Sentença de Julgado de Paz
Processo: 376/2018-JPBBR
Relator: LUÍSA FERREIRA SARAIVA
Descritores: ACÇÃO DE CONDENAÇÃO
Data da sentença: 02/26/2019
Julgado de Paz de : OESTE
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Proc.º 376/2018-JPBBR

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES:
1.ª Demandante: A., residente na Urbanização XX Sarge – Torres Vedras.
2.º Demandante: B., residente na Urbanização XX – Torres Vedras.

1.ª Demandada: C., residente na Rua XX – Assenta, São Pedro da Cadeira e,
2.ª Demandada: D. com sede na Rua XX – Assenta, São Pedro da Cadeira.
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OBJECTO DO LITÍGIO:
Os Demandantes intentaram contra as Demandadas a presente acção enquadrável na alínea i) do nº 1, do artº 9º, da Lei 78/2001 de 13 de Julho, peticionando a condenação das Demandadas a procederem à entrega das fotografias em suporte digital, ao pagamento de honorários de advogado e despesas judiciais em que os Demandantes incorreram ou, em alternativa, caso as Demandadas não entreguem a totalidade da reportagem fotográfica do Baptizado do filho sejam condenadas no pagamento da quantia de € 10.000,00 a título de indemnização alegando, em síntese, que contrataram os serviços das Demandadas para fazerem a reportagem fotográfica do Batismo do filho E., tendo contratado o pagamento de € 125,00 onde estava incluída a entrega de todas as fotografias em suporte digital e ainda a impressão de 60 fotografias escolhidas pelos Demandantes. O Batismo ocorreu em 27 de Agosto de 2017, altura em que foi feito o pagamento. Que a Demandada apenas entregou as provas das fotografias tiradas com os convidados e não as da cerimónia, nem dos Demandantes com o filho, nem da festa que se seguiu à cerimónia, não tendo entregue nenhuma fotografia em suporte digital. Interpelaram várias vezes a 1.ª Demandada para proceder à entrega, até Março de 2018, quando esta informou que tinha ficado sem as fotografias e que tinha falado comum senhor para as recuperar. Em junho entregou 60 fotografias impressas à madrinha, sem qualidade e tratando-se de fotografias ampliadas das provas apresentadas aos convidados. Tendo ficado sem fotografias do baptizado solicitam a entrega das fotografias ou o valor correspondente à perda afectiva irreparável e custo da organização e pagamento de nova festa, nos termos plasmados no requerimento Inicial de fls 4 a 12 que se dá por reproduzido.
Juntou dois documentos de fls. 15 e 16 que se dão por reproduzidos.
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As Demandadas não apresentaram contestação.
Não se realizou a sessão de pré-mediação e mediação, por falta das Demandadas, que não vieram a justificar.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, sendo as partes devidamente notificadas para o efeito e com observância do legal formalismo consoante resulta da respetiva Acta de fls. 57/58.
Os Demandantes apresentaram cinco testemunhas e a Demandada não apresentou testemunhas.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor que se fixa em € 10.000,00 – art.ºs 297º nº1 e 306º nº 2, ambos do C.P.Civil.

Questão prévia: Personalidade Jurídica da 2.ª Demandada:
Vieram os Demandantes intentar a presente acção também contra: D. Verifica-se que a Demandada não é uma sociedade constituída, mas um estabelecimento comercial /uma marca nacional, carecendo de personalidade jurídica e por conseguinte de personalidade e capacidade judiciárias, nos termos e com fundamento nos artigos 11.º e 12.º do C.P.C.. A personalidade jurídica é concedida a todas as pessoas singulares e às pessoas colectivas, nos termos do artº 158º do CC, bem como às sociedades comerciais e civis sob a forma comercial (artºs 5º e 1º/4 do C. S. Comerciais), podendo ainda a lei atribuí-las a outras entidades. Não existe outro normativo que atribua personalidade jurídica aos estabelecimentos comerciais. Assim, os estabelecimentos comerciais não têm personalidade jurídica, nem judiciária, sendo insusceptíveis de ser demandados. Em sede de audiência ade julgamento a 1.ª Demandada esclareceu que D. é o nome que utiliza na sua prática profissional, em nome individual.
Pelo exposto absolvo, a Demandada D., da Instância, por falta de personalidade jurídica, nos termos e fundamento na alínea c), do n.º 1, do art.º 278.º do C.P.C., prosseguindo os autos quanto à Demandada C.
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As (demais) partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e são legítimas. Não existem outras excepções ou nulidades de que cumpra conhecer ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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FACTOS PROVADOS:
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1. No dia 27 de Agosto de 2017 teve lugar o Batismo de filho dos Demandantes, E.
2. A madrinha do filho dos Demandantes, F. contactou a Demandada, que é sua amiga e solicitou os seus serviços para fazer a reportagem fotográfica do Baptizado e combinou com aquela que era para o serviço ser oferecido e prestado aos Demandantes.
3. Tendo em atenção a relação de amizade entre F. e a Demandada foi por aquela paga a quantia de € 125,00.
4. O valor incluía as fotografias a entrega em suporte digital de todas as fotografias e 60 fotografias impressas, escolhidas pelos Demandantes.
5. A Demandada fez a reportagem fotográfica correspondente à preparação do E. em casa com os pais, desde o banho à saída para a Igreja, à cerimónia religiosa e à festa que se seguiu.
6. No dia a Demandada mostrou as provas das fotografias aos convidados, que escolheram e adquiriram as que quiseram.
7. Após o pagamento das fotografias os contactos que se verificaram foram sempre entre a Demandante e a Demandada.
8. A Demandada não contactou os Demandantes nem entregou as fotografias até 23 setembro de 2017.
9. A partir de 23 de Setembro de 2017, os Demandantes interpelaram várias vezes a Demandada para proceder à entrega das fotografias, até março de 2018, quando a Demandada afirmou que tinha perdido as fotografias mas “…tinha falado com um senhor” para as recuperar.
10. A Demandada teve um problema informático e perdeu as fotografias, tendo recorrido a um informático para as recuperar, mas não conseguiu.
11. Os Demandantes são apreciadores de fotografia e gostam de ter os acontecimentos importantes da vida dos filhos registados.
12. Os Demandantes ficaram por vários meses com a esperança que aparecessem as fotografias, e
13. Quando souberam que não era possível recuperá-las ficaram com um grande sentimento de perda e pena e tristeza, essencialmente por não terem fotografias de cerimónia religiosa, com o filho e por este mais tarde não poder ver essas fotografias.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a discussão e decisão da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA:
A convicção probatória do tribunal, de acordo com a qual se selecciona a matéria dada como provada ou não provada, ficou a dever-se à falta de impugnação dos factos alegados; aos documentos juntos aos autos pela Demandante e às suas declarações em Audiência de Julgamento, e especialmente às declarações da Demandada. Esta confirmou que perdeu as fotografias em suporte digital pois teve um problema informático. Tentou recuperá-las pedindo ajuda a um técnico informático, mas tal não foi possível. Mais confirmou que o contrato foi feito com F., para ser depois tratado com a Demandante tendo feito um preço especial de € 125,00 e que era para ser um presente para os Demandantes, tendo, posteriormente, tratado tudo com a Demandante. Apenas tem parte do álbum de prova, que contém essencialmente fotografias com os convidados.
Quanto às testemunhas dos Demandantes: G., esteve na festa e confirmou que foi feita a cobertura fotográfica de todas as partes do batizado e que no dia os convidados escolheram fotografias que adquiriram. Mais disse que os Demandantes tiveram um sentimento de perda e pena estando sempre com a esperança que aparecessem as fotografias. São zelosos pelas fotografias e estavam sempre a tirar fotografias; F., madrinha de E., confirmou que falou com a amiga que é fotógrafa para fazer a reportagem fotográfica do batizado tendo esta feito um preço especial de € 125,00. Era o presente de batizado. A Demandada chegou cedo e fez toda a reportagem e entregou algumas fotografias faltando essencialmente as da preparação e ritual de batismo, não existindo as das partes importantes. Ainda que aquela tentou recuperar as fotografias recorrendo a um técnico mas não conseguiu. H. esteve na festa e tirou fotografias e teve acesso às fotografias na festa. Os Demandantes não têm fotografias do “ritual do batismo”. Sabe que tiveram um sentimento de descontentamento e tristeza. I. esteve no Batizado e confirma a reportagem fotográfica feita pela Demandada. Viu algumas fotografias no portátil, no próprio dia. Sabe que não foram entregues todas as fotografias aos pais. Por fim J. esteve no batismo e viu fotografias no próprio dia. Sabe que faltam muitas fotografias, especialmente as mais importantes do batismo em si. O marido tirou algumas fotografias que a Demandante lhe solicitou, pois ficou muito triste.
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, pelo que os factos não provados, resultaram da ausência de prova.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO:
Da factualidade dada como provada resulta que entre F. e a Demandada, foi celebrado um contrato a favor de terceiro, regulado no art. 443º e ss do C. Civil. Dispõe esse art. 443º, no seu nº. 1, que "por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita". Preceitua, por sua vez, o nº. 1 do art. 444º que "o terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente da aceitação"; e o nº. 2 que "o promissário tem igualmente o direito de exigir do promitente o cumprimento da promessa, a não ser que tenha sido outra a vontade dos contraentes".
Havendo adesão, o terceiro beneficiário consolida a sua posição, podendo exercer as pretensões do credor e passando, a partir daí, a prevalecer sobre o próprio promissário, adesão que pode ser tácita, nos termos do art.º 217º do C.C.. No caso vertente verificou-se que os Demandantes assumiram a posição de promissários logo após o pagamento, assumindo a direcção da prestação do serviço, podendo exigir o seu cumprimento.
O promissário e o terceiro (salvo o caso especial do nº. 3) se tornam titulares de um direito de conteúdo igual direccionado à mesma finalidade: a prestação ao terceiro (v. Diogo Leite Campos, in "Do Contrato a Favor de Terceiro", Livraria Almedina, 1980, pág. 86 e ss). O crédito do promissário passa a só poder ser utilizado com vista a assegurar a finalidade da prestação ao terceiro beneficiário.
O promissário - apenas até ao momento da adesão – disporá de meios coercitivos, como seja o de exigir o cumprimento da obrigação para com o terceiro (cfr. Diogo Leite Campos, in ob. cit., pág 89). Ora foi contratada a prestação de um serviço: a reportagem fotográfica do batismo do E. a entrega em suporte digital de todas as fotografias e 60 fotografias impressas, escolhidas pelos Demandantes. Face ao incumprimento da Demandada os Demandantes vieram solicitar a entrega das fotografias em suporte digital ou a condenação no pagamento de uma indemnização. Verificou-se que o cumprimento já não é possível tendo-se verificado uma impossibilidade superveniente de cumprimento por parte do devedor. Prevê o n.º 1, do art.º 801º do Código Civil: “Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação”. No caso sub judice verifica-se que a causa é imputável à Demandada. Ora, nestas situações – de impossibilidade superveniente imputável ao devedor a obrigação não deixa de se extinguir (estruturalmente), nascendo, todavia, um dever (autónomo) de indemnizar. Estipula o art.º 798.º do C.C. que o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação, torna-se responsável pelo prejuízo que causar ao credor.
Estando em causa responsabilidade contratual, o ónus da prova da ausência de culpa da impossibilidade impende sobre o devedor (no caso, a Demandada que se obrigou a entregar as fotografias em suporte digital), nos termos do artigo 799º, nº 1, do CC, presumindo-se a culpa desta face à incerteza quanto à alocação dessa culpa. O carácter culposo da impossibilidade de cumprimento gera o dever de indemnizar (autónomo do dever de prestar tornado impossível).
Era à Demandada, enquanto devedora, que incumbia a prova de que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procediam de culpa sua (artigo 799º, nº 1 do CC), conduzindo essa não demonstração ao funcionamento da correspondente presunção de culpa, rectius da presunção de culpa da Demandada no não cumprimento da obrigação de entregar as fotografias em suporte digital e 60 escolhidas pelos Demandantes, impressas. A Demandada referiu e resultou provado que evidenciou esforços para tentar recuperar as fotografias, no entanto não logrou demonstrar em que circunstâncias a perda das fotografias ocorreu, se agiu diligentemente tomando todas as precauções para não perder o trabalho, nem invocou ouros factos que ilidissem a presunção de culpa que sobre si impende (artigos 344.º, n.º 1, e 350.º, nºs 1 e 2, do C.C.).
Assim é devida uma indemnização pelos danos sofridos em consequência do não cumprimento (cf. artigos 801º, nº1 e nº2, e 562 e seg.s do Código Civil).
Os Demandantes alegaram que não têm fotografias do batizado, o que ficou provado e que por tal, apesar de não ser possível a reprodução do batismo por as circunstâncias serem hoje diferentes devem ser ressarcidos com um valor que cubra o custo da organização e pagamento de nova festa de Batismo. Ora não se vislumbra qualquer nexo de causalidade entre a falta de entrega das fotografias e danos indemnizáveis que justifiquem o pagamento da realização de nova festa ou o custo da mesma. A reportagem fotográfica destinava-se a “memorizar” um evento importante e não o invés, ou seja o batizado não se realizou para que fossem tiradas as fotografias ou em relação de dependência daquelas. Mesmo que se assim não fosse os Demandantes não alegaram factos nem apresentaram prova que permitisse concluir que despesas tiveram e seus valores, alegadamente tidos com a realização do Batismo e correspondente prejuízo.

Ficou ainda provado que, com a falta da Demandada os Demandantes, especialmente a Demandante A., ficaram com um grande sentimento de perda e pena e tristeza, essencialmente por não terem fotografias de cerimónia religiosa, com o filho e por este mais tarde não poder ver essas fotografias. São pessoas que estimam a fotografia e os registos fotográficos dos acontecimentos. Por alguns meses viveram na expectativa e ansiedade de recuperarem as fotografias.
Estamos perante danos de natureza não patrimonial que, pela sua natureza e gravidade, merecem a tutela do direito. Os Demandantes não atribuem um valor concreto, incluindo no valor total de € 10.000,00 respeitantes aos danos patrimoniais e não patrimoniais. Não pode deixar de se considerar a Demandada responsável pela reparação dos prejuízos que causou aos Demandantes em conformidade com o estatuído nos artigos 496º, n.º 1 e 4, primeira parte, do Código Civil. Em face da não oposição da Demandada, aos factos dados como provados e recorrendo à equidade afigura-se-nos adequado fixar o montante indemnizatório no valor total de € 700,00.
Pedem ainda os Demandantes a condenação da Demandada no pagamento de indemnização pelos valores, que não especificam, despendidos com honorários de advogado.
Nos termos do disposto no artigo 342º nº 1 do Código Civil “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”. Caberia aos Demandantes o ónus da prova da quantia que venha a suportar a título de honorários. Ora não foi produzida qualquer prova da quantia efetivamente suportada ou a suportar pelos Demandantes a título de honorários, pois não foi junto aos autos qualquer recibo ou nota de honorários, por exemplo, prova que competia fazer aos Demandantes.
Acresce que, considerando o disposto no artigo 5º, nº 1 da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, e nos artigos 1º a 10º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, não há lugar a custas de parte nos processos dos julgados de paz, uma vez que não se lhes aplica o Regulamento das Custas Processuais, pelo que, nesta parte, tem de improceder o pedido dos Demandantes.
O pagamento das custas é determinado a final.

DECISÃO
Nestes termos, julgo a presente ação parcialmente procedente e provada e, por via disso, condeno a Demandada a pagar à Demandante a quantia de € 700,00 (setecentos euros).
Custas: serão a suportar pelos Demandantes e Demandada na proporção do respetivo decaimento, fixando-se as mesmas em 93% para a primeira e 7% para a segunda, (artigo 8º da Portaria 1456/2001, de 28 de dezembro).
Os Demandantes deverão efectuar o pagamento das custas da sua responsabilidade, no valor de € 30,00 (trinta euros), e a Demandada das custas no valor de € 5,00 (cinco euros), no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente decisão sob pena de incorrer numa penalização de €10 (dez euros) por cada dia de atraso, não podendo exceder € 140,00, nos termos do nº 10 da Portaria 1456/2001 de 28 de dezembro.
Registe e notifique.
Após trânsito arquivem-se os autos.

Bombarral, Julgado de Paz do Oeste, 26 de fevereiro de 2019

A Juíza de Paz
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(Luísa Ferreira Saraiva)
Processado por computador Art.º 131º/5 do C.P.C.
Revisto pelo Signatário. VERSO EM BRANCO
Julgado de Paz do Oeste