Sentença de Julgado de Paz
Processo: 19/2017-JPFNC
Relator: LUÍSA ALMEIDA SOARES
Descritores: COMPRA E VENDA
Data da sentença: 03/23/2018
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA
I. RELATÓRIO
A) IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A., sociedade comercial por quotas com sede em Rua X, Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número único 0, representada pelo seu sócio gerente B.

Demandada: C, sociedade comercial com sede na Rua X, Funchal.
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B) PEDIDO
A Demandante propôs contra a Demandada a presente ação declarativa enquadrada na alínea i) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001 de 13 de julho, peticionando a condenação desta no pagamento da quantia em dívida, no valor de €1.161,42, a que acrescem juros legais já vencidos no valor de €430,00 e os vincendos até efetivo e integral pagamento, com os fundamentos que alegou no seu requerimento inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Juntou 3 (três) documentos.
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A Demandada C foi regularmente citada e contestou – aqui se dando por integralmente reproduzida,- deduzindo a exceção de incompetência territorial que foi julgada procedente tendo os presentes autos sido remetidos pelo Julgado de Paz de Lisboa a este Tribunal, e impugnando a matéria do requerimento inicial, tudo conforme se extrai do despacho e ata de julgamento constantes dos presentes autos.
Juntou: 1 (um) documento.

Para tanto notificada, a Demandante veio apresentar articulado de resposta onde se pronunciou quanto à exceção de incompetência territorial invocada e impugnou a matéria alegada na contestação pela Demandada.
Juntou: 1 (um) documento.

Notificada do articulado resposta, a Demandada pugnou pela sua não admissibilidade e pelo desentranhamento do documento junto, o que foi decidido por despacho no início da audiência de julgamento e consta da respetiva ata.
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II- SANEAMENTO
Estão reunidos os pressupostos da estabilidade da instância: o Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor. O processo não enferma de nulidades que o invalidem na totalidade. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há exceções, nulidades ou quaisquer questões prévias que cumpra conhecer.
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III- VALOR DA AÇÃO
Fixa-se em €1.591,53 (mil quinhentos e noventa e um euros e cinquenta e três cêntimos) o valor da presente causa (artigos 296.º, 297.º n.º 2, 299.º e 306.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001 de 13 de julho, com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho).
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IV – OBJETO DO LITÍGIO
O objeto do litígio entre as partes circunscreve-se a apurar da celebração de um contrato de compra e venda entre as partes e das condições do mesmo.
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V – QUESTÕES A DECIDIR
Nos presentes autos importa apurar da celebração de um contrato entre as partes e em caso afirmativo saber quais as condições do referido contrato e se há incumprimento por parte da Demandada relativamente ao valor peticionado pela Demandante.
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VI - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com relevância para a decisão da causa resultaram os seguintes factos:

FACTOS PROVADOS
1. A Demandante é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à importação, exportação e comercialização de implantes e componentes de próteses, com sede em Lisboa.
2. A Demandada é uma sociedade comercial de responsabilidade limitada, que se dedica ao exercício da medicina dentária, com sede no Funchal.
3. A Demandada nunca teve, nem tem qualquer relação comercial e/ou contato com a Demandante.
4. A D, emitiu a fatura n.º 0 à Demandante, datada de 31.05.2011, onde se faz menção, entre outros, da guia de remessa 0, datada de 16.05.2011, com a referência 444977, localidade Funchal, origem/destino Funchal e o valor de €24,43.
5. Na fatura referida em 4. constam como clientes da Demandante na cidade do Funchal o Dr. K e a Clínica Do Seminário DR.
6. A Demandante emitiu a favor da Demandada a fatura n.º 20110198, datada de 16.05.2011, com data de vencimento em 15.06.2011, no montante de €1.161,42 (iva incluído), mencionando a D no local de expedição, o vendedor “Nuno”, morada de entrega “morada cliente”, cliente n.º “0”, V/N.º contribuinte “0” sendo omissa no campo “forma de pagamento”, aí se descrevendo implantes e outros materiais dentários.
FACTOS NÃO PROVADOS
7. No âmbito do seu objeto a Demandante forneceu, a 16.05.2011 e a pedido da Demandada, implantes e outros materiais dentários, descritos na fatura n.º 0, no montante de €1.161,42 (iva incluído).
8. A Demandada aceitou e recebeu os materiais referidos em 6., sem nunca deles ter reclamado.
9. O serviço de transporte prestado e facturado à Demandante e referido em 4. destinou-se à Demandada.
10. A Demandante tentou contactar por diversas vezes a Demandada, designadamente através de cartas enviadas pela sua Mandatária no dia 27.07.2015 e no dia 16.09.2015.
11. A Demandada usufruiu dos bens fornecidos pela Demandante, sem nunca ter pago o preço correspetivo.
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A convicção do Tribunal para dar como provados os factos 1 e 6 resultou da conjugação da prova documental carreada para os autos, com as declarações de parte do sócio gerente da Demandante e do depoimento da testemunha da Demandada.
O facto assente em 2 considera-se admitido por acordo, nos termos do artigo 574.º, n.° 2 do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001 de 13 de julho, com a redacção da Lei 54/2013 de 31 de julho).

Ouvido nos termos do artigo 26.º n.º 1 da Lei 78/2001 de 13 de julho, e tendo sido requeridas as suas declarações de parte, o sócio gerente da Demandante explicou que esta é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à importação, exportação e comercialização de implantes e componentes de próteses que presentemente atravessa algumas dificuldades. Referiu que o montante peticionado nos presentes autos tem iva incluído que liquidou. No que respeita ao negócio alegadamente feito com a Demandada explicou que o seu comercial de nome F se deslocava à Ilha da Madeira onde contactava com alguns clientes, designadamente a Demandada e que terá feito uma encomenda para esta, mas desconhecendo em que termos tal negócio foi feito, quando, em que local, quem a fez, a quem foi entregue, e outros pormenores do mesmo, uma vez que não tratava desses assuntos diretamente e sim através dos funcionários da empresa. Em relação à matéria dos autos apenas teve conhecimento direto dos documentos juntos e que contactou a D (empresa que referiu que fez o transporte da encomenda em causa) com vista a apurar se havia prova de entrega da encomenda e que esta terá informado não existir. Explicou que a D cobrou à Demandante o valor do transporte e que não procedeu a qualquer devolução.
Como é sabido, a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal (artigo 396.º do Código Civil).
De acordo com o princípio da livre apreciação da prova e na lição sempre recordada de Manuel de Andrade (in “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, página 382) o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo e de acordo com a sua experiência da vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas. O que decide é a verdade material e não a verdade formal.

A testemunha da Demandada E, referiu ser funcionária daquela há 19 anos. Explicou que desempenha as funções de rececionista e que qualquer comercial que contacte a empresa tem forçosamente de agendar reunião, mas que nunca ouviu falar de um comercial de nome F, nem do nome da empresa Demandante, a não ser quando citados para a presente ação. Mais esclareceu que as encomendas eram por si à data recebidas e que umas vezes assinava digitalmente documento que lhe era apresentado pelo estafeta e outras não. Que relativamente à correspondência, era a enfermeira G quem à data a recebia, mas que nunca ouviu comentar o nome da empresa, nem qualquer exigência de pagamento, mas que a própria testemunha nunca atendeu, enquanto recepcionista, qualquer telefonema da Demandante.
Explicou que a empresa Demandada adquire os implantes sempre às mesmas empresas, a H e a I. Que se recorde só uma vez compraram a uma outra empresa, a J devido à necessidade de um cliente em particular.

Os factos não provados em 7. a 11. assim foram considerados atendendo à falta de prova ou prova produzida em sentido contrário que os infirmaram.
Não foi junta pela Demandante qualquer nota de encomenda assinada pela Demandada ou identificando quem a realizou, comprovativo de receção da alegada encomenda pela Demandada, prova de contacto do comercial da empresa Demandante com a Demandada ou sequer documento comprovativo de envio de fatura.
Pese embora se encontrem juntas aos autos cartas subscritas pela Ilustre Mandatária da Demandante e como menção no destinatário da designação social da Demandada, na verdade não resultou qualquer prova sobre o seu envio, a não ser uma nota manuscrita de “enviado por correio registado em mão em 27/7/15” e uma rubrica imperceptível na carta datada de 27.07.2015 e uma nota manuscrita de “enviado por correio registado em mão em 17/9/15” e uma rubrica impercetível na carta datada de 16.09.2015.
O sócio gerente da Demandante não conhecia pormenores da alegada encomenda feita pela Demandada, designadamente quem a fez ou quem a recebeu e a testemunha oferecida pela Demandada em audiência de julgamento, sua funcionária há 19 anos, afirmou peremptoriamente nunca ter ouvido falar da Demandante e, outrossim, que todas as encomendas de implantes era feitas a outras duas empresas.
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VII – ENQUADRAMENTO JURÍDICO LEGAL
Com base na matéria de facto provada, cumpre apreciar os factos e aplicar o direito.
A presente ação funda-se no alegado incumprimento de uma obrigação por parte da Demandada, enquadrando-se, em termos de competência material deste Tribunal, na al. i), do n.º 1, do artigo 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho.
A qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes é linear e não suscita dificuldades.
Como decorre dos factos provados, o contrato em causa subsume-se a um contrato compra e venda constando a sua noção legal do artigo 876.° do Código Civil, que refere "compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço". Neste tipo de contrato, como é regra geral, vale o princípio da liberdade contratual (art.° 405.º do Código Civil), pelo que as partes são livres de celebrar o negócio jurídico, assim como estabelecer o conteúdo que entenderem. São efeitos essenciais do contrato de compra e venda: a) a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito; b) a obrigação de entregar a coisa e c) a obrigação de pagar o preço (cfr. artigo 879.° do Código Civil).
Trata-se de um contrato oneroso, tendo em conta que a transmissão da coisa implica o pagamento de um preço, na medida em que dele advêm vantagens económicas para ambas as partes.
Dos factos apurados resulta que a D, emitiu a fatura n.º 0 à Demandante, datada de 31.05.2011, onde se faz menção, entre outros, da guia de remessa 0, datada de 16.05.2011, com a referência 0, localidade Funchal, origem/destino Funchal e o valor de €24,43. Resultou igualmente que na fatura referida em 4. constam como clientes da Demandante na cidade do Funchal o Dr. K e a L e que a Demandante emitiu a favor da Demandada a fatura n.º 0, datada de 16.05.2011, com data de vencimento em 15.06.2011, no montante de €1.161,42 (iva incluído), mencionando a D no local de expedição, o vendedor “Nuno”, morada de entrega “morada cliente”, cliente n.º “0”, V/N.º contribuinte “0” sendo omissa no campo “forma de pagamento”, aí se descrevendo implantes e outros materiais dentários.
Porém não resultou provado que a Demandante forneceu, a 16.05.2011 e a pedido da Demandada, implantes e outros materiais dentários, descritos na fatura n.º 0, no montante de €1.161,42 (iva incluído) e/ou que a Demandada aceitou, recebeu e usufruiu desses materiais sem deles reclamar, nem que o serviço de transporte prestado e facturado à Demandante pela D se destinou à Demandada.

Atenta a matéria não provada, tem necessariamente de improceder o pedido de condenação da Demandada no pagamento à Demandante da quantia de €1.591,53 (mil quinhentos e noventa e um euros e cinquenta e três cêntimos) acrescida de juros legais até integral pagamento.
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VIII – RESPONSABILIDADE POR CUSTAS:
As custas do processo (70,00€) serão suportadas pela Demandante nos termos da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de dezembro.
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IX- DISPOSITIVO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgo a presente ação totalmente improcedente, e em consequência decido:
1. Absolver a Demandada IPRO, INSTITUTO DE PREVENÇÃO E REABILITAÇÃO ORAL, LDA. do pedido.
2. Condenar a Demandante A nas custas da presente ação.
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Uma vez que a Demandante A. já liquidou 35,00€ (trinta e cinco euros) com o requerimento inicial, deverá efetuar o pagamento das custas em dívida, 35,00€ (trinta e cinco euros) num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, sob pena de incorrer numa sobretaxa de 10,00€ (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação, conforme disposto nos artigos 8.º e 10.º da Portaria 1456/2001 de 28 de dezembro.
Proceda-se, nos termos do artigo 9.º da Portaria 1456/2001 de 28 de dezembro, ao reembolso de 35,00€ (trinta e cinco euros) à Demandada C.
Registe e notifique.
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Funchal, 23 de março de 2018


A Juíza de Paz



Luísa Almeida Soares
(Processei e revi. Art.º 31 n.º 5 CPC/Art.º 18 LJP)