Sentença de Julgado de Paz
Processo: 54/2013-JP
Relator: IRIA PINTO
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
Data da sentença: 08/02/2013
Julgado de Paz de : SANTA MARIA DA FEIRA
Decisão Texto Integral:
Sentença

Processo nº x
Relatório
O demandante A, melhor identificado a fls. 1 dos autos, intentou, em 22/4/2013, contra o demandado B, melhor identificado a fls. 1, ação declarativa nos termos do artigo 9º, nº 1, alínea i) da Lei 78/2001, de 13 de julho, formulando o seguinte pedido:
Proceder à reparação das anomalias que o veículo detenha, possibilitando a sua circulação ou em alternativa pagar ao Demandante o valor orçado para reparação, ou ainda a resolver o contrato de compra e venda celebrado, com a devolução do preço acordado, compreendendo os dois automóveis e 1.500€, bem como a aceitação do automóvel vendido e a suportar os encargos da presente ação.
Tendo, para tanto, alegado os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 34 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido. Juntou 18 (dezoito) documentos.
Não houve lugar a realização de sessão de pré-mediação, em virtude da situação de ausência do demandado.
O demandado, face à ausência, foi citado na pessoa do seu defensor oficioso, que a fls. 61 a 63 e apresentou contestação de fls. 64 a 66 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, invocando a exceção de caducidade e impugnando em suma os factos relatados no requerimento inicial.
QUESTÃO PRÉVIA
Da exceção de caducidade
O demandado veio, em contestação, deduzir a exceção de caducidade, invocando para o efeito o DL 67/2013, de 2/4 que é o regime jurídico relativo a garantias relativas a bens de consumo, quando os contratantes são um profissional e um consumidor. Ora, dos elementos dos autos, nada faz crer tratar-se o demandado de um profissional de comércio automóvel, até porque vem demandado em nome próprio, nem da prova documental junta aos autos resulta o contrário e não é o facto de vender dois automóveis que lhe dá a qualidade de comerciante.
Pelo que, não sendo de aplicar o regime jurídico assinalado, é inaplicável o prazo de caducidade em causa, pelo que improcede a exceção deduzida.
No caso dos autos aplicar-se-ia o artigo 916º do Código Civil, devendo a denúncia de defeitos ser feita até 30 dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa. Em termos de caducidade da ação, preceitua o artigo 917º do Código Civil, que a acção caduca se o comprador não denunciar os defeitos dentro dos prazos referidos ou sendo decorridos sobre a denuncia o prazo de seis meses, o que não ocorreu.
Considerando que a coisa foi entregue em 15 de novembro de 2012 , que denuncia o defeito em 23 de novembro de 2012 e tendo a ação sido proposta em 22.04.2013, considera-se que denunciou dentro do prazo de denúncia e intentou a acção dentro do prazo de seis meses sobre a denúncia, pelo que improcede a exceção de caducidade deduzida.
Cumpre apreciar e decidir
O Julgado de Paz é competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e não se verificam quaisquer outras exceções ou nulidades de que cumpra conhecer.
Como dispõe o artigo 60º, alínea c) da Lei 78/2001, 13/7, da sentença constará, além dos demais elementos, uma sucinta fundamentação.
Fundamentação da Matéria de Facto
Factos provados
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 - Em 15 de Novembro de 2012, o demandante celebrou com o demandado um negócio de aquisição do veículo usado de marca x, modelo x, com o número de matrícula xx, tendo sido acordado como preço a entrega de dois veículos, um de marca x, modelo x, com o número de matrícula yy, outro de marca x, modelo x, com o número de matrícula zz, e ainda o pagamento de uma quantia de 1500€.
2 - O demandante aferiu e o demandado assegurou de que o automóvel estava em boas condições de funcionamento, tendo sido confirmado com a aprovação de inspeção do veículo pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres na sua última inspeção, que ainda está em vigor, apresentando duas deficiências de tipo 1, não pondo em causa a segurança ou mobilidade dos condutores.
3 - Em 23/11/2013, por carta registada com aviso de recepção, o demandante informou o demandado que o veículo não se apresentava nas condições que lhe foram declaradas, enumerando na referida carta algumas avarias, de entre as quais problemas mecânicos a nível de motor e problemas elétricos, e informando ainda a sua vontade na resolução do contrato, de devolução dos carros e do valor acordado, caso o Demandado não proceda à reparação dos defeitos do automóvel adquirido.
4 - Como o Demandado não respondeu, o demandante apresentou reclamação junto do Centro de Arbitragem do Sector Automóvel, tendo sido acusada a sua recepção no dia 17 de Dezembro de 2012, autuada como proc. Nº x, o qual foi arquivado por recusa do Demandado em submeter o litígio à arbitragem.
5 - O demandante não se conformou com a inércia do demandado.
A fixação da matéria dada como provada resultou da audição das partes, nomeadamente da parte demandante, dos factos admitidos, dos documentos de fls. 4 a 25 e 29 a 33 juntos aos autos, além da demais prova, nomeadamente testemunhal, o que devidamente conjugado com as regras de experiência comum e critérios de razoabilidade alicerçou a convicção do Tribunal.
O Demandante apresentou quatro testemunhas, cujo depoimento contém um conhecimento limitado dos fatos, pelo que apesar de se consideraram credíveis, os seus depoimentos não contêm factos essenciais que levem à descoberta da verdade material. A testemunha C, cunhado do demandante, ouviu parcialmente a conversa da compra e venda dos veículos do demandante pela carrinha do demandante, além do valor de €1.500,00 pago pelo demandante a que não assistiu, tendo o negócio sito feito em duas fases, de manhã e de tarde. A testemunha D, amigo do demandante, diz ter pedido emprestada pelo demandante a carrinha, tendo constatado a falta de tração na sua condução, uma vez que a carrinha em subidas, tem pouca força. A testemunha E, amigo do demandante, pediu também ao demandante a carrinha emprestada, tendo uma das vezes ido ao monte buscar lenha e não entrava a tração, disse ainda que a dita carrinha foi à inspecção e chumbou, pois tinha algumas deficiências e depois, após retificação, passou. A testemunha F, esposa do demandante, soube do negócio do marido, embora limitadamente, desconhecendo o pagamento de €1.500,00, pois chegou a ver o demandado e a esposa da parte da tarde, constatou que levaram o jipe e o x, mais expôs que o marido conheceu o demandado pela internet, contactou com ele por telefone e conheceu-o nesse dia, tal como o marido.
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou insuficiência de prova nesse sentido. Nomeadamente não ficou provado a falta de tração ou o defeito na tração ou no motor, problemas eléctricos, ou outros, da carrinha x objeto dos autos.
Fundamentação da Matéria de Direito
O demandante intentou a presente ação peticionando a condenação do demandado a proceder à reparação das anomalias que o veículo detenha, possibilitando a sua circulação ou em alternativa pagar ao Demandante o valor orçado para reparação, ou ainda a resolver o contrato de compra e venda celebrado, com a devolução do preço acordado, compreendendo os dois automóveis e 1.500€, bem como a aceitação do automóvel vendido, alegando o incumprimento do negócio por parte do demandado.
Estamos, assim, perante a figura jurídica do contrato de compra e venda, com previsão no artigo 874º do Código Civil, segundo o qual se dá a transmissão de propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço. Tal tipo de contrato tem como efeitos essenciais a transmissão da coisa, a obrigação de a entregar e a de pagar o preço respetivo (artigo 879º do Código Civil). Considerando a existência de troca de veículos entre demandante e demandado, houve lugar a uma permuta.
A relação material controvertida circunscreve-se a alegada venda de coisas defeituosas.
Dispõe o artigo 405º do Código Civil sobre o princípio da liberdade contratual, com os limites previstos na lei, devendo os contratos ser pontualmente cumpridos, só podendo modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimentos dos contraentes ou nos casos previstos na lei (artigo 406º). Assim, as obrigações contratuais devem ser cumpridas nos exactos termos em que são assumidas (pacta sunt servanta) e segundo as normas gerais da boa-fé. Ainda nos termos do artigo 227º, nº 1 do Código Civil, quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na sua formação, proceder segundo as regras de boa-fé, sob pena de ter de responder pelos danos que culposamente causou à outra parte, seja nos seus preliminares ou caso se consuma.
Assim, nos termos do artigo 913º do Código Civil, se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observa-se o regime da venda de bens onerados do artigo 905º e seguintes. Ainda refere o seu nº 2 que quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atende-se à função normal das coisas da mesma categoria.
O comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa, além de indemnização (artigos 914º e 915º do mesmo código) ou pode o contrato ser anulável, nos termos do artigo 905º.
Dispor o artigo 342º do Código Civil que, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova constitutiva dos factos alegados.
No caso dos autos, o demandante não prova se a tração da carrinha em causa é de origem ou extra, se o defeito da carrinha é ao nível da tração ou do motor da carrinha, se existem defeitos na parte eléctrica, entre outros, não trazendo aos autos qualquer mecânico ou técnico que após análise da carrinha, pudesse tirar uma conclusão fiável, não se limitando a expor que tem “pouca força”, sem um diagnóstico a nível mecânico, sendo apresentado um mero orçamento para verificação, que de modo algum pode comprovar alegados defeitos.
Constata-se que em 24.5.2012, a inspeção técnica periódica da carrinha, só constata deficiências ao nível de uma das luzes da chapa de matrícula não funcional e do pára-choques traseiro da carrinha, que não põe em causa a mobilidade ou segurança da mesma. Entretanto não foi junto aos outros outro documento de inspeção periódica, sendo certo que estava prevista para 15.5.2013 (fls. 16).
Independentemente do exposto, note-se ainda que esta carrinha tem o ano de 1990, como ano de matricula, ou seja, à data da compra – novembro de 2012 – tinha 22 anos.
Pelo que se conclui que não foi feita qualquer prova da existência de defeitos na carrinha objeto dos autos, que dê lugar a responsabilidade por parte do demandado.
Improcedem, assim, na totalidade as pretensões do demandante.
Decisão
Em face do exposto, julgo a ação improcedente, por não provada e, consequentemente, absolvo o demandado do pedido.
Custas
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, sendo devida pelo presente processo a taxa única de €70,00 (setenta euros), condeno o demandante no pagamento de custas do processo, pelo que tendo pago de taxa de justiça inicial o valor de €35,00, deve ainda o demandante proceder ao pagamento do valor restante de €35,00 (trinta e cinco euros), no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação da sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de €10,00 (dez euros) por cada dia atraso.
A sentença (conforme A.O., processada em computador, revista e impressa pela signatária - artº 18º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho) foi proferida, nos termos do artigo 60º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho.
Notifique e registe.
Julgado de Paz de Santa Maria da Feira, em 2 de agosto de 2013
A Juíza de Paz (em acumulação de serviço)
(Iria Pinto)