Sentença de Julgado de Paz
Processo: 74/2015-JP
Relator: ELISA FLORES
Descritores: CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
Data da sentença: 10/30/2015
Julgado de Paz de : CARREGAL DO SAL
Decisão Texto Integral: III ATA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO

Aos trinta dias do mês de outubro de dois mil e quinze, pelas 16:15 horas, realizou-se no Julgado de Paz de Carregal do Sal, a continuação da Audiência de Julgamento do Processo n.º 74/2015 - JPCSal, em que são partes:
Demandante: A ;
Demandado: B.
Realizada a chamada verificou-se que apenas se encontrava presente o demandado.
Aberta a Audiência a Senhora Juíza de Paz, proferiu a sentença anexa à presente ata e que dela faz parte integrante, explicitou-a ao presente e entregou a respetiva cópia.
Nada mais havendo a salientar a Sra. Juíza de Paz deu como encerrada a Audiência.
Para constar se lavrou esta Ata que vai ser devidamente assinada.
A Juíza de Paz, Elisa Flores
Técnico de Apoio Administrativo, Miguel Alberto Baptista Mendes

SENTENÇA

A, propôs contra B, a presente ação declarativa, enquadrada na alínea a) do nº 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, pedindo que o demandado seja condenado no pagamento da quantia de € 4.127,97 (quatro mil cento e vinte e sete euros e noventa e sete cêntimos), acrescida de juros vincendos até efetivo e integral pagamento, por serviços prestados no âmbito da respetiva atividade.

Para o efeito, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 4 a 6 e juntou três documentos, que aqui se dão por reproduzidos, sendo que, em Audiência juntou cópia da fatura nº xx que está em poder do demandante e exibiu ainda o Livro de faturas. -O demandado contestou, nos termos constantes de fls. 33 e 36 [e 19 a 23] dos autos, referindo, em síntese, que confirma o serviço prestado mas não concorda com o valor da Fatura no valor de €3 173,40, porque embora o demandante lhe tenha referido o custo de € 2 500,00, a obra era de grande simplicidade acompanhando “….a execução dos trabalhos pelo que, naturalmente, o serviço seria feito ao dia, pagando apenas os dias trabalhados…” mas que “…a factura/factura-recibo é ela a prova do pagamento do valor constante da factura…”; Que no dia 12 de março ficou acordado o pagamento de € 2 000,00 pela obra, que diz: “…Por volta das 15-16 horas [do dia 13 de março de 2015], fui ter com o A que me disse que entregasse o dinheiro. Imediatamente, depois de ter feito a entrega do maço fechado de notas, solicitei-lhe que fizesse uma simples declaração escrita…Respondeu-me que “não é preciso”.. Perante isto fiquei a aguardar o recibo/quitação- que seria elaborado pela sua contabilista- até à presente data,…o que recebi foi …uma factura no valor de 3 173,40 euros… O constante da factura é especulação pura….”. Que relativamente à reclamação do pagamento do valor de € 905,90, que “…mais uma vez mostra a falta de rigor do demandante…confessa, indiretamente, que foi pago ao dizer que me entregou o papel, que designa como “factura” nº xx (original e duplicado), logo que lhe dei o dinheiro (905,90 euros), como se fosse o devido recibo…” ; Não diz como e quando pagou.
Juntou um documento, cópia da queixa que terá apresentado no Tribunal da comarca de AAAA, núcleo de Nelas,- queixa que, entretanto, mereceu despacho de arquivamento -, pela prática de crime de burla e especulação, que declarou parte integrante da contestação, e que, em seu entender, “…Independentemente do facto de o demandante estar acusado da prática de crimes conexionados com os factos que originam os pedidos desta ação, o que inviabiliza a decisão de mérito, por não poderem ser provadas as alegações do demandado, por exigir a intervenção de Órgãos de polícia criminal, na investigação criminal, dos crimes de que o A está acusado…” E que”… Mesmo que fosse verdade aquilo que o demandante ditou para a p.i., o mesmo carecia de legitimidade, porque os seus dois colaboradores eram, na altura, trabalhadores independentes não inscritos na Repartição de Finanças de BBBB .” Refere que as faturas não são documentos porque não estão assinadas e conclui pela improcedência do pedido.
O demandante respondeu à exceção do pagamento, referiu, em síntese que, é falso que tenham acordado no dia 12 de março outro valor e que o demandado o tenha pago, requerendo, por esse facto, a condenação do demandado como litigante de má-fé, em multa condigna e no pagamento ao demandante de despesas com a ação, no valor que computa em €500,00 (cf. fls. 50 a 52);
Notificado o demandado para responder, querendo, ao pedido de condenação por litigância de má-fé, e juntar as faturas em seu poder, conforme pedido do demandante, respondeu nos termos constantes de fls. 61 a 65, referindo que as quantias já estão pagas pela função liberatória da entrega das faturas, que são títulos de crédito, e, simultaneamente que o demandante não lhe entregou a quitação de todas as “importâncias recebidas“, acrescentando agora o alegado pagamento da fatura xx no dia 6 de março, e que tem de “…se presumir judicialmente que as quitações me foram entregues juntamente com cada uma das facturas emitidas.., pelo que ”já pode ser proferida sentença…pois que este efeito jurídico prejudica qualquer razão legal aduzida pelo demandante,…”. E recusou-se a juntar as faturas em seu poder, porquanto, diz “…-as facturas na minha posse decidem a sorte da acção contra ele!...”…E o A e a sua esperta causídica ganhavam a ação perdida!...” (cf. fls. 62 e 76).
Pede também “…a condenação do demandante como litigante de má-fé, indemnizando, todos os prejuízos e danos morais causados ao demandado…” no valor de €500,00 “…e o valor da ação deve ser, para já, acrescida desse valor…”.
Mais tarde, e espontaneamente, veio o demandado requerer a declaração de inconstitucionalidade da competência deste Julgado de Paz, porque o demandante intentou a ação no pressuposto de que tinha competência material exclusiva e que não é esse o entendimento porque o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, nº 11/2007, publicado no DR nº 142, Série I, de 25/07/2007, fixou jurisprudência no sentido da competência alternativa, violando esta ação o princípio da igualdade ao obrigar-se o demandado a sujeitar-se à vontade do demandante, e o princípio do artigo 20º, nº1, da Constituição, terminando com os seguintes pedidos: “…a declaração de inconstitucionalidade do artigo 9º da Lei 78/2001 e, por conseguinte, improcedente a ação e o demandado absolvido; …no entanto, subsiste o pedido de condenação do demandante como litigante de má-fé, como pedido solicitado por mim, demandado….” (cf. fls. 81 a 83 dos autos).
Notificado o demandante para se pronunciar, nos termos do nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil (CPC), fê-lo, nos termos constantes de fls. 90 a 96, referindo, no que à suscitada inconstitucionalidade respeita, que os Julgados de Paz são Tribunais, que a competência é alternativa, sendo colocada na discricionariedade do autor propor a ação num Tribunal judicial ou num Julgado de Paz e que o recurso a este não viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, concluindo pela improcedência da arguição de inconstitucionalidade.
Pronunciou-se também pela improcedência do pedido de condenação do demandante como litigante de má-fé.
Na primeira sessão de julgamento o demandado veio ainda requerer a nulidade de “…tudo quanto foi subscrito nos presentes autos, pela, ilegalmente constituída advogada do demandante” pelo facto da Procuração, documento particular, ter de ser elaborado nos termos do Código do Notariado, o que foi indeferido, porque a Procuração respeita os normativos legais em vigor (já há vários anos que as Procurações forenses não carecem de ser elaboradas através de Notário). Posteriormente, entre outros “requerimentos”, foi o demandado convidado a constituir mandatário judicial, nos termos do artigo 38º, nº2 da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, e respondeu que não necessitava por ser advogado [com inscrição suspensa na Ordem dos Advogados] em ação própria, nos termos do nº 10 do artigo 1º da Lei nº 49/2004, de 24 de agosto.
Apresentou também incidente de suspeição, que foi indeferido pelo Conselho dos Julgados de Paz (cf. fls. 112 e 135 e apenso dos autos).
O litígio não foi submetido a mediação por dela ter prescindido o demandado.
Na Audiência de Julgamento só o demandante apresentou prova testemunhal e foi ouvido em depoimento de parte, como havia requerido, e o demandado em declarações.
Valor da ação: € 4.127,97 (quatro mil cento e vinte e sete euros e noventa e sete cêntimos).
O artigo 60º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, na sua alínea c), prescreve que do conteúdo da sentença proferida pelo juiz de paz faça parte uma sucinta fundamentação. Assim:

FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados, com interesse para os presentes efeitos, os seguintes factos:
1.º- O demandante é empresário em nome individual no ramo da construção civil;
2.º- No exercício da sua atividade foi contactado pelo demandado para que lhe fornecesse um orçamento para prestação de serviços de demolição de uma casa em ruínas, sita na rua xxxx, n.º xx, na CCCC;
3.º- O demandante apresentou orçamento verbal no valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor;
4.º- O demandado aceitou o valor orçamentado para a realização dos trabalhos, e, dado que era urgente, deu ordens ao demandante para avançar com a obra;
5.º- Trabalhos que foram iniciados em 18 de fevereiro e terminaram em 27 de março; 6.º- O demandante realizou os trabalhos contratados que consistiam no aluguer e colocação de andaimes, demolição da casa e no corte com motosserra das madeiras existentes na casa;
7.º- Para tanto, o demandante, com mais dois trabalhadores, despendeu 144 horas de mão-de-obra, 36 horas com motosserra, e 6 dias de aluguer da mesa de andaimes;
8.º- Tudo conforme fatura n.º xxxxxxxx12, emitida em 01/04/2015, no valor total de € 3 173,40 (três mil cento e setenta e três euros e quarenta cêntimos), sendo a importância de € 2 580,00 para pagamento dos trabalhos efetuados e a importância de € 593,00 do respetivo IVA, à taxa legal de 23%;
9.º- Fatura que foi enviada, através de carta registada com aviso de receção para a morada do demandado e que o mesmo rececionou em 09/04/2015;
10.º- E de cujo valor reclamou por entender que o trabalho deveria ser pago em função dos dias trabalhados e o custo máximo em que poderia ficar a obra era de € 2 500,00;
11.º- A solicitação do demandado, tinha o demandante procedido também à construção de um anexo para a colocação de gás e de eletricidade, que importou o valor de € 905,90 (novecentos e cinco euros e noventa cêntimos), sendo a importância de € 736,50, para pagamento dos trabalhos efetuados e a importância de € 169,40 do respetivo IVA, à taxa legal de 23%;
12.º- Tudo conforme fatura n.º xxxx, emitida em 06/03/2015, no valor global de € 905,90 (novecentos e cinco euros e noventa cêntimos);
13.º- Fatura que foi entregue em mão ao demandado, e que dela não reclamou;
14.º- Totalizando ambas a importância de € 4.079,30 (quatro mil e setenta e nove euros e trinta cêntimos);
15.º- E que, apesar de interpelado, o demandado ainda não regularizou;
16.º- Faturas que se encontram vencidas;
17.º- Sendo que o demandado não reclama de nenhum dos serviços prestados.

Motivação dos factos provados:
O ponto 4.º supra foi confessado pelo demandado e a restante factualidade dada como provada resultou da conjugação dos documentos juntos aos autos, do Livro de Faturas exibido em Audiência, do depoimento de parte do demandante e das declarações do demandado e da prova testemunhal, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no nº 5 do artigo 607º do Código de Processo Civil (C P C) e no artigo 396º do Código Civil (doravante designado simplesmente C.Civ).
O demandado confirmou o constante no requerimento inicial, negando qualquer pagamento pelo demandado, e este veio agora dizer que efetuou o pagamento da fatura nº xxxx em numerário ao demandante, em data e circunstâncias que não soube precisar, mas que deve ter sido dia 12, por duas vezes (a primeira o capital e a segunda o IVA), e que o valor da fatura nº xxxxxxxx12, no dia 13 atirou para o telhado da casa onde o demandante estava a trabalhar, para este o receber, um maço de notas no valor de € 2 000,00, importância que teria sido acordado antes entre ambos.
Quanto às testemunhas apresentadas pelo demandante, que apresentaram um depoimento isento e convincente, sobre factos de que tinham conhecimento direto: D, também construtor civil, foi relevante para elucidar o Tribunal do valor que poderia custar a obra e da razão porque não consta, em regra, o valor do IVA nos orçamentos, não só porque desconhecem o regime de IVA do cliente, que até pode estar isento, mas também por causa das possíveis oscilações de valor que poderão legalmente ocorrer até ao final da obra; E, que executou, com outro colega e o demandante, os trabalhos de demolição, e F, vizinho do demandado e das obras, que confirmou o número de pessoas que lá trabalharam e que referiu ter presenciado discussões entre as partes sobre dinheiros, que chegou a ouvir o demandado a dizer que essa quantia não pagava.
Depôs ainda que nunca assistiu à entrega de qualquer importância por parte do demandado, tendo este comentado que não iria fazer pagamentos na rua….
Mais foram tidos em conta, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do CPC, factos instrumentais e factos que complementam ou concretizam os que as partes alegaram e resultaram da instrução e discussão da causa, e relativamente aos quais ambas as partes tiveram a possibilidade de se pronunciar.
Factos não provados e respetiva motivação:
Por inexistência de qualquer prova ou da insuficiência da que foi apresentada, não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente que o demandado efetuou o pagamento de qualquer importância para pagamento dos serviços prestados pelo demandante, e cuja prova lhe competia.
De facto, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (cf. artigo 341º do C. Civ).
Ora, ao demandante incumbia, nos termos do nº 1 do artigo 342º do C. Civ., o ónus da prova da prestação dos serviços sem reclamações e que o valor das faturas é o convencionado, o que logrou fazer (e que o próprio demandado confessa). Na verdade, no valor da fatura nº xxxxxxxx12, acresce apenas a importância de €80,00 ao valor orçamentado (mais o valor do IVA legalmente exigido e que não está na disponibilidade das partes isentar do pagamento) que o demandante esclareceu dever-se ao facto do demandado ter, entretanto, exigido que fosse pago por dia de trabalho, e a que teve então de acrescentar o valor do aluguer da motosserra e dos andaimes.
Assim, competia ao demandado o ónus da prova do pagamento do preço integral, como facto extintivo da sua obrigação, nos termos do n.º 2 do art.º 342.º do C. Civ., o que não fez.
Ora este, na contestação nem se referiu à importância titulada pela fatura nº xxxx e não apresenta quaisquer factos relativos às circunstâncias do pagamento da quantia titulada pela fatura nº xxxxxxxx12, e em Audiência de Julgamento, em declarações de parte, vem agora apresentar a versão supramencionada relativa ao pagamento da quantia de € 2 000,00, que não convenceu o Tribunal, até porque ele mesmo referiu, e descreveu, situações, que demonstram que as relações entre ambos estavam tensas desde que foram apresentadas as contas relativas aos trabalhos primeiramente contratados e a que se refere esta fatura.
Referiu ainda que, após a conclusão da obra, entendeu, e comunicou ao demandante, que não pretendia pagar-lhe o valor orçamentado mas o que entendia ser o adequado: pagamento ao dia, pelo valor que o próprio demandado, devedor, estipulou após os trabalhos realizados.
Não apresentou qualquer prova testemunhal ou documental do pagamento, referindo que as faturas/recibo juntas pelo demandante aos autos são comprovativo de quitação.
Ora, pela exibição em Audiência do Livro de Faturas o demandante comprovou que aquando da emissão de cada fatura, são simultaneamente emitidos cinco documentos, um primeiro, com a designação “fatura”, que se destina a ser entregue ao cliente; Um segundo, com a mesma designação, que se destina a cópia e a comprovativo para o demandante; Um terceiro, designado “recibo”, que se destina a ser entregue ao cliente aquando da efetivação do pagamento da fatura; Os dois seguintes, designados “fatura/recibo”, que se destinam a cópias de segurança a fim de serem guardadas junto dos elementos contabilísticos, e que das faturas em causa nos autos os respetivos recibos ainda se encontram na posse do demandante, na medida em que as faturas se encontram por pagar.
E só os recibos são documentos de quitação.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: Questão prévia:
Da invocada inconstitucionalidade do artigo 9º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho:
Os Julgados de Paz são órgãos de soberania, Tribunais incomuns, consagrados constitucionalmente, independentes e com competência para administrar a justiça em nome do povo, como os demais, tendo as respetivas decisões o valor de sentença proferida no tribunal de primeira instância (cf. artigos 209º, 110º, 203º e 202º da Constituição), pelo que tem o demandado salvaguardada a tutela jurisdicional efetiva.
Além do mais, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23/01/2007 (in www.dgsi.pt) considera, por unanimidade, que a competência material dos Julgados de Paz é optativa relativamente aos Tribunais Judiciais, o que significa que é ao demandante, como, aliás nos outros Tribunais (na ausência de convenção prévia em contrário, que aqui não houve), que compete optar por propor a ação nestes ou nos Tribunais judiciais competentes.
Assim, improcede a arguição de inconstitucionalidade do demandante, entendendo-se este Tribunal absolutamente competente para apreciar e decidir a presente ação.
Da ação:
Entre as partes foi celebrado um contrato de empreitada, modalidade do contrato de prestação de serviços, prevista e regulada nos artigos 1207º e seguintes do Código Civil (doravante designado simplesmente: C. Civ.).
Serviços que o demandante executou em conformidade com o que foi convencionado, e sem qualquer reclamação, e que o demandado deveria ter pago na data do vencimento das faturas (cf. artigos 1208º e 1211º do mesmo Código) mas que nunca o fez.
Nos termos do artigo 406º do C. Civ., o contrato deverá ser pontualmente cumprido por ambos os contraentes e o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, devendo as partes regerem-se pelo princípio da boa-fé (cf. artigos 762º e 763º do mesmo Código).
Ora, resulta da factualidade assente que o demandante cumpriu, em conformidade com o que lhe foi solicitado, e o demandado não efetuou o respetivo pagamento.
E, de acordo com o disposto nos artigos 804º e 806º do mesmo Código, verificando-se um retardamento do pagamento do preço, por causa imputável ao devedor constitui-se este em mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados ao credor, ora demandante.
Tratando-se de obrigações pecuniárias, a indemnização corresponderá aos juros a contar do dia da constituição em mora. Nos termos do artigo 805º, n.º 2, alínea a) do C. Civ., nomeadamente, se a obrigação tiver prazo certo, o devedor fica constituído em mora a partir dessa data, pelo que, no caso em apreço é o da data do vencimento das faturas.
Pelo que, até ao dia 27 de maio de 2015, sobre o capital em dívida são devidos juros comerciais vencidos no valor de € 48,67 (quarenta e oito euros e sessenta e sete cêntimos), e que integrou a importância peticionada.
E tem ainda direito aos juros que pede desde a propositura da ação até efetivo e integral pagamento.
Dos pedidos recíprocos de litigância de má-fé:
Trata-se de um instituto previsto no artigo 542º do Código de Processo Civil, que tem subjacente a boa-fé que deverá sempre nortear a atividade das partes de modo a que estas, conscientemente, não formulem pedidos injustos, não articulem factos contrários à verdade, não requeiram diligências meramente dilatórias, tudo em violação do princípio de cooperação das partes e dos deveres que lhe são inerentes.
Contudo, a violação desses deveres só deverá ser sancionada, se se provar que resultou de uma conduta dolosa ou gravemente negligente, sendo que o julgador deverá ser especialmente prudente “….sabendo-se que a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico” – cfr. Ac. STJ de 11/12/2003, proc. nº 03B3893, in www.dgsi.pt.
Não basta, assim, para a condenação em litigante de má-fé, não ter provado ter razão. O princípio da licitude do exercício dos meios processuais está limitado pela ordem jurídica, que impõe que a parte esteja convencida da justiça da sua pretensão (cf. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 261 e Ac. Trib Rel Coimbra de 05/07/2005, processo nº2475/05, in www.dgsi.pt).
Quanto ao demandante, da factualidade assente resulta necessariamente, e sem mais considerandos, que não procede o pedido da sua condenação em litigância de má-fé, dado que ficou provado que não alterou a verdade dos factos, e que tem direito ao peticionado.
Quanto ao demandado, haverá que distinguir a má-fé substancial da má-fé instrumental: haverá má fé substancial se o “litigante usa de dolo ou má fé para obter decisão de mérito que não corresponde à verdade e à justiça” e haverá má fé instrumental “se a parte procura sobretudo cansar e moer o seu adversário ou somente pelo espírito de fazer mal, ou na expectativa condenável de o desmoralizar, de o enfraquecer, de o levar a uma transação injusta” – cfr. A. Reis, CPC Anotado, II Vol., págs. 163/164.
À má-fé material referem-se as alíneas a), b) e c) do artigo 542º, nº 2 do Código de Processo Civil e à má-fé instrumental a atuação que retrata a alínea d) do mesmo normativo: “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: …tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
Ora, como já se referiu nos autos, para haver má-fé material não basta não ter provado ter razão. Relativamente à processual, por motivos inconfessados, o demandado através de requerimentos, e outros, avulsos, conjugados com a necessária notificação à parte contrária e o exercício do direito ao contraditório nos termos do nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil, aplicável aos Julgados de Paz por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, nova redação, suscitando incidentes, e recusando juntar documentos, não colaborando com o Tribunal para a descoberta da verdade material, fez atrasar o desenrolar do processo mais do que se justificava atendendo à simplicidade processual dos processos dos Julgados de Paz, não se vislumbrando qualquer utilidade para as partes envolvidas. Os autos falam por si.
Postura que, põe em causa a boa administração da justiça, que se pretende célere e oportuna e que causa, necessariamente, transtornos e despesas à parte contrária.
Do exposto resulta que a atuação do demandado na presente lide, além de eticamente censurável, é suscetível de conduzir à sua condenação como litigante de má-fé.
Contudo, tem sido entendimento jurisprudencial generalizado dos Julgados de Paz, e que também defendo, atendendo aos princípios que os orientam e aos fins que pretendem alcançar, designadamente de pacificação social, que a decisão final deve conter, em si mesma, também uma função pedagógica, que a advertência melhor prosseguirá. Fica, assim, o demandado aqui advertido, julgando o pedido de condenação do demandado por litigância de má-fé improcedente e, consequentemente, também da parte de condenação em pagamento de indemnização.

Decisão:
Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada e, em consequência:
- Condeno o demandado, B, a pagar ao demandante, A, a importância de € 4.127,97 (quatro mil cento e vinte e sete euros e noventa e sete cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, desde 02/06/2015 até efetivo e integral pagamento;
- Condeno o demandado ainda nas custas totais dos presentes autos, declarando-o parte vencida, encontrando-se em falta apenas a importância de €35,00, sendo que este valor deve ser pago nos três dias úteis imediatamente subsequentes ao conhecimento da presente decisão, sob pena da aplicação e liquidação de uma sobretaxa de € 10,00 por cada dia de atraso, até ao valor de € 140,00 (cf. artigos, 1º, 8º e 10º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro);
- Absolvo ambas as partes dos pedidos recíprocos de condenação de litigância por má-fé.
Dê-se cumprimento ao disposto no artigo 9º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro.
Registe e notifique.
Carregal do Sal, 30 de outubro de 2015
A Juíza de Paz (Elisa Flores)
Processado por computador (art.131º, nº5 do C P C)