Sentença de Julgado de Paz
Processo: 35/2016-JPCBR
Relator: DANIELA SANTOS COSTA
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
SEGURO OBRIGATÓRIO
ILEGITIMIDADE
Data da sentença: 04/05/2018
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

OBJECTO DO LITÍGIO
O Demandante intentou contra a Demandada a presente ação declarativa, enquadrável na alínea a) do nº 1 do Art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, adiante LJP, pedindo que seja a mesma condenada a:
a) Pagar ao Demandante a quantia l950,00€, correspondente ao “preço” que pagou pelo frustrado arrendamento, acrescida de juros, vencidos e vincendos, contados desde a interpelação do devedor - 15 de Julho de 2015;
b) Indemnizar o Demandante, a título de “interesse contratual positivo”, na quantia de 2.000,00€;
c) Indemnizar o Demandante, a título de “interesse contratual negativo”, na quantia de 4.000€;
d) Suportar uma sanção pecuniária compulsória a favor do Demandante, no montante de 250,00€ por cada dia que passe após a exequibilidade da sentença sem que a R. a cumpra efetivamente;
e) Pagar ao Demandante a quantia de € 1.300,00 que este lhe pagou;
e) Em juros, vencidos e vincendos.

Regularmente citada, a Demandada não apresentou contestação, porquanto foi a mesma julgada extemporânea, conforme consta no despacho de fls. 118, proferido em sede de audiência de julgamento.
Foi deferido o pedido de ampliação do pedido, formulado pelo Demandante, nos termos constantes no despacho de fls. 129.

O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há exceções, nulidades ou quaisquer questões prévias que cumpra conhecer, além da que infra se analisará.

Valor da ação: € 9.250,00

FACTOS PROVADOS
A. O Demandante é um cidadão italo-brasileiro que se dedica há longos anos à arte equestre, na modalidade de Dressage (adestramento), tendo estado a preparar-se, em Coimbra, para sua qualificação para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, que decorreram de 5 a 21 de Agosto de 2016;
B. O Demandante escolheu fazer a última etapa da sua preparação em Coimbra;
C. O Demandante preparou-se para a qualificação Olímpica, bem como o seu cavalo “C”, de criação alemã, tendo este alcançado sucesso na criação e carreira desportiva, tal como o seu pai, o mundialmente reconhecido “D”, mas ambos não conseguiram ficar qualificados;
D. Na terceira semana de Junho de 2015, com o intuito de arrendar uma casa em Coimbra, o Demandante procurou os serviços da Demandada;
E. Foi designado um seu colaborador, “E”, que acompanhou o Demandante em todo o processo;
F. Na relação que estabeleceram, o Demandante informou o colaborador da Demandada das suas necessidades e urgência em encontrar uma habitação;
G. Alguns dias depois, o colaborador da Demandada sugeriu uma visita a uma moradia situada em Assafarge, Coimbra, que fazia parte do seu portfólio de propriedades a arrendar e que acabou por corresponder às expectativas do Demandante, o qual ficou muito interessado em arrendá-la;
H. Feita a visita à referida habitação, o Demandante manifestou o interesse em arrendar aquela habitação;
I. Em dia e mês indeterminados, mas após o dia 29.06.2015, na agência da Demandada, o Demandante assinou o contrato e transferiu par a conta bancária dos senhorios “F” e “G” a quantia de 1950,00€, equivalente a 3 mensalidades de renda, conforme NIB que o colaborador da Demandada lhe indicou;
J. Posteriormente, o colaborador da Demandada informou o Demandante que a proprietária da casa não aceitava o contrato de arrendamento por não estar paga a quantia de € 1.300,00 pelo Demandante;
K. O Demandante solicitou a devolução da quantia transferida;
L. O colaborador da Demandada sugeriu-lhe que ainda tentaria concretizar o negócio e que apenas precisava de contactar a proprietária para o conseguir;
M. No dia 22 de Setembro de 2015, o Mandatário à época do Demandante solicitou, via mail, a devolução da quantia de € 1.950,00, para o NIB do Demandante;
N. No dia 5 de Outubro de 2015, e sem que qualquer quantia tivesse sido devolvida, foi enviado novo e-mail a solicitar a devolução da quantia entregue;
O. No mesmo dia, a Demandada forneceu o NIB do Demandante a “F” tendo esta solicitado à Demandada o respetivo IBAN e SWIFT;
P. No dia 6 de Outubro de 2015, a Demandada solicitou ao Mandatário à época do Demandante que este fornecesse o respetivo IBAN e SWIFT;
Q. Até à presente data, o Demandante não forneceu os dados solicitados pela Demandada no item anterior;
R. Em virtude de dificuldades em ter acesso à sua conta bancária em Itália e de efetuar transferências bancárias para Portugal, o Demandante não participou no Concurso Internacional Equestre de Biarritz, que iria decorrer em Julho de 2015;
S. A Demandada não entregou ao Demandante qualquer exemplar aquando da outorga do contrato de arrendamento, nem as respetivas chaves, enquanto ele não entregasse € 1.300,00, a título de duas rendas antecipadas;
T. O Demandante ficou muito abalado por não ter sido concluído o arrendamento dos autos;
U. No dia 14 de Abril de 2015, a Demandada celebrou com “F” contrato de mediação imobiliária no sentido de aquela diligenciar destinatário para arrendamento do imóvel identificado no item G;
V. A Demandada celebrou com a “H” – Companhia de Seguros, um contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatória, cuja apólice tem o n.º xxxxxxxxxxx, no valor de € 150.000,00.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa, nomeadamente que o Demandante tivesse celebrado contrato de mediação imobiliária com a Demandada e que lhe tivesse entregue, no ato de celebração do contrato de arrendamento, € 1.300,00, em numerário, a título de duas rendas antecipadas.

Os factos provados resultaram da conjugação dos documentos, de fls. 11 a 16, 18, 19, 109 a 116 verso, 136, e dos depoimentos testemunhais prestados em sede de audiência final.
Os factos instrumentais insertos nos itens R (“Em virtude de dificuldades em ter acesso à sua conta bancária em Itália e de efetuar transferências bancárias para Portugal”), T e V resultaram da instrução da causa, conforme possibilita a al. a) do n.º 1 do Art. 5º do CPC.
No que concerne à testemunha “I”, indicado pelo Demandante, foi atribuído valor probatório na medida em que deu aulas de “dressage” ao Demandante e ao cavalo que este habitualmente montava para candidatar-se a provas internacionais e acompanhou a evolução do seu estado psicológico com a não celebração do contrato de arrendamento dos autos.
Quanto a “J”, indicado pelo Demandante, demonstrou ter ciência relevante sobre o objeto do processo, porquanto conhece o Demandante e ambos são praticantes de hipismo, tendo tido contacto direto com a factualidade em causa, no âmbito do impacto emocional causado ao Demandante, razão pela qual o seu depoimento foi valorado.
No que concerne a “K”, indicado pelo Demandante e seu compadre, foi igualmente alvo de consideração probatória na medida em que manifestou estar ao corrente dos factos em análise, tendo sido espontâneo nas respostas fornecidas.
Da parte da Demandada, foi ouvido “L”, seu colaborador, cujas declarações foram decisivas para a descoberta da verdade na medida em que teve conhecimento direto do contrato dos autos e da falta de pagamento pelo Demandante da quantia de € 1.300,00, a título de duas rendas antecipadas.
Também relevou o depoimento de “M”, colaborador da Demandada, que mediou o contrato de arrendamento entre o Demandante e os senhorios, tendo sido convincente e verdadeiro nas respostas fornecidas.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.
Quanto ao contrato de arrendamento de fls. 109 a 110 verso, não foi dado como provado o 2º parágrafo da cláusula 2ª, referente à alegada entrega pelo Demandante da quantia de € 1.300,00 aos senhorios, porquanto se trata de um mero documento particular, em relação ao qual não se provou plenamente, em conjugação com a restante prova produzida, que tal facto que nele é narrado tenha sido efetivamente praticado pelo Demandante.
Com efeito, conciliando os vários elementos de prova produzidos, resulta provado que o Demandante apenas entregou, por transferência bancária, para a conta dos senhorios, o montante de € 1.950,00, a título de caução.
Aliás, o mail remetido pelo seu anterior Mandatário, junto aos autos com o requerimento inicial, como Doc. N.º 4, a fls. 18, atesta, de forma inequívoca, que o montante que o Demandante entregou corresponde a € 1.950,00 e que o mesmo solicita, através dos ofícios daquele causídico, que tal montante lhe seja devolvido, indicando o respetivo NIB para esse efeito.

ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Questão Prévia: da ilegitimidade passiva
O caso dos autos prende-se com o alegado incumprimento de um contrato de mediação imobiliária (adiante, CMI) celebrado entre o Demandante e a Demandada e o consequente dever da Demandada proceder à devolução da caução (€1.950,00) e de dois meses de renda antecipados (€1.300,00), bem como ao pagamento de uma indemnização pelos interesses contratuais positivo e negativo.
Segundo o n.º 1 do Art. 2º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, a atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis.
Relevam, ainda, os conceitos de destinatário do serviço, para efeitos do número 5 da mesma norma, como sendo a pessoa ou entidade que celebra com o cliente da empresa de mediação imobiliária qualquer negócio por esta mediado; e de cliente como sendo a pessoa ou entidade que celebra com uma empresa habilitada nos termos da presente lei um contrato visando a prestação de serviços de mediação imobiliária, segundo o n.º 6.
Segundo o Art. 7º, n.º 1 para garantia da responsabilidade emergente da sua atividade, as empresas de mediação imobiliária estabelecidas em território nacional devem ser titulares de seguro de responsabilidade civil, no montante mínimo de € 150 000.
Tal seguro de responsabilidade civil destina-se ao ressarcimento dos danos patrimoniais causados a terceiros, decorrentes de ações ou omissões das empresas, dos seus representantes e dos seus colaboradores (n.º 4), sendo considerados terceiros todos os que, em resultado de um ato de mediação imobiliária, venham a sofrer danos patrimoniais, ainda que não tenham sido parte no contrato de mediação imobiliária (n.º 5).
Dos deveres que a empresa de mediação, que prossegue a atividade supra mencionada, dimanam o dever de propor aos destinatários os negócios de que for encarregada, fazendo uso da maior exatidão e clareza quanto às características, preço e condições de pagamento do imóvel em causa, de modo a não os induzir em erro e, ainda, o dever de comunicar imediatamente aos destinatários qualquer facto que possa pôr em causa a concretização do negócio visado, segundo as al. c) e d) do n.º 1 do Art. 17º do mesmo diploma.
É proibido que a empresa de mediação receba remuneração de clientes e destinatários no mesmo negócio, segundo a al. a) do n.º 2 do mesmo preceito legal.
Mais preceitua o n.º 1 do Art. 19º que a remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
O seu n.º 2 acrescenta que é igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.
Tal contrato está sujeito à forma escrita (Art. 16º, n. º 1), devendo constar obrigatoriamente a referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente (al. g) do n.º 2).
Por fim, prescreve o n.º 1 do Art. 18º que consideram -se depositadas à guarda da empresa de mediação quaisquer quantias recebidas dos destinatários de negócio por si mediado, mesmo que a título de preço, que lhe sejam confiadas antes da celebração do mesmo ou do respetivo contrato -promessa, devendo restituí-las imediatamente a quem as prestou, logo que para tal solicitada.
Da matéria dada como provada, deriva que não foi celebrado entre as partes qualquer CMI porquanto a Demandada já havia celebrado, a 14 de Abril de 2015, com a senhoria dos autos um CMI nos termos do qual se comprometia a diligenciar com o destinatário para arrendamento do imóvel identificado no item G.
Disto resulta que, ao contrário do alegado pelo Demandante, este não se trata de um cliente da Demandada mas sim de um destinatário que esta encontrou para ser celebrado o contrato de arrendamento visado.
Ora se assim é, o Demandante apenas pode ser ressarcido dos alegados danos sofridos em sede de responsabilidade civil extracontratual e não, como era a sua tese, à luz da responsabilidade adveniente da celebração de um CMI entre as partes.
O Art. 483º do Código Civil, adiante CC, reconhece um direito a indemnização por parte do lesado, nos seguintes moldes: aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
O reconhecimento de tal responsabilidade depende da reunião de uma série de requisitos: um facto, ou seja, uma ação humana sob o domínio da vontade; a ilicitude, isto é, a violação de direitos subjetivos absolutos ou de normas que visem tutelar interesses privados; a culpa do agente que praticou o facto, ou seja, o juízo de censura ou reprovação que o Direito faz recair sobre o lesante porquanto agiu ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma e, por fim, um nexo de causalidade entre esse facto e o dano provocado, de acordo com a teoria da causalidade adequada.
A culpa do lesante pode assumir duas formas: o dolo e a negligência ou mera culpa. Porém, a prova de tal juízo de censurabilidade impende sobre aquele que sofreu a lesão, isto é, o lesado, conforme o que dita o n.º 1 do Art. 487º do CC: é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção de culpa.
No entanto, conforme supra aludido, a responsabilidade civil da empresa de mediação imobiliária pelos eventuais danos causados a terceiros encontra-se obrigatoriamente transferida para uma companhia de seguros.
Sucede, porém, que a companhia de seguros para a qual foi transferida tal responsabilidade não foi demandada pelo Demandante, o que configura um caso manifesto de ilegitimidade passiva, que é de conhecimento oficioso.
Posto isto, desconhecendo-se o conteúdo do contrato de seguro celebrado entre a Demandada e a “H” – Companhia de Seguros, cuja apólice tem o n.º xxxxxxxxxxx, não será possível ao Tribunal aferir se foi contratualizada alguma franquia ou não.
Por conseguinte, à cautela, entende-se estar na presença de um litisconsórcio necessário, que não foi devidamente respeitado, o que determina a ilegitimidade da Demandada por não estar em juízo a Seguradora para a qual foi transferida a sua responsabilidade civil.
Face a esta situação de ilegitimidade passiva, que integra exceção dilatória, julgo procedente a exceção ora conhecida e absolvo da instância a Demandada - Artigos 576º, n.º2, 577º alínea e) e 578º, todos do CPC.

Custas pela parte vencida – o ora Demandante, devendo proceder ao pagamento da taxa da 2ª parcela (€35,00), no prazo de 3 dias úteis, sob pena de ser aplicada uma sobretaxa de €10,00 por cada dia útil de atraso no seu pagamento, em conformidade com os Artigos 8º e 10º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria nº 209/2005 de 24 de Fevereiro.
Quanto à Demandada, proceda-se ao reembolso de €35,00, em conformidade com o Artigo 9º da Portaria atrás mencionada.
A presente sentença foi proferida e notificada nos termos do n.º 2 do Art. 60º da LJP.
Registe e notifique.
Coimbra, 5 de Abril de 2018

A Juíza de Paz,
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Daniela Santos Costa