24. Ainda no mesmo documento, a Demandada confirmou e admitiu que o aparelho apresentava uma avaria. Cfr. fls. 39;
25. Face à avaria detetada, a Demandada aceitou a reclamação apresentada pelo Demandante e devolveu o valor correspondente ao preço do aparelho acima referido. (Idem);
26. A Demandada declinou a responsabilidade por outros danos. (Idem);
27. A Demandada é uma sociedade comercial que se dedica à venda de equipamentos para o lar. Cfr. fls. 41;
28. O Demandante adquiriu o termoacumulador para seu uso particular;
29. No dia 31 de maio de 2017, o Demandante adquiriu à Demandada outro aparelho, de modelo diferente do acima referido, pelo qual pagou o excedente do preço, na quantia €223,00 (duzentos e vinte e três euros). Cfr., fls. 9.
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Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, que:
i) O canalizador contratado pelo Demandante deixou o aparelho desligado enquanto foi comprar o material necessário para a colocação da válvula;
ii) Quando regressou ao local o referido canalizador verificou que o aparelho tinha sido ligado para utilização pelo Demandante;
iii) O Demandante mexeu e colocou o aparelho em funcionamento, à revelia das recomendações técnicas;
iv) O aparelho avariou em consequência de mau manuseamento imputável ao Demandante;
v) O aparelho quase explodiu;
vi) O aparelho tinha vestígios de mau manuseamento;
vii) Ao adquirir outro aparelho de modelo diferente o Demandante ficou prejudicado no montante de €223,00 (duzentos e vinte e três euros);
viii) A avaria que provocou os danos colocou em risco de vida o Demandante e as restantes pessoas que residem no apartamento;
ix) O derramamento de água no pavimento da residência do Demandante provocou danos;
x) O Demandante sofreu danos não patrimoniais em virtude dos factos constantes dos autos.
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Motivação da Matéria de Facto:
Os factos provados resultaram da conjugação das declarações de parte, dos documentos constantes dos autos, os quais não foram impugnados por qualquer das partes, e do depoimento testemunhal prestado em sede de audiência de julgamento.
Consideram-se provados por confissão da Demandada os factos respeitantes aos números 5 e 19.
Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, do CPC, aplicável ex vi, art.º 63.º, da LJP, consideram-se admitidos por acordo o facto constante no número 1, que constitui matéria assente.
Pela prova documental consideram-se provados os factos correspondentes aos números 2 a 4; 14; 16 a 19; 11 a 20 e 40;
A restante matéria, em especial a constante dos números 9 a 13; 15 e 28, resulta provada pela análise conjunta da prova, tendo em conta os dados da experiência de senso comum e as características próprias a relação jurídica estabelecida e vivenciada pelas partes.
A testemunha Henrique Correia depôs sobre a matéria constate nos números 6 e 7, com isenção e afirmando razão de ciência, pelo que, mereceu credibilidade nesta parte.
A testemunha do Demandante é sua companheira, e apesar de ter um testemunho que pode ser considerado isento, não demonstrou objetividade relativamente aos factos, afirmando não se lembrar das datas, e para além de ter confirmado o derramamento de água, por rebentamento de um tubo ligado ao aparelho, devido ao sobreaquecimento deste, não concretizou qual foi o tubo danificado e outros danos na fração.
Os factos não provados resultam da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos.
Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados ou dos depoimentos das testemunhas com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito.
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Fundamentação – Matéria de Direito:
A causa de pedir na presente ação respeita ao alegado vício existente no termoacumulador adquirido pelo Demandante à Demandada, que após a respetiva instalação avariou, tendo causado os danos peticionados.
Esta matéria remete-nos para a temática da responsabilidade contratual derivada da compra e venda de bens de consumo, por desconformidade do objeto do contrato celebrado entre as partes.
Sendo assim, a causa é enquadrável nas alíneas h), e i), do, n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP).
Dos pedidos deduzidos pelo Demandante extrai-se que, para além do mais, pretende a condenação da Demandada a pagar-lhe a quantia global de €4.328,00 (quatro mil trezentos e vinte e oito euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, sendo a quantia de €328,00 (trezentos e vinte e oito euros), a título de danos patrimoniais; e a quantia de €4.000,00 (quatro mil euros), a título de danos não patrimoniais.
Vejamos se lhe assiste razão:
Atendendo aos factos provados, na presente ação, estamos perante o fornecimento de um bem móvel para consumo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 202.º a 206.º, do Código Civil (CC); artigos 2.º, 4.º e 12.º, da Lei da Defesa do Consumidor, abreviadamente LDC (redação atualizada da Lei n.º 24/96, de 31/06); e artigos, 1.º a 10.º, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21/05, que regulamenta a Venda de Bens de Consumo, adiante designado, abreviadamente, por VBC.
Desde já, convém ter presente que, nos termos do n.º 2, do art.º 1.º-A, do VBC, o respetivo regime jurídico é aplicável para além da compra e venda, em sentido estrito, ficando abrangidos os contratos de empreitada ou de prestação de serviço, pelos quais seja fornecido um bem de consumo, incluindo a locação.
No gozo e pleno exercício da respetiva liberdade contratual, as partes celebraram um contrato, pelo qual, a referida aquisição incluiu a instalação do aparelho na residência do Demandante, por técnico ao serviço da Demandada.
Deste modo, a compra e venda de bens de consumo em causa nos presentes autos engloba a prestação de serviço, para instalação do bem no domicílio do comprador.
Efetivamente, no art.º 874.º, do Código Civil (CC), a lei dá a noção de compra e venda como “o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”. (Cfr. art.º 874.º, do CC).
E, também, a noção do contrato de prestação de serviço é revelada pela lei, como “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.” (Cfr., artigo 1154.º, do CC).
Deste modo, a referência à compra e venda feita adiante, na presente sentença, resulta de mera comodidade de exposição, devendo considerar-se a total abrangência de aplicação do referido regime legal da Venda de Bens de Consumo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21/05, no qual, os factos provados são subsumíveis, englobando a prestação de serviços convencionada pelas partes.
A característica fundamental da venda (fornecimento) de bens de consumo reside na verificação de dois pressupostos: o primeiro, de natureza subjetiva, atinente à específica qualidade de cada uma das partes contratantes, em que o vendedor (fornecedor) é, necessariamente, um profissional, e por sua vez, o consumidor (adquirente) é uma pessoa particular, que atua no âmbito da satisfação de necessidades pessoais; e um segundo pressuposto, de natureza objetiva, relativamente à afetação do objeto mediato do contrato (bem de consumo), cuja aquisição está predestinada ao uso não profissional do adquirente.
Assim, acontece no caso sub judice, uma vez que, ficou provado que o Demandante adquiriu o termoacumulador identificado nos autos para seu uso particular à Demandada, tendo esta como escopo social, entre muitos outros, a venda a retalho de equipamentos para o lar e prestação de serviços conexos. Cfr. fls. 41.
Por sua vez, o art.º 4º, da LCD, dispõe que, “Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor”.
Do regime jurídico acima referido resultam determinados direitos gerais dos consumidores, sendo que, além de outros, o consumidor tem o direito à qualidade dos bens ou dos serviços e o direito à prevenção e à reparação dos prejuízos, quando o bem ou o serviço esteja em desconformidade com as normas legais aplicáveis, ou legítimas expectativas do consumidor (Cf., artigos 12.º e 4.º, ambos da LCD).
Resulta provado que, no dia 2 de maio de 2017, o Demandante realizou a compra do equipamento identificado nos autos, e que a Demandada aceitou proceder à entrega e instalação do mesmo bem na residência daquele.
O certo é que, na data em que se concretizou a entrega com instalação do aparelho, o mesmo evidenciou desconformidades, que originaram uma reclamação, por parte do Demandante.
Ora, a referida reclamação depois de analisada pelos serviços da Demandada, foi aceite, tendo sido restituído o valor do preço ao Demandante.
Assim, não só a lei presume, como efetivamente resulta da prova efetuada nos autos que, no momento da entrega do bem o mesmo tinha defeito, e não estava em conformidade com o contrato, nem com as legítimas expectativas do Demandante. Cfr., art.º 2.º, e art.º 3.º, n.º 2, da VBC (Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21/05).
Por outro lado, também a lei presume que, os defeitos verificados no bem resultam de culpa exclusiva da Demandada, e não foi feita qualquer prova em contrário para ilidir essa presunção legal, sendo certo que, o respetivo ónus incumbia à Demandada. (cfr., art.º 799.º, n.º 1, do CC).
Deste modo, podemos afirmar, desde já, a desconformidade do termoacumulador, objeto mediato do contrato de fornecimento de bens de consumo celebrado entre as partes.
De facto, o que consta no documento a fls. 11, relativamente a mau uso do aparelho pelo Demandante não resultou provado nos autos.
O que foi afirmado e confirmado pela testemunha da Demandada, é que a válvula de pressão do aparelho evidenciou problemas desde o início. Por outro lado, também resultou provado que o Demandante seguiu a recomendação que lhe foi sugerida para instalar uma válvula de redução da pressão, na sua instalação de rede; mas, mesmo assim, o aparelho continuou a registar problemas de funcionamento com origem no excesso de pressão.
Ora, o mau uso por parte do Demandante não foi devidamente provado, incumbindo o respetivo ónus à Demandada. (Cfr. art.º 342.º, do CC).
De facto, o documento junto a fls., 39, da autoria da Demandada refere vestígios de mau uso, sem especificar quais, e qual o respetivo nexo de causalidade com os danos.
Pela prova produzida nos autos, verifica-se que foi devidamente efetuado o acionamento da garantia pelo Demandante, que logrou provar, como lhe competia, que denunciou os defeitos à Demandada, de forma tempestiva e eficaz, para que a mesma procedesse à eliminação dos defeitos verificados no bem adquirido.
Efetivamente, a falta de conformidade do bem, no caso de bens móveis, deve ser denunciada no prazo de dois meses. (Cfr., n.º 2, do art.º 5.º-A, VBC).
Ora, a Demandada validou expressamente a avaria verificada no aparelho. Cfr., fls. 39.
Nestes termos, o Demandante provou - como tinha de provar -, que denunciou oportunamente as desconformidades existentes no termoacumulador, e deu a devida oportunidade à Demandada, para que esta pudesse agir em consonância com as obrigações decorrentes da garantia a que se encontra legalmente obrigada.
Também ficou provado que, a Demandada, na sequência da denúncia do defeito e da reclamação das desconformidades identificadas pelo Demandante aceitou a resolução do contrato, sendo essa uma das opções do consumidor, nos termos do disposto no art.º 4.º, n.º 1, do referido regime da VBC. (Cfr., Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21/05).
Assim, tendo em conta que ficou provado que a Demandada restituiu o valor do preço ao Demandante, a situação ficou regularizada, e justamente por isso, não foi peticionada nos autos a indemnização do dano correspondente ao preço do aparelho. ---
Aliás, aquilo que o Demandante reclama nos autos, a título de danos patrimoniais, são duas verbas distintas. Por um lado, o Demandante reclama a quantia de €105,35 (cento e cinco euros e trinta e cinco cêntimos), respeitante ao tubo da canalização da fração do Demandante que rebentou e teve de ser substituído por sobreaquecimento do aparelho.
Ora, a este respeito vigora o art.º 12.º, da LDC, que atribui ao consumidor o direito à reparação dos danos.
Resulta da matéria provada que existe nexo de causalidade adequada entre o referido dano e a avaria do aparelho, no sentido em que, o tubo da água rebentou devido ao sobreaquecimento provocado pela referida avaria.
Assim, tendo sido assumida a avaria do aparelho pela Demandada, ficou esvaziada a questão do mau uso pelo Demandante que possa ter estado na origem dessa mesma avaria.
Deste modo, atenta a presunção legal de culpa, que decorre do 799.º, do CC, a qual não foi ilidida e abrange a ilicitude do facto, bem como, a verificação do dano e do respetivo nexo de causalidade adequada, estão reunidos os pressupostos da obrigação de indemnizar, devendo a Demandada repor a situação que existiria se a lesão não tivesse ocorrido, o que no caso dos autos, implica o pagamento da reparação do referido tubo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 798.º, 562.º; 563.º; 564.º e 566.º, todos do CC.
Assim, a ação deve ser procedente relativamente à quantia de €105,35 (cento e cinco euros e trinta e cinco cêntimos).
Relativamente ao restante valor reclamado a título de danos patrimoniais, isto é, a quantia de €223,00 (duzentos e vinte e três euros), que o Demandante pagou para aquisição de outro aparelho, não se pode considerar que há prejuízo correspondente a este pedido, já que, o Demandante optou livremente por comprar outro aparelho de valor mais elevado, e a atribuição da indemnização peticionada constituiria uma forma de enriquecimento sem causa, que não é permitida, nos termos do art.º 473.º, do CC.
Assim, a ação deve improceder relativamente a esta parte do pedido.
Relativamente ao pedido de condenação da Demandada ao pagamento do montante de €4.000,00 (quatro mil euros), por danos não patrimoniais, cumpre ter em consideração o disposto no art.º496.º, que restringe a tutela do direito aos danos que, pela sua gravidade não possam ser tolerados, impondo-se a respetiva compensação ao lesado.
Ora, a este respeito, nada foi provado, ou mesmo alegado.
Efetivamente, o receio pela vida pode ser um dano moral tutelado em certas situações, mas não no caso dos autos, em que tal receio apenas foi vivenciado pelo Demandante como uma virtualidade meramente hipotética e sem qualquer concretização fática.
Pelo que, o pedido deve improceder nesta parte.
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DECISÃO
Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada, e consequentemente, condeno a demandada B – Equipamentos para o Lar, SA, a pagar ao demandante Bryan Murphy, a quantia de €105,35 (cento e cinco euros e trinta e cinco cêntimos).
Mais decido absolver a Demandada do restante peticionado nos presentes autos.
Custas:
Na proporção do decaimento, que fixo em 2% para a Demandada, e 98% para o Demandante. (Cfr., art.º 527.º, n.º 2, e 607.º, n.º 6, ambos do CPC, aplicáveis, ex vi, art.º 63.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 – de harmonia com o disposto no art.º 10.º, do Código Civil, por omissão da Portaria n.º 1456/2001, de 28/12, na redação dada pela Portaria n.º 209/2005 e de 24/02, que regula as custas nos Julgados de Paz).
Para os efeitos previstos na Portaria n.º 1456/2001, de 28/10, alterada pela Portaria n.º 209/2005 de 24/02, declaro o Demandante responsável pelo pagamento do valor correspondente ao respetivo decaimento, relativamente ao montante da taxa única de justiça. (Cfr., art.º 1.º, do referido diploma legal).
Nestes termos, o Demandante deverá proceder ao pagamento do valor em falta, a título de segunda parcela da referida taxa única, no prazo máximo de três dias úteis a contar da notificação da presente sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária, no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da referida obrigação. Cfr., artigos 1.º, e 10.º, da Portaria 1456/2001, de 28/12.
Cumpra-se o disposto no art.º 9.º, da citada Portaria 1456/2001, de 28/12, relativamente à Demandada, com a redução resultante da proporção do respetivo decaimento.
Notifique e registe.
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Julgado de Paz do Funchal, em 1 de fevereiro de 2019

O Juiz de Paz

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Carlos Ferreira