Sentença de Julgado de Paz
Processo: 11/2018-JPCRS
Relator: ELISA FLORES
Descritores: REIVINDICAÇÃO
POSSESSÓRIAS
USUCAPIÃO
ACESSÃO E DIVISÃO DE COISA COMUM
Data da sentença: 02/27/2018
Julgado de Paz de : CARREGAL DO SAL
Decisão Texto Integral: Decisão Texto Integral:
ATA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO

Aos vinte e sete dias do mês de fevereiro de dois mil e dezoito, pelas 14:30 horas, realizou-se no Julgado de Paz de Carregal do Sal, a Audiência de Julgamento do Processo n.º 11/2018 - JPCSal, em que são partes:
Demandantes
-A, e mulher, B
Demandados:
-C, e mulher, D;
Realizada a chamada verificou-se que se encontravam presentes os demandantes acompanhados pela sua Ilustre Solicitadora, Drª. E, os demandados, e ainda as testemunhas arroladas pelos Demandantes constantes do Quadro e documentos que antecedem.
O Julgamento foi presidido pela Ex.ma Senhora Juíza de Paz, Dra. Elisa Flores.
Aberta a Audiência, a Ilustre Solicitadora dos demandantes pediu a palavra, e sendo-lhe concedida, informou que constatou que estaria junto ao processo uma Procuração emitida pelos Demandantes mas que está junta a outro processo, P153/2017-JPCSal pelo que requerem os Demandantes a junção agora de uma nova, ratificando todo o processado, o que foi deferido.
Após, requereu o aperfeiçoamento de pequenos lapsos da petição inicial, nos seguintes artigos 1º, 3º, 4º 7º, 9º, 10º, 11º, 12º e 18º e do seguinte modo:
“Artigo 1º: Considerar não escrita a palavra “primeiros”;
Artigo 3º:Considerar não escrita a palavra “primeiros”;
Artigo 4º:Onde consta: “Procederam nesses mesmos anos à divisão do referido prédio…”, deve constar “Procederam nesse mesmo ano de 1983 à divisão informal do referido prédio..”
Artigo 7.º: Onde consta: “Tudo conforme a configuração constante dos levantamentos topográficos que se juntam como DOC. N.º3, e aqui se dão inteiramente reproduzidos e integrados para todos os legais efeitos.” Deve constar “Tudo conforme a configuração constante do levantamento topográfico que se junta como DOC. N.º3, e aqui se dá inteiramente reproduzido e integrado para todos os legais efeitos.”;
Artigo 9.º: Onde consta: “Contudo, os prédios, referidos no art.º 1.º deste R.I., permanecem inscritos, em compropriedade, em nome dos demandantes e demandados, o que não reflete a situação factual existente no prédio há mais de 20 anos.” Deve constar: “Contudo, o prédio, referido no art.º 1.º deste R.I., permanece inscrito, em compropriedade, em nome dos demandantes e demandados, o que não reflete a situação factual existente no prédio há mais de 20 anos.”;
Artigo 10.º: Onde consta: “Assim, desde pelo menos 1983, respetivamente, os demandantes por si ou interposta pessoa, tem possuído e usado a respetiva parcela identificada no art.º4.º alíneas a), fruindo-a, colhendo os frutos dai provenientes;” deve constar: “Assim, desde pelo menos 1983 os demandantes por si ou interposta pessoa, têm possuído e usado a respetiva parcela identificada no art.º4.º alínea a), fruindo-a, colhendo os frutos dai provenientes;
Artigo 11º: Onde consta “Limpando-as de mato, cortando ou mandando cortar os pinheiros aí existentes, cultivando-as” deve constar: “Limpando-a de mato, cortando ou mandando cortar os pinheiros aí existentes, cultivando-a.”
Artigo 12.º: Onde consta “O que sempre fizeram e fazem à vista e com o conhecimento de toda a gente, de forma contínua e ininterrupta, agindo e comportando-se, relativamente à sua parcela como seus verdadeiros e exclusivos proprietários na convicção de que, com sua posse, não lesava direitos de outrem.” Deve constar: “O que sempre fizeram e fazem à vista e com o conhecimento de toda a gente, de forma contínua e ininterrupta, agindo e comportando-se, relativamente à sua parcela como seus verdadeiros e exclusivos proprietários na convicção de que, com a sua posse, não lesavam direitos de outrem.”.
Artigo 18.º: Onde consta: “A divisão informal do referido “prédio mãe”, descrito e identificado no art.º1.º deste articulado, na referida parcela atrás descrita e melhor identificada no artigo 4.º tornou-se efetiva e legal por usucapião, instituto que aqui expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos;” deve constar: “A divisão informal do referido “prédio mãe”, descrito e identificado no art.º1.º deste articulado, nas referidas parcelas atrás descritas e melhor identificadas no artigo 4.º tornou-se efetiva e legal por usucapião, instituto que aqui expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos;”.
Pedido, Alínea b): Onde consta: “…… do prédio que efetivamente possui, melhor identificado……” deve constar: “….do prédio que efetivamente possuem, melhor identificado ……”;
Dada a palavra aos demandados os mesmos disseram nada terem a opor ao aperfeiçoamento ou a contestar, pelo que o mesmo foi admitido pela Sra. Juíza de Paz que determinou que no requerimento inicial passe a conter as alterações supra.
A Audiência prosseguiu com as declarações das partes e a inquirição das testemunhas arroladas pelos Demandantes F e G, que depois de prestado o devido juramento nos termos do artigo 459º e cumprido o disposto no artigo 513º, ambos do Código de Processo Civil, disseram: nada.
Após, a Srª Juíza de Paz deu a palavra à Ilustre Solicitadora dos demandantes e aos demandados para produzirem umas curtas alegações.
Seguidamente, proferiu o seguinte Despacho:
“Suspende-se a presente Audiência, devendo a mesma continuar pelas 17:00 horas para prolação da sentença.
Reaberta a sessão, a Srª Juíza de Paz proferiu a sentença anexa à presente ata e que dela faz parte integrante e entregou uma cópia aos presentes que disseram ficar cientes, considerando-se notificados.
Nada mais havendo a salientar a Sra. Juíza de Paz deu como encerrada a Audiência.
Para constar se lavrou esta Ata que vai ser devidamente assinada.

A Juíza de Paz,
Elisa Flores

O Técnico de Apoio Administrativo,
Miguel Alberto Baptista Mendes
SENTENÇA
Demandantes: A, e mulher, B;
Demandados: C, e mulher, D;
RELATÓRIO:
Os demandantes propuseram contra os demandados supra identificados, a presente ação declarativa para autonomização de parcela que se enquadra na alínea e) do nº 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, pedindo, com os fundamentos constantes do requerimento inicial, para: a) Declarar que a parcela dos demandantes, com a composição e configuração agora descritas, se autonomizou por via da usucapião, atenta a demarcação de facto alegada, a qual passou a ser um prédio autónomo e distinto do identificado no artigo 1.º da petição inicial e do qual se destacou; b) Reconhecer os demandantes como donos e legítimos proprietários do prédio que efetivamente possuem, melhor identificado na alínea a) do artigo 4.º da petição inicial e que consta delimitado a vermelho no levantamento topográfico junto como doc. n.º 3; c) Condenar-se os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência de tal prédio como autónomo e distinto, assim como o direito de propriedade dos demandantes sobre o mesmo; d) E em consequência, ordenar-se a atribuição de artigo matricial e registo do mesmo a seu favor, cessando a sua compropriedade na restante área do prédio.
Para o efeito, juntaram três documentos, que aqui se dão por reproduzidos.
Os demandados, regular e pessoalmente citados, não apresentaram contestação mas compareceram à Audiência de Julgamento.
Na Audiência de Julgamento só os demandantes apresentaram testemunhas.
Valor da ação: € 2.501,00(dois mil e quinhentos e um euros).
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados os seguintes factos:
1.º- Encontra-se inscrito na Matriz predial, sob o artigo 0000º, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Z sob o n.º 000/000, em nome do demandante, na proporção de ¾, e da demandada, na proporção de ¼, com a área de 9.310m2, o prédio rústico, sito em, Y, freguesia de W, concelho de Z, composto de terra de cultura com pomar, a confrontar a Norte com H, a Nascente com I e caminho, a Sul e a Poente com A e caminho;
2.º- Este prédio, na referida proporção, veio à titularidade dos demandantes por partilha de herança de U, pai da demandante, no ano de 1983;
3.º- O restante ¼ do prédio foi nessa mesma partilha adjudicado a I e a V, pais da demandada mulher;
4.º- E que atualmente pertence aos demandados por partilha de herança daqueles;
5.º- Nesse mesmo ano de 1983, demandantes e pais da demandada mulher procederam à divisão material do referido prédio, nas seguintes parcelas completamente autónomas e distintas, devidamente demarcadas, com marcos que cravaram no solo ao longo das linhas divisórias de cada uma:
a) A parcela 1, com a área de 6.035m2, que ficou a pertencer aos demandantes, então já casados, composta por pinhal e terreno de cultivo, a confrontar a Norte com H e com J, a Sul com os aqui demandantes, a Nascente com a Parcela 2, com H e com os aqui demandantes e a Poente com caminho fazendeiro, identificada como “1” e delimitada a vermelho no Levantamento Topográfico, junto a fls. 14 dos autos;
b) A parcela 2 com a área de 1.665m2, composta por terreno de cultivo, que ficou a pertencer, aquando da divisão, aos pais da aqui demandada, a confrontar atualmente a Norte com H, a Sul com caminho, com os próprios e com L, a Nascente com herdeiros de M e a Poente com os aqui demandantes, identificada como “2” e delimitada a verde no mesmo Levantamento Topográfico;
6.º- Tendo daí resultado dois prédios autónomos e independentes um do outro; 7.º- A partir da referida demarcação de facto, quer os demandantes, quer os antepassados dos demandados, quer depois estes, por forma visível e permanente, passaram a exercer sobre as respetivas parcelas, uma posse pública, pacífica e de boa-fé, passando a possuir, usar e fruir cada parcela individualizada, autónoma e distinta, como se de coisa sua se tratasse;
8.º- Respeitando rigorosamente as suas extremas e divisórias com total exclusividade, autonomia e independência;
9.º- Assim, desde pelo menos 1983, os demandantes por si ou interposta pessoa, têm possuído e usufruído a respetiva parcela, identificada no ponto 5.º, alínea a) supra, por forma visível e permanente;
10.º- Cultivando-a, colhendo os frutos daí provenientes, limpando-a de mato, cortando ou mandando cortar os pinheiros aí existentes;
11.º- Tudo em proveito próprio, agindo e comportando-se, relativamente à sua parcela, como seus verdadeiros e exclusivos proprietários;
12.º- Na convicção de que, com a sua posse, não lesavam direitos de outrem;
13.º- O que sempre fizeram, e fazem, à vista e com o conhecimento de toda a gente;
14.º- De forma contínua e ininterrupta;
15.º- Sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente dos aqui demandados e/ou dos seus ante possuidores;
16.º- E sempre na convicção de que a mesma lhes pertencia como coisa própria e separada da outra parcela que compõe o prédio identificado no ponto 1.º supra;
17.º- Os demandantes têm tido, assim, a detenção da sua parcela, já totalmente separada e distinta do prédio inicial, por divisão informal, na convicção de serem seus donos exclusivos.
Motivação dos factos provados:
Atendeu-se aos documentos juntos aos autos, nomeadamente o Levantamento Topográfico, que não foram impugnados, às declarações das partes e ao depoimento das testemunhas apresentadas pelos demandantes, F, com 66 anos de idade, e G, com 77 anos de idade. O primeiro, vizinho do prédio desde que fez a sua casa em 1986 e o segundo que reside há muitos anos perto, “desta fazenda”. -Ambos confirmaram os factos articulados pelos demandantes, e identificaram a parcela de cada uma das partes, referindo que se encontram bem divididas por marcos há mais de trinta anos. Depuseram de modo credível, com isenção e sobre factos de que tinham conhecimento direto, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63.º na Lei nº 78/2001 de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 54/2013 de 31 de julho e no artigo 396.º do Código Civil (doravante designado C. Civil).

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não existem factos não provados.
FUNDAMENTAÇÃO De direito:
Os demandantes visam com a presente ação adquirir, por usucapião, a parcela designada por “1” no Levantamento Topográfico, descrita no ponto 5.º, a) da factualidade assente, por se ter autonomizado deste “prédio mãe”. Resulta da matéria de facto dada como provada que o imóvel se encontra dividido, de facto e informalmente, em dois prédios perfeitamente autónomos, individualizados e demarcados, há mais de vinte anos, passando demandantes, demandados e ante possuidores a explorar cada um deles exclusivamente a sua parte. Apurado ficou também que os demandantes têm exercido a posse, por inversão do título de comproprietário para proprietário exclusivo, desde o ano de 1983 até ao presente, por forma correspondente ao direito de propriedade, assumindo-se como legítimos e exclusivos proprietários da sua parcela. Posse que é titulada, por escritura de partilhas, mas que não reflete a realidade jurídica possessória, que existe há muitos anos. O instituto da usucapião tem eficácia constitutiva, permitindo adquirir o direito sobre o qual foi constituída, e liga-se à posse, pública e pacífica, como um dos seus efeitos (cf. artigos 1316º, 1287º, 1297º, 1265º e 1300º, todos do C. Civil); E tem de se prolongar, de forma contínua, por um determinado prazo. Na situação dos autos, a mesma tem uma duração temporal superior à legalmente exigida, uma vez que se trata de posse de boa-fé, por ter sido elidida a presunção do nº 2, do artigo 1260.º do C. Civil. O artigo 7º do Código de Registo Predial estabelece que o registo definitivo faz presumir que o direito existe e pertence ao titular inscrito, mas esta presunção legal foi aqui elidida mediante prova em contrário pelos demandantes (cf. artigo 350º, nº 2 do C. Civil), que provaram que o prédio originário, “prédio mãe” foi dividido informalmente em duas partes e uma dela lhes pertence em exclusividade e não em compropriedade como se encontra refletido no Registo Predial. O artigo 1268º do C. Civil estabelece também uma presunção, a de que, quem está na posse de uma coisa é titular do direito correspondente aos atos que pratica sobre ela. Acresce ainda, que a posse é pública se é exercida de modo a que todos aqueles que possam invocar um direito contraditório com a coisa possam ter conhecimento dela. E é pacífica se adquirida sem violência. No caso dos autos resulta que a posse dos demandantes preenche também estes requisitos. E presumindo-se que quem pratica os atos materiais, o “corpus”, tem igualmente o “animus possidendi”, presunção que não foi ilidida pelos demandados, resulta do exposto que os demandantes reúnem, assim, os requisitos legalmente exigidos para o efeito de aquisição por usucapião, da referida parcela. Mas aquela não opera, contudo, automaticamente, pelo mero decurso do prazo, necessita de ser invocada, o que pretendem os demandantes com a presente ação. Assim sendo, o exercício efetivo e com caráter de reiteração, público e de boa-fé, da posse do prédio pelos demandantes, como titulares de um direito de propriedade, por mais de vinte anos, confere-lhes o direito de adquirir esse mesmo direito, por via da usucapião, nos termos do artigo 1287º e seguintes do C. Civil, por se encontrarem preenchidos os seus requisitos. Por outro lado, é jurisprudência maioritária que não são impedimento as regras que visam evitar o fracionamento excessivo de prédios rústicos, porque cedem perante os direitos adquiridos por usucapião, forma de aquisição originária da propriedade (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-01-2006, P. nº 0536437, in www.dgsi.pt). E não prejudica os interesses e reais direitos de ambas as partes a constituição de novo artigo rústico correspondente à parcela usucapida a favor dos demandantes. decisão:

Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada, e em consequência:
a) Declaro que o prédio rústico, com a área de 6.035m2, identificado como “1” e delimitado a vermelho no Levantamento Topográfico junto a fls. 14 dos autos, pertence exclusivamente aos demandantes, A, e mulher, B, por se ter autonomizado, por via da usucapião, do prédio originário, “prédio mãe”, e é composto por pinhal e terreno de cultivo, a confrontar a Norte com H e com J, a Sul com os próprios, a Nascente com C e D, com H e com os próprios e a Poente com caminho fazendeiro;
b) Condeno os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência deste prédio, identificado na anterior alínea a), bem como o direito de propriedade exclusiva dos demandantes sobre o mesmo, prédio autónomo e distinto do inscrito na Matriz sob o artigo 0000º, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Carregal do Sal sob o n.º 000/19881121, cessando a compropriedade no restante;
c) Em conformidade, ordeno:
- A atribuição de artigo matricial e o registo do prédio agora autonomizado, a favor dos demandantes com a composição e da forma indicada na alínea a) da presente decisão;
- O abatimento na área do “prédio mãe” na Matriz Predial da área do prédio agora autonomizado;
Dada a natureza do processo, custas pelos demandantes.
Registe e notifique.
Carregal do Sal, 27 de fevereiro de 2018
A Juíza de Paz, (Elisa Flores)