Sentença de Julgado de Paz
Processo: 96/2017-JPCRS
Relator: ELISA FLORES
Descritores: LITÍGIOS ENTRE PROPRIETÁRIOS E RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E EXTRA CONTRATUAL
Data da sentença: 01/19/2018
Julgado de Paz de : CARREGAL DO SAL
Decisão Texto Integral:
Decisão Texto Integral:
VI ATA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO

Aos dezanove dias do mês de janeiro de dois mil e dezoito, pelas 15:45 horas, realizou-se no Julgado de Paz de Carregal do Sal a continuação da Audiência de Julgamento do Processo n.º96/2017 - JPCSal, em que são partes:
Demandantes: A e B;
Demandados: C e D.
Realizada a chamada verificou-se que ninguém se encontrava presente.
O Julgamento foi presidido pela Ex.ma Senhora Juíza de Paz, Dra. Elisa Flores.
Aberta a Audiência, a Srª Juíza de Paz proferiu a Sentença anexa à presente ata e que dela faz parte integrante e depositou-a na Secretaria.
Nada mais havendo a salientar a Sra. Juíza de Paz deu como encerrada a Audiência.-
Para constar se lavrou esta Ata que vai ser devidamente assinada.
A Juíza de Paz,
Elisa Flores
O Técnico de Apoio Administrativo,
Miguel Alberto Baptista Mendes

SENTENÇA
A, e mulher, B, propuseram contra C e mulher, D, a presente ação declarativa de condenação, enquadrada nas alíneas d) e h) do nº 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, pedindo que os demandados sejam condenados:
- A procederem à retirada de todos os objetos que colocaram / afixaram na parede dos requerentes, bem como à demolição do alteamento do muro que levaram a cabo;

- A pagarem aos demandantes a quantia de € 2 000,00, a título de danos não patrimoniais;

- A absterem-se de voltar a colocar quaisquer objetos na parede, muros, telhado que bem sabem não lhes pertencer, sob pena de pagamento da cláusula penal de € 4 000,00;
Nas custas, juros e procuradoria.
Para o efeito, alegaram os factos constantes do requerimento inicial de fls. 5 a 14 e juntaram sete documentos, que aqui se dão por reproduzidos.
No decorrer da Audiência, e a seu pedido foi junto aos Autos cópia do processo de loteamento e de duas fotografias aéreas dos anos de 1988 e 2015, dos prédios em causa nos autos, documentos solicitados por este Tribunal à Câmara Municipal de W e ao Instituto Geográfico do Exército, respetivamente.
Os demandados contestaram por impugnação, concluindo pela improcedência da ação e pela absolvição de todos os pedidos e requereram a condenação dos demandantes como litigantes de má-fé, no pagamento de multa e de indemnização a seu favor e a fixar pelo Tribunal. Tudo nos termos constantes de fls. 110 a 127 dos autos. Juntaram doze documentos, que aqui também se dão por reproduzidos.
Concedido prazo para os demandantes se pronunciarem sobre o pedido de condenação como litigantes de má-fé, fizeram-no nos termos constantes de fls. 185 a 187, concluindo pela improcedência do pedido e a consequente absolvição.
O litígio foi submetido a Mediação onde as partes não lograram chegar a acordo.
Foi efetuada Inspeção ao Local e em Audiência de Julgamento, não tendo resultado a tentativa de Conciliação, ambas as partes apresentaram prova testemunhal e novos documentos e requerimentos sobre a matéria probatória, tendo a Audiência se prolongado por cinco sessões de julgamento.
Valor da ação: Fixa-se em € 6 000,00 (seis mil euros).
O artigo 60º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, na sua alínea c), prescreve que do conteúdo da sentença proferida pelo juiz de paz faça parte uma sucinta fundamentação. Assim:
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados, com interesse para os presentes autos, os seguintes factos:
1.º - Encontra-se inscrito na Matriz predial sob o artigo 0000º e descrito na Conservatória do Registo Predial de W com o n.º 2365, em nome do demandante, um prédio urbano, inscrito na e sito na Quinta das Flores, Lote n.º 2, que confronta de Norte com E, de Sul com Rua Pública, de Nascente com Lote n.º 1 e de Poente com Lote n.º 3;
2.º - Por outro lado, encontra-se inscrito na Matriz predial sob o artigo 0001º e descrito na Conservatória do Registo Predial de W com o n.º 2366, em nome do demandado, um Prédio Urbano, composto por casa de habitação constituída por T/C e 1.º andar, com logradouro anexo, tendo no R/C uma divisão assoalhada e no 1.º andar 3 divisões assoalhadas, na freguesia e concelho de W, que confronta de Norte com E, de Sul com Rua Pública, de Nascente com Lote n.º 2 e de Poente com Lote n.º 4;
3.º - O prédio dos demandantes confronta do seu lado poente com os dos demandados;-
4.º - Os demandantes adquiriram o prédio urbano identificado em 1.º, no dia 25 de outubro de 2006, através de escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca;
5.º - Sendo que o referido imóvel se destina à sua casa de habitação, quando estão em Portugal;
6.º - Os demandantes estão emigrados no yyy, onde passam grande parte do ano, deslocando-se a Portugal apenas na época de férias laborais e escolares dos filhos;
7.º - Por tal facto, não estão constantemente sob vigilância do seu prédio, sendo que só nesta altura é que averiguam o estado do mesmo;
8.º - Foi o que sucedeu nas férias do ano de 2014, que verificaram, quando chegaram à sua casa de habitação, que a casa estava com humidade, concretamente na zona que confina com o Sr. C e mulher;
9.º - E, ao deslocarem-se ao exterior do imóvel para aferir de onde é que entravam as humidades, verificaram que havia pregos, buracos, barras de alumínio na parede confinante com os demandados;
10.º - Os demandados compraram a sua casa de habitação onde residem todo o ano há mais de vinte anos e quando a adquiriram encontrava-se com as mesmas obras na parede que confina com o prédio dos demandantes que existiam no ano de 2014;
11.º - Não efetuaram os demandados quaisquer obras desde a aquisição do imóvel até ao verão de 2014, que pudessem provocar os danos invocados;
12.º - O que ali se encontrava no verão de 2014 era o que os demandados receberam dos anteriores proprietários na data da compra do imóvel;
13.º - Instados os demandados para remover tais objetos e reparar os danos causados, fizeram-no após uma notificação judicial avulsa;
14.º - Nesse mesmo ano quando foram conferir se os demandados já tinham retirado os objetos e reparado os danos causados, viram que aqueles haviam alteado o muro que delimita a casa de ambos, com cinco filas de blocos em toda a sua extensão;
15.º - Tendo os demandantes chamado os demandados para que procedessem à sua demolição com o fundamento de considerarem seu o muro e não lhes ter sido autorizada a construção;
16.º - Embora tenham sido interpelados também por outra notificação judicial avulsa notificados estes nada fizeram;
17.º - E nesta altura os demandantes constatam que os demandados também procederam à construção de uma garagem;
18.º - Neste seguimento, a demandante mulher deslocou-se por diversas vezes à Câmara Municipal, no sentido de aferir se tal construção estava devidamente licenciada e a estar qual a razão de o terem feito;
19.º - E, nessas deslocações à Câmara Municipal foi-lhe transmitido que iam ao local e que após averiguações que lhe comunicariam, outras vezes foi-lhes dito que a construção era legal, sem o justificarem;
20.º - E, neste contexto, a demandante fez um requerimento dirigido à Câmara Municipal em 05 de agosto de 2015, questionando acerca da legalidade de tais construções e requerendo cópia dos respetivos projetos;
21.º - A resposta da Câmara Municipal, com parecer do Eng. F, é no sentido de que, o enquadramento legal é de obras isentas de licenciamento, juntando participações e requerimentos feitos á Câmara Municipal, sempre na sequência das intervenções dos demandantes;
22.º - Em 05/08/2015, os demandantes interpelam o referido Município acerca da garagem, e em 21/08/2015, dá entrada nova participação de obra isenta de licenciamento;-
23.º - Mas antes de tais participações já as obras se encontravam concluídas;
24.º - Na sequência da resposta emitida pela Câmara Municipal em 16/09/2015, a demandante mulher faz nova exposição à Câmara Municipal de W, solicitando a medição das construções ali edificadas por ser visível a olho nu que não tinham as mediadas estipuladas para a isenção de licenciamento;
25.º - E é então que esta entidade lhe responde, em 11/11/2015, que irá fazer um levantamento topográfico;
26.º - De onde resultou que a construção não se enquadra como obra isenta de licenciamento, pelo que tiveram os demandados que legalizá-la;
27.º - Tendo os demandantes ainda feito participação criminal que corre termos nos Serviços do Ministério Público de W com factualidades relacionada com as mesmas obras;
28.º - Sendo que, para efeitos de legalização da referida construção, os demandados adquiriram uma parcela de terreno que foi destacada do prédio urbano que é propriedade dos herdeiros de E – sua esposa G e filhos I e J, e que se situa nas traseiras do loteamento onde se integram os lotes onde foram construídas as casas dos demandantes e dos demandados;
29.º - Essa casa de habitação, que integra a herança aberta por óbito de E, tem jardim e logradouro, todo ele delimitado em toda a vasta área por um muro;
30.º - O prédio urbano dos demandados é atualmente composto pelo lote onde se encontra a sua casa de habitação adquirida por escritura pública de compra e venda no dia 26 de junho de 1996, a que acresceu o terreno destacado do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de W sob o artigo 2151º, descrito na Conservatória do Registo Predial de W sob o n.º 000 da indicada freguesia;
31.º - Com esta compra do terreno destacado ficaram os demandados proprietários de parte do prédio urbano constituído pelo terreno confinante e ficaram assim no seu prédio com uma parte do muro de delimitação do prédio primitivo;
2.º - E o prédio dos demandantes e o prédio do proprietário Sr. L passaram assim a confrontar não com o prédio urbano da herança de E, mas sim com os aqui demandados; --
33.º - Os demandantes nunca tiveram acesso pelo limite da propriedade para o prédio que hoje é dos demandados ou para o prédio que anteriormente foi da indicada herança;
34.º - Tal muro, quando os demandantes compraram a sua casa era um muro baixo, com duas ou três fileiras de blocos de cimento, sem reboco, e com chapas altas de 2 ou 3 metros, que foram colocadas há muito pelos anteriores proprietários da casa e que estes não retiraram após a aquisição;
35.º - O acesso dos demandantes é feito à casa de habitação e à rua pelos portões que têm acesso à estrada com que confinam;
36.º - Com o muro assim tapado pela parede colocada pelos demandados, em caso de acidente na casa de habitação dos demandantes, é impossível aceder ao interior do imóvel pela parte de trás;
37.º - Nenhuma outra casa do loteamento está bloqueada nas traseiras com parede;
38.º -Com toda esta situação os requerentes sofreram incómodos e aborrecimentos vários.
Motivação dos factos provados:
Resultaram da conjugação dos factos admitidos por acordo, dos depoimentos de parte da demandante mulher e de ambos os demandados, dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados e aos que foram corroborados pelo depoimento das testemunhas, da prova testemunhal e do observado pelo Tribunal em Inspeção ao local que foi efetuada após a inquirição das testemunhas e permitiu enquadrar e avaliar os respetivos depoimentos produzidos em Audiência de Julgamento, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil (C.P.C.), aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo mesmo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, e no artigo 396º do Código Civil (doravante designado simplesmente por C.Civ).
Relativamente à prova testemunhal, foram relevantes os depoimentos da demandante mulher e M, única testemunha dos demandantes, anterior proprietário do seu prédio e que foi quem lho vendeu. Este depôs quanto ao muro divisório e quanto aos objetos que já encontrou quando adquiriu a casa, e assim os deixou, e ainda que viu o Sr. C e o irmão a pôr vigas e o telhado do anexo, por cima do muro divisório, e que quando vendeu a sua casa em 2006 este já tinha construído por cima das chapas um muro de uns 20 cm. Prestou um depoimento objetivo e sobre factos de que tinha conhecimento direto. Bem como foi relevante o depoimento dos demandados, sobretudo na parte em que descrevem o modo como realizaram as obras e quanto ao facto de já terem encontrado os objetos na parede dos demandantes quando compraram a sua casa.
Relativamente às suas testemunhas, a N, anterior proprietária da casa dos demandados e foi quem lhes vendeu, e O, esposa da testemunha P, anteriores proprietários do prédio rústico objeto de loteamento, prestaram também um depoimento objetivo, isento e sobre os factos de que tinham conhecimento direto.
Aquela referiu que a salamandra e a chaminé já lá existiam e que foi quem colocou o estendal, e que na parte de trás da casa existia um muro baixinho e depois o muro da Dª. G; a Dª. O depôs que o muro da D. G já estava feito quando comprou o terreno ao cunhado em 1984, a dividir os terrenos, e que não sabe quem o construiu nem o cunhado lhes disse nada sobre o muro divisório; Que o muro foi desmanchado quando se fez o loteamento mas não sabe quem negociou o muro nem quem andou a ver a construção do novo; E que a D. G após o loteamento nunca mexeu nos muros por dentro das casas, porque quem cuida dessa parte é quem é dono das casas, disse.
Já quanto à testemunha G, herdeira da herança aberta por óbito do seu marido e proprietária do prédio confinante ao loteamento e a quem os demandados, de quem é muito amiga, adquiriram a supramencionada parcela de terreno para destaque, o seu depoimento, por estas razões, deve ser valorado com reserva. E ainda porque tem interesse direto na causa, como demonstrou ao depor de um modo hostil, sobretudo interessada em dizer e reforçar que todo o muro que divide o seu terreno das casas resultantes do loteamento, onde se incluem o dos demandantes e o dos demandados, é sua propriedade exclusiva.
Referiu que a sua casa estava construída e toda murada quando foi feito o loteamento, “com o mesmo muro que hoje lá está”, disse, e aquando do loteamento para poderem edificar 4 casas pediram-lhe que trocasse um pouco de terreno junto à estrada por uma esquina de trás e que reconstruiram o muro por onde agora está; Que não sabe se foi todo reconstruído e que não esteve presente nas negociações do muro e depôs ainda que nunca rebocou ou mexeu nos muros pelo lado de dentro das casas.
Dos documentos do loteamento resulta a referida troca e da inspeção ao local constatou-se que os muros por dentro das casas dos demandantes e demandados está rebocado, e que o muro do prédio da herança está rebocado de um lado e do outro, com exceção do das casas do loteamento; Que não é todo igual e que está em algumas partes ao nível do terreno que é desnivelado.
Por último a testemunha, P, revelou que foi quem acompanhou as obras da casa da G (da herança) e ficou a cuidar dela e que foi quem fez o negócio da troca de terreno com a empresa do loteamento, yyyy, que reconstruiu o muro, conforme estava, em blocos e recolocaram uns pilares que estavam no anterior muro, mediante exigência sua; E que a yyyy além deste muro fez um outro em cada casa, de blocos, de uns 50 ou 60 cm, que não encostavam naquele e que não sabe se ainda lá está.
O seu depoimento, se bem que sobre factos de que tinha conhecimento direto, ocorridos há muito, revelou-se pouco isento, sempre preocupado em realçar que o muro era da G.
Nenhuma testemunha revelou conhecimento direto sobre as obras feitas pelos demandados e aqui em causa, nem de haver humidades no prédio dos demandantes.
Mais foram tidos em conta, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do C.P.C., factos instrumentais e factos que complementam ou concretizam os que as partes alegaram e resultaram da instrução e discussão da causa, e relativamente aos quais todos tiveram a possibilidade de se pronunciar.

Factos não provados e respetiva motivação:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa, por existência de prova contrária ou por falta de mobilidade probatória credível que permitisse ao Tribunal aferir da veracidade dos factos, nomeadamente que: - Que foram os demandados que colocaram pregos, buracos e barras de alumínio na parede dos demandantes;
- Que foram esses pregos, buracos e barras de alumínio que provocaram a humidade; Ficou provado que havia humidades, e ficou provado, por confissão da demandada, mas não alegado (nem como facto nem como causa), que fizeram uma lavagem do seu telhado com uma máquina de pressão e uma cera na altura em que foram detetadas as humidades, mas não ficou provado haver buracos por onde pudesse ter entrado a humidade, nem que fosse através dos pregos. Sendo que a demandante também referiu que o seu telhado precisou de ser renovado por essa altura por não estar já em boas condições e na inspeção ao local verificou-se que o seu telhado é mais alto que o dos demandados e ainda que se notava bicos de pregos na parede divisória, por dentro do quarto, mas não se conseguia ver se se prolongavam até ao exterior;
- Que os demandantes se sentiram angustiados e enganados. Na verdade não foi pelos demandantes nem por nenhuma testemunha, ou qualquer outra prova, feita referência a estes factos.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Os demandantes pretendem com a presente ação que os demandados sejam condenados a demolir o alteamento que fizeram no muro divisório, a retirar objetos da parede divisória que aí terão colocado, a abster-se de colocar outros quer no muro quer na parede e a indemniza-los por danos não patrimoniais.
Resulta da matéria factual dos presentes autos que os prédios urbanos identificados nos pontos 1.º, 2.º e 30º se encontram registados em nome do demandante e do demandado, respetivamente, que adquiriram por compra, gozando então da presunção derivada de registo de que o direito (neste caso de propriedade) pertence ao titular inscrito, neste caso a propriedade de tais prédios lhes pertence, conforme artigo 7.º do Código do Registo Predial, e que aqui não foi ilidida por prova em contrário de uns e dos outros, mas antes admitida.--
Nos presentes autos subjacente, ou implícito, ao pedido dos demandantes de demolição do alteamento efetuado pelos demandados no muro que divide ambos os prédios, está o pedido do reconhecimento de que o mesmo é sua propriedade exclusiva (cf. artigos 11º, 14º e 34º do requerimento inicial), fazendo parte integrante do seu prédio.
É hoje pacífico o entendimento doutrinal e jurisprudencial de que a presunção do registo não abrange os elementos de identificação do prédio constantes da descrição -confrontações, áreas e limites -, sempre que exista uma desconformidade entre esta e a realidade material do imóvel, nomeadamente quanto à linha divisória entre prédios confinantes.
Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 342º, do C.Civ “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, ou seja, era sobre os demandantes que recaía o ónus da prova, competindo-lhes provar os factos constitutivos do direito que alegam ter.
Assim, compete aos demandantes alegar e provar que o muro integra o seu artigo urbano supra mencionado, mediante atos materiais, de posse, que conduzissem à aquisição do mesmo por usucapião e que afastassem a presunção prevista no nº 2 do artigo 1371º do C.Civ de que “Os muros entre prédios rústicos ou entre pátios e quintais de prédios urbanos, presumem-se […] comuns, não havendo sinal em contrário”.
“[…] II - Na base destas presunções juris tantum e, por isso, susceptíveis de prova em contrário, estão, por um lado, a dificuldade em fazer a prova da comunhão e, por outro lado, a probabilidade de que ela exista, dada a identidade de interesses dos proprietários confinantes em relação ao muro ou parede” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 01-03-2007, Pº nº 929/07-6, in www.dgsi.pt).
Sendo que esta presunção de compropriedade do muro pode ser ilidida mediante prova em contrário, nos termos do art.º 350º, n.º 2, do C. Civ., pela prova da aquisição de um direito de propriedade exclusiva sobre o muro, podendo essa prova resultar da aquisição de um direito de propriedade exclusiva sobre o muro ou ainda da existência dos sinais referidos no n.º 3 do mesmo art.º 1371º, ou da circunstância referida no n.º 5 do mesmo artigo.
De facto, e relativamente à sua pretensão lograram os demandantes apenas provar que se trata de um muro divisório e que foram apenas eles, e os anteriores proprietários da sua casa, que sempre trataram o muro na face virada para o seu pátio e que o rebocaram, sinais indicadores de eventual comunhão e não de exclusividade.
Não podendo a sentença condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir e não tendo havido pedido reconvencional (que neste caso não era possível), não me pronunciarei sobre a eventual comunhão. São as partes que escolhem o pedido a formular e a causa de pedir que mais convém aos seus interesses.
Sendo que a vontade real dos demandantes está definida e expressa nos pedidos formulados no requerimento inicial (sem alteração posterior), e, sem prejuízo do disposto no artigo a) e b) do nº 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil, tem de existir uma correspondência entre a pronúncia e a pretensão, isto é, a sentença não pode decidir para além do pedido, nos termos formulados pelos demandantes. Este princípio é válido quer para o conhecimento excessivo em termos quantitativos, quer em termos qualitativos, quer por condenação em diverso objecto (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/01/2007, Processo nº 07A767, in www.dgsi.pt).
Nestes termos, e tal qual está formulada a pretensão dos demandantes, e não podendo proceder o pedido de considerar o muro sua propriedade exclusiva, e em consequência, desconhecendo se propriedade comum, não poderei pronunciar-me sobre o pedido interligado de condenação na demolição do alteamento do muro, como foi peticionado.
Entendimento alicerçado também em jurisprudência, nomeadamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/02/2014, que refere no nº 3 do relatório: “…Não tendo as partes formulado pedido de reconhecimento da existência de um muro comum, e ignorando-se a espessura do muro em litígio, é ilegal a sentença que mande retirar “os materiais colocados na metade do muro” e determine a sua reposição “como se encontrava antes do alteamento” (cf art.ºs 1373º e 1374º, do Código Civil)” [in www.dgsi.pt].
Na verdade, a decisão a proferir sobre este pedido tem subjacente a decisão da propriedade do muro – cf. o disposto nos artigos 1373 a 1375º do C. Civ. que aqui não foi determinada, mas apenas que não ficou provado ser propriedade exclusiva dos demandantes.
- Do pedido de condenação a retirar todos os objetos que colocaram/afixaram na parede dos demandantes:
Ficou provado que não foram os demandados que colocaram os objetos e que os mesmos os retiraram já, pelo que este pedido não poderá merecer deferimento.
- Do pedido de condenação dos demandados a absterem-se de voltar a colocar quaisquer objetos na parede, muros e telhado:
Tal qual está formulado o pedido, não poderá merecer deferimento, dado que ficou provado que não foram os demandados que os colocaram, estando a atuação futura dos demandados, obviamente limitada pelas normas legais que incidem sobre esta matéria.
- Do pedido de condenação dos demandados no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais:
Não tendo ficado provado que resultou de ação dos demandados a privação do uso do imóvel, não sendo possível imputar-lhes os factos danosos, não se encontram preenchidos os requisitos da responsabilidade civil por factos ilícitos, pelo que também não poderá merecer deferimento o pedido indemnizatório, a este título.
Relativamente aos provados incómodos e aborrecimentos é entendimento jurisprudencial unânime de que tais danos não atingem gravidade merecedora da tutela do direito, pelo que vai o pedido igualmente indeferido.
- Do pedido de condenação dos demandantes como litigantes de má-fé:
Os demandados vieram requerer a condenação dos demandantes como litigantes de má-fé por, apesar de conhecerem os prédios que descrevem na PI e os seus limites e caraterísticas, que todas as obras na parede da casa dos vizinhos estavam realizadas, e não foram colocados objetos pelos demandados após a compra da casa que efetuaram e que o muro que pretendem seja parcialmente demolido não lhes pertence, vêm propor a presente ação, cuja falta de fundamento não podiam ignorar.
Ora, este instituto, previsto e regulado nos artigos 542º e 543º do CPC, pretende incutir aos utilizadores da justiça uma maior responsabilização, nomeadamente a observância de deveres de cuidado a quem intenta ações.
“…II- Exige-se para a condenação que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse conhecimento....” (cf. Acórdão do STJ de 18/02/2015, in www.dgsi.pt).
O princípio da licitude do exercício dos meios processuais está, assim, limitado pela ordem jurídica, que impõe que a parte esteja convencida da justiça da sua pretensão (cf. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 261 e Ac. Trib Rel Coimbra de 05/07/2005, processo nº 2475/05, in www.dgsi.pt).
No caso em apreço, não ficou provado que o muro não pertence aos demandantes mas tão só que não pertence em exclusividade e os demandados não apresentaram factos que permitissem comprovar a atuação com negligência grave ou dolo por parte dos demandantes relativamente aos outros pedidos. E, sendo a sua convicção fundada no princípio da livre apreciação da prova, o julgador deve ser especialmente prudente.
Assim, julgo improcedente o pedido de condenação por litigância de má-fé, absolvendo os demandantes do pedido.
Decisão:
Em face do exposto, julgo a ação improcedente, por não provada, e em consequência:
- Absolvo os demandados dos pedidos formulados;
- Absolvo os demandantes do pedido de condenação por litigância de má-fé.
Custas na proporção do decaimento, que se fixam em 75% para os demandantes e 25% para os demandados (cf. artigo 8º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de dezembro, artigo 446º, nº 2 do Código de Processo Civil, aplicável aos Julgados de Paz por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho).
Registe e notifique os ausentes.

Carregal do Sal, 19 de janeiro de 2017
A Juíza de Paz, (Elisa Flores)

Processado por computador (art.131º, nº 5 do C P C)