Sentença de Julgado de Paz
Processo: 54/2013-JP
Relator: JOSÉ DE ALMEIDA
Descritores: DIREITOS E DEVERES DOS CONDÓMINOS
Data da sentença: 08/14/2013
Julgado de Paz de : CASTRO VERDE
Decisão Texto Integral: DESPACHO
Processo n.º: x
Data: 14-08-2013.
Matéria: Direitos e deveres dos condóminos (artigo 9.º/1/alínea c) da Lei dos Julgados de Paz (LJP) – Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho).
Valor da acção: 1999,02 €.
1.ª Demandante: A
2.ª Demandante: B
Demandado: C
Administradora do Condomínio: D
Mandatário: E
Nos presentes autos o Demandado foi devidamente citado e apresentou contestação, na qual invocou as exceções de incompetência material do Julgado de Paz, assim como de ilegitimidade passiva.
Foi agendada uma sessão de pré-mediação ao abrigo do disposto nos artigos 16.º e 49.º segs da Lei n.º 78/2001, de 13-07, não tendo o Demandado comparecido nem justificado a respetiva falta.
As Demandantes requereram o envio dos autos para o tribunal judicial competente caso o Demandado não justificasse a falta à sessão de pré-mediação.
Cumpre apreciar e decidir:
No que se refere à alegada incompetência material do Julgado de Paz, considera o Demandado que o Julgado de Paz é competente para apreciar questões relacionadas com o cumprimento de obrigações, desde que não tenham por objeto prestação pecuniária, questões relacionadas com os direitos e deveres dos condóminos e questões de responsabilidade civil. Ora, o pedido das Demandantes de condenação do Demandado no pagamento da quantia de 1999,02 € configura uma alegada obrigação de restituição, cujo objeto é uma obrigação pecuniária. Por isso e porque a apreciação das questões colocadas pelas Demandantes estão relacionadas entre si, por razões de prejudicialidade e dependência, o Julgado de Paz é incompetente para a sua apreciação.
Quanto a este ponto importa salientar que a alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º da LJP tem suscitado diversas interpretações (v. J. O. Cardona Ferreira, Julgados de Paz, Organização, Competência e Funcionamento, Coimbra Editora, 2.ª edição, nota ao artigo 9.º; Joel Timóteo Ramos Pereira, Julgados de Paz, Organização, Trâmites e Formulários, Quid Juris, 3.ª edição, pág. 58 ss.). A interpretação perfilhada pelo Demandado levaria a excluir da competência do Julgado de Paz todas as obrigações que tenham por objeto uma prestação pecuniária. A ser assim, os Julgados de Paz não teriam competência para apreciar ações respeitantes à responsabilidade civil contratual e extracontratual (por exemplo, decorrentes de acidente de viação) que, na maior parte das situações, dão origem a pedidos de dinheiro (alínea h), as ações respeitantes a condomínios, as mais das vezes incidindo sobre pagamentos de montantes de dinheiro de quotas (alínea c), as ações em que se discutam rendas decorrentes de arrendamentos (alínea g), etc. (neste sentido, v. J. O. Cardona Ferreira, lugar citado, pág. 69). O que redundaria numa significativa redução do âmbito da competência material dos Julgados de Paz, que não parece decorrer nem da letra nem do espírito da lei. Por outro lado, conforme refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 24-05-2007 (proc. 07B881), sabe-se que a razão de ser da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13-07, visa evitar os procedimentos de massa. De resto, a recente alteração legislativa operada pela Lei n.º 54/2013, de 31-07, veio corroborar este entendimento, que, aliás, já vinha sendo seguido, sendo inúmeras as decisões relativas a condomínios em que estão em causa obrigações cujo objeto é uma prestação pecuniária (v. jurisprudência dos julgados de paz em www.dgsi.pt).
Face ao exposto, improcede a invocada exceção de incompetência material do Julgado de Paz.
Quanto à invocada exceção de ilegitimidade passiva, alega o Demandado que, estando em causa um acerto de contas que, a proceder, iria onerar o património de cada um dos condóminos, estamos perante um caso de litisconsórcio necessário passivo, tendo, por isso, que ser demandados também os condóminos.
É sabido que o condomínio, na propriedade horizontal, não tem personalidade jurídica, mas é titular de personalidade judiciária, podendo por isso estar em juízo, no qual é, em princípio, representado pelo administrador (Acórdão do STJ de 16-12-1999, citado por Abílio Neto, Código Civil anotado, artigo 1437.º). Este é parte legítima quando a ação tenha por objeto partes comuns, exceto quando esteja em causa a propriedade ou posse de bens comuns (v. artigo 1437.º/2 e 3 do Código Civil e também o acórdão do STJ de 17-02-1998, citado por Abílio Neto, lugar citado). Diz também o Acórdão do STJ de 4-10-2007 (citado por Abílio Neto, Código Civil anotado, artigo 1437.º): “O artigo 1437.º do CC consagra a capacidade judiciária do condomínio, ao estabelecer a susceptibilidade de o administrador, seu órgão executivo, estar em juízo em representação daquele, nas lides compreendidas no âmbito das funções que lhe pertencem (art.º 1436.º), ou dos mais alargados poderes que lhe forem atribuídos pelo regulamento ou pela assembleia, sendo que, em qualquer dos casos, as ações deverão ter sempre por objeto questões relativas às partes comuns.”
Assim, estando em causa despesas com bens comuns (elevador), bem como a respetiva distribuição pelos condóminos de acordo com a quota parte de cada um (v. artigo 1436.º/alíneas d) e e) do Código Civil), parece poder concluir-se que o administrador tem legitimidade para estar em juízo, improcedendo a alegada exceção de ilegitimidade passiva.
Embora não invocada, cabe, por último apreciar a exceção de incompetência territorial deste Julgado de Paz.
Os presentes autos dizem respeito a uma alegada obrigação de restituição de quotas às Demandantes por parte do Condomínio demandado, residindo aquelas em Faro e estando também situado em Faro o prédio constituído em regime de propriedade horizontal, assim como a respetiva administração.
Não existindo Julgado de Paz em Faro e tendo em conta o disposto nos artigos 7.º, 10.º e 12.º da LJP, declaro a incompetência do Julgado de Paz do Agrupamento de Concelhos de Aljustrel, Almodôvar, Castro Verde, Mértola e Ourique e determino a remessa dos presentes autos para o Tribunal Judicial de Faro, após trânsito em julgado.
Custas:
Pelas Demandantes. Tendo estas pago a parcela inicial de 35,00 €, devem pagar a segunda parcela de 35,00 € num dos três dias úteis imediatamente subsequentes ao do conhecimento deste despacho, sob pena da aplicação e liquidação de uma sobretaxa de 10,00 € por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação (artigos 8.º e 10.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria n.º 209/2005, de 24 de Fevereiro).
O pagamento deve ser efetuado no Julgado de Paz (em dinheiro ou através de multibanco) ou por meio de cheque à ordem da Direção Geral da Política de Justiça (DGPJ) e enviado para este Julgado de Paz.
Cumpra-se o disposto no n.º 9 da mencionada Portaria em relação ao Demandado.
Registe e notifique.
(Texto processado informaticamente – artigo 18.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho).
O Juiz de Paz
José de Almeida