Sentença de Julgado de Paz
Processo: 24/2014-JP
Relator: ELISA FLORES
Descritores: CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES
Data da sentença: 06/24/2014
Julgado de Paz de : CARREGAL DO SAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA
RELATÓRIO
A, propôs contra B,a presente ação declarativa, enquadrada na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, pedindo que esta seja condenada a reembolsá-loda importância de € 1.979,56, correspondente ao valor pago na Segurança Social pelo demandante, mais as despesas de € 175,00 a título de despesas; Proceder à regularização da situação contributiva do demandante, conforme era sua obrigação;Proceder ao pagamento de todas as liquidações que se encontrarem pendentes, € 472,22, por conta dos pagamentos contributivos que se acham em falta, caso não seja aceite a prescrição.
Para o efeito, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 3a 6e juntou 9 documentos, que aqui se dão por reproduzidos. Em Audiência de Julgamento apresentou uma testemunha.
A demandada, regular e pessoalmente citada, não apresentou contestação mas compareceu à Audiência de Julgamento onde juntou um documento. Não apresentou prova testemunhal.
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados os seguintes factos:
1.º- A demandada dedica-se à prestação de serviços de contabilidade e consultoria de apoio e gestão de empresas e particulares;
2.º- Desde há vários anos que vinha fazendo a contabilidade do demandante;
3.º- No âmbito desta relação contratual, o demandante, procedia à entrega à demandada, de um cheque contendo o valor da contribuição para a Segurança Social, para que a sua responsável efetuasse a entrega;
4.º- Alguns cheques eram emitidos à ordem do IGF e outros àordem da demandada em valores que se destinavam ao pagamento dos seus honorários, à Segurança Social e outros;
5.º-Tais cheques eram entregues pelo demandante à demandada no escritório desta, sito em x, ou no próprio Estabelecimento Comercial;
6.º- Os cheques emitidos à Ordem do IGF foram todos entregues no Instituto da Segurança Social;
7.º- A demandada, por vezes, procedia tardiamente ao pagamento das contribuições e, por vezes, entregava duas no mesmo mês;
8.º-E, quando se verificava o pagamento tardio, pelo menos algumas vezes, a Segurança Social atribuía os valores pagos a meses anteriores em falta, ficando a descoberto aqueles em que foi feito o pagamento;
9.º-Do mesmo modo, quando os pagamentos eram feitos em duplicado num determinado mês, a Segurança Social atribuía os valores pagos (total ou parcialmente) a meses anteriores em falta;
10.º-Embora o demandante sempre tenha feito entrega à demandada dos valores das contribuições, foi notificado, pela Segurança Social, que estava em falta o pagamento das contribuições de vários meses de diferentes anos;
11.º- Assim, em 25/06/2013 o Instituto da Segurança Social, IP, declarou que o demandante devia à Segurança Social a importância de €2 262,28, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal em vigor;
12º.- Em 26/09/2013 foi-lhe emitido um Documento Único de Cobrança pela Secção de Processo Executivo de Viseu, na importância global de 1.520, 81, referindo-se a juros de mora e contribuições, estasrelativas aos seguintes meses, segundo o documento: 2009/05; 2010/01;
-2010/03;
-2010/05;
-2010/08;
-2010/11; e,
-2011/09;
13.º-E em 19/11/2013o Instituto da Segurança Social exigiu ainda o pagamento da importância de 458,75, e que, segundo o documento, é relativa a contribuições (sem juros) de:
- 2006/02;
- 2006/04;
-2011/12;
- 2012/02;
14.º-Importâncias que importam no valor total de € 1 979,56, que o demandante pagou, sob pena de execução;
15.º-Relativamente ao valor da diferença entre o montante da Declaração da Segurança Social indicado supra e estas duas importâncias pagas, deve-se ao facto do demandante ter requerido a prescrição, que foi aceite;
16.º-Ora, porque sempre tinha entregadoà demandada, todos os montantes que lhe eram exigidos, o demandante reportou-lhe as irregularidades verificadas no pagamento das contribuições à Segurança Social, interpelando-a para que esclarecesse a situação, e a regularizasse;
17.º- Apesar disto, a demandada não resolveu esta situação;
18.º- O demandado, por diversas vezes, tentou contatar com a demandada de modo a esclarecer-se da melhor forma a proceder, nomeadamente, pedindo-lhe comprovativos de que havia efetuado os pagamentos das contribuições, todavia, sem sucesso.
Motivação dos factos provados:
A factualidade dada como provada resultou da conjugação dos documentos juntos aos autos durante a fase de Tentativa de Conciliação, onde se revelaram necessários, e que, embora impugnados foram corroborados pelas declarações do demandante e ou da representante legal da demandada, das mesmas declarações e da prova testemunhal, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil (CPC) e no artigo 396º do Código Civil (doravante designado simplesmente C.Civ).
De facto, o depoimento da esposa do demandante, única testemunha apresentada na Audiência de Julgamento, apesar de ter de ser ponderado com reserva, atendendo a este facto, ao natural interesse na causa, e à emotividade demonstrada, teve relevância porque depôs sobre factos de que tinha conhecimento direto.
Mais foram tidos em conta, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do CPC, factos instrumentais e factos que complementam ou concretizam os que as partes alegaram e resultaram da instrução e discussão da causa.
Factos não provados e respetiva motivação:
Não ficaram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes por ausência ou insuficiência de mobilidade probatória, nomeadamente que o demandante tenha despendido em deslocações e documentação o valor de 175,00€;
Fundamentação de direito:
Entre o demandante e a demandada foi celebradoum contrato de prestação de serviços, previsto e regulado nos artigos 1154º e seg.s do Código Civil (doravante simplesmente designado C. Civ.), através do qual a demandada se comprometeu a prestar serviços de contabilidade, mediante uma retribuição [cf. ainda alínea b) do artigo 1167º por força do disposto no artigo 1156º, ambos do C. Civ.].
O contrato deve ser integralmente cumprido, ou seja, as obrigações contratuais devem ser cumpridas nos exatos termos em que são assumidas e segundo as normas gerais da boa-fé, de acordo com o artigo 762º, nº 2, também do C. Civ (cf. ainda o artigo 406º do mesmo Código).
No âmbito do contrato que celebraram, a demandada, além dos serviços relacionados com a Contabilidade do demandante, obrigava-se ainda a pagar as contribuições devidas mensalmente pelo demandante ao Instituto da Segurança Social, IP.
Ao demandante competia o pagamento da retribuição da demandada e, no que às Contribuições da Segurança Social se refere, e que são objeto dos presentes autos, a entrega atempada à demandada do valor respetivo.
Ficou demonstrado que o demandante efetuou o pagamento das importâncias que a demandada lhe indicava, por cheque, em singelo, ou acrescido de outras importâncias que lhe eram devidas, nomeadamente os seus honorários.
Todavia, vem o demandante alegar nos presentes autos que, apesar da entrega, mensal e pontualmente, da prestação para pagamento da contribuição da Segurança Social, mediante cheque para o efeito, foi notificado por aquele Instituto de valores em falta, tendo efetuado o pagamento coercivo de várias importâncias em dívida, acrescidas de juros e custas, tudo no valor de €1.979,56.
Mais refere que, uma vez que o pagamento de tal quantia não se deveu a conduta sua, mas tão-só à conduta da demandada, deverá impender sobre esta o ónus de suportar o montante total deste valor, reembolsando-o destevalor.
As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos e não existindo, no caso, norma que liberte nenhuma das partes do ónus probatório, aplica-se o disposto nosnúmeros 1 e 2 do artigo 342º do C. Civ. (cf. ainda artigo 341º do mesmo Código).
Assim, ao demandante competia alegar e comprovar a obrigação da demandada de efetuar o pagamento ao Instituto, que lhe entregou, integral e atempadamente as Contribuiçõesque lhe eram devidas e de que a Segurança Social lhe exigiu o pagamento de contribuições mensais que aquela não teria efetuado (acrescidas de juros e custas), factos constitutivos do seu direito de regresso e do pedido de condenação da demandada à regularização da sua situação contributiva.
A esta, por sua vez, competia alegar, e provar, que executou os serviços em conformidade com o que foi convencionado e/oufactos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo demandante aos valores peticionados. Como sejam, que não teria essa obrigação (sempre, ou nas datas a que se referem em Contribuições exigidas coercivamente ao demandante), ou que o demandante não lhe fez todas as entregas que lhe eram devidas, ou que efetuou todos os pagamentos ao Instituto da Segurança Social, atempadamente.
A demandada não contestou mas referiu em Audiência de Julgamento que por vezes pagava em duplicado e a Segurança Social imputavaa importância paga a mais nesse mês a outro ou outros meses.
Mas, não é possível, aferir se nos meses em que foi imputado o valor, e que, naturalmente, estavam a descoberto, eram meses em que vigorava o contrato entre as partes ou não, porque não foi alegado, nem demonstrado pela demandada, nem esse facto nem o período do contrato, como lhe competia, por ser um facto extintivo do direito ao reembolso invocado pelo demandante.
No que respeita ao documento que juntou como contraprova do alegado pelo demandante, um email da Segurança Social datado de 21 de maio de 2014, longe de esclarecer, vem ainda confundir, na medida em que refere que as Contribuições dos meses 5/2009, 3/2010 e 11/2010 se encontram pagas com os montantes entregues em 6/2010, 4/2010 e 10/2010. Ora, se assim for, a Segurança Social exigiu indevidamente ao demandante,sob pena de execução,o pagamento das Contribuições desses meses, acrescidas inclusivamente de juros de mora (cf. DUC junto a fls. 84 dos autos).
De referir que, também terão havido mais meses com contribuições pagas em duplicado e cujos valores foram imputados, total ou parcialmente, a outros meses. O próprio demandante juntou um ofício da Segurança Social com essa informação relativamente a alguns pagamentos mas que não poderão aqui ser considerados, em concreto, porque a própria demandada impugnou esse documento (cf. fls. 130, último parágrafo).
Por outro lado, e no que ao pedido respeita, o demandante, embora se refira na causa de pedir ao valor global dos dois DUCs que pagou, €1 979,56 (cf. artigos 10º, 12º e 13º), e que mantém na alínea a) do pedido, não faz referência a que esse valor se reporta também a juros e indica, a título exemplificativo, meses em dívida, que não constam daqueles DUCS e,relativamente aos quais, não apresentou comprovativo de lhe ter sido exigido qualquer pagamento, ou seja: julho e dezembro de 2013, abril de 2004, fevereiro de 2009, junho de 2010 e novembro de 2011. Meses que o demandante, engloba no valor peticionado (coincidente com os dois DUCs), conforme resulta do artigo 12º do requerimento inicial.
E não é possível “retirar” do valor peticionado o valor das contribuições relativas a esses meses, não apenas porque não foi alegado o valor unitário de cada prestação mensal, mas, sobretudo, porque o valor total dos DUCs se referem a outros meses aí identificados que, aditados a juros e taxas de justiça, somam aquele montante.
E embora a demandada não tenha contestado, como se referiu, no respeito pela verdade material, não é possível condená-la sem mais no valor total do pedido sem considerar os factos que o fundamentam (e que o demandante entendeu indicar) e a prova produzida.
Assim, tendo ficado provado o pagamento tardio de algumas prestações pela demandada, que há prestações em falta, desconhecendo-se concretamente, e com rigor, quais e se se referem ao período em que competia à demandada efetuar o seu pagamento no âmbito do contrato de prestação de serviços, só em ação de liquidação de condenação em quantia ilíquida, nos termos dos artigos 609º, nº 2, 358º, nº2 e 704º, nº 6, todos do Código de Processo Civil,poderá esse valor ser determinado (renovando-se a instância declarativa).
- Do pedido de condenação da demandada à regularização da situação contributiva do demandante, conforme era sua obrigação:
Resultou da factualidade dada como provada que à demandada competia efetuar o pagamento das Contribuições da Segurança Social do demandante, obrigação que aquela não impugnou.
Todavia, embora tenha resultado da discussão da causa que o contrato de prestação de serviços de Contabilidade já teria cessado à data da entrada da ação e que a obrigação da demandada do pagamento das Contribuições do demandante à Segurança Social não teria vigorado durante todo o período do contrato, tal não foi alegado pela demandada, que não contestou, e também não foi possível determinar as respetivas datas, por não terem as datas referidas pelas partes coincidido.
Assim, relativamente ao período em que era sua obrigação, como peticionado, e nos termos do respetivo contrato de serviços, deve a demandada proceder à regularização da situação contributiva do demandante.
- Quanto ao peticionado reembolso de despesas que teriam sido efetuadas pelo demandante, no valor de €175,00, não poderá merecer deferimento pelo facto de não se encontrarem discriminadas e documentadas.
Por último, e relativamente ao pedido de condenação no pagamento do valor de 472,22€, montante que ainda se encontraria por liquidar à data da entrada da presente ação, e do qual foi invocada a prescrição, não logrou o demandante demonstrar a que se referiam mas resultou da Audiência de Julgamento que já teria sido aceite a prescrição,
pelo que não é devidoo reembolso pela demandada.
Decisão:
Em face do exposto, julgo a ação parcialmente procedente, e em consequência:
- Condeno a demandada B, a reembolsar o demandante A, do valor que venha a ser liquidado em sede de ação declarativa de liquidação de condenação em quantia ilíquida, e que não ultrapasse o valor de €1 979,56 (mil novecentos e setenta e nove euros e cinquenta e seis cêntimos), queeste pagou coercivamenteao Instituto da Segurança Social, IP., relativo a contribuições em falta, e que havia entregado à demandada para que efetuasse o respetivo pagamento, respetivos juros e taxas de justiça.
- Condeno a demandada ainda aregularizar a situação contributiva do demandante junto do Instituto da Segurança Social, IP., conforme era sua obrigação;
- Absolvo a demandada dos restantes pedidos;
- Não sendo a sucumbência determinada ou determinável na presente ação, não é possível determinar o decaimento de cada uma das partes para efeitos de custas, assim, vão ambas condenadas em custas, em partes iguais, que já se encontram pagas (cf. Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro, artigo 527º do Código de Processo Civil e artigo 9º, nºs 1 e 3 do C. Civ.).
Registe e notifique.
Carregal do Sal, 24 de junho de 2014
A Juíza de Paz
(Elisa Flores)
Processado por computador (art.º 131º, nº 5 do C P C)