Sentença de Julgado de Paz
Processo: 30/2009-JP
Relator: MARTA NOGUEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL
Data da sentença: 04/14/2009
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
(arts. 26.º, n.º 1 e 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13-07 – LJP)


RELATÓRIO
Identificação das partes
Demandante: A, Lda., com sede em Lisboa.
Demandada: C, Lda., com NIPC X e sede em Braga.
Objecto do pedido
A demandante veio intentar a presente acção, com fundamento em responsabilidade civil contratual e extracontratual (art. 9º n.º 1 alínea h) da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho – LJP), alegando, para o efeito e em síntese, que é locatária financeira do veículo da marca Volkswagen, com a matrícula x e que, no passado dia 29.11.2008, pelas 17h32, o advogado e consultor jurídico da Demandante estacionou o veículo supra referido, e por este habitualmente conduzido, no parque de estacionamento explorado pela Demandada, que se situa em Lisboa. O parque de estacionamento em causa é pago em função do tempo de permanência dos veículos no interior do estacionamento e é vigiado por seguranças e por um sistema de vídeo vigilância. Quando regressou ao parque de estacionamento, pelas 20h01m, o condutor da viatura da Demandante procedeu ao pagamento da quantia de € 4,40 (quatro euros e quarenta cêntimos) correspondente ao tempo de permanência do parque de estacionamento. A aproximar-se do veículo constatou que a porta frontal direita se encontrava gravemente danificada, com sinais de forte embate, provavelmente realizado por outro veículo. O condutor da viatura em causa dirigiu-se ao segurança e ao recepcionista do parque de estacionamento e confrontou-os com o ocorrido, os quais afirmaram nada ter visto ou ouvido. Afirmaram ainda não terem forma de determinar qual o autor do dano, uma vez que as câmaras de vigilância não conseguirem captar as imagens daquele lugar de estacionamento. Acabaram ainda por esclarecer que a Demandada não teria qualquer tipo de responsabilidade neste tipo de situações, porquanto existia um alegado placard afixado algures no parque que declinaria qualquer responsabilidade em caso de dano nos veículos ali parqueados. A reparação dos danos produzidos no referido veículo orçam a quantia de € 865,81 (oitocentos e sessenta e cinco euros e oitenta de um cêntimos), tendo a Demandada sido interpelada para proceder ao pagamento da quantia supra identificada. A Demandada recepcionou a comunicação enviada pela Demandante mas, até à data da entrada da acção, não procedeu ao pagamento de qualquer quantia, nem respondeu à mesma.
Termina pedindo a procedência da acção e a condenação da demandada no pagamento da quantia de € 865,81 (oitocentos e sessenta e cinco euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora contados desde a data da reclamação registada em livro de reclamações (29.11.2008) até efectivo e integral pagamento.
A demandante juntou seis documentos e procuração forense.
A Demandante declarou expressamente prescindir da diligência da pré-mediação e mediação, prosseguindo os autos de imediato para a fase de julgamento.
A demandada foi regularmente citada e não contestou.
Designada data para a realização da Audiência de Julgamento, e aberta a audiência, apenas estava presente a representante legal da Demandante, bem como o seu Ilustre Mandatário, tendo esta sido suspensa, ficando os autos a aguardar o decurso do prazo para a justificação da falta da Demandada, nos termos dos nºs 2, 3 e 4 do art. 58.º da LJP, o que não sucedeu, pelo que se profere sentença.
O Julgado de Paz é competente para julgar a presente causa.
O processo encontra-se isento de nulidades que o invalidem na totalidade.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam excepções dilatórias e peremptórias, nulidades ou incidentes processuais que impeçam o conhecimento do mérito da causa.
A questão a decidir por este tribunal reside em apurar se a Demandada é responsável pelo ressarcimento dos danos causados ao veículo do qual a Demandante é locatária financeira.
FUNDAMENTAÇÃO
Dispõe o art. 58.º, n.º 2 da LJP que, se o demandado, tendo sido regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita, nem justificar a falta no prazo de três dias, consideram-se confessados os factos articulados pelo demandante, o que sucedeu nos presentes autos, operando a cominação prevista no supra mencionado normativo.
Assim, consideram-se provados e relevantes para o exame e decisão da causa os seguintes os factos:
1 – A Demandante é locatária financeira do veículo da marca Volkswagen, com a matrícula x– Doc. 1;
2 – A Demandada é uma sociedade comercial por quotas que explora comercialmente o parque de estacionamento público sito em Lisboa;
3 – O referido parque de estacionamento é pago, sendo a retribuição calculada em função do tempo de permanência dos veículos no interior do estacionamento;
4 – O parque de estacionamento está vigiado por seguranças e por um sistema de vídeo vigilância;
5 – No passado dia 29.11.2008, pelas 17h32m, o condutor habitual do veículo em causa estacionou o veículo no piso C -1 do parque de estacionamento;
6 – Pelas 20h01m, de regresso ao parque de estacionamento, o condutor da viatura x procedeu ao pagamento da quantia de € 4,40 (quatro euros e quarenta cêntimos) – Doc. 2;
7 – Quando se aproximou do veículo, o condutor constatou que a porta frontal direita do mesmo se encontrava gravemente danificada, com fortes sinais de embate – Doc. 3;
8 – O condutor do veículo danificado dirigiu-se ai segurança e ao recepcionista do parque para os confrontar com a situação;
9 – O condutor do veículo danificado apresentou uma reclamação, a qual ficou registada no respectivo livro – Doc. 4;
10 – A reparação dos danos produzidos no veículo orça a quantia de € 865,81 (oitocentos e sessenta e cinco euros e oitenta e um cêntimos) – Doc. 5;
11 – O condutor do veículo x dirigiu à Demandada a comunicação postal registada com aviso de recepção, interpelando-a para proceder ao pagamento da quantia de € 865,81 – Doc. 6;
12 – A comunicação supra referida foi recepcionada pela Demandada em 09.12.2008 – Doc. 6;
13 – Até à presente data a Demandada não procedeu a qualquer pagamento;
14 – Até à presente data a Demandada não respondeu à comunicação enviada pelo condutor do veículo x.
Da apreciação dos factos resulta provado que as partes celebraram entre si um contrato de depósito respeitante ao parqueamento de um veículo nas instalações de um parque de estacionamento explorado comercialmente pela Demandada, mediante o pagamento de uma retribuição calculada em função do tempo de permanência do referido veículo no referido parque.
O contrato de depósito, reveste uma modalidade do contrato de prestação de serviços, encontra-se previsto nos arts. 1185º e segs. do CC, sendo certo que, in casu, estamos perante um contrato de depósito oneroso (cfr. Art. 1158º ex vi art. 1186º do CC), tendo o Demandante procedido ao pagamento da quantia cobrada pelo tempo de permanência.
“Depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando for exigida.”
Como decorre do disposto no art. 1187º do CC, o depositário está obrigado a guardar a coisa depositada, a avisar imediatamente o depositante quando saiba que algum perigo ameaça a coisa em que terceiro se arroga direitos em relação a ela, desde que tal facto seja desconhecido do depositante e a restituir a coisa com os seus frutos.
Neste tipo de contrato, está em causa a natureza infungível do objecto (ao contrário do que sucede no depósito bancário). De facto, um dos traços característicos do contrato de depósito é o da obrigação da restituição da coisa recebida em depósito quando exigida pelo depositante.
O certo é que, no contrato de depósito o depositário obriga-se a guardar a coisa entregue pelo depositante, no sentido de providenciar acerca da sua conservação material, isto é, mantê-la no estado em que foi recebida, defendendo-a dos perigos de subtracção, destruição ou dano.
In casu, tendo sido celebrado entre as partes um contrato de depósito cujo objectivo imediato foi o parqueamento e a guarda de um veículo, constata-se que a depositária não ilidiu a presunção de culpa, nos termos do artigo 799º nº 1 do Código Civil, tendo-se por culposo o seu incumprimento.
Não referindo a lei o critério de diligência com que deve ser guardada a coisa depositada, a questão tem de ser solucionada com o princípio geral fixado nos artigos 487º nº 2 e 799º n. 2 do Código Civil que atendem à diligência, em abstracto, do bom pai de família e não à culpa em concreto, ao grau normal ou habitual de diligência do agente ou do devedor.
Vejamos se o tem a título de indemnização, dado que o depositante é obrigado, entre outros, a indemnizar o prejuízo sofrido em consequência do depósito, salvo se o depositante houver procedido sem culpa. – al. c) do art.º 1199º C. C..
Decorre do art.º 483º do C. C. que, “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrém ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.” Só existindo assim o dever de indemnizar se cumulativamente se verificarem os seguintes requisitos: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, não tendo a Demandada logrado provar que o referido dano não procedeu de culpa sua, nomeadamente porque não veio aos autos contestar quaisquer factos alegados pelo Demandante, operando assim a cominação prevista no art. 58º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho.
Assim, não tendo a aqui depositária ilidido a presunção de culpa no incumprimento, ou cumprimento defeituoso da obrigação de guarda e vigilância do referido veículo, de forma a evitar o dano ocorrido no mesmo, constituiu-se na obrigação de indemnizar o depositante do prejuízo sofrido na coisa que estava à sua guarda.
Assim, operada a cominação relativamente à total revelia da demandada, com a consequente confissão dos factos alegados pela demandante, resta-nos a condenação daquela ao pagamento da dívida reclamada.
Adicionalmente, pede o Demandante que a Demandada seja condenada no pagamento de juros de mora desde a data da reclamação registada em livro (29.11.2008) até efectivo e integral pagamento.
Vejamos a partir de quando devem ser contabilizados os juros de mora. Diz o art. 805º n.º 1 C.C. que “1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.”. Por outro lado, o n.º 2 alínea b) do mesmo preceito refere que: “2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:
(…)
b) Se a obrigação provier de facto ilicito;”
Ora, verificado o não cumprimento pela Demandada (atenta a não contestação, e por isso a ausência de factos que pudessem pôr em crise a versão da Demandante, nomeadamente o pagamento do valor por aquela reclamado) também este pedido tem de proceder, pois tem fundamento legal, nos termos do art. 805º nº 2 alínea b) C.C., pois tendo o facto ilícito ocorrido em 29.11.2008, data na qual foi inscrita a reclamação de fls. 19 dos autos, o devedor, a ora Demandada, constitui-se em mora desde essa data.
Tem assim a Demandante direito a juros de mora vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento, contabilizados desde o dia 29.11.2008.
Decisão
Face ao que antecede e às disposições legais aplicáveis, julgo a acção totalmente procedente por provada e, em consequência condeno a Demandada a pagar à Demandante o valor de € 865,81 (oitocentos e sessenta e cinco euros e oitenta e um cêntimos), acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, calculados à taxa de juro legal.
Custas:
Custas no montante de € 70,00 (setenta euros), a cargo da Demandada, que se declara parte vencida, nos termos e para os efeitos dos n.os 8.º e 10.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro (o n.º 10 com a redacção dada pelo art. único da Portaria n.º 209/2005, de 24 de Fevereiro), a pagar no Julgado de Paz, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efectivo cumprimento dessa obrigação (n.os 8 e 10 da referida portaria). Decorridos dez dias sobre o termo do prazo referido sem que se mostre efectuado o pagamento, será entregue certidão da liquidação da conta de custas ao Ministério Púbico, para efeitos executivos, no valor então em dívida, que será de € 170,00 (cento e setenta euros).

Cumpra-se o disposto no n.º 9 da referida Portaria em relação à Demandante.

Registe.
Notifique as partes desta sentença, sendo que a Demandada também para o pagamento das custas da sua responsabilidade.
Lisboa, Julgado de Paz, 14 de Abril de 2009
A Juíza de Paz,
(Marta Nogueira)

Processado por meios informáticos e revisto pela signatária. Verso em branco. (art. 138.º, n.º 5 do CPC)