Sentença de Julgado de Paz
Processo: 209/2017-JPTRF
Relator: IRIA PINTO
Descritores: PRIVAÇÃO DE USO
RESPONSABILIDADE CIVIL
Data da sentença: 11/28/2017
Julgado de Paz de : TROFA
Decisão Texto Integral: Relatório
A demandante XX, melhor identificada a fls. 3, intentou em 13/10/2017, contra a demandada XX SEGUROS, S.A., melhor identificada a fls. 3, ação declarativa com vista a obtenção de indemnização civil em consequência de acidente viação, formulando o seguinte pedido:
Ser a demandada condenada a indemnizar a demandante na quantia de €1.707,20, sendo o valor de €707,20 corresponde a privação de uso do seu veículo, além da quantia de €1.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescidas do pagamento de juros legais desde a citação até integral pagamento, além de custas do processo.
Tendo, para tanto, alegado os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 3 a 8 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido. Juntou 13 (treze) documentos.
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Devidamente citada a demandada (fls. 38), apresentou a contestação de folhas 41 a 44, que se dá por integralmente reproduzida, impugnando os valores de indemnização peticionados e concluindo pela improcedência da ação. Juntou em audiência 1 (um) documento.
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O Julgado de Paz é competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e não se verificam quaisquer outras exceções ou nulidades de que cumpra conhecer.
Fixo à causa o valor de €1.707,20 (mil setecentos e sete euros e vinte cêntimos).

Fundamentação da Matéria de Facto
Factos provados
Com interesse para a decisão da causa ficou provado que:
1 – A demandante é dona e legitima proprietária do veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca XX, matrícula GX.
2 – No dia 24/1/2017, essa viatura era conduzida por X, irmão da demandante, que quando circulava em direção a Santo Tirso pela EN 104, foi embatido na traseira pelo carro com a matrícula QJ, marca XX dirigido por XX e segurado na demandada pela apólice nº .XX;
3 – Foi enviada pela demandante, através da sua agência de seguros, toda a documentação relativa ao sinistro à demandada, além de solicitação de viatura de substituição.
4 – Como não obteve resposta a esse pedido, a demandante reiterou o pedido por email de 2/2/2017 à demandada.
5 – Por sua vez, a demandada respondeu à demandante em 7/2/2017, através de email e carta, assumindo a responsabilidade pelo sinistro, informando a demandante de que lhe seria cedido veículo de substituição pelos dias efetivos de reparação do veículo, ou seja, por três dias.
6 – A demandante levantou o dito veículo de substituição em 14/2/2017, na empresa de rent-a-car XX Lda, na Trofa e entregou-o a esta em 17/2/2017 e na mesma data, recolheu o seu veículo na Oficina XX Unipessoal, Lda., em Vila Nova de Famalicão.
7 – A demandada não atribuiu à demandante, veículo de substituição durante o período de 24/1/2017 a 13/2/2017, relativo ao período de imobilização da viatura.
8 – Daí que a demandante tenha reclamado através de email remetido à demandada em 24/2/2017, o pagamento de uma compensação no montante de €707,20, pelo dano da privação do uso, correspondente ao período de paralisação da viatura.
9 – A demandada, em resposta enviada à demandante em 7/8/2017, veio contrapropor 13 dias de paralisação (desde 25/1/2017 a 7/2/2017) no valor de €12,00/dia, atendendo às caraterísticas do veículo.
10 – Discordando a demandante do número de dias de paralisação, que a seu ver são 20 dias, bem como do valor indemnizatório a esse título.
11 – O quotidiano da demandante foi afetado durante o período de imobilização da viatura, passando a deslocar-se a pé para todas as suas atividades e compromissos pessoais e de lazer. *
A fixação da matéria dada como provada resultou da audição das partes, dos factos admitidos, do depoimento das testemunhas da demandante, que foram considerados isentos e credíveis, como a seguir se mencionará, a que acrescem os documentos de fls. 9 a 26 e 70 juntos aos autos, o que devidamente conjugado com critérios de razoabilidade alicerçou a convicção do Tribunal.
As testemunhas do demandante, depuseram com credibilidade, tendo as testemunhas XX, respetivamente irmã, filha e irmão da demandante, exposto os incómodos que a demandante teve por estar sem veículo, tendo que deslocar-se a pé para casa, nas idas a supermercados e para o trabalho, onde presta apoio em várias escolas do concelho da Trofa, bem como em lazer, uma vez que os transportes públicos da zona de residência são escassos ou inexistentes, ou deixado de fazer tais deslocações dadas as dificuldades sentidas na falta de transporte alternativo.
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou insuficiência de prova nesse sentido.

O Direito
A demandante intentou a presente ação, com base no instituto da responsabilidade civil em consequência de acidente de viação, peticionando a condenação da demandada, seguradora para a qual foi transferida a responsabilidade civil, no pagamento da quantia total de €1.707,20, sendo €707,20 referente ao valor de imobilização e privação de uso do seu veículo e €1.000,00 por danos não patrimoniais.
Segundo o artigo 483º, nº 1 do Código Civil, que define o princípio geral em matéria de responsabilidade civil extracontratual, aquele que, por dolo ou mera culpa, violar ilicitamente disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação culposa.
Considerando, ainda, o que dispõem os artigos 562º a 564º e 566º do Código Civil, a obrigação de indemnizar, exigindo um nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e os danos, obrigam o lesante a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação; além de que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor e, não sendo possível averiguar o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
No caso dos autos, a demandada aceita a responsabilidade pelo sinistro automóvel, não aceitando os valores peticionados pelo demandante a título de indemnização, em consequência do sinistro, o que cumpre decidir.

Da Privação de Uso
Ora hoje é, comum e maioritariamente aceite na nossa jurisprudência, que o simples uso constitui uma vantagem patrimonial suscetível de avaliação pecuniária.
Defende-se que, a utilização dos bens faz parte dos interesses patrimoniais inerentes ao próprio bem, e que a simples possibilidade de utilização ou não utilização constitui uma vantagem patrimonial que, uma vez afetada, deve ser ressarcida.
No caso em apreço, foi feita prova da necessidade diária do veículo para as deslocações da demandante.
Mas, “Mesmo não se tendo provado prejuízos efectivos, é possível determinar com o recurso à equidade, o valor dos danos da paralisação.” – Acórdão do STJ de 09.06.96 e Acórdão da Relação do Porto de 20.06.2005.
Assim sendo, entende-se que durante 20 dias, isto é desde 24/1/2017, data do acidente, até ao dia 13/2/2017, data até à qual o veículo da demandante esteve imobilizado sem atribuição de veículo de substituição, a demandante tem direito a ser compensada com a atribuição de um valor/dia pela imobilização, uma vez que durante o período mencionado não teve acesso ao seu veículo, por facto que não lhe é imputável.
Para a demandada seria aceitável o valor de €12,00/dia, considerando a cilindrada e tipo de combustível do veículo, enquanto que a demandante contrapõe o valor de €35,36/dia, que é o preço debitado à seguradora pela empresa de rent-a-car.
Ora, tanto num como noutro caso, entende-se que os valores pecam ora por defeito, ora por excesso.
Razão pela qual, se fixa equitativamente, considerando os 20 dias de paralisação e privação de uso do veículo da demandante, à razão de €20,00 por dia, valor diário que se considera adequado e razoável, o que perfaz o valor de €400,00 (quatrocentos euros), nos termos dos artigos 4º e 566º nº3, ambos do Código Civil, pelo dano indemnizável pela imobilização do veículo automóvel da demandante e subsequente privação do seu uso.

Dos Danos não patrimoniais
A demandante peticiona, por último, a quantia de €1.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos com o sinistro.
São, pois, indemnizáveis os danos de carácter não patrimonial que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, nos termos do artigo 496º, nº1 Código Civil.
Há, então, que indagar se os incómodos e transtornos ocorridos em consequência do acidente e que a demandante sentiu são, pela sua gravidade, merecedores da tutela do direito.
Ora, considera-se que tais sentimentos são tidos como adequados e normais a quem é proprietário de um veículo e tem a seu cargo afazeres domésticos e profissionais diários e que devido a um sinistro a que não deu causa fica impossibilitada de usar a viatura, constituindo um reflexo quotidiano normal do mundo em sociedade, dada a reposição da normalidade após o decurso de um período relativamente conturbado em termos de incomodidade, não constituindo porém um dano indemnizável, por não deixar marcas permanentes ou profundas.
Pelo exposto, procede parcialmente a pretensão da demandante no valor global de €400,00, de valor de privação de uso de veículo, indo no mais absolvida a demandada.
Quanto aos juros peticionados, verificando-se um retardamento da prestação por causa imputável ao devedor, constitui-se este em mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados ao credor, o ora demandante (artigo 804º do Código Civil). Tratando-se de obrigações pecuniárias, deverão os juros vencidos ser contabilizados à taxa legal de 4%, desde a citação da demandada, como peticionado, até integral pagamento. Deste modo, tem a demandante direito a receber juros de mora vencidos e vincendos desde a data de citação – 17/10/2017 (fls. 38), à taxa legal de 4% (artigo 559º do Código Civil e Portaria nº 291/2003), até efetivo e integral pagamento.

Decisão
Em face do exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, condeno a demandada XX SEGUROS, S.A., a pagar à demandante a quantia de €400,00 (quatrocentos euros), acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 17/10/2017 até integral pagamento, indo no mais absolvida.

Custas
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, condeno demandante e demandada no pagamento das custas totais do processo no valor de €70,00 (setenta euros), na proporção de responsabilidade de 3/4 para a demandante, no valor de €52,50 e de 1/4 para a demandada, no valor de €17,50.
Pelo que, tendo a demandante pago a taxa inicial de €35,00, deve ainda a demandante XX proceder ao pagamento dos restantes €17,50 (dezassete euros e cinquenta cêntimos), no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de €10,00 (dez euros) por cada dia atraso.
Devolva à demandada o valor de €17,50 (dezassete euros e cinquenta cêntimos).
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A sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária) foi proferida nos termos do artigo 60º, da Lei nº 78/2001, de 13/7, alterada pela Lei nº 54/2013, de 31/7.
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No dia e hora agendados para a leitura de sentença – 28/11/2017, pelas 16H30 – as partes e mandatários das partes não compareceram.
Notifique e Registe.
Julgado de Paz da Trofa, 28 de novembro de 2017
A Juíza de Paz,
(Iria Pinto)