Sentença de Julgado de Paz
Processo: 3/2016-JPBBR
Relator: CARLA ALVES TEIXEIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO / COLISÃO DE VEÍCULOS/RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTO ILÍCITO / RISCO/PRIVAÇÃO DE USO DO VEÍCULO
Data da sentença: 12/21/2017
Julgado de Paz de : BOMBARRAL-OESTE
Decisão Texto Integral:
Relatório:

A intentou a presente acção declarativa de condenação contra B, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 415,41, sendo € 215,41 correspondente ao valor da reparação do veículo em causa nos autos, e € 200,00 ao valor dos danos pela privação do uso do mesmo, pelo período de 2 dias. Pede ainda a condenação da Demandada no pagamento de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento.
Alega, para tanto, que sofreu um acidente de viação, quando se encontrava imobilizada com vista a iniciar uma manobra de estacionamento do seu veículo, e o veículo segurado pela Demandada iniciou uma manobra de marcha atrás para sair do estacionamento, tendo embatido no veículo da Demandante. Que, em consequência desse embate, o seu veículo sofreu danos na parte frontal direita, cuja reparação teve o custo de € 215,41, quantia que peticiona. Para além disso, o veículo ficou imobilizado um dia para peritagem e outro para reparação, pelo que se viu privada do uso do mesmo durante dois dias, não tendo a Demandada disponibilizado um veículo de substituição, o que lhe causou um dano que avalia em € 200,00, quantia que também peticiona.
Juntou 3 documentos.
A Demandada foi regular e pessoalmente citada e apresentou Contestação, onde alega, em suma, que a versão relatada pela Demandante é contraditória, pois por vezes afirma que estava parada e outras vezes afirma que se encontrava a circular no momento do acidente, sendo que a versão relatada pelo segurado da Demandada é diversa. Porém, assume a responsabilidade em 50% pela reparação da viatura, no valor de € 107,70, pelo que pede que a ação seja considerada apenas parcialmente procedente, na exacta medida desta assunção de responsabilidade.
Juntou 3 documentos.
Uma vez que a Demandante prescindiu da sessão de pré-mediação, procedeu-se à marcação da audiência de discussão e julgamento, que se realizou com observância do formalismo legal.
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Estão reunidos os pressupostos de regularidade da instância e não há excepções, nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer.
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Fixa-se à causa o valor de € 415,41 (quatrocentos e quinze euros e quarenta e um cêntimos) - cfr. artigos 306º n.º 1, 299º n.º 1, 297º n.º 1 e 2 do CPC, ex vi do artigo 63.º da Lei 78/2001, de 13 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei 54/2013, de 31 de Julho (de ora em diante abreviadamente designada LJP).

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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

A) FACTOS PROVADOS:
Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
B) 1 – A Demandante é proprietária do veículo automóvel da marca Seat modelo Ibiza, com a matrícula BL (doravante veículo BL).
2 – No dia 30 de Junho de 2015, pelas 19h30, na Rua XXXX, nas Caldas da Rainha, ocorreu um acidente de viação entre o veículo da Demandante e o veículo da marca C, propriedade de D, com a matrícula FS (doravante veículo FS).
3 - À data do acidente a responsabilidade civil pelo risco de circulação do veículo FS estava transferida para a Demandada, através da apólice 7XXXX1.
4 – A Rua XXX é constituída por um único sentido de trânsito, sendo que do lado direito existe uma zona de estacionamento em espinha.
5 – O veículo FS encontrava-se estacionado nessa zona de estacionamento.
6 – A Demandante pretendia estacionar nessa zona, pelo que circulava a baixa velocidade.
7 – No momento do embate o veículo FS, conduzido pelo seu proprietário, estava a efectuar uma manobra de saída do estacionamento de marcha-atrás.
8 - O acidente consistiu num embate entre a parte traseira do veículo FS e a parte frontal direita do veículo da Demandante.
9 – Do referido embate resultaram danos em ambos os veículos.
10 – A reparação dos danos no veículo da Demandante teve um custo de € 215,41.
11 – No orçamento apresentado à Demandante foi previsto um dia para reparação do veículo.
12 – A Demandada não disponibilizou à Demandante um veículo de substituição.
13 – A Demandada disponibilizou-se para custear metade do valor da reparação, por comunicação dirigida à Demandante em 30.06.2015.
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B) FACTOS NÃO PROVADOS:
1 – A Demandante depois de identificar o alvéolo onde iria estacionar imobilizou o seu veículo.
2 – No momento em que a Demandante imobilizou o seu veículo o veículo FS iniciou uma manobra de marcha-atrás para sair do estacionamento.
3 – O condutor do veículo FS não olhou pelo espelho retrovisor quando iniciou a manobra de marcha-atrás, tendo sido essa a causa do embate.
4 – O veículo da Demandante ficou paralisado um dia para efeitos de peritagem.
5 – A paralisação do veículo causou enormes transtornos e limitações à Demandante, uma vez que era usado nas suas deslocações quer pessoais ou para o emprego.
6 – O local onde a Demandante reside é parcamente servido por transportes públicos.
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C) MOTIVAÇÃO:
A convicção do Tribunal relativamente aos factos provados resulta da conjugação dos seguintes meios probatórios:
- facto n.º 1: resulta do documento junto a fls. 8 sendo certo que se trata de facto não impugnado pela Demandada.
- facto n.º 2: admitido por acordo da Demandada, sendo que também resulta da participação do acidente de fls. 9 e 10 e do doc. de fls. 28 e 30.
- facto n.º 3: admitido por acordo da Demandada, resultando também dos documentos de fls. 28 e 30.
- factos n.º 4 a 6, 8 e 9: resultam da admissão por acordo da Demandada, atenta a falta de impugnação.
- facto n.º 7: resulta da admissão por acordo, atendendo a que da contestação analisada no seu todo, em momento algum resulta que o veículo FS se encontrava estacionado, e por conseguinte imobilizado, no momento do acidente, aceitando-se que o acidente ocorreu quando o mesmo estava a efectuar uma manobra de saída do estacionamento, impugnando-se apenas que tal se tenha devido a uma conduta negligente do seu condutor, antes sendo resultado da falta de prudência da Demandante. Também em parte alguma se impugna que o condutor, naquele momento, era o proprietário do veículo.
- facto n.º 10: admitido expressamente pela Demandada na sua contestação.
- facto n.º 11: resulta do documento de fls. 11 a 16.
- facto n.º 12: admitido por acordo da Demandada.
- facto n.º 13: resulta do documento de fls. 29, conjugado com o documento de fls. 30.

A convicção do Tribunal relativamente aos factos não provados resulta da total ausência de meios probatórios destinados a confirmá-los, sendo certo que se trata de factos que foram expressamente impugnados pela Demandada. Com efeito, a Demandante não compareceu na audiência de julgamento, nem apresentou quaisquer testemunhas, tendo a sua prova ficado limitada aos documentos que se encontram nos autos.
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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO:
Pretende-se, nos presentes autos, obter a condenação da Demandada no pagamento do valor dos danos sofridos em virtude do acidente de viação em que foram intervenientes o veículo da Demandante e o veículo FS, segurado na Demandada.
A questão a decidir por este Tribunal é, pois, o apuramento da responsabilidade civil da Demandada na produção do acidente e, em consequência, o apuramento do valor dos danos a indemnizar por esta, em consequência do mesmo, sem descurar o reconhecimento de dívida que a mesma veio declarar nos autos, da quantia de € 107,70 – cfr. artigo 458º do CC.
Atendendo a que a pretensão da Demandante tem como causa de pedir a responsabilidade civil por facto ilícito, comecemos, então, por analisar os pressupostos deste tipo de responsabilidade, por referência ao caso concreto:
a) um facto, que tanto se pode traduzir numa acção como numa omissão.
b) a ilicitude desse facto, isto é, a violação de uma norma legal destinada a proteger interesses alheios, que pode revestir duas modalidades: a violação de um direito subjectivo, ou a violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios, como é o caso das normas estradais que têm por objectivo a tutela de interesses ou bens particulares.
No caso, o condutor do veículo FS estava a sair de um parque de estacionamento, definido na alínea l) do artigo 1º do Código da Estrada (CE) como o local exclusivamente destinado ao estacionamento de veículos, pelo que se encontrava obrigado a ceder a passagem à Demandante, parando, se necessário, para esse efeito – cfr. artigo 31º n.º 1 a) e 29º n.º 1 do CE.
Por seu lado, a Demandante, não obstante ter prioridade de passagem, encontrava-se obrigada a observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito, uma vez que a prioridade não é um direito absoluto que possa ser exercido abusivamente – cfr. artigo 29º n.º 2 do CE.
No caso, resultou provado que o acidente consistiu numa colisão entre a parte traseira do veículo FS e a parte frontal direita do veículo BL conduzido pela Demandante, no momento em que aquele veículo se encontrava a realizar uma manobra de marcha-atrás para sair do estacionamento.
Porém, não se provou se o veículo da Demandante se encontrava imobilizado ou em circulação, no momento do embate. Tão-pouco se provou em que fase da manobra de saída do estacionamento se encontrava o veículo FS, nomeadamente se tinha parado (nomeadamente por ter visto a Demandante), ou se se encontrava a circular e, nesse caso, se o fez de forma repentina não dando possibilidade à Demandante de o ver e de travar, ou se o fez lentamente e usando de todas as precauções, tendo sido a Demandante quem provocou o embate por, nomeadamente, circular desatenta naquele momento.
Por conseguinte, nada se provou, quer relativamente à conduta do condutor do veículo FS, quer relativamente à conduta da Demandante, que permita imputar-lhes a violação das regras estradais, causal do acidente, o que faria operar a presunção “juris tantum” de culpa, por negligência, do respectivo infractor, conforme orientação jurisprudencial dominante.
Ora, nada se tendo provado quanto à ilicitude, e consequentemente, quanto à culpa de cada um dos condutores, há que concluir pela inexistência de responsabilidade civil por facto ilícito por parte da Demandada.
Assim sendo, resta apurar a responsabilidade baseada no risco, ao abrigo do disposto nos artigos 503º n.º 1 e 506º do CC.
No caso, tendo ficado provado nos autos que ambos os veículos estavam a ser conduzidos pelos seus proprietários, estão preenchidos os requisitos exigidos no artigo 503 n.º 1 para a verificação da responsabilidade objectiva, ou seja, a direcção efectiva desse veículo e a condução no seu próprio interesse. Com efeito, “é de admitir a existência de uma verdadeira presunção legal de direcção efectiva e interessada do veículo a favor do seu proprietário, pois o conceito de direcção efectiva e interessada cabe perfeita e legalmente dentro do conceito do direito de propriedade (Ac. STJ de 27-10-88, Bol. 469; Ac. S.T.J. de 20-2-2001,Col. Ac. S.T.J., I, 2º, 125; Ac. S.T.J. de 6-11- 2001, Col. Ac. S.T.J., IX, 141). Efectivamente, o ónus da prova e de alegação de que o dono do veículo, tomador do seguro, não tinha a direcção efectiva do mesmo, ou de que a utilização dele não era feita no seu próprio interesse, por se tratar de factos impeditivos, caberia à Demandada, nada tendo sido alegado, nem provado, a esse respeito.
Assim, estando preenchidos os pressupostos para a verificação da responsabilidade objectiva, há que aplicar o disposto no artigo 506º do CC que dispõe que “Se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos (…)” sendo que, conforme dispõe o número 2 do mesmo artigo, em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos.”
Neste domínio concreto da colisão de veículos, é pacífico na doutrina e na jurisprudência, uma interpretação ampla da definição de risco próprio do veículo, em que se engloba não só o funcionamento da máquina em si, mas também a sua conjugação com o condutor e a condução praticada. Sendo que, os riscos próprios de cada um dos veículos, devem ser medidos em concreto, tendo em conta as circunstâncias em que, no caso, se produziram os danos. Ou seja, não basta observar apenas a estrutura orgânica de cada um dos veículos para verificar se eles são semelhantes, ou não.
Ora, dos factos provados não resultam elementos que permitam aferir em que medida o risco de cada um dos veículos contribuiu para os danos, sendo que o facto de o veículo FS (C) ser de maior porte que o veículo BL (E) não é suficiente para se concluir que contribuiu em maior proporção para a produção destes danos, tanto mais que são danos ligeiros e resultantes de um pequeno embate (como se deduz pelo valor da reparação e pelas circunstâncias em que ocorreu). Ou seja, nada permite concluir que um veículo de menor porte, nas mesmas circunstâncias do veículo FS, não tivesse causado os mesmos danos no veículo BL.
Face ao exposto, e ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 506º há que fixar em 50% a proporção em que cada veículo contribuiu para a produção dos danos resultantes do acidente.
Assim sendo, e quanto aos danos sofridos pelo veículo BL, tendo-se provado que o valor da reparação foi de € 215,41, deverá a Demandada ser condenada no pagamento da quantia de € 107,70, como de resto já resultaria do reconhecimento de dívida constante da Contestação.
Analisemos, agora, o valor de € 200,00 peticionado pela privação de uso do veículo e que corresponderia a € 100,00 por cada um dos dois dias que se alegou ter estado o veículo imobilizado. Desde logo, da prova produzida resulta apenas um dia de imobilização, e não dois, conforme se alegou.
Também não se provaram danos concretos efectivamente sofridos com a paralisação do veículo. Porém, a este respeito, seguimos a tese mais moderna que defende que independentemente de prova de prejuízos concretos, a mera privação do uso, em abstracto, é, por si só, indemnizável. Neste sentido, cfr. Abrantes Gonçalves in Indemnização do Dano da Privação do Uso, Almedina, Julho de 2001, p.39: “(…) a privação do uso, desacompanhada da sua substituição por um outro ou do pagamento de uma quantia bastante para alcançar o mesmo efeito, reflecte o corte definitivo e irrecuperável de uma “fatia” dos poderes inerentes ao proprietário. Nestas circunstâncias, não custa compreender que a simples privação do uso seja causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que possa servir de base à determinação da indemnização”.
Com efeito, a simples privação do uso do veículo é um dano indemnizável em si mesmo, por se tratar de um incómodo suficientemente grave para merecer a tutela do Direito, que decorre da importância de o proprietário poder dispor do mesmo, como bem entender, nem que seja para o ter estacionado à porta, à sua disposição. Por conseguinte, não tinha a Demandante que provar danos concretos decorrentes da paralisação, pois a mera privação de uso do veículo é já um dano, por si só.
Quanto ao montante a indemnizar, afigura-se-nos excessivo o valor de € 100,00 por um dia de paralisação, tendo em conta os parâmetros normais fixados pela jurisprudência para este tipo de dano e o valor locativo de um veículo semelhante que, não obstante não se ter alegado nem provado, resulta das regras normais de experiência comum. Assim, com recurso à equidade, fixa-se em € 30,00 o valor do dano correspondente a um dia de paralisação do veículo BL, devendo por conseguinte, a Demandada ser condenada no pagamento de metade do referido valor, ou seja, de € 15,00, atendendo à proporção apurada da sua responsabilidade.
Por último, e quanto aos juros, o devedor constitui-se em mora logo que seja interpelado judicial ou extra-judicialmente, para cumprir, sendo que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, correspondendo estes aos juros de mora legais - cfr. artigo 805º n.º 1, 804º n.º 1 e 806º n.º 1, do CC.
Face ao exposto, vai a Demandada condenada nos juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação, até integral pagamento.
Uma vez que a Demandada é uma sociedade comercial que se dedica ao exercício do comércio, a taxa de juro devida é a aplicável às transacções comerciais, que é, desde a data da citação e até 30.06.2016 de 7,05% e a partir daí, e até à data, de 7% – cfr. § 3 do artigo 102.º do Código Comercial, e Avisos publicados na II Série do DR n.º 890/2016 de 27.01, 8671/2016, de 30.06 e 2583/2017 de 03.01.
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Responsabilidade tributária:
Atento o disposto no artigo 527º n.º 1 e 2 do CPC aplicável ex vi do artigo 63º da LJP, e porque ambas as partes se declaram partes vencidas serão as custas repartidas na proporção do respectivo decaimento, que é de 70% para o Demandante e de 30% para a Demandada.
Assim, nos termos conjugados dos artigos 1º, 2º, 8º, 9º e 10º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria n.º 209/2005 de 24.02, atendendo aos pagamentos já efectuados nestes autos, deverá a Demandante efectuar o pagamento da quantia de € 14,00, no prazo de 3 dias úteis a contar do conhecimento da presente decisão, sob pena de a tal quantia acrescer uma sobretaxa de € 10,00 por cada dia de atraso, com o limite de € 140,00, devendo ser devolvido igual montante (€ 14,00) à Demandada.
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Dispositivo:
Julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência disso:

a) condeno a Demandada a pagar à Demandante:
i) a quantia de € 122,70 (cento e vinte e dois euros e setenta cêntimos);
ii) juros de mora vencidos e vincendos, sobre a quantia supra referida, à taxa legal para transacções comerciais, desde a data de citação e até integral pagamento.
b) absolvo a Demandada do demais peticionado.

Custas na proporção de 70% para a Demandante e de 30% para a Demandada.

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Registe e notifique.
Bombarral, 21-12-2017

A Juíza de Paz

Carla Alves Teixeira
(que redigiu e reviu em computador – artigo 131º n.º 5 do CPC)