Sentença de Julgado de Paz
Processo: 80/2014-JP
Relator: SANDRA MARQUES
Descritores: PAGAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS EM VIRTUDE DE CANCELAMENTO DE VIAGEM AÉREA.
Data da sentença: 07/30/2015
Julgado de Paz de : SEIXAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
(n.º 1, do art.º 26.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, na redação resultante das alterações introduzidas pela Lei N.º 54/2013 de 31 deJulho, doravante designada abreviadamente LJP)

Processo N.º 80/2014-JP
Matéria: Incumprimento contratual e responsabilidade civil (enquadrada nas alíneas i) e h), ambas do n.º 1, do art.º 9.º, da LJP).
Objeto do litígio: pagamento de indemnização por danos patrimoniais em virtude de cancelamento de viagem aérea.
Demandante: A, titular do cartão de cidadão n.º ---------, válido até -----------, nascido em --------------, contribuinte fiscal n.º ---------------, residente na Rua -----------------------, -----------------------Seixal.
Demandados (2):
1) B – SGPS, S.A., pessoa coletiva n.º -------------, com sede na ----------------, N.º -------, ----------------- Funchal.
Mandatária: C, advogada, com domicílio profissional na --------------------------- Lisboa.
2) D ---------------------, S.A., Sociedad Anónima Operadora, citada na -----------------, ------, ----------- Madrid.
Mandatário: E , advogado, com domicílio profissional na Avenida -------------., --------- Lisboa.
Valor da ação: €302,86 (trezentos e dois euros e oitenta e seis cêntimos).

Do Requerimento Inicial:
O Demandante alegou no seu requerimento inicial, interposto inicialmente apenas contra o Demandado B, que em 29 de Dezembro de 2012, comprou on-line uma viagem para os EUA à D, pelo preço de €582,43 (quinhentos e oitenta e dois euros e quarenta e três cêntimos), utilizando um cartão MBNet emitido on-line tendo por base o seu cartão multibanco do B. Alega ainda que, no dia 3 de Abril de 2013, no aeroporto de Lisboa, o Demandante não pode efetuar o check-in, porque o pagamento da quantia de €582,43 (quinhentos e oitenta e dois euros e quarenta e três cêntimos) havia sido cancelado, pelo que se viu obrigado a comprar uma viagem pelo preço de €885,29 (oitocentos e oitenta e cinco euros e vinte e nove cêntimos). Acrescentou ainda que, após interpelação ao balcão do B onde tem conta, no Seixal, este informou que cancelara o pagamento porque a D não tinha procedido ao seu levantamento.
Mais disse que a diferença do valor da viagem comprada no próprio dia e a que havia reservado cerca de três meses antes é de €302,86 (trezentos e dois euros e oitenta e seis cêntimos).

Pedido:
Requereu indemnização no valor de €302,86 (trezentos e dois euros e oitenta e seis cêntimos), relativo à diferença de valor entre a primeira viagem cancelada e a segunda adquirida.

Da contestação:
Regularmente citado por via postal em 21 de Fevereiro de 2014 (cfr. fls. 57), o Demandado B apresentou contestação em 10 de Março de 2014 (cfr. fls. 60 e seguintes), na qual se defendeu por exceção e por impugnação. Por exceção, invocou ser parte ilegítima nos presentes autos, pois que em 29 de Dezembro de 2012 recebera um pedido de autorização de pagamento proveniente de beneficiário do mesmo – D – a que respondeu, mediante autorização, sendo que esse mesmo beneficiário não apresentou após autorização a transação firme para efeitos de concretização da operação e pagamento em causa, pelo que a responsabilidade pela correta efetivação da ordem e pagamento não é sua, pelo que requereu a sua absolvição da presente instância. Por impugnação, em resumo, alegou que, tratando-se de uma ordem de pagamento transfronteiriço para aquisição de um serviço à D, pelo que a compra se processa em dois tempos: autorização e compra, e compra firme, não tendo esta última sido efetuada, em virtude da D não ter enviado o pedido de pagamento.
Mais requereu a intervenção provocada de terceiro da D, como sua associada.
Admitida a intervenção supra requerida nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, 39.º, 41.º e 43.º, n.º 5, todos da LJP, conjugados com os artigos 311.º, 312.º, 316.º, 318.º, n.º 1, c) e n.º 2, estes do Código de Processo Civil, foi a Demandada D regularmente citada no estrangeiro em 20 de Fevereiro de 2015 (cfr. fls. 149), não tendo apresentado contestação.

Tramitação:
O Demandante acedeu à utilização do serviço de mediação (cfr. fls. 19), pelo que foi a sessão de pré-mediação agendada para o dia 26 de Fevereiro de 2014 (cfr. fls. 19), à qual o B faltou (cfr. fls. 56), sem justificação.
Após citação do Demandado B, e apresentação de contestação pelo mesmo, face à ausência já nessa data por doença da Juíza de Paz titular do processo, em 11 de Março de 2014 a Juíza de Paz em substituição ordenou a notificação do Demandante para querendo, se pronunciar em dez dias sobre a exceção de ilegitimidade invocada, bem como sobre a intervenção requerida (cfr. fls. 85). Em 21 de Março de 2014 o Demandante pronunciou-se, pugnando pela legitimidade do Demandado B, mas acrescentando parecer-lhe útil e coerente que seja também Demandada a D – cfr. fls. 103. Aguardaram os autos o retorno da Juíza de Paz titular dos mesmos (cfr. fls. 104), após o qual foi agendada audiência prévia para o dia 1 de Dezembro de 2014 (cfr. fls. 111), à qual compareceram o Demandante e a ilustre mandatária do B, tendo-se frustrado a tentativa de conciliação, e sendo proferido despacho, admitindo o incidente de intervenção principal provocada de terceiro da Demandada D, bem como ordenando a sua citação – tudo cfr. ata de fls. 119 e 120. Após diversas dificuldades de citação, foi a Demandada D citada em Espanha em 20 de Fevereiro de 2015, pelo que, tendo em consideração o prazo de que esta dispunha para contestar, foi agendada audiência de julgamento para o dia 17 de Abril de 2015 (cfr. fls. 151), à qual a Demandada D faltou, tendo sido desde logo agendado o dia 5 de Maio de 2015 para realização de audiência de julgamento em segunda marcação (cfr. ata de fls. 163 a 164). A Demandada D apresentou justificação para a sua falta (cfr. fls. 173 a 199). Devido a doença da Juíza de Paz titular dos autos na data designada, foi desmarcada a audiência agendada para o dia 5 de Maio de 2015 (cfr. fls. 208), e, em sua substituição, após consulta prévia relativa a indisponibilidades dos ilustres mandatários constituídos (cfr. fls. 217 e seguintes), foi agendado o dia 16 de Julho de 2015 (cfr. fls. 235). Nessa data, à audiência compareceram o Demandante e os ilustres mandatários de ambos os Demandados, tendo sido realizada tentativa de conciliação, que se frustrou. Foi ainda admitida a justificação e falta anteriormente apresentada, produzida prova documental e testemunhal, tendo o Demandante requerido prazo para junção de documento contraprovando o então apresentado, o que lhe foi concedido, por cinco dias, tendo desde logo os ilustres mandatários declarado que prescindiam de apresentação de alegações finais – tudo cfr. ata de fls. 264 a 267. Em 20 de Julho de 2015 o Demandante apresentou requerimento e documentos não admissíveis, pelo que foram estes desentranhados e devolvidos ao apresentante, sendo ainda agendada a presente audiência para continuação de audiência para leitura de sentença (cfr, fls. 277), à qual compareceu apenas o Demandante, tendo sido proferida oralmente a presente sentença – cfr. ata de fls. anteriores.

Factos provados:
Com base nas declarações das partes, por confissão, acordo, documentos juntos e prova testemunhal produzida, dão-se como provados os seguintes factos:
1 - No dia 29 de Dezembro de 2012, o Demandante comprou on-line à Demandada D uma viagem para os Estados Unidos da América,
2 - pelo valor de €582,43 (quinhentos e oitenta e dois euros e quarenta e três cêntimos),
3 – através da utilização de um Cartão MBNet emitido on-line em que definiu código e montante,
4 - tendo por base e associado ao cartão multibanco do Demandante emitido pelo Demandado B,
5 - de que o Demandante é cliente no balcão do Seixal;
6 - No dia 3 de Abril de 2013, no aeroporto em Lisboa, foi recusado ao Demandante efetuar o check–in, porque a sua compra havia sido cancelada,
7 – tendo-lhe sido então indicado que tal se devia a cancelamento do pagamento;
8 – Nessa mesma data, o Demandante adquiriu no aeroporto à Demandada D uma viagem para o mesmo destino,
9 - mas foi-lhe cobrado o preço de €885,29 (oitocentos e oitenta e cinco euros e vinte e nove cêntimos);
10 – Em 21 de Maio de 2013, o Demandante interpelou o Demandado B,
11 – que remeteu sempre para o seu balcão do Seixal;
12 - O valor da viagem de €582,43 (quinhentos e oitenta e dois euros e quarenta e três cêntimos) aparece no histórico de movimentos de débito do Demandante na sua conta bancária,
13 – nunca tendo sido pelo Demandante cancelado;
14 – Em 29 de Dezembro de 2012, o Demandado B recebeu um pedido de autorização proveniente da Demandada D enquanto beneficiário de pagamento,
15 – à qual o Demandado B respondeu mediante autorização de pagamento,
16 – a qual consiste na indicação de que o ordenante tem conta junto do Banco, que possui fundos para fazer face ao serviço de pagamento e que, contra apresentação da ordem de pagamento, os fundos serão postos à disposição do beneficiário um dia útil após a apresentação da mesma;
17 – O Demandado B manteve a quantia cativa durante 72 horas, para assegurar que o ordenante mantinha saldo para pagamento do montante autorizado até a transação firme chegar;
18 – Porém, após a autorização de pagamento, a Demandada D nunca chegou a apresentar a transação firme para efeitos de concretização do pagamento em causa,
19 – pelo que, findas as 72 horas, a quantia foi liberta,
20 – sem qualquer comunicação à Demandada D,
21 – nunca tendo sido recusado pelo Demandado B o pagamento da quantia,
22 – sendo que, ainda hoje, mediante a autorização concedida, com a apresentação da “compra firme”, o Demandado B teria de pagar a quantia autorizada;
23 – Foi a Demandada D quem mandou proceder ao cancelamento da compra da viagem do Demandante aos Estados Unidos da América pelo preço de €582,43 (quinhentos e oitenta e dois euros e quarenta e três cêntimos);
23 – Para viajar através da Demandada D para o mesmo destino e na mesma data, o Demandante teve de adquirir no próprio dia no aeroporto de Lisboa outra viagem,
24 - pelo preço de €885,29 (oitocentos e oitenta e cinco euros e vinte e nove cêntimos),
25 – tendo perdido o embarque no avião que inicialmente reservara.

Para a matéria dada como provada e não provada, atendendo ao princípio da livre apreciação das provas que vigora no nosso direito, consagrado no artigo 607.º do Código de Processo Civil atual, teve-se em consideração: os factos admitidos por acordo, porquanto não foram impugnados nos termos do artigo 574.º, n.º 2 do Código de Processo Civil; a confissão efetuada pelos representantes dos Demandados do contrato celebrado, autorização de pagamento e falta de pedido de pagamento; os documentos juntos ao processo, com especial relevância para a reserva efetuada on-line pelo Demandado onde consta indicação de confirmação da mesma; tudo conjugado com o depoimento das testemunhas apresentadas pelos Demandados.
Quanto à testemunha apresentada pelo Demandado B, testemunhou de forma clara, coerente, lógica, imparcial e convicta, criando neste Julgado de Paz a convicção que falava verdade, revelando ter conhecimento direto dos factos, confirmando a autorização de pagamento e a falta de pedido efetivo de pagamento, bem como no que consiste o cartão MBNet, sua emissão, modo de pagamento, e como se encontra associado ao cartão Multibanco do Demandante devidamente identificado.
No que concerne à testemunha apresentada pela Demandada D, testemunhou em termos gerais como se processam os pagamentos, não tendo qualquer conhecimento direto dos factos em apreço concretamente referentes ao Demandante com a exceção das anotações que são colocadas pelos seus colegas, que não pôde concretamente identificar, no “sistema” informático da D a que pode aceder.
Apreciação de facto e de direito:
Revelam os factos alinhados que, em 29 de Dezembro de 2012, entre o Demandante e a Demandada D foi celebrado um contrato de prestação de serviços de transporte aéreo, mediante o recurso a pagamento a efetuar através de cartão MBNet associado ao cartão Multibanco do Demandante emitido pelo Demandado B.
Questão Prévia: Da Ilegitimidade Passiva do Demandado B
Veio o Demandado B invocar a sua ilegitimidade para ser parte na presente ação.
Dos factos supra elencados, decorre que o Demandante adquiriu à Demandada D uma viagem aérea, tendo utilizado como meio de pagamento um cartão emitido e associado à sua conta bancária junto do Demandado B, domiciliada no balcão do Seixal. Mais, resulta da matéria dada como provada que o impedimento no embarque teve por base a falta de pagamento, efetuando o pedido o Demandante contra o Demandado B por ter dado ordens para o mesmo.
A legitimidade para se ser Demandado advêm do interesse direto em contradizer, o qual se afere pelo prejuízo que provenha da procedência da ação (cfr. o disposto no artigo 30.º, n.º 2 do Código de Processo Civil atual). Nos presentes autos, resulta provado que a viagem foi adquirida através de meio por si emitido, pelo que o Demandado B terá interesse direto em contradizer os factos relativos ao alegado cancelamento por falta de pagamento.
Assim, improcede a alegada exceção de ilegitimidade passiva do Demandado B – cfr. “ad contrario” artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea e) e 578.º, todos do Código de Processo Civil na sua versão atual.

Cumpre, pois, apreciar do mérito da ação.
Da prova produzida, constatou-se que no dia 29 de Dezembro de 2012, o Demandante adquiriu à Demandada D bilhete de avião para os EUA, recorrendo à utilização de MBNet associado ao seu cartão Multibanco emitido pelo Demandado B. Resultou ainda provado que a compra foi confirmada, mas que no dia em que o Demandante se apresentou no aeroporto de Lisboa foi impedido de embarcar, tendo sido informado que a compra fora cancelada, por falta de pagamento. Resulta ainda da matéria provada que para poder embarcar através da D, para o mesmo destino e na mesma data, o Demandante teve de despender €885,29 (oitocentos e oitenta e cinco euros e vinte e nove cêntimos).
Assim, temos que Demandante e a Demandada D celebraram um contrato de transporte aéreo, tendo o Demandante oferecido a sua prestação de pagamento do preço, e a Demandada cancelado, por falta do mesmo, o contrato, sem disso informar o Demandante. Mais resulta da prova produzida que o Demandado B confirmou à Demandada D que o pagamento era “bom” e se encontrava disponível, mas que a D nunca chegou a solicitar a “compra firme”.
Nos termos do artigo 406.º do Código Civil “O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei.” Nos termos do artigo 798.º do Código Civil, ”O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.” A Demandada D não cumpriu o contrato ao alterar unilateralmente e sem o conhecimento do Demandante no que se refere à viagem que este adquirira on-line, o que se traduz num facto ilícito.
Nos termos do n.º 1, do artigo 799.º do Código Civil, à ilicitude do facto acresce a culpa da Demandada D, que se presume. A alteração do contrato e ou a ausência de informação relativa ao cancelamento, além de aumentar o risco na verificação dos danos, foi a causa adequada para a sua ocorrência à luz do artigo 563.º do Código Civil.
Assim, é a Demandada D a responsável pelos danos causados ao Demandante, no valor de €302,86 (trezentos e dois euros e oitenta e seis cêntimos), correspondentes ao valor que este teve de liquidar a mais por lhe ter sido cancelada a anterior compra.

Decisão:
O Julgado de Paz é competente e não existem nulidades ou exceções de que cumpra apreciar ou conhecer para além da supra conhecida.
Em face do que antecede:
a)condeno a Demandada D a liquidar ao Demandante o montante de €€302,86 (trezentos e dois euros e oitenta e seis cêntimos), correspondentes ao valor que este teve de liquidar a mais por lhe ter sido cancelada a anterior compra;
b)absolvo o Demandado B do peticionado.

Custas:
Nos termos dos n.ºs 8.º e 10.º, da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, a Demandada D é declarada parte vencida, pelo que fica condenada no pagamento de €70 (setenta euros), relativos às custas, a pagar no prazo de três dias úteis, a contar da notificação da presente, neste Julgado de Paz, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de €10 (dez euros) por cada dia de atraso.
Reembolse-se o Demandante e o Demandado B, nos termos do disposto no n.º 9.º da mesma Portaria.
Esta sentença foi proferida e notificada oralmente ao presente, nos termos do artigo 60.º, n.º 2, da LJP, só tendo sido posteriormente concluída a sua redação.
Envie-se fotocópia da presente ao Demandante após redação, face à notificação que antecede.
Notifique os Demandados e seus ilustres mandatários da presente, à Demandada D juntamente com a notificação para pagamento de custas.
Registe.
Julgado de Paz do Seixal, em 30 de Julho de 2015
(processado informaticamente pela signatária)
A Juíza de Paz

Sandra Marques