Sentença de Julgado de Paz
Processo: 166/2017-JPBMT
Relator: JOSÉ JOÃO BRUM
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
Data da sentença: 04/12/2018
Julgado de Paz de : BELMONTE
Decisão Texto Integral: Identificação das partes:
Demandante: A, solteira, maior, portadora do Cartão de Cidadão n.º 0, residente na Rua do X Cortes do Meio.

Demandadas: B., Sociedade por Quotas, com agência na Alameda X Covilhã, 0, representada pelo seu sócio-gerente C, casado, portador do Cartão de Cidadão n.º 0, com domicilio profissional na morada da agência, acompanhado pelo Dr. D, Advogado, portador da cédula profissional n.º 0, com escritório na Rua X Penamacor, munido de Procuração com Poderes Especiais junta a fls. 18 dos autos, e E, portadora do Cartão de Cidadão n.º 0, residente na Rua X Covilhã, acompanhada pelo Dr. F, Advogado, portador da cédula profissional n.º 0, com escritório na Avenida X, Covilhã, munido de Procuração Forense junta a fls. 23 dos autos.


OBJETO DO LITÍGIO:


A Demandante veio propor contra as Demandadas a presente ação declarativa de condenação, nos termos do art. 9º, n.º 1 al. i) da Lei n.º 78/2001 de 13/07, na redação da Lei n.º 54/2013 de 31/07, pedindo a condenação solidária das Demandadas no pagamento da quantia de €5 000,00 (cinco mil euros) a título de sinal devido em dobro por desistência do promitente vendedor.


Para tanto, alegou ter contratado com a Primeira Demandada os seus serviços de mediação imobiliária para a aquisição do imóvel sito na Rua X, na Covilhã, tendo assinado uma ficha de reserva em 19/05/17, com a referência n.º 0 conjuntamente com as Demandadas onde consta que entregou a quantia de €2 500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de caução e reserva da propriedade do supra citado imóvel.

Relata a Demandante que, no documento assinado, ficou estabelecido que a escritura de compra e venda seria marcada no prazo de 15 dias o que não aconteceu.

A Demandante dá conta de ter tentado obter por diversas vezes informação sobre a data da marcação da escritura junto do sócio-gerente da Primeira Demandada que lhe foi dizendo “iria ser marcada para breve”, uma vez que o imóvel pertence a vários herdeiros.

Também dá nota de ter criado expetativas em relação à aquisição do imóvel tendo para tanto angariado o dinheiro necessário para a compra.

Fundamentada na cláusula da ficha de reserva de propriedade que estabelece em caso de desistência do promitente vendedor este encontra-se obrigado ao pagamento do dobro do montante recebido a título de reserva prestado, no caso concreto €5 000,00 (cinco mil euros), valor que a Demandante peticiona na presente ação.

Juntou Quatro (4) documentos que se encontram a fls. 4 a 8 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.


Valor da ação: €5 000,00 (cinco mil euros).

Foi apresentada, pela Primeira Demandada, Contestação, junta a fls. 16, 16V e 17, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

Em síntese, pugna pela absolvição do pedido porquanto entende ter cumprido os deveres que se encontra adstrita na sua atividade de mediação imobiliária, em concreto, diligenciando encontrar interessado na aquisição do imóvel melhor identificado nos autos através de ações de promoção e recolha de informações sobre os imóveis que dispõe na sua carteira.

Alega que interveio no negócio na qualidade de intermediária e que a existir qualquer obrigação de indemnizar esta terá de recair sobre a Segunda Demandada pois foi por conta e em nome desta que agiu.

Dá nota que, prontamente, diligenciou pelo agendamento de uma visita ao imóvel, tendo sido assinada a ficha de reserva e confirma a entrega de um cheque no valor de €2 500,00 (dois mil e quinhentos euros) pela Demandante que na sua ótica constituiu uma garantia e não um pagamento.

Realça que o cheque em causa nunca foi levantado, não tendo existido qualquer recebimento de qualquer quantia por parte das Demandadas, não existindo, portanto, nada a devolver a título de sinal e muito menos o dobro do sinal.

Servindo-se do art.º 10º do Requerimento Inicial expressa o entendimento que não existe incumprimento, eventualmente uma simples mora e caso seja entendido que é devida qualquer quantia a título de sinal esta resultará da ficha de reserva cláusula 6ª alínea b) onde a responsabilidade por tal pagamento é assumido de forma exclusiva pela Segunda Demandada.

Juntou Procuração Forense a fls. 18 dos autos.

Por seu turno, a Segunda Demandada também apresentou Contestação que se encontra junta a fls. 19 e segs. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

Em síntese, admitiu, por acordo, o alegado nos artigos 1º a 6º do Requerimento Inicial nos termos do art.º 574º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do art.º 63º da Lei dos Julgados de Paz.

Impugnou especificadamente o alegado nos arts. 7º a 12º dizendo que nunca foi entregue qualquer cheque à Segunda Demandada.

Alega que nunca afirmou ter dito que a escritura não se faria e que informou a Primeira Demandada que necessitava de mais tempo e as suas razões que por sua vez foram comunicadas à Demandante que as aceitou.

Refere que a Demandante sempre manteve o interesse no negócio e nunca manifestou qualquer discordância perante a Demandada nunca tendo sido confrontada com a resolução do negócio ou a fixação de qualquer prazo para a sua realização.

Entende a Segunda Demandada que a Demandante, com a interposição da presente ação, demonstrou que perdeu o interesse resolvendo o contrato sem justa causa.

Entende, ainda, que a Demandante violou regras de Boa-fé sem que fixasse qualquer prazo intentando a presente ação.

Evidencia que a Primeira Demandada não é Mandatária da Segunda Demandada pelo que as comunicações feitas pela Demandante não a obrigam nem são eficazes,

termos em que deve obter vencimento o entendimento que a Demandante resolveu o contrato sem justa causa por ter perdido o interesse sem que fixasse qualquer prazo e, em conformidade, ser a Segunda Demandada absolvida do pedido.

Juntou Procuração Forense a fls. 23 e documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial, a fls. 24 dos autos.

Foi realizada uma Sessão de Julgamento no dia 20/03/18.

Produzida a prova, e concedida a palavra para breves alegações, profere-se a seguinte sentença na data previamente agendada para o efeito.

O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.

Não existem nulidades que invalidem todo o processado.

As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.

FUNDAMENTAÇÃO

Os Factos

Factos provados:


1 – A Demandante entrou em contato com a Primeira Demandada, a fim de agendar uma visita a um imóvel sobre o qual tinha algum interesse.


2 - A primeira Demandada dedica-se com carater habitual e com fim lucrativo à angariação para venda/arrendamento.


3 - Nesse âmbito, a Primeira Demandada angariou da Segunda Demandada um imóvel sito na Rua X para venda à Demandante.


4 - Foi assinada ficha de reserva a 19/05/2017, com a Refª 0; possui esta ficha a identificação das partes e ainda cláusulas que regem o negócio.


5 - A referida ficha foi assinada pelo representante da imobiliária, pela promitente vendedora e promitente compradora.


6 - A Demandante entregou um cheque no montante de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de caução e reserva à Primeira Demandada.


7 – O cheque entregue à Primeira Demandada nunca veio a ser descontado.


MOTIVAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS


Para a convicção formada, conducente aos factos julgados provados, concorreram:


- Os documentos juntos aos autos a fls. 4 a 8 dos autos pela Demandante cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;


- As Declarações da Demandante e do Representante Legal da Primeira Demandada;


As Partes entenderam não apresentar qualquer testemunha.


Factos não provados


Não se provaram quaisquer outros factos alegados com interesse para a decisão da causa, por falta de mobilização probatória ou mobilização probatória credível que permitisse ao Tribunal aferir da veracidade dos factos.


O DIREITO


No caso Sub-Júdice a Demandante peticionou a condenação das Demandadas no pagamento do valor de €5 000,00 (cinco mil euros) respeitante à restituição do sinal em dobro. A Demandante celebrou com a Primeira Demandada um contrato de mediação imobiliária onde esta se comprometeu a encontrar-lhe um imóvel para habitação. Este contrato encontra-se previsto e regulado na Lei n.º 15/2013 de 08/02. A Autora, Higina Orvalho Carvalho, na sua obra: “Contrato de Mediação Imobiliária”, publicada no Portal Verbo Jurídico em 03-2016, define-o como sendo “aquele pelo qual uma empresa de mediação imobiliária procura, para os seus clientes, destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta ou o arrendamento dos mesmos, ou o trespasse ou a cessão de posição em contratos que tenham por objeto bens imóveis, mediante remuneração, devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”.


A atual Lei de 2013 descreve a atividade de mediação imobiliária, na perspetiva da sua execução fática, como a procura de destinatários sem fazer corresponder a essa procura uma obrigação contratual.


A Demandante não procedeu à junção de contrato celebrado com a Primeira Demandada apenas cingiu a causa de pedir a um alegado incumprimento das regras atinentes ao regime do sinal previsto no art.º 442º do Código Civil.


Alegou ter assinado uma ficha de reserva (acordo de reserva de imóvel) no dia 19/05/17, com a referência n.º 0, onde foram também intervenientes as Demandadas, tendo entregue um cheque no valor de €2 500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de caução e reserva onde se estabelecia um prazo de 15 dias para a marcação da escritura de aquisição do imóvel, caso não fosse celebrado contrato promessa de compra e venda, conforme documento junto a fls. 8 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.


Acrescentou a Demandante com base no mesmo documento que a Segunda Demandada está obrigada, no caso de desistência do negócio, a indemnizar a Demandante através da devolução do dobro do montante recebido a título de reserva prestado correspondente a €5 000,00 (cinco mil euros), nos termos do estabelecido na Cláusula 6ª, alínea b) da Ficha de Reserva, valor que peticiona.


Importa, pois, aferir qual o valor jurídico da ficha de reserva assinada pelas Partes. O Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão proferido no processo n.º 474/12.TBAMR.G1, refere que “a reserva do imóvel está condicionada apenas à observância dos ditames da boa fé negocial, que se impõe ser observada tanto nos preliminares como na formação do contrato (art.º 227º, n.º 1 do Código Civil).”…”a regra..é…a plena liberdade negocial e, por essa razão, só os comportamentos intoleravelmente ofensivos do sentido ético-jurídico,…, deverão merecer censura jurídica em termos de responsabilizar o respetivo prevaricador”. No mesmo Acórdão é expresso o entendimento que a ficha de reserva não é ela própria um contrato promessa mas deve ser encarada como um contrato preliminar e preparatório inominado, só sendo geradora de responsabilidade quando houver abuso de direito.

Apurou-se, através das Declarações de Parte prestadas pela Segunda Demandada, que a realização do negócio se encontra dependente da autorização por parte dos restantes herdeiros proprietários que residem no Brasil os quais não diligenciaram pela regularização da situação possibilitando a venda do imóvel. Verifica-se, pois, uma impossibilidade de realização da escritura que tem de ser imputável à Segunda Demandada que de forma displicente adotou um comportamento colocando o imóvel para venda utilizando os serviços da Primeira Demandada passível de criar a convicção à Demandante que o negócio se realizaria, o que ainda não aconteceu desde 19/05/17, data da assinatura da ficha de reserva da propriedade até à presente data.

Esta situação confere o direito à Demandante de resolver o contrato pela perda do interesse, no entanto não lhe permite obter total procedência da sua pretensão com a restituição do sinal prestado em dobro.

Isto porque, como já se aludiu supra o Acórdão proferido no processo n.º 474/12.TBAMR.G1 do Tribunal da Relação de Guimarães apenas confere direito a ser indemnizado no caso de existir abuso de direito da parte infratora, figura jurídica que não foi invocada pela Demandante. Acresce, ainda, que a Demandante não logrou provar que tenha sofrido qualquer dano patrimonial.

Relativamente a eventuais danos morais a Jurisprudência, mais concretamente, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no Processo n.º 1721/08.5TBAVR.C1 datado de 28/05/13, passível de consulta no site: www.dgsi.pt refere: “Os danos não patrimoniais indemnizáveis devem ser selecionados com extremo rigor, devendo apenas atender-se aos que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito”.

É certo que a Demandante sofreu transtornos, incómodos e preocupações, no entanto estes têm de revestir um grau elevado de gravidade para que sejam passíveis de ser ressarcíveis como refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no Processo n.º 1082/2005-8 datado de 20/10/05 o que no caso sub Júdice não foi provado pela Demandante, como lhe competia nos termos do art.º 342º, n.º 1 do Código Civil.

Posto o exposto atendendo a que se verifica a impossibilidade de realização do negócio por causa imputável à Segunda Demandada mas que não é enquadrável na figura do Abuso de Direito é evidente o direito da Demandante de resolver o negócio, pelo que, resta apenas condenar a Primeira Demandada a entregar o cheque da Demandante que tem na sua posse correspondente ao sinal em singelo.

DECISÃO


Face ao que antecede e às disposições legais aplicáveis, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência:

A) Condeno a Primeira Demandada a entregar o cheque da Demandante que tem na sua posse com o valor de €2 500,00 (dois mil e quinhentos euros) correspondente ao sinal em singelo.
B) Declaro resolvido o contrato de mediação celebrado entre Demandante e Primeira Demandada.
C) Absolvo a Primeira Demandada do pedido de condenação no pagamento da quantia de €5 000,00 (cinco mil euros) por não se encontrar contratualmente vinculada a esse efeito.
D) Absolvo a Segunda Demandada do pedido formulado por ausência de prova da existência de Abuso de Direito.

Custas: A cargo da Segunda Demandada no valor de €70,00 (setenta euros) uma vez que deram causa à ação, nos termos do art. 527º do Código de Processo Civil, na redação da Lei n.º 41/2013 de 26/06, aplicável por remissão do art.º 63º da Lei dos Julgados de Paz, tendo em conta que já procedeu ao pagamento de €35,00 (trinta e cinco euros) apenas deverá proceder ao pagamento dos €35,00 (trinta e cinco euros) remanescentes, no prazo de 3 dias úteis a contar do conhecimento desta decisão.


Face ao atrás exposto proceda-se ao reembolso da Demandante, nos termos do n.º 9 da Portaria n.º 1456/2001 de 28/12.


Após o trânsito em julgado arquivem-se os presentes autos.


Belmonte, Julgado de Paz, 12 de abril de 2018






O Juiz de Paz,


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(José João Brum)











Não Provado Desistência do negócio


Fixação de prazo pela Demandante para que se verificasse incumprimento definitivo