Sentença de Julgado de Paz
Processo: 692/2017-JPLSB
Relator: SOFIA CAMPOS COELHO
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL – EMPREITADA
Data da sentença: 06/29/2018
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO:
Demandantes: A e B
Demandada: C
Mandatária: D

Os demandantes, devidamente identificados nos autos, intentaram contra a demandada, também devidamente identificada nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhes a quantia de € 760 (setecentos e sessenta euros). Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 3 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, dizendo, em síntese, que em fevereiro de 2017 contrataram a demandada para fazer obras na casa de banho da sua casa, obras que consistiam no arranjo da canalização e colocação de um vidro na base do duche, pelo preço de € 500 (quinhentos euros) e com a duração máxima de duas semanas. Alegam que no dia 8 de fevereiro a demandada pediu aos demandantes a quantia de € 260 (duzentos e sessenta euros) para compra do vidro, quantia que os demandantes de imediato lhe entregaram. A obra iniciou-se mas com o passar do tempo a obra não avançava, já que havia dias em que os trabalhadores da demandada não apareciam na obra. Perante esta situação, e tendo decorrido mais de um mês, em 15 de março de 2017 os demandantes enviaram email à demandada a solicitar a devolução da quantia paga. A demandada não mais compareceu na obra. Alegam que a situação causou-lhes transtornos (por a casa de banho em causa ser a do seu quarto, onde dormem com o seu bebé), pretendendo ser indemnizados em € 500 (quinhentos euros). Juntaram 7 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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Regularmente citada, a demandada contestou (a fls. 45 e 46 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas), impugnando os trabalhos e preço alegado pelos demandantes, juntando aos autos orçamento que remeteu à demandante em 30 de janeiro de 2017, para realização de mais trabalhos dos alegados pelos demandantes e por preço superior (€ 1.600 acrescido de IVA), referindo que nada foi acordado quanto ao tempo de duração da obra. Alega ainda que o preço acordado nunca poderia ser somente os € 500 alegados pelos demandantes, porque só a divisória de vidro para a base do duche tem o preço de € 520. Aceita que os demandantes lhe pagaram os € 260 para pagamento de metade do custo da divisória em vidro para a base do duche. Alega ainda que por duas vezes a demandante mandou parar os trabalhos por o seu marido, o demandante, ter sido operado à vista; e quando pediu para voltarem à obra a demandada não podia; quando, posteriormente, contactou a demandante para ir continuar a obra, a demandante não quis. Alega ainda que foram executados vários trabalhos extra que os demandantes nunca lhe pagaram, e que ascendem a € 474,78, IVA incluído, pretendendo a compensação. Juntou 2 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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As partes aderiram à mediação, não tendo as partes logrado obter qualquer acordo. Em consequência procedeu-se à marcação de data para realização da audiência de julgamento, tendo as partes sido devidamente notificadas.
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Iniciada a audiência, na presença das partes, e da mandatária da demandada, a Juíza de Paz procurou conciliar as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artº 26.º, da LJP, não tendo esta diligência sido bem sucedida.
Foram ouvidas as partes, nos termos do disposto no art.º 57.º da LJP, e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta da respectiva acta, tendo sido ouvida as testemunhas apresentadas por ambas as partes.
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Da admissibilidade da reconvenção:
No decorrer da audiência de julgamento pronunciámo-nos no sentido de não ser admissível a reconvenção.
Contudo, melhor analisados os autos, vemos que assim não é. Vejamos.
A reconvenção é uma espécie de contra-acção, enxertada no processo, pela qual a parte demandada aproveita um processo e formula um pedido autónomo contra a parte demandante.
Dispõe o n.º 1, do art.º 48.º, da citada Lei n.º 78/2001, que “Não se admite a reconvenção, excepto quando o demandado se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o seu direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida”. Assim sendo, a reconvenção no âmbito dos Julgados de Paz, só é possível em três casos: a) compensação; b) efetivação de direito a benfeitorias; ou c) efetivação de despesas relativas à coisa cuja entrega é pedida.
Ora, nos presentes autos a demandada vem peticionar a condenação dos demandantes no pagamento de trabalhos a mais realizados e não pagos, pedindo a compensação do preço destes com a quantia que aceita dever restituir aos demandantes. Assim sendo, como é, a situação em análise subsume-se a uma compensação – considerando que esta é o meio do devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor, sempre que se verifiquem os requisitos constantes do n.º 1, do art.º 847.º, do Código Civil, a saber: a) a existência de dois créditos recíprocos; b) a exigibilidade do crédito do autor da compensação; c) as obrigações sejam fungíveis e da mesma espécie e qualidade; d) a não exclusão da compensação pela lei; e e) a declaração de vontade de compensar.
Posto isto, admito a reconvenção apresentada, por admissível.
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Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor de € 760 (setecentos e sessenta euros).
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem nulidades ou exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 – Por comunicação electrónica de 30 de janeiro de 2017, a demandada enviou à demandante mulher o orçamento a fls. 47 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, para execução dos seguintes trabalhos “1. Retirar a base do chuveiro e divisória e colocar uma base que vá de ponta a ponta do espaço que tem onde está a antiga. 2. Colocação de divisória em vidro com uma porta de abrir e outra fixa. 3. Desviar a sanita para onde se encontra o bidé. 4. Descobrir o tubo que está trocado da água fria que está ligado à água quente, que é feito à hora bem com como a electricidade também à hora”, pelo preço total de € 1.968 (mil novecentos e sessenta e oito euros), Iva incluído.
2 – Orçamento que não foi aceite.
3 – Posteriormente, demandantes e demandada acordaram que esta colocaria divisória em vidro na base do duche e fazer os trabalhos necessários para descobrir qual o cano de água fria que está trocado, estando ligado à água quente, que fazia a água do autoclismo ser quente.
4 – Demandantes e demandada acordaram que os trabalhos necessários para descobrir qual o cano de água fria que está trocado, estando ligado à água quente, seriam pagos à hora, á razão € 18 (dezoito euros) a hora.
5 – Em data não apurada, já em fevereiro de 2017, a demandada iniciou os trabalhos para descobrir qual o cano trocado, tendo “partido” a parede da casa de banho de casa dos demandantes em vários sítios.
6 – Os demandantes deram a chave de sua casa à demandada.
7 – A pedido dos demandantes, a demandada montou nas escadas duas cancelas de bebé, montou três prateleiras, colocou um varão de cortinado, arranjou a iluminação da escada, montando um novo sistema de iluminação com controlo remoto.
8 – Na sequência de pedido da demandada (Doc. fls. 12), em 8 de fevereiro de 2017, os demandantes entregaram à demandada de € 260 (duzentos e sessenta euros) para compra do vidro da base do duche.
9 – A demandada não colocou o vidro da base do duche.
10 – A demandada não descobriu qual o cano trocado.
11 – Por duas vezes, em datas concretas não apuradas, a demandante solicitou que a demandada não fosse continuar os trabalhos por o seu marido, ora demandante, ir ser operado à vista.
12 – Desde estão a demandada não voltou mais à obra.
13 – Desde estão demandantes e demandada não voltaram mais em acordar data para continuação dos trabalhos, tendo trocado os e-mails a fls. 14, 15 e 16 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
14 – Em data não apurada os demandantes terminaram a obra na sua casa de banho.
15 – A casa de banho onde as obras se realizaram era no quarto dos demandantes, onde estes dormiam com o seu filho bebé.
16 – Na casa existe outra casa de banho.
Não ficou provado:
1 – As partes acordaram como preço dos trabalhos referidos no número 3 de factos provados € 500 (quinhentos euros).
2 – A obra teria a duração máxima de duas semanas.
3 – A casa de banho ficou inutilizável.
4 – O valor da divisória em vidro da base do duche ascende a € 520 (quinhentos e vinte euros).
5 – A montar as duas cancelas de bebé, a demandada despendeu 2 (duas) horas.
6 – A montar as três prateleiras, a demandada despendeu duas horas e meia.
7 – A montar o varão de cortinado, a demandada despendeu uma hora.
8 – A arranjar a iluminação da escada, montando um novo sistema de iluminação com controlo remoto, a demandada despendeu uma hora.
9 – Na pesquisa para encontrar o cano trocado a demandada despendeu oito horas.
10 – Para levar o lixo o demandante despendeu ou recebe € 40 (quarenta euros).
11 – A peça eléctrica para as escadas teve um custo de € 60 (sessenta euros).
12 – A demandada despendeu € 25 (vinte e cinco euros) na compra de uma caixa de azulejos que ficou em casa dos demandantes.
Motivação da matéria de facto:
Para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreram os factos admitidos, os documentos juntos aos autos e o depoimento das duas testemunhas apresentadas.
Quanto ao depoimento das testemunhas apresentadas cumpre referir que, relativamente aos factos controvertidos, nenhuma delas conhecia os termos e condições do acordado, ou seja, trabalhos acordado, preço e duração (cfr. ata a fls. 63 e seguintes dos autos).
Não foram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes, dada a ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao tribunal aferir da veracidade desses factos, após a análise dos documentos juntos aos autos e da audição das partes e testemunhas.
Esclareça-se que dos documentos a fls. 68 e 68 não resulta que a peça eléctrica para as escadas teve um custo de € 60 (sessenta euros) e que a demandada tenha despendido € 25 (vinte e cinco euros) na compra de uma caixa de azulejos que ficou em casa dos demandantes.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO
A questão a resolver é daquelas que, se houvesse maior espírito de compreensão e tolerância, teria sido resolvida pela via conciliatória. Aliás, dúvidas não temos que a mediação e/ou conciliação teria sido o meio ideal, útil, e único de, no caso em apreço, se conseguir conciliar as partes e solucionar o litígio. Contudo, uma vez que as partes não perfilharam esse caminho há que apreciá-la sob o prisma da legalidade.
Debruçando-nos, assim, nesse prisma, sobre o caso em juízo, para o que importa ter presente os pedidos formulados pelos demandantes: condenação da demandada no pagamento da quantia de € 760 (setecentos e sessenta euros), sendo € 260 (duzentos e sessenta euros) da quantia entregue para compra do vidro da base do duche e € 500 (quinhentos euros) de indemnização pelos transtornos causados.
Dos factos dados como provados retira-se que entre as partes foi celebrado uma modalidade do contrato de prestação de serviços, ou seja, um contrato de empreitada, “(…) o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço” (cfr. artigo 1207º, do Código Civil - C.C.), .), por via do qual a demandada obrigou-se a executar os trabalhos de construção civil que resultaram provados, mediante o pagamento de um preço (cfr. artigos 1207º e 1211º do Código Civil), preço este que, nos autos, não resultou provado. É obrigação do empreiteiro – aqui demandada – executar a obra em conformidade com o convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (cfr. art.º 1.208º do Código Civil). E, se a obra apresentar defeitos, o dono da obra tem o direito de exigir a eliminação dos defeitos (cfr artigo 1221.º do C.C.), assim como e de exigir indemnização pelos prejuízos causados (cfr artigo 1223.º do C.C.), para o que deve denunciar os defeitos dentro do prazo de 30 dias após o seu conhecimento (cfr. art.º 1220.º do Código Civil) e exercer o seu direito dentro do ano seguinte à denúncia (cfr. art.º 1224.º do mesmo Código). Resumindo, para ser reconhecido o direito à reparação de defeitos é necessário que os mesmos sejam denunciados no prazo de 30 dias a contar do seu conhecimento; e que, feita a denúncia, o direito à reparação seja exercido dentro do ano seguinte, sob pena de caducidade.
Olhemos, então, para o caso em apreço.
Dos factos provados resulta que a obra acordada não foi concluída e, apesar de não terem ficar apuradas as razões deste incumprimento – já que cada uma das partes imputa a responsabilidade da paragem dos trabalhos à outra – tem que ser interpretado como manifestação da intenção de não cumprir a sua obrigação contratual, de não realização da prestação a que a demandante estava vinculada, consequentemente incumprindo o contrato, presumindo-se a sua culpa (cfr. art.º. 406º, 798.º e 799.º do Código Civil). Por outro lado, e apesar dos esforços das partes, em sentido inverso, o preço acordado também não foi apurado, sendo que, já resultou provado que, para compra do vidro da base do duche, os demandantes entregaram à demandada a quantia de € 260 (duzentos e sessenta euros), quantia que a demandada reconhece dever restituir aos demandantes.
Porém, dos factos provados resulta também que foram realizados vários trabalhos extra, trabalhos que não foram inicialmente acordados, que seriam pagos à razão de € 18 (dezoito euros) a hora, e que os demandantes nunca pagaram. Nada mais provou relativamente ao pedido reconvencional que formulou. Porém, também aqui não resultou provado quantas horas a demandada despendeu na execução desses trabalhos.
Ora, como referimos, a demandada aceitar ter de restituir aos demandantes a quantia de € 260 (duzentos e sessenta euros) uma vez que não colocou o vidro da base do duche. Por outro lado, é certo que os demandantes têm de proceder ao pagamento dos trabalhos realizados e não pagos. Quanto a estes sabemos que foram: montagem de duas cancelas de bebé, três prateleiras, colocação de um varão de cortinado, reparação da iluminação da escada, com montando um novo sistema de iluminação com controlo remoto, e os trabalhos de pesquisa do cano de água fria que estava troca. Alegou a demandada, que não provou, como já dissemos, que para execução destes trabalhos despendeu 14:30 horas (catorze horas e trinta minutos). Não o provou. Não o tendo provado, deve este tribunal optar entre julgar segundo a equidade ou remeter para o incidente de liquidação. No caso em apreço, relegar a decisão definitiva do litigio para momento posterior, não poderá ser solução (considerando as quantias em causa e o tempo decorrido desde a verificação dos factos) e, mesmo na falta de prova concreta que nos permitam quantificar essas horas, não se pode deixar de, com apelo à equidade, o prudente arbítrio do julgador, e ponderadas as circunstâncias do caso, fixar em 10 (onze) horas as necessárias para executar os trabalhos provados, o que, à razão de € 18 (dezoito euros) a hora, ascende a € 180 (cento e oitenta euros), ao qual acresce o respectivo IVA (€ 41,40), fixando-se em € 221,40 (duzentos e vinte e um euros e quarenta cêntimos) a quantia devida pelos demandados pelos trabalhos executados logrados provar.
E assim, operando a compensação do crédito dos demandantes sobre a demandada (€ 260), com o crédito desta sobre aqueles (€ 221,40), vai a demandada condenada no pagamento aos demandantes no remanescente, ou seja, da quantia € 38,60 (trinta e oito euros e sessenta cêntimos).
Pedem também os demandantes a condenação da demandada no pagamento da quantia de € 500 (quinhentos euros) a título de indemnização pelos transtornos causados. Estes danos – não patrimoniais, ou morais – são "prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio, de reputação, de descanso, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização" (A. Varela, Das Obrigações, pág. 623) e que, de harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 496.°, do Código Civil, "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito". Porém, prescreve no n.º 1 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, que “Às partes cabe alegar os factos que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas” e os demandantes não alegaram factos concretos que, sujeitos a prova, e caso viessem a provar-se, permitissem a este tribunal concluir pela existência de um dano moral, pelo que o peticionado a este título terá de improceder.
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DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, condeno a demandada a pagar aos demandantes a quantia de € 38,60 (trinta e oito euros e sessenta cêntimos), indo no demais absolvida.
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CUSTAS
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, condeno demandantes e demandada no pagamento das custas em partes iguais.
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A presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária – art.º 18.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho) foi proferida e notificada às partes, termos do artigo 60.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, que ficaram cientes de tudo quanto antecede. Remeta-se cópia à mandatária da demandada.
Registe.
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Julgado de Paz de Lisboa, 29 de junho de 2018
A Juíza de Paz,

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(Sofia Campos Coelho)