Sentença de Julgado de Paz
Processo: 280/2017-JPFNC
Relator: CARLOS FERREIRA
Descritores: DANOS RESULTANTES DO SINISTRO
Data da sentença: 12/28/2018
Julgado de Paz de : FUINCHAL
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 280/2017 - JPFNC
Sentença
Relatório:
A, melhor identificado a fls. 1, instaurou contra B, SA, também melhor identificada a fls. 1, a presente ação declarativa de condenação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 1 a 8, dos autos, que aqui se considera integralmente reproduzido, peticionando, a condenação da Demandada a pagar-lhe a quantia global de €869,72 (oitocentos e sessenta e nove euros e setenta e dois cêntimos), a título de danos patrimoniais (danos emergentes e lucros cessantes), devendo acrescer juros à taxa legal em vigor, desde a data da citação até integral pagamento, e custas da ação.
Para tanto alegou, em síntese que, é proprietário do veículo automóvel da marca Citroën D, matrícula QB, o qual está afeto à sua atividade profissional de condutor de táxi. No dia 29 de maio de 2017, pelas 16:30 horas, o Demandante conduzia o referido veículo na Rua do Ribeirinho de Baixo, no Funchal, e ao fazer a manobra de marcha atrás para estacionar na praça de táxis existente no local, foi embatido pelo veículo Mercedes E250, matrícula MD seguro pela Demandada e também táxi, que circulava atrás do Demandante e tentou estacionar no mesmo lugar, tendo colidido com a sua dianteira, na traseira do QB.
Mais alegou o Demandante que, em virtude do referido acidente, sofreu danos no veículo e que o mesmo terá de ficar imobilizado para reparação, com a correspondente perda de rendimento.
Concluiu pela procedência da ação.
Juntou procuração forense, 7 documentos e arrolou testemunhas.
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Tramitação:
Regularmente citada, a Demandada apresentou contestação de fls. 29 a 34, dos autos, que aqui se considera integralmente reproduzida, defendendo-se por impugnação. ---
A Demandada alegou, em síntese que, o acidente que ocorreu na data e local indicado pelo Demandante ficou a dever-se a exclusivamente a culpa deste, porquanto, o condutor do veículo seguro pela Demandada, depois de ocupar o único lugar de estacionamento disponível na praça, foi embatido pelo veículo QB, conduzido pelo Demandante, que fazia marcha atrás em direção ao mesmo lugar, embatendo com a sua traseira esquerda, na dianteira do MD.
Por outro lado, a Demandada impugnou os valores da reparação do veículo do Demandante, tendo procedido a uma peritagem, a título condicional, que avalia os danos daquele num valor mais baixo, pelo que, não aceita os valores peticionados.
Concluiu pela improcedência da ação.
Juntou procuração forense, 8 documentos e arrolou testemunhas.
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A Demandada manifestou-se no sentido de rejeitar a mediação. (fls. 26).
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Aberta a audiência e estando todos presentes e representados, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP).
Foi feito o esforço necessário e na medida em que se mostrou adequado, para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no art. 2.º, e n.º 1, do art. 26.º, ambos da LJP, o que não logrou conseguir-se.
Frustrada a tentativa de conciliação, prosseguiu a realização da audiência de julgamento com a observância das normas de processo, como resulta documentado nas respetivas atas. (Fls.78; 79 e 101 a 104 dos autos).
Tal como consta das referidas atas, que aqui se declaram integralmente reproduzidas, antes da produção da prova o Demandante requereu a junção do documento único automóvel e de três fotografias, os quais foram admitidos após contraditório, documentos constantes de fls. 95 a 100.
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Saneamento:
Estão reunidos os pressupostos da estabilidade da instância.
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa.
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Valor: atribuo à causa o valor de €869,72 (oitocentos e sessenta e nove euros e setenta e dois cêntimos). Cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 1; e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi, art.º 63.º da LJP.
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Questões a decidir:
Na presente ação o objeto do processo é delimitado pela causa de pedir e pelo pedido, pelo que, as questões a decidir são as seguintes:
Se o Demandante sofreu danos resultantes do sinistro descrito nos autos e quais, e se a Demandada é responsável por indemnizar tais danos.
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Nos termos do art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 78/2001, de 13/07, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP), a sentença inclui uma sucinta fundamentação.

Fundamentação – Matéria de Facto:
Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que:
1. O Demandante é proprietário do veículo automóvel da marca Citroën D, matrícula QB. Cfr. fls. 95 e 95 vr.; ---
2. O Demandante utiliza o referido veículo automóvel no exercício da sua atividade profissional de condutor de táxi; ---
3. No dia 29 de maio de 2017, pelas 16:30 horas, o Demandante conduzia o referido veículo na Rua do Ribeirinho de Baixo, no Funchal;
4. A referida faixa de rodagem, só tem uma via de sentido único. Fls. 15;
5. Na referida data, no momento em que o Demandante efetuava uma manobra de marcha atrás para estacionar na praça de táxis existente no mesmo local, ocorreu uma colisão entre o 09-QB-76, e o veículo Mercedes E250, matrícula MD;
6. À data do sinistro o veículo MD encontrava-se seguro na companhia de C, SA, através da apólice n.º ----------, fls. 35 a 36 vr.;
7. A referida seguradora foi entretanto incorporada pela Demandada.
8. O MD, também está afeto à atividade de táxi;
9. À data dos fatos, o veículo MD era propriedade da sociedade comercial D, Lda. Fls. 35 e 39;
10. A referida sociedade desenvolve a atividade comercial de serviço de táxi;
11. Na data dos factos o MD, esta a ser conduzido pela testemunha E, enquanto funcionário da empresa de táxis acima referida;
12. Da ocorrência foi lavrado auto de Participação de Acidente. (Fls. 13 a 16, e 37 a 38 vr.); ---
13. Na data e local do referido acidente o MD circulava atrás do QB, a uma distância não concretamente apurada, mas superior a dez metros,
14. Os referidos veículos percorreram uma distância de cerca de 300 metros, desde o Largo do Phelps até ao local do sinistro, mantendo o respetivo posicionamento relativo;
15. O troço da via onde ocorreu o acidente é uma reta, com um comprimento entre 15 a 20 metros e boa visibilidade, e na referida data havia pouco trânsito;
16. No momento do acidente apenas havia um lugar de estacionamento disponível na praça de táxis, existente no local;
17. Na referida data, ambos os condutores dos veículos envolvidos no acidente tentaram estacionar ao mesmo tempo, no mesmo lugar;
18. No momento do embate o veículo QB estava em marcha; ---
19. O condutor do veículo QB ao tentar estacionar de marcha atrás no local, colidiu com o lado esquerdo da sua traseira, no lado direito da dianteira do veículo MD;
20. O condutor do veículo MD ao tentar estacionar de frente no local, colidiu com o lado direito da sua dianteira, no lado esquerdo da traseira do veículo QB;
21. Em virtude do acidente acima descrito, o veículo QB ficou com danos no para-choques traseiro;
22. Os referidos danos ascendem ao montante de €495,10 (quatrocentos e noventa e cinco euros e dez cêntimos). Fls. 45 e 46;
23. Para proceder à referida reparação, o veículo QB terá de ficar imobilizado por um dia. Fls. 45 a 47;
24. A perda de rendimento diária resultante da imobilização do veículo QB corresponde à quantia de €55,84 (cinquenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos). Fls. 18;
25. O demandante despendeu a quantia de €64,00 (sessenta e quatro euros), com a emissão da certidão do auto de ocorrência. Fls. 19;
26. O veículo QB ainda não foi reparado e continua com os danos.

Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, que:
i) O Demandante assinalou a manobra de estacionamento com acionamento do sinal luminoso “pisca”;
ii) A reparação do veículo QB, implica a imobilização do mesmo por dois dias;
iii) A perda de rendimento com a imobilização do veículo QB, corresponde à quantia de €111,68 (cento e onze euros e sessenta e oito cêntimos);
iv) A reparação do veículo QB corresponde a um custo de €721,04 (setecentos e vinte e um euros e quatro cêntimos);
v) Os suportes e o sensor do para-choques do veículo QB têm de ser substituídos.
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Motivação da Matéria de Facto:
Os factos provados resultaram da conjugação das declarações de parte, dos documentos constantes dos autos, e do depoimento testemunhal prestado em sede de audiência de julgamento. ---
Os factos constantes dos números 14 e 18 resultam da confissão expressa do Demandante, o primeiro por declarações audiência e o segundo pela conjugação dos artigos 6.º e 13.º, do requerimento inicial.
Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, do CPC, aplicável ex vi, art.º 63.º, da LJP, consideram-se admitidos por acordo os factos constantes nos números 2; 3; 5; 7; 8; 12; 16; 17; e 26.
Relativamente à prova documental cumpre esclarecer que os documentos juntos em audiência, constantes de fls. 96 a 100, não foram considerados, quer por terem sido impugnados pela Demandada, no exercício do contraditório, quer porque não ficou demonstrado que tais fotografias representam o acidente.
O documento a fls. 17, foi também impugnado pela Demandada, no exercício do contraditório (art.º 21.º, da contestação), e do conjunto da prova, não resulta claro e inequívoco que o mesmo corresponde à extensão dos danos decorrentes do acidente.
Relativamente aos restantes documentos, os mesmos não foram impugnados por qualquer das partes, e consideram-se provados os factos indicados de forma especificada e respetivamente, na enumeração da matéria assente, supra.
A prova da matéria vertida no número 15, resulta depoimento da testemunha F, que prestou um depoimento isento e credível, bem como, da concordância das declarações do Demandante e da testemunha E que, nesta parte, também se mostraram credíveis.
Pelo depoimento da testemunha E também resulta provado o facto constante dos pontos 10 e 11, este último, também, em conjugação com o teor dos documentos de fls. 37 a 38 vr.
À restante matéria, atendendo ao facto de a testemunha E ter sido o outro o condutor envolvido no acidente, mostrou-se pouco isento, e parte interessada em atribuir a causa do sinistro à conduta do Demandante, inclusivamente, apresentou uma versão dos factos diferente daquela que foi alegada em sede de contestação e que, por isso, não mereceu qualquer credibilidade, nessa parte. ---
A matéria dos números 13; 19 e 20, considera-se provada com apoio no depoimento da testemunha F, que demonstrou razão de ciência e isenção nesta matéria, em consonância com outros elementos de prova constantes dos autos, designadamente, teor de fls. 16; 38 vr.;. 39 vr. e 40,.
Relativamente ao valor dos danos do veículo QB, mereceu credibilidade o relatório de peritagem e orçamento, a fls. 45 e 46, elaborados pela testemunha G, perito avaliador da Demandada, que depôs com isenção e objectividade, incluindo quanto ao tempo de imobilização do referido veículo.
A restante matéria considera-se provada pela análise conjunta da prova, tendo em conta os dados da experiência de senso comum.
Os factos não provados resultam da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos.
Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados ou dos depoimentos das testemunhas com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito.
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Fundamentação – Matéria de Direito:
A matéria constante dos autos remete-nos para o âmbito da responsabilidade civil extracontratual, por factos ilícitos.
Sendo assim, a causa é enquadrável na alínea h), do, n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP).
A causa de pedir na presente ação respeita a danos alegadamente provocados ao Demandante devido à ocorrência de um acidente de viação, relativamente ao qual, reclama à Demandada o pagamento de uma indemnização, no montante global de €869,72 (oitocentos e sessenta e nove euros e setenta e dois cêntimos), acrescida de juros à taxa legal em vigor, desde a citação até integral pagamento e custas.
Vejamos se lhe assiste razão: ---
O enquadramento fático-jurídico será efetuado pela subsunção dos factos às normas legais aplicáveis, de modo a evidenciar a solução jurídica preconizada para a causa.
Para este efeito, será fundamental partir da própria dinâmica do acidente, e da análise dos pressupostos da responsabilidade civil, para determinar quem deve ser considerado responsável pela obrigação de indemnização, bem como, fixar o montante da indemnização a atribuir ao lesado de acordo com a medida da responsabilidade do lesante, tendo em conta os danos peticionados que sejam suscetíveis de tutela.
a) Dinâmica do acidente:
Resulta da matéria provada que, no dia 29 de maio de 2017, pelas 16:30 horas, o Demandante conduzia o seu veículo QB, na Rua do Ribeirinho de Baixo, no Funchal. ---
Também ficou provado que, o veículo QB precedia o MD, a uma distância superior a dez metros, e que ambos os veículos estão afetos à atividade de táxi.
O local da ocorrência é uma reta com mais de 15 metros de comprimento, com boa visibilidade, e havia pouco trânsito na data dos factos.
Ficou igualmente provado que, ao pretender arrumar o QB no único lugar disponível na praça de táxis existente no local, o Demandante iniciou uma manobra de marcha atrás, no decurso da qual, ocorreu o embate com o MD, que tentava arrumar de frente no mesmo lugar.
Da prova resultou, ainda, que o QB circulava em marcha atrás no momento do embate, o que é admitido por confissão. (artigos 6.º e 13.º, do requerimento inicial). Assim, o condutor do veículo QB ao tentar estacionar de marcha atrás no local, colidiu com o lado esquerdo da sua traseira, no lado direito da dianteira do veículo MD. Por seu lado, o condutor do veículo MD ao tentar estacionar de frente no local, colidiu com o lado direito da sua dianteira, no lado esquerdo da traseira do veículo QB.
Atendendo ao ponto de embate e à posição final dos veículos, constante do relatório elaborado pelo agente da PSP, que se deslocou ao local, e elaborou o croquis a fls. 16, conclui-se que nenhum dos veículos envolvidos concretizou completamente o estacionamento que pretendia realizar.
Efetivamente, ambos os veículos ficaram parcialmente dentro do referido lugar de estacionamento, e parcialmente a ocupar a via na qual circulavam.

b) Responsabilidade civil:
Nos termos do art.º 483.º do Código Civil (CC), "Aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
Do referido preceito legal extrai-se que, a ilicitude do facto tem de resultar de uma conduta humana, violadora do direito de outrem ou de qualquer disposição legal que vise proteger interesses alheios. Por outro lado, para que haja culpa, é necessário que o agente possa ser censurado pela ação ou omissão por ele cometida, e por não ter agido de modo a evitar a ocorrência do evento danoso, podendo tê-lo feito. É também necessário que o dano resulte do facto, segundo uma relação de causa-efeito, adequada e não em virtude de uma sucessão de factos de ordem meramente naturalística.
Assim, para que se possa declarar a existência da obrigação de indemnizar, resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos, têm de estar verificados os seguintes pressupostos: i) a existência de um facto voluntário do agente; ii) a ilicitude desse facto; iii) que se verifique um nexo de imputação do facto à conduta culposa do lesante; iv) que da violação do direito subjetivo ou da lei derive um dano; e v) nexo de causalidade adequada entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pelo lesado, de modo a poder concluir-se que a natureza e extensão do dano resultam necessariamente daquele facto e não de outra causa, que lhe esteja na origem.
Os referidos pressupostos da responsabilidade civil são cumulativos.
Os elementos de facto que possibilitam a consubstanciação da responsabilidade civil por factos ilícitos têm de ser objectivamente adquiridos no âmbito do processo, de acordo com o critério de distribuição do ónus da prova, conforme decorre da regra geral contida no nº 1, do artigo 342º, do CC, que dispõe o seguinte: “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”
O facto lesivo do direito de propriedade sobre o veículo automóvel QB, pertencente ao Demandante, está verificado pela colisão entre aquele e o MD, conforme relatado supra.
No caso concreto, ficou provado que à data dos factos o veículo MD, da propriedade de D, Lda., era conduzido pela testemunha E, na sua condição de funcionário da referida sociedade, pelo que, verifica-se uma relação de comissão, estabelecida entre a proprietária do veículo e o condutor do mesmo, nos termos do art.º 500.º, do CC
O termo comissão deve ser entendido em sentido amplo, como prestação de serviço ou atividade desempenhada por conta e sob a direção de outrem, podendo essa atividade traduzir-se, ainda, num ato isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual.
De acordo com a regra geral decorrente do referido art.º 342.º, do CC, o ónus da prova dos factos integrantes da culpa, no quadro da responsabilidade civil extracontratual, cabe a quem com base nela pretende fazer valer o seu direito.
No entanto, havendo presunção legal sobre a existência de culpa relativamente a qualquer dos condutores, inverte-se o ónus da prova (Cfr., artigos 350.º, e 487.º, n.º 1, ambos do CC).
Aqui chegados, cabe apurar se o acidente é, ou não, atribuível a culpa exclusiva ou concorrente, dos condutores intervenientes.
O artigo 487.º, n.º 2, do CC consagra um critério legal de apreciação da culpa conforme à diligência de um homem normal, medianamente prudente e cuidadoso, em face do condicionalismo próprio do caso concreto.
Ora, a presunção legal de culpa do comissário (art.º 503.º, n.º 3, do CC),é ilidível, ou seja, admite prova em contrário. (Cfr. art.º 350.º, n.º 2, do CC).
Nos autos ficou provado por confissão do Demandante, que durante a condução do veículo por si conduzido, “concentrado na manobra” (sic) de marcha atrás, para estacionar o QB no lugar à sua esquerda, não visualizou o veículo MD, quando este surgiu pela sua traseira do lado direito.
Assim, a colisão deu-se por negligência do condutor do QB, dado que, o mesmo não adotou todas as medidas necessárias para realizar a manobra de marcha atrás do seu veículo em condições de segurança.
Aliás, não ficou provado que o Demandante tivesse assinalado devidamente a sua intenção de realizar a manobra através do sinal de «pisca», em contravenção com o disposto no art.º 21.º, nºs. 1 e 2, do Código da Estrada (CE).
Em matéria de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, tem sido entendimento da jurisprudência corrente, atribuir-se a culpa na produção do acidente por presunção judicial (cfr. artigo 351º do Código Civil) ao condutor que violou regras que regulamentam a circulação rodoviária.
A culpa assim presumida só resultará afastada se o condutor vier a provar que aquela contravenção se ficou a dever a circunstâncias anormais que determinaram tal facto, de modo a excluir a culpa, exigindo-se que a ação ou omissão do agente seja uma causa adequada ou provável do evento danoso ou ao seu desencadeamento.
Na circulação rodoviária é dever geral dos condutores e utentes adotarem uma condução prudente.
Assim, antes de iniciarem qualquer manobra os condutores devem previamente certificar-se de que a mesma não compromete a segurança do trânsito, e no exercício da condução, devem respeitar os limites gerais e especiais de velocidade, regulando-a de harmonia com as circunstâncias concretas. (Cf., art.º 11.º, n.º 2, do CE).
No caso dos autos, para além de não ter ficado provado que o Demandante sinalizou devidamente a manobra que tinha a intenção de fazer (incumbindo-lhe o respetivo ónus, nos termos do art.º 342.º do CC), o que só por si já se mostra desfavorável, ficou provado que a manobra de marcha atrás realizada nas circunstâncias em que o próprio a descreveu, e sem que, confessadamente, se tenha apercebido da aproximação do veículo que rodava atrás de si há já algum tempo (tendo percorrido uma distância de cerca de 300 metros na referida formação, desde o largo do Phelps), levam o tribunal a presumir, de acordo com os dados comuns da experiência, que o Demandante não tomou todas as precauções que devia ter tomado.
Daqui se conclui que o condutor do QB, não só iniciou a manobra de estacionamento sem sinalizar devidamente a sua intenção, como o fez a manobra de forma desatenta, pois não se apercebeu que o MD, que circulava à retaguarda, avançou para o mesmo lugar de estacionamento vago, dando-se a colisão entre os dois veículos.
Deste modo, a matéria dada como provada mostra-se suficiente para afirmar que a referida desatenção e falta de cuidado constituíram circunstâncias causais da colisão e, como, tal, reveladoras de um comportamento culposo do lesado e que o tornam responsável/corresponsável pela ocorrência do facto, nos termos do art.º 570.º, do CC, ficando assim afastada a presunção de culpa legalmente atribuída ao condutor do MD, por via da comissão.
Por outro lado, ficou também provado que, o Demandado não usou da prudência que lhe era exigível para evitar a colisão, tendo optado por disputar o lugar de estacionamento com o Demandante, em vez de ter aguardado que o mesmo completasse a sua manobra de estacionamento.
Isto porque, resultou provado que o Demandado se precipitou para o único lugar vago da praça de táxis, ao mesmo tempo que o Demandante iniciou a manobra de marcha atrás para estacionar no mesmo lugar. (Vide, factos provados nos números 16 a 20). ---
Ora, sendo assim, também o condutor do MD, iniciou a sua manobra de estacionamento no local, sem tomar todas as precauções que devia ter tomado, de modo a evitar a ocorrência do acidente, em contravenção com o disposto no citado art.º 21.º, nºs. 1 e 2, do CE, pelo que, o acidente ocorreu com base em culpa efetiva do mesmo.
Assim, toda a prova reunida aponta para se poder concluir sem hesitações que, ambos os condutores tiveram responsabilidade na forma como ocorreu o embate entre os dois veículos envolvidos no sinistro, já que não conduziam de forma prudente, com diligência e a atenção que as circunstâncias de tempo e lugar exigiam, violando o dever geral de cuidado e de condução segura, consagrado no art.º 3.º, CE. (Factos provados nos números 16 a 20).
Resulta do exposto que as culpas de ambos os condutores envolvidos no acidente estão numa relação de concorrência, para a produção do facto danoso, pelo que, cabe agora aferir da concreta repartição das culpas entre os intervenientes no sinistro em causa nos autos.
Decorre do disposto no art.º 570.º, n.º 1, do Código Civil que “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”
Assim, havendo concorrência de culpas, na graduação dessas culpas terá de ser tido em conta, além do mais, a maior ou menor influência ou medida, em termos de causalidade adequada, em que a conduta de cada um dos condutores intervenientes contribuiu para a ocorrência do sinistro em questão.
Perante o quadro factual provado, ambos os condutores dos veículos intervenientes no acidente de viação em causa não tomaram todas as cautelas que lhes eram exigíveis, ao contrário do que teria feito um condutor médio, colocado na mesma situação. ---
Ora, tanto o Demandante como o condutor do MD deveriam ter atuado, porque assim lhes era exigível nas circunstâncias do caso, de acordo com uma condução segura de modo a poderem ter evitado o acidente, e não da forma desatenta ou temerária como fizeram, e que acabou por comprometer a segurança do trânsito.
Atendendo ao disposto no citado art.º 570.º, do CC, e à gravidade da contribuição de cada um dos condutores intervenientes, para a produção do facto danoso e nas consequências que daí resultaram, mostra-se adequado fixar essa contribuição, em 50% para o Demandante e em 50% para o condutor do veículo seguro pela Demandada.
Perante o exposto, declaro que ambos os condutores contribuíram em igual medida na produção do sinistro, por falta da diligência necessária para evitar a ocorrência de acidentes. (Cfr. art.º 570.º, n.º 1).
Assim, o proprietário do MD responde nos termos do comitente pelos danos causados pelo condutor do referido veículo, por força do disposto no art.º 500.º, do CC.
Todavia, da prova constante dos autos, resulta que à data do sinistro o veículo MD estava seguro na companhia de C, SA (a qual foi incorporada na Demandada), através da apólice n.º 90.01842861, a fls. 35 a 36 vr.
Assim, tendo o proprietário do veículo transferido a sua responsabilidade civil ao abrigo do mencionado contrato de seguro, e estando o evento coberto pela respetiva apólice, a Demandada é responsável por satisfazer a obrigação de indemnizar o Demandante pelos danos decorrentes do sinistro relatado nos autos. Cfr. doc. a fls 35 e 36.
Relativamente ao nexo de causalidade adequada entre o facto e os danos, cumpre dizer que, os danos reclamados pelo Demandante resultam diretamente do sinistro, sendo evidente, perante a prova produzida, que da colisão entre os dois veículos resultaram os danos no para-choques do QB.
Por outro lado, o custo de reparação do veículo e o valor da perda de rendimento pela sua imobilização para reparação estão devidamente contabilizados, bem como, a quantia que o Demandante pagou para obter a certidão do auto de acidente. ---
c) Obrigação de indemnizar:
Tendo sido verificados os pressupostos e declarada a responsabilidade civil da Demandada, nos termos atrás expostos, importa agora valorar os danos que resultaram do acidente em causa nos autos, e calcular a indemnização devida pelo seu ressarcimento, na proporção da respetiva responsabilidade. ---
Relativamente aos danos patrimoniais, os artigos 562.º a 564.º, e 566.º, todos do CC consagram como critério normativo de avaliação da indemnização, a denominada teoria da diferença, ou seja, a diferença patrimonial entre a situação existente devido à produção dos danos e a que existiria, se não se tivesse verificado o evento danoso.
O referido regime legal estabelece que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor e, não sendo possível averiguar o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Danos causados no veículo QB: ---
Ficou provado que o veículo QB sofreu os danos que se encontram devidamente discriminados em documentos juntos aos autos, designadamente, no relatório de peritagem do sinistro, de fls. 45 e 46, no qual a reparação ficou avaliada no montante de €495,10 (quatrocentos e noventa e cinco euros e dez cêntimos). Ora, os referidos danos constituem danos emergentes do acidente ocorrido.
Tendo em conta a concorrência de culpas de ambos os condutores na produção do acidente, deverá a Demandada indemnizar o Demandante na proporção de 50%, o que equivale à quantia de €247,55 (duzentos e quarenta e sete euros e cinquenta e cinco cêntimos).
Devendo o pedido ser procedente nesta parte.

Lucros cessantes:
Ficou igualmente provado que, para proceder à referida reparação, o veículo QB terá de ficar imobilizado por um dia (fls. 45 a 47), e que a imobilização do referido veículo, atenta a sua afetação económica à atividade de táxi, representa uma perda de rendimento corresponde à quantia de €55,84 (cinquenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos). Vide, fls. 18.
Assim, a Demandada deverá indemnizar o Demandante, segundo a proporção acima determinada, isto é, em 50%, do referido valor, o que equivale ao montante de €27,92 (vinte e sete euros e noventa e dois cêntimos).
Outros valores:
Na presente ação o Demandante peticiona, ainda, a condenação da Demandada ao pagamento da quantia de €64,00 (sessenta e quatro euros), que aquele despendeu com a emissão da certidão do auto de ocorrência, constante a fls. 19, bem como, nos juros de mora à taxa legal em vigor, desde a citação até efetivo pagamento, e nas custas.
Relativamente às custas remete-se para o que fica decidido infra.
No que respeita às despesas com o auto de participação, cumpre dizer que nos Julgados de Paz não há lugar a custas de parte, sendo devida taxa de justiça, nos termos do art.º 5.º, da LJP (regulamentada em matéria de custas pela Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, alterada pela Portaria nº 209/2005, de 24 de fevereiro), pelo que o pedido deve improceder.
Juros:
Nos termos do art.º 804º e art.º 559.º do CC, sobre a obrigação de indemnizar incide também a obrigação de pagamento de juros a partir do dia da constituição em mora.
No caso em apreço, incidem juros de mora, à taxa legal de 4%, sobre a quantia global de €275,47 (duzentos e setenta e cinco euros e quarenta e sete cêntimos), calculada nos termos supra, desde a data da citação até integral pagamento, nos termos do nº 3 do art.º 805.º do Código Civil e Portaria nº 291/2003, de 08.04.
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DECISÃO
Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada, e consequentemente, condeno a demandada B, SA, a pagar ao demandante A, a quantia global de €275,47 (duzentos e setenta e cinco euros e quarenta e sete cêntimos), sendo o montante de 247,55 (duzentos e quarenta e sete euros e cinquenta e cinco cêntimos), por danos emergentes para reparação do veículo automóvel da sua propriedade, e o montante de €27,92 (vinte e sete euros e noventa e dois cêntimos), a título de danos cessantes pela imobilização do veículo, pelo tempo necessário à referida reparação.
No restante peticionado na presente ação, vai a Demandada absolvida.
Custas:
Custas em partes iguais. (Cfr., artigos 527.º, n.º 2, e 607.º, n.º 6, ambos do CPC, ex vi art.º 63.º, da LJP), encontrando-se integralmente satisfeitas.
Registe.
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Julgado de Paz do Funchal, em 28 de dezembro de 2018

O Juiz de Paz

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Carlos Ferreira