Sentença de Julgado de Paz
Processo: 13/2017-JP
Relator: ELISA FLORES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL - RESOLUÇÃO - NÃO CUMPRIMENTO
Data da sentença: 06/30/2017
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE POIARES
Decisão Texto Integral: III ATA DE AUDIÊNCIA

DE JULGAMENTO
Aos trinta dias do mês de junho de dois mil e dezassete, pelas 10.15 horas, procedeu-se à continuação da Audiência de Julgamento do Processo n.º 13/2017- JPVNP, em que são partes:
Demandante: A, Lda.;
Demandados: B e mulher, C;
Realizada a chamada verificou-se que não se encontrava ninguém presente.
Aberta a Audiência, a Exma. Senhora Juíza de Paz, Dra. Elisa Flores, proferiu a sentença anexa à presente ata e que dela faz parte integrante.
Nada mais havendo a salientar a Sra. Juíza de Paz deu como encerrada a presente sessão.
Para constar se lavrou esta Ata que vai ser devidamente assinada.

A Juíza de Paz, Elisa Flores
A Técnica de Atendimento, Teresa Rodrigues

SENTENÇA

RELATÓRIO
A, Lda., propôs contra B, e mulher, C, a presente ação declarativa enquadrada na alínea a) do n.º 1 do artigo 9º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, nova redação, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 1 290,39 (mil duzentos e noventa euros e trinta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos contabilizados à taxa legal, desde a data 14 de março de 2017 até ao efetivo e integral pagamento.
Para o efeito, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 a 5 e juntou 7 documentos.
Os demandados contestaram nos termos constantes de fls. 21 a 30, por impugnação e suscitando as exceções de resolução e a de não cumprimento, concluindo pela improcedência da ação.
Juntou 5 documentos que aqui também se dão por reproduzidos.
No exercício do contraditório quanto às exceções veio a demandante responder, nos termos constantes de fls. 54 a 60.
O litígio não foi submetido a mediação.
Em Audiência de Julgamento ambas as partes apresentaram prova testemunhal.
Valor da ação: € 1 290,39 (mil duzentos e noventa euros e trinta e nove cêntimos).
O artigo 60º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, na sua alínea c), prescreve que do conteúdo da sentença proferida pelo juiz de paz faça parte uma sucinta fundamentação. Assim:

FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados, com interesse para os presentes efeitos, os seguintes factos:
1.º- A demandante é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à venda e instalação de lareiras, recuperadores de calor, salamandras, churrasqueiras, pedras rústicas e torneados;
2.º- Visando a promoção e divulgação da sua atividade e a comercialização dos seus produtos, no ano de 2015 esteve representada na Feira Agrícola, Comercial e Industrial de x, com um Stand de vendas;
3.º- Por sua vez, os demandados, sendo residentes em x, numa visita efetuada à referida Feira negociaram a aquisição de um Recuperador de Calor “x”;
4.º- Negociação essa que se concretizou através de um acordo de compra e venda verbal, pelo valor global de € 1 230,00 (mil duzentos e trinta euros), com I.V.A. incluído;
5.º- Que os demandados ainda não pagaram;
6.º- Em outubro de 2015, o gerente da demandante, D, deslocou-se à residência dos demandados onde ali entregou e instalou o mencionado recuperador;
7.º- Uns dias após a instalação do recuperador os demandados detetaram que uma das peças do recuperador estava rachada;
8.º- O que imediatamente foi comunicado pela demandada mulher à demandante através de contacto telefónico;
9.º- Tendo o mencionado gerente da demandante entrado posteriormente em contacto com a mesma, e, perante a sua descrição, concluiu que seria o defletor porque já tinham tido uma ou duas reclamações semelhantes relativamente a estes recuperadores;
10.º- E transmitiu-lhe de que iria tratar do assunto mas que poderiam continuar a utilizar o recuperador porque o facto desta peça estar rachada não tinha qualquer interferência no seu funcionamento;
11.º- Tendo entretanto solicitado ao fabricante um novo deflector para substituir o danificado;
12.º- Ora, o fabricante do recuperador, E - Equipamentos x S.A., de imediato assumiu o defeito no deflector;
13.º- Mais, transmitiu à demandante que aquela série de recuperadores tinha um defeito no defletor, que determinava a sua quebra, tendo dado indicações para que fossem substituídos à medida que fosse reclamados pelos clientes;
14.º- O defletor foi recebido pela demandante em 29 de junho de 2016;
15.º- Na Feira, Agrícola, Comercial e Industrial de x realizada em x, e estando a demandante novamente presente na Feira com um stand de vendas, o demandado marido interpelou o gerente sobre a situação;
16.º- Mais se queixou de que o recuperador, de vez em quando, emitia um ruído elevado, e desconfortável;
17.º- Tendo aquele transmitido ao demandado que já tinha o defletor novo para substituir o seu rachado e que, relativamente ao ruído no recuperador que nunca nenhum cliente lhe transmitiu a existência de ruídos nos recuperadores dessa marca;
18.º- E que em setembro teriam de agendar uma data para se deslocar à residência dos demandados para que fosse verificado tal ruído e se procedesse à substituição do defletor;
19.º- No dia 5 de dezembro de 2016, não tendo o representante da demandante, ou qualquer colaborador desta, comparecido na residência dos demandados, estes enviaram-lhe uma carta registada com A/R, a que deram o título de “Reclamação”, onde reiteram a denúncia do defletor rachado e do ruído no recuperador e concedem um prazo de dez dias para que a demandada procedesse à “…retirada do recuperador defeituoso e que, no prazo de quinze dias da retirada do mesmo, me seja instalado outro igual isento de qualquer deformidade e, consequentemente ser assim possível proceder ao respectivo acto administrativo de pagamento.”;
20.º- A esta carta respondeu a demandante em 21 do mesmo mês e ano, alegando, resumidamente, que não tinha sido facultado o recuperador aos demandados para que estes o pudessem experimentar, pois tal não seria possível, bem como a demandante já tinha assumido e reconhecido que existia uma anomalia no deflector e denunciado ao fornecedor, que assumiu a sua substituição, e que tinha estado a aguardar que os demandados agendassem uma data para a efetivação da mesma;
21.º- E ainda que, conforme já lhes tinha referido, o ruído de que se queixavam nunca tinha sido “…referenciado por qualquer cliente, razão pela qual é imperioso que seja verificado por nós…', pelo que reiteram “…que V. Exas. indiquem a data para que seja substituído o deflector bem como analisado o ruído que referem….”;
22.º- Tendo ainda juntado uma segunda via da fatura de venda do recuperador, com data de vencimento de 21/12/2015, referindo que “ Contamos que, nessa ocasião, seja liquidada a respectiva factura que se encontra a pagamento, no valor de € 1 230,00 (mil duzentos e trinta euros).”;
23.º- Até à entrada dos presentes autos os demandados não indicaram qualquer data;
24.º- Sendo que, em 27 do mesmo mês de dezembro de 2016, os demandados enviaram à demandante uma carta registada com AR, tendo por Assunto “Resolução do acordo negocial” que refere que “…não aceitando V. Ex.a a minha opção exarada no nº 4. da Reclamação de 05 de Dezembro de 2016, desde já venho por este meio cessar o meu acordo negocial de compra e venda relativo ao Recuperador de Calor por V. Ex.a instalado no meu domicílio.
2. Assim, no prazo de oito dias, deverá proceder V. Ex.a à desinstalação e respectiva recolha, para local de sua responsabilidade, do Recuperador de Calor afectado com as deformidades denunciadas e reportadas a "placas", "deflector" e "ruído.";
25.º- Solicitando ainda que a recolha do recuperador de calor fosse efetuada sem quaisquer custos para os demandados e respondo a situação como originariamente estava;
26.º- Em resposta, através de mandatário, remetida para o mandatário dos demandados, a demandante reitera o interesse em proceder à reparação do recuperador;
27.º- Os demandados têm vindo a utilizar o recuperador, sem quaisquer restrições;
28.º- No decurso do processo, no âmbito de uma tentativa de conciliação, as partes encontraram-se na residência dos demandados, com o técnico da E, S.A., Engº F (que posteriormente depôs em Audiência), o recuperador foi colocado em funcionamento e, enquanto todos estiveram na residência, não se verificou nenhum ruído anómalo do recuperador.
Motivação dos factos provados:
A factualidade dada como provada resultou da conjugação dos factos admitidos por acordo, das declarações das partes, dos documentos juntos aos autos e ao Processo nº 08/2017-JPVNP, que correu termos neste Tribunal e foi tramitado e julgado em conjunto com os presentes autos, e da prova testemunhal, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo mesmo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho e no artigo 396º do Código Civil (doravante designado simplesmente. “C. Civ.”).
Quanto às testemunhas arroladas pela demandante:
- G, sua Escriturária, depôs que foi quem recebeu as chamadas telefónicas da demandada; Que a primeira seria uma semana depois de o recuperador ter sido aceso; Que, como sempre faz quando tem qualquer reclamação, reportou a reclamação ao fabricante que aceitou e reconheceu que tinham esse defeito porque houve mais um ou 2 casos; Que no início a D. C não se queixou do ruído; Que vendem uns cento e tal/200 recuperadores “X” por ano e que nunca ninguém se queixou de qualquer barulho anormal no equipamento; Que nunca instalam recuperadores à experiência porque requer muita mão-de-obra e se gastam muitos materiais para retirar; Que após a Feira Agrícola, Comercial e Industrial de x de x contactou a demandada, C, para marcar dia para a deslocação a sua casa, marcaram, e uns dez minutos depois, recebeu novo telefonema desta a perguntar se iriam colocar um equipamento novo, disse que não e então ela informou que assim não autorizavam que lá fossem; Que o recuperador ainda não está pago e o defletor continua reservado na empresa para os demandantes porque foi pedido propositadamente para eles, e pago; Que, mediante a Folha de obra emitiu a fatura, tendo enviado o original aos demandados pelo correio, por carta simples, como sempre fazem;
- H, também funcionário da empresa e foi quem instalou o recuperador em casa dos demandados; Que para o efeito demoliu uma lareira existente e fez nova obra para o novo recuperador; Que não se apercebeu que o aparelho tivesse qualquer anomalia e que o Kit com livro de instruções que acompanha estes aparelhos ficou dentro do mesmo.
Ambos depuseram de modo credível e sobre factos de que tinham conhecimento direto;
- Engº F, técnico da empresa fabricante do recuperador, Equipamentos x S.A., que este presente em casa dos demandados na diligência de tentativa de acordo; Confirmou que a peça estava partida, mas que, não sendo agradável, não prejudica a funcionalidade do recuperador; E que o recuperador tem já componentes que são soldados e que se se cortasse, ressoldasse e pintasse ficaria “…tão bom ou melhor do que estava porque o alívio de tensão já ficou resolvido.”; Que não é possível remover todas as peças, só soldando; Que o recuperador pode ser retirado e instalado noutro local; E que foi testando o recuperador nas várias posições e que na 1:30/2:00h que lá estiveram não se verificou nenhum ruído anómalo no aparelho.
Relativamente às testemunhas arroladas pelos demandados:
- J e L, casados entre si, amigos, e visitas de casa dos demandados, comprovaram a rachadela na peça, e o ruído, mas revelaram no depoimento algumas imprecisões e contradições; Ambos referiram que acompanharam toda esta situação, nomeadamente através das “queixas” dos demandados, primeiro da peça e mais tarde também do ruído e ainda, a primeira, ter assistido a um telefonema da demandada para uma empregada da demandante a reclamar das “pedras partidas” (mas não se lembra de a ter ouvido falar no ruído) e o segundo, ter ouvido o Sr. D, gerente da demandante, quando instalou o recuperador e antes de ir embora, dizer “Se houver algum problema, liguem”; Que também ouviu o ruído do recuperador “que parava sempre por ele, às vezes que tentavam mexer no “coisinho da porta” e ele parava logo; …Que o barulho não é contínuo, aparece e passado pouco tempo, desaparece.”
Mais foram tidos em conta, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do CPC, factos instrumentais e factos que complementam ou concretizam os que as partes alegaram e resultaram da instrução e discussão da causa e relativamente aos quais todos tiveram a possibilidade de se pronunciar.
Factos não provados e respetiva motivação:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa, por falta ou insuficiência de mobilidade probatória.

Fundamentação de direito:
Entre as partes foi celebrado um contrato que engloba dois tipos de contratos distintos e autónomos entre si, contrato de compra e venda relativamente ao recuperador de calor e um contrato de empreitada, modalidade do contrato de prestação de serviços, no que diz respeito à respetiva instalação.
Têm ambos efeitos obrigacionais recíprocos, no primeiro, para uma das partes a entrega do equipamento (com a transmissão da propriedade, manifestação do seu efeito real automático) e para a outra, a obrigação de o pagar, e no segundo, a obrigação de realizar determinado serviço mediante o pagamento de um preço (cf. artigos 879.º, 408.º e 882.º e artigo 1207.º do Código Civil).
Contrato que se encontra abrangido pela Lei de Defesa do Consumidor [aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho e alterada pela Lei n.º 85/98, de 16 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril (alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21-05) e pela Lei n.º 10/2013, de 28 de janeiro].
Nos termos do artigo 762º do C. Civ., o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado e o contrato deverá ser pontualmente cumprido por ambos os contraentes (cf. artigo 406º do mesmo Código).
No caso em apreço, a demandante forneceu o recuperador e procedeu à instalação, não tendo os demandados efetuado o pagamento do preço.
Tendo-se constatado, entretanto, de que o recuperador padecia de um defeito no defletor, que, contudo, não afetava o seu funcionamento, a demandante comprometeu-se a reparar para o que exigiu um novo junto da fabricante.
Os demandados não aceitaram e extrajudicialmente procederam a uma declaração negocial de resolução do contrato que, judicialmente, por sentença ainda não transitada em julgado, não foi admitida.
Vêm os demandados aqui alegar ainda a exceção do não cumprimento, ou seja, o direito de não pagar o recuperador, enquanto não forem eliminados os defeitos.
Eliminação a que se propôs a demandada, mediante a verificação e reparação do ruído anómalo, se se concluísse que provinha do recuperador e a substituição do defletor partido, exigindo o pagamento apenas após a substituição deste.
Não tendo os demandados aceitado a eliminação dos defeitos, exigindo a substituição integral do recuperador, não procede a exceção do não cumprimento prevista e regulada no artigo 428º do Código Civil.
Assim, não se verificando qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado pela demandante à quantia em dívida, é esta exigível.
E, de acordo com o disposto nos artigos 804º e 806º do mesmo Código, verificando-se um retardamento do pagamento do preço, por causa imputável ao devedor constitui-se este em mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados ao credor, ora demandante.
Tratando-se de obrigações pecuniárias, a indemnização corresponderá aos juros a contar do dia da constituição em mora. Nos termos do artigo 805º, n.º 2, alínea a) do C. Civ., nomeadamente, se a obrigação tiver prazo certo, o devedor fica constituído em mora nessa data, pelo que, no caso em apreço, é o da data do vencimento da fatura.
Todavia, porque não resultou inequivocamente provado que o original da fatura tenha sido recebido pelos demandados e porque a demandante admitiu que o pagamento fosse efetuado após a substituição do defletor, só após a receção da carta dos demandados a recusá-la, 28/12/2016, serão devidos juros de mora.
Pelo que até ao dia 14/03/2017, sobre o capital em dívida (€ 1 230,00) são devidos juros comerciais vencidos no valor de € 18,81 (dezoito euros e oitenta e um cêntimos).
Mais tem a demandante direito ao pagamento de juros vincendos desde 15/03/2017 até efetivo e integral pagamento, como também peticiona.

Decisão:
Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada, e em consequência:
- Condeno os demandados, B e C:
- A pagar à demandante, A, Lda., a quantia de € 1 248,81 (mil duzentos e quarenta e oito euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros comerciais, à taxa legal, desde 15 de março de 2017 até efetivo e integral pagamento;
- Nas custas totais (€ 70,00) dos presentes autos, dado o diminuto decaimento, declarando-os parte vencida (cf. artigos, 1º, 8º e 10º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro).

Reembolse-se a demandante, nos termos do artigo 9º da mesma Portaria.

Registe e notifique.