Sentença de Julgado de Paz
Processo: 245/2014-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLICIO
Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE DE VIATURA POR VIA MARITIMA- TRANSPORTE DEFEITUOSO-INDEMNIZAÇÃO
Data da sentença: 12/12/2014
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

O demandante, A, residente no Funchal, instaurou a ação declarativa de condenação contra a demandada, B, Lda., NIPC. ------------, com sede no Funchal, nos termos do art.º 9, n.º1 aliena h) da L.J.P.
Para tanto, alegou em síntese que, requisitou os serviços da demandada para proceder ao transporte de uma viatura automóvel de marca X com a matricula RJ que adquirira recentemente em Lisboa. O transporte era efetuado por via marítima e com destino á Madeira, pelo qual pagou a quantia de 550€. Para prevenir algum incidente resolveu fazer um seguro de transporte, pelo qual pagou 59,62€. O veículo foi entregue no porto, em Stª Apolónia, sem qualquer dano mas na guia de saída verificou-se que tinha o para choques partido. Participado o facto á seguradora foi averiguado o sinistro, tendo aquela respondido qua a cobertura da apólice não cobre aquele tipo de danos. Seguidamente apresentou reclamação á demandada, o que fez via eletrónica, e depois por carta. Aquela também declinou a responsabilidade pelo sinistro. Sucede que entretanto acabou por proceder às suas expensas á reparação dos danos sofridos, no valor de 638,82€. Conclui pedindo que seja condenada no pagamento da quantia que despendeu na reparação da viatura na quantia de 638,82€. Juntou 27 documentos
A demandada regularmente citada contesta. Alega que efetivamente celebrou com o demandante o referido contrato de transporte tendo aquele pago a quantia de 550€ e na mesma data em que pagou foi emitida uma nota de crédito a favor dele na quantia de 30€ com a menção de seguro de transporte não coberto. Ora o demandante transferiu aquela responsabilidade para a seguradora que ele próprio contratou, por isso é parte ilegítima na ação, devendo oficiosamente ser reconhecido. Assim, o lesado deve exigir diretamente o pagamento á seguradora dos danos sofridos. Impugna, ainda, os demais factos alegados. Conclui pela procedência da exceção e improcedência da ação.
O demandante não respondeu á exceção.

TRAMITAÇÃO:
Realizou-se sessão de mediação sem obtenção de consenso entre as partes.
O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade

AUDIENCIA DE JULGAMENTO:
Foi iniciada dando cumprimento ao art.º 26, n.º1 da L.J.P. sem obtenção de consenso entre as partes. Seguiu-se para produção de prova com audição de testemunhas e um requerimento da mandatária da demandada, que foi deferido. Na 2ª sessão continuou-se com a audição da testemunha, o demandante apresentou 1 documento, finalizando-se com alegações finais das partes, tudo conforme atas, de fls. 81 a 82 e 98 a 99.

FUNDAMENTAÇÃO
I-DOS FACTOS PROVADOS:
1)Que as partes celebraram um contrato de prestação de serviços-frete marítimo.
2)Que o demandante pagou a quantia de 550€.
3)Que o contrato tinha como objeto o transporte de uma viatura automóvel, via marítima.
4)Que se trata do veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula RJ.
5)Que o demandante entregou o veículo no porto de Lisboa com destino á Madeira.
6)Que o demandante celebrou um C contrato de seguro com a companhia de seguros Tranquilidade, titulado pela apólice n.º D.
7)Que pagou o premio de 59,62€.
8)Que na guia de saída foi detetado que a viatura estava danificada. 9)Que tinha o para choques traseiro partido.
10)Que o demandante denunciou os danos á sua seguradora.
11)Que o seguro contratado pelo demandante não abrange estes danos.
12)Que o demandante denunciou os danos á demandada.
13)Que a demandada declinou a responsabilidade.
14)Que o demandante procedeu á reparação da viatura.
15)No que despendeu a quantia de 638,82€.
16)Que a demandada emitiu a favor do demandante uma nota de crédito, na quantia de 30€.
17)Que tinha a menção seguro de transporte não coberto.

MOTIVAÇÃO.
O Tribunal sustentou a motivação na análise crítica de toda a documentação, cujo teor considero reproduzido, servindo de prova á maioria dos factos provados, na medida em que se encontram em consonância com a prova testemunhal apresentada e com as regras da experiencia comum.
Foi relevante a testemunha, E, que embora seja funcionário da demandada depôs com a devida isenção. Explicou em que consistia a atividade de transitário, e os procedimentos adotados que são diferentes para o transporte de diferentes objetos. Referiu que não interveio diretamente neste caso tendo conhecimento dele apenas no âmbito das diligências do demandante para solucionar a situação.Explicou que o cliente não precisa de fazer seguro é uma opção dele, no entanto a maioria dos seguros não cobre danos a bordo do navio, pois são caros e normalmente não justificam o pagamento do premio, porém deve ser explicado ao cliente o tipo de danos que engloba.
Não se provou mais qualquer facto com interesse para a causa, por ausência de prova, já que o demandante não apresentou testemunhas, no entanto prestou declarações nos termos do art.º 466 do C.P.C., as quais foram valoradas no conjunto da prova e de acordo com as regras da experiencia comum.

II-DO DIREITO:
O caso em análise prende-se com o transporte de uma viatura automóvel por via marítima, na qual ocorreram danos.
Questões a considerar: caraterização do contrato, ilegitimidade da demandada, danos e indemnização.

O contrato de transporte carateriza-se por alguém se obrigar para com o outro a obter a mudança por este pretendida, de pessoas ou mercadorias, de uma para outra localidade.

Embora não expressamente como tal qualificado na lei, é opinião unânime da doutrina que pertence a categoria ampla de contrato de prestação de serviços, neste sentido Ferreira de Almeida, Contratos II, 164 e Menezes Cordeiro, manual de Dt.º Comercial, I, 527 e sgs.

Além de transportar por meios próprios e alheios, o transportador está sujeito a vários deveres complementares que persistem desde o ponto de partida até ao ponto de chegada, incluindo a descarga e entrega das coisas ao destinatário, de entre os quais se destaca a guarda da mercadoria e entrega conforme foi rececionada.

Por sua vez no C. Comercial (art.º 366 a 393) o contrato de transporte dispõe de regulação específica, consoante os diversos subtipos estabelecidos em função do objeto do transporte (pessoas ou mercadorias), e da natureza do meio de transporte utilizado (camião, comboio, aeronave, navio, táxi, etc.).

No entanto, há que distinguir a atividade própria do transportador, daquele que se dedica a atividade de transitário, regulada pelo D.L. 255/99 de 7/07.

A atividade transitária está regulada pelo DL 255/99 de 7/07, com as alterações introduzidas pela L. 5/2013 que estatui no seu art.º 1.ª/2: que consiste na prestação de serviços de natureza logística e operacional, o que inclui o planeamento, o controlo, a coordenação e a direção das operações relacionadas com a expedição, receção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias, desenvolvendo-se nos seguintes domínios: - a) gestão dos fluxos de bens ou mercadorias, b) Mediação entre expedidores e destinatários, nomeadamente através de transportadores com quem celebre os respectivos contratos de transporte; c) execução dos trâmites ou formalidades legalmente exigidos, inclusive no que se refere à emissão do documento de transporteunimodal ou multimodal.

No fundo estes são auxiliares do transporte, que funcionam como intermediários entre os transportadores marítimos, fluviais ou terrestres. A sua atividade consiste em receber as mercadorias e encaminha-las para o seu destino através de outro, ainda que venha a utilizar diferentes meios de transporte.

A responsabilidade do transitário, enquanto comissário do transporte, é alargada respondendo pelos seus atos pessoais, como pelas pessoas de que se sirva para o cumprimento da sua obrigação a quem incumba a efetivação material do transporte.

Nos termos do n.º2 do art.º1 do D.L.255/99 de 7/07 o âmbito da atividade de transitário não envolve o transporte de mercadorias mas também não está impedido de o fazer.

No presente caso temos um contrato de transporte que tem por objeto coisa móvel (veiculo automóvel), conforme constante a fls. 38 e 40, efetuado por via marítima, tendo como local de expediçãoLisboa e de destino Caniçal.

Trata-se de um contrato verbal, previamente acordado entre as partes, onde se estabeleceu o preço e condições gerais do transporte, documento 15 a fls. 40.

O preço ajustado, ou seja, o denominado frete foi efetivamente pago na íntegra pelo demandante após a realização do serviço, conforme documento junto a fls. 38, na quantia de 550€, facto igualmente confirmado pela demandada na contestação (art.º 3).

Atendendo ao objeto social desenvolvida pela demandada conclui-se que esta foi apenas a intermediária naquele transporte, sendo por isso de caracterizar aquela atividade como sendo um contrato de prestações de serviços, na modalidade de mandato, regulada pelo art.º 1170 do C.C. e sgs, o que também resulta das declarações da testemunha apresentada pela demandada.

Para além disso, como a demandada exerce profissionalmente a atividade de transitária, este contrato é, ainda, regulado pelas disposições legais da LDC, que expressamente prevê o âmbito de aplicação á prestações de serviços, uma vez que não discrimina os serviços que nela são incluídos (art.º 1-A, n.º2 do D.L. 67/2003 de 8/04 com as alterações do D.L. 84/2008 de 21/05).

Quanto á alegada ilegitimidade passiva da demandada, com vista a solucionar uma questão controversa na doutrina nacional foi consagrado,no atual art.º 30, n.º3 do C.P.C., uma conceção puramente material, por referência á relação jurídica controvertida, o que difere da legitimidade processual, enquanto pressuposto positivo. De acordo com a mesma, considera-se como legitimo quem o autor assim o configurar na ação.

E, no caso concreto a ação foi intentada contra a demandada, na qualidade de entidade contratada, que se responsabilizou pelo transporte do bem para o local pretendido pelo demandante.Entidade que contestou ação, o que significa que tem efetivamente interesse em contradizer, já que assume ter realizado o negócio, por isso se entende que será parte legítima na ação, tal como o demandante o configurou.

No que respeita á terceira questão, a mercadoria, objeto do transporte, foi entregue no local acordado, e sem danos, o que resulta do documento junto a fls. 40, mas chegou danificada, conforme resulta do próprio documento junto a fls. 42, emitido pela empresa que procedeu a entrega da mercadoria, pelo que não há duvidas que se trata de um cumprimento defeituoso do contrato.

O cumprimento defeituoso traduz-se numa forma de violação (contratual positiva) da obrigação. Embora a lei não determine efetivamente os efeitos a doutrina equipara-os aos da mora ou do incumprimento definitivo, conforme a situação em concreto.

Assim, é ao devedor que incumbe a prova que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não se deve a culpa sua (art.º 799 do C.C.), o que também resulta do D.L. 67/2003 que estabelece um presunção de que o serviço não foi executado em conformidade com o acordado (art.º 2, n.º2), a qual pode e deve ser elidida pelo prestador de serviços nos termos gerais (350, n.º2 do C.C.).

No caso concreto o demandante denunciou o facto primeiramente á seguradora, entidade com a qual contratou um seguro, não obstante não estar obrigado a isso, pois não se trata de um seguro de carater obrigatório mas sim um mais para o segurado.

Acresce, ainda, que as entidades transitárias devem possuir um seguro de modo a garantir a responsabilidade civil por danos causados a clientes (art.º 7 do D.L. 255/99 de 7/07), conforme também ressalta da nota de devolução que apresentou ao demandante, a fls. 39, mas nunca o informou da entidade que faz o respetivo seguro, para que pudesse efetivar a respetiva companhia seguradora e através dela ser ressarcido. Assim e por este motivo a demandada, também não poderá vir a ser considerada como parte ilegítima.

Decorrendo do principio da boa-fé contratual (art.º 227 do C.C.) que deve ser comunicado á contraparte todos os elementos imprescindíveis ao negócio, nessa qualidade se insere aexistência de um seguro, referente á atividade que desenvolve, facultando-se os seus elementos.

Não obstante,o demandante contratou um seguro, conforme já se referiu,no entanto este não abrangia estas situações, daí a seguradora ter declinado a responsabilidade. Por isso, o demandante acabou por denunciar a situação á demandada, o que fez a 8/11/2013 por email, e posteriormente por carta a 9/01/2014.

A qual foi posteriormente respondida, por email, conforme se verifica pela troca de correspondência realizada entre as partes, documento junto a fls. 35, declinando a sua responsabilidade, alegando que o risco corre por conta do cliente.

Ora o documento apresentado a fls. 40, com o n.º15, diz expressamente que o risco é do carregador, documento este que identifica, na zona superior quem é o carregador, estando aí identificado, e como se pode ver não é o cliente mas outra entidade, que aquela utilizou no serviço realizado ao cliente, motivo pelo qual improcede os argumentos da demandada, que não conseguiu elidir as presunções legais.

Por isso, e de acordo com o art.º 800, n.º1 do C.C., o devedor, ou seja a ora demandada, é responsável pelos atos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize no cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio.

Verificados estão os pressupostos da obrigação de indemnizar, assim deve o obrigado reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga a reparação, devendo ser fixada em dinheiro caso a reconstituição natural não seja possível, consistindo esta na diferença patrimonial atual e aquela que teria se não ocorresse os danos (art.º 562 e 566 ambos do C.C.).

Neste caso e demandante apresentou o orçamento e respetivo recibo, fls.54 e 55 e 56. Refere-se precisamente á reparação do veículo, onde se descriminam o serviço realizado, o que inclui mão-de-obra e material. Este consiste precisamente a medida dos danos a ressarcir ao demandante, pelo que a demandada vai assim condenada na quantia peticionada de 638,82€.

DECISÃO:
Nos termos expostos julga-se a ação procedente. Condena-se a demandada a pagar ao demandante a quantia de 638,82€, referente aos danos ocasionados na viatura durante a atividade transitária.

CUSTAS:

São da responsabilidade da demandada, devendo proceder ao pagamento de 35€ (trinta e cinco euros) no prazo de 3 dias úteis após a receção da presentesentença sob pena de lhe ser aplicado a sobretaxa diária na quantia de 10€ (dez euros), para a qual desde já se adverte.

Em relação ao demandante cumpra-se o art.º9 da Portaria n.º 1456/2001 de 28/12.

Funchal, 12 de dezembro de 2014

(redigido e revisto pela signatária, art.º 131, n.º 5 C.P.C.)

A Juíza de Paz

(Margarida Simplício)