Sentença de Julgado de Paz
Processo: 291/2016-JPCBR
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL - DANOS EM IMÓVEL
Data da sentença: 02/15/2018
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: RELATORIO:

O demandante, J., NIF. …, residente na rua …, no concelho de Coimbra, representado por mandatário constituído.

Requerimento Inicial: Em suma alega-se que, o demandante é o legítimo dono e possuidor da fração autónoma designada pela letra N, correspondente ao 3º piso, designado por 2º-A, na rua … , freguesia de … , no concelho de Coimbra, descrita sob n.º … da referida freguesia, na 1º CRP de Coimbra, onde reside. Em fevereiro/2016, começou a notar infiltrações no quarto da sua habitação, proveniente de fendas existentes no reboco exterior do topo poente do bloco A1. Informou pessoalmente o representante da demandada que se deslocou ao local, verificando os estragos, e nada fazendo, de imediato, para os corrigir. Por isso, enviou 2 cartas ao administrador do condomínio, a 1ª de 28/04/206 e a 2ª de 14/09/2016, enviada por registo a/r, alertando para o problema das infiltrações de água provenientes da parede exterior, e para a consequente mancha de humidade e fendas, existentes no seu quarto de dormir, onde pernoitava todas as noites, solicitando a sua reparação. O demandante evidenciou os problemas de saúde de que sofre, que são potenciados pelo facto de viver em ambientes húmidos, nomeadamente de uveíte crónica anterior do olho esquerdo, que pode ser desencadeada, entre outros, por ambientes húmidos, conforme relatório medico datado de 12/10/2016. Só a 7/10/2016 o demandado procedeu a obras de reparação do exterior, afirmando que a parede foi reparada estando em boas condições, mas não procedeu á reparação dos danos causados no interior do imóvel do demandante. A 19/09/2016 o demandado enviou carta registada ao demandante, com texto denominado Informação considerando os danos causados pelas infiltrações como sendo obras de conservação e fazem parte das obrigações dos proprietários das mesmas. Não reconhecendo a sua responsabilidade nos danos do interior da habitação do demandante e não procedeu à sua reparação, pelo que o demandante solicitou um orçamento para reparação da parede onde se situam as infiltrações, cujo valor perfaz a quantia de 420€ com IVA incluído. Contudo, não procedeu à sua reparação, pois até 7/10/2016 não estava resolvida a origem das infiltrações na parte externa da parede. Assim, o demandante foi obrigado a viver num ambiente com muita humidade, fungos, cheiro a bolor do cimento apodrecido, e risco de curto-circuito na instalação elétrica, o que sucede desde abril/2016 até á data, o que potencia a sua doença, causando-lhe inflamações oculares, nevralgias e dores. Não podendo fruir plenamente do seu lar, onde vive desde 2010, pelo que deve ser indemnizado pelos danos não patrimoniais em valor não inferior a 800€. Conclui pedindo, pela procedência da ação, condenando o demandado A) na reparação dos danos causados no interior da habitação do demandante, por reparador credenciado, no prazo de 30 dias, repondo a situação que existia antes da verificação das infiltrações; B) caso não ocorra a reparação, no prazo de 30 dias, deve ser condenado a pagar o montante de 420€; C) ser condenada a pagar os danos não patrimoniais no valor de 800€. Juntou 11 documentos.

MATERIA: Ação de Responsabilidade civil extracontratual, enquadrada no art.º 9, n.º 1, alínea H) da L.J.P.

OBJETO: Responsabilidade por danos em imóvel, reparação dos danos e indemnização danos não patrimoniais.

VALOR DA AÇÃO: 1.220€ (mil duzentos e vinte euros).

O demandado, Condomínio do …, NIPC. …, situado na rua …, representado pelo administrador do condomínio, e por mandatário constituído.

Contestação: Aceita os factos n.º 1,2,3,4, 7 e parcialmente o 9 (conforme documento n. º10 que juntou) e 10, impugnando-se o restante. Por Ilegitimidade: Nenhuma responsabilidade tem o demandado face aos pretensos prejuízos que reclama pois referem-se a 2 frações individuais de condóminos do Bloco A1, dizendo respeito ao demandante, enquanto proprietário da fração 2º A, e o proprietário da fração 3º A, A., como o próprio demandante alega no seu r.i., que são o resultado das infiltrações provenientes do andar superior á sua denominado como 3º A, pelo que o demandado nada tem que o indemnizar. Para além disso, o condómino A. é titular de um seguro multirriscos habitação, subscrito junto da companhia de seguros L…, titulado pela apólice n.º …, que responde por danos causados a terceiros. Face ao exposto deve a presente exceção proceder, sendo de conhecimento oficioso, o seu reconhecimento. Por exceção de “venire contra factum próprium”: Conforme alega no r.i. art.º 4 e 7, o demandante obteve a reparação e resolução dos problemas das infiltrações provenientes das fendas existentes no reboco exterior, ou parede exterior, do topo poente do bloco A1, confissão que se aceita, pelo que litiga manifestamente em “venire contra factum próprium”, traduzindo o exercício de uma posição jurídica em contradição com o seu comportamento assumido anteriormente, pois vem pedir a juízo a tutela de um direito há muito reparado pelo demandado, posição esta que constitui um verdadeiro abuso de direito, atentando contra o direito e a boa-fé. Na realidade o demandado logo que teve conhecimento da reclamação do demandante tratou de providenciar pela resolução dos problemas, o que fez no período do final da primavera e verão de 2016, até ao final do outono desse mesmo ano. Quanto á reparação dos danos sofridos nos tetos e paredes interiores decorrentes das infiltrações provenientes das fendas existentes no reboco exterior, ou parede exterior, do topo poente do bloco A1, quando o demandado se preparava para os reparar, conforme anunciado no comunicado com data de 7/10/2016 e endereçado ao demandante, o qual sem justificação e inopinadamente recorreu a juízo. O abuso de direito determina a absolvição do demandado do pedido. Por Impugnação: O demandado desconhece o estado de saúde do demandante, sendo conhecido por boa saúde, e de nenhuma doença padecer até aos dias de hoje. Os danos e infiltrações são do conhecimento do demandado somente a partir de 28/04/2016. O valor que reclama de danos não patrimoniais é manifestamente exagerado, sendo de escassa relevância pois nenhum dano sofreu, nem sofre. Conclui pela improcedência da ação, e procedência das exceções processuais de ilegitimidade, e perentória de venire contra factum próprium ou abuso de direito. Juntou 2 documentos.

Em resposta às exceções: Corre termos neste julgado outra ação (n.º 99/2017) onde são destintos os danos, origem e localização temporal dos mesmos, bastando confrontar os processos para o verificar a diferença. Neste os danos têm origem na parede exterior comum do edifício, e que se manifestou no quarto do demandante, no outro a infiltração proveio da casa de banho do proprietário do piso superior, e manifestou-se na despensa do demandante. Também é inaceitável a ilegitimidade pois nos autos demanda-se a administração do condomínio, pois os danos provem da parede exterior do edifício, que se integra nas partes comuns. Acontece que o administrador do condomínio é o dono do apartamento do piso superior que é demandado no outro processo, mas não se confundem. Os factos até foram reconhecidos na contestação nos art.º 21, 22, 29 e 30. Por esta razão é insustentável a tese de litispendência e de venire contra factum próprium ou abuso de direito, que também se impugna. O demandante pretende criar confusão entre duas situações completamente destintas, quer quanto aos sujeitos, espaço temporal, causa de pedir e pedido.

Conclui pela improcedência das exceções, condenando-se o demandado nos termos do r.i.

O Tribunal, por despacho fundamentado, de fls. 62 a 64, pronunciou-se em relação á suposta litispendência entre os presentes autos e os autos n.º 99/2017, tendo concluído pela sua improcedência por não estarem reunidos os pressupostos processuais.

TRAMITAÇÃO:

Realizou sessão de mediação, sem obtenção de acordo.

O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.

As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.

O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade.

AUDIENCIA DE JULGAMENTO:

Foi iniciada dando cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º 1 da L.J.P., sem lograr o consenso das partes. Seguindo-se de imediato para produção de prova com audição de testemunhas, terminando com as alegações dos mandatários, conforme ata de fls. 77 a 79.

-FUNDAMENTAÇÃO-

I-DOS FACTOS ASSENTES (Por Acordo):

A) O demandante é o legítimo dono e possuidor da fração autónoma designada pela letra N, correspondente ao 3º piso, designado por 2º-A, na rua …, bloco A1, freguesia de …, no concelho de Coimbra, descrita sob n.º … da referida freguesia, na 1º CRP de Coimbra, onde reside.

B) Em fevereiro/2016, começou a notar infiltrações no quarto da sua habitação, proveniente de fendas existentes no reboco exterior do topo poente do bloco A1.

C) Informou pessoalmente o representante da demandada que se deslocou ao local, verificando os estragos, e nada fazendo, de imediato, para os corrigir.

D) O demandante enviou 2 cartas ao administrador do condomínio, a 1ª de 28/04/206 e a 2ª de 14/09/2016, enviada por registo a/r, alertando para o problema das infiltrações de água provenientes da parede exterior, e para a consequente mancha de humidade e fendas, existentes no seu quarto de dormir, onde pernoitava todas as noites, solicitando a sua reparação.

E) Só a 7/10/2016 o demandado procedeu a obras de reparação do exterior, afirmando que a parede foi reparada estando em boas condições.

F) O demandado não reconheceu a sua responsabilidade nos danos do interior da habitação do demandante e não procedeu á sua reparação.

II - DOS FACTOS PROVADOS:

1) O demandante evidenciou os problemas de saúde que sofre, que são potenciados por viver em ambientes húmidos.

2)O demandante sofre de uveíte crónica anterior do olho esquerdo.

3)Que pode ser desencadeada por ambientes húmidos.

4)O demandado não procedeu á reparação dos danos causados no interior do imóvel do demandante.

5)O demandado enviou carta registada ao demandante em 19/09/2016.

6)Cujo texto se designa de informação.

7)Informando que as obras de conservação dos interiores das frações fazem parte das obrigações dos proprietários.

8)O demandante solicitou a elaboração de um orçamento para reparação da parede onde se situam as infiltrações.

9)Foi-lhe apresentado um orçamento com o valor de 420€, o que inclui o IVA.

10)O demandante não procedeu á reparação dos danos pois até 7/10/2016 não estava resolvido a origem das infiltrações na parte externa da parede.

11) O demandante viveu num ambiente com humidades e cheiros a bolor.

12)Este ambiente potenciava a sua doença, causando-lhe inflamações oculares e dores.

13)O condómino A. é titular de um seguro multirriscos habitação, subscrito junto da companhia de seguros L., titulado pela apólice n.º …, que responde por danos causados a terceiros decorrentes da habitação.

14)O demandante obteve a reparação e resolução dos problemas de infiltrações provenientes das fendas existentes no reboco exterior, ou parede exterior, do topo poente do bloco A1.

15)As infiltrações provindas do exterior foram reparadas.

16)O que sucedeu no período entre o final da primavera de 2016 até ao final do outono do mesmo ano.

17)Corre termos neste Julgado de Paz dois processos, este e o n.º 99/2017.

18)Nestes são distintos os danos, a origem, localização desses danos e localização temporal dos factos.

19) O administrador do condomínio nestes autos é o dono do apartamento do piso superior, sendo demandado a título pessoal.

20)Nos autos n.º 99/2017 a infiltração manifesta-se na despensa do demandante.

21)No exterior do edifício tinha fissuras no 3º andar, 2º andar e no 1º andar.

22) O administrador do condomínio, a 7/102016, respondeu á carta do demandante, datada de 14/09/2016.

MOTIVAÇÃO:

O tribunal baseou a decisão na analise critica de toda a documentação junta aos autos pelas partes, conjugando-a com a prova realizada em audiência e as regras da experiência comum.

A testemunha, M., é a companheira do demandante há alguns anos e com ele residente na fração, motivo pelo qual tem conhecimento direto dos factos. Teve um depoimento coerente e isento. Relevando na prova dos fatos com os n. º 1, 2, com os n. º 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 17, 18, 19 e 20.

A testemunha, J., reside no mesmo edifício do demandante, motivo pelo qual tem conhecimento de alguns factos. Auxiliou na prova dos factos com os n.º 2, 3, 14 e 15.

A testemunha, C., é frequentador assíduo da casa do demandante, conhecendo diretamente a maioria dos factos. O seu depoimento foi isento e claro. Auxiliou na prova dos factos com os n.º 2, 3, 4, 10,11, 12 e 19.

A testemunha, A., era há data dos factos o administrador do condomínio, tendo conhecimento direto dos factos. O seu depoimento foi coerente. Foi relevante para prova dos factos com os n.º 3, 4, 5, 6, 14, 15 e 18.

A testemunha, J. A., é o pedreiro que fez a reparação exterior do edifício, reconhecendo que foi ao imóvel do demandante. Devido aos seus conhecimentos profissionais e pessoais, seu depoimento foi relevante para provados factos com os n. º 14, 15 e 19.

O facto provado com o n.º 1 resulta do documento n.º 6, o qual foi aceite pelo demandado, e também do depoimento da testemunha, Z.

O facto provado com o n.º 21 é um facto instrumental, e resulta do depoimento da última testemunha, bem como das testemunhas A., J. e M..

O facto complementar de prova com o n.º 22 resulta do documento n.º 9, junto a fls. 18.

III- DO DIREITO:

O caso em análise prende-se com o apuramento da responsabilidade de danos ocorridos na fração autónoma, propriedade do demandante.

Questões: ilegitimidade passiva, apuramento da responsabilidade, exceção de venire contra factum próprio, danos-patrimoniais e não patrimoniais.

Quanto á primeira questão, consiste numa exceção dilatória que pode levar á absolvição da instância (art.º 577, alínea a) do C.P.C.), sem prejuízo da possibilidade de fazer intervir na ação a parte faltosa, caso estivesse perante situação de litisconsórcio necessário, pois a L.J.P. admite a intervenção sucessiva de terceiro, apenas nestas circunstâncias (art.º 49).

Esta questão foi durante anos motivo de querelas jurídico-processual, até que o C.P.C. com a inserção do n.º 3, do art.º 30, pôs fim á mesma, perfilhando o critério, que a legitimidade das partes na ação radica na pertinência das partes face ao modo como a ação foi “desenhada” pelo demandante, a qual assenta no pedido conjugado com a causa de pedir, sendo por isso como que uma questão previa em relação á discussão da relação material controvertida.

No caso vertente o demandado alega dois fundamentos distintos, por um lado que a origem dos danos provém de outra fração autónoma, e que o condómino, proprietário da alegada fração, transferiu a responsabilidade por danos causados a terceiros, á companhia de seguro L., pela apólice que identifica.

Em relação ao primeiro, constata-se que no r.i. o demandante dirigiu o pedido somente contra o demandado, enquanto órgão executivo, por ser o representante das partes comuns do edifício (art.º 1437, n.º 2 do C.C.), nomeadamente as paredes exteriores, as quais, segundo ele, causaram as infiltrações que tem no interior da sua fração.

Quer isto dizer que apenas o demandado terá interesse em contradizer os factos, pois é a única pessoa-coletiva, para além do próprio demandante, que pode ser afetado com o desfecho dos autos.

No entanto, se no decurso dos autos se apurar que a causa das infiltrações provem de outro local, que não sejam as paredes exteriores, conforme quer o demandado crer, já não será uma questão de ilegitimidade que está em causa, mas sim de direito material, pois refere-se precisamente á causa ou origem dos alegados danos materiais, motivo pelo qual improcede a mencionada exceção. Em relação á segunda questão suscitada tem precisamente o mesmo tratamento jurídico, ou seja, estaria dependente de se apurar que a causa dos danos provém de uma fração autónoma e não das partes comuns do edifício, e nesse caso deveria ser chamado á ação a companhia de seguros, caso a apólice abrangesse este tipo de danos, estando estas questões no âmbito da relação material controvertida. Constituem pressupostos do dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos: a existência de um facto voluntário do agente e não de um facto natural causador de danos; a ilicitude desse facto; a existência de um nexo de imputação do facto ao lesante; que da violação do direito subjetivo ou da lei resulte um dano; que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima de forma a poder concluir-se que este resulta daquela, in Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I Vol., 1986, 477/478.

Neste instituto, no que concerne á culpa, a regra, pertence ao lesado efetuar a prova (art.º 487, n.º 1 do C.C.), salvo se existir presunção de culpa do lesante, o que implica a inversão do ónus probatório (art.º 350, n.1 do C.C.).

No caso em apreço está provado que o edifício onde se localiza a fração do demandante tinha, no ano de 2016, no bloco A, no lado externo algumas rachas/fissuras, nomeadamente no 3º andar, 2º andar e no 1º andar, conforme relatou a testemunha, J., pessoa que realizou a reparação das mesmas.

Provou-se, ainda, que no interior da fração do demandante, mais propriamente no quarto de dormir, surgiram humidades na parede, mais se apurou que nesse mesmo local possui uma fissura no sentido horizontal, conforme relataram as testemunhas C. e M..

Está, ainda, provado que os problemas da parede exterior do edifício foram reparados no período, entre os finais da primavera até ao final de outono, mais propriamente em novembro de 2016.

Apurou-se, ainda, que o edifício não possui bons acabamentos, nomeadamente tem falta de reboco exterior e interior, conforme explicou a testemunha, J., que realizou a reparação exterior do edifício.

Com o passar dos anos, todos os edifícios têm necessidade de obras de reparação, pois os seus componentes com a exposição ao tempo vão se degradando, o que resulta da experiência comum. Mas o edifício onde o demandante reside tem uma falha de origem, a falta de reboco nas paredes, o que se deveu ao facto de ter sido construído a custos reduzidos, conforme também foi explicado pelas testemunhas, A. e J. A., daí o aparecimento de fissuras na massa exterior do mesmo.

Resulta, também, da experiência comum que o reboco, enquanto camada exterior, serve para proteger a própria parede-blocos-, ora se falha esta proteção a parede fica mais frágil, não exercendo a sua função solidificadora cabalmente, deixando que os elementos naturais, a pouco e pouco, se introduzam no interior desta.

Foi o que sucedeu no caso dos autos, pois as humidades no interior não são sentidas de imediato, foram-se introduzindo lentamente, e só mais tarde se repercutiram no interior, sobretudo se houver anos mais chuvosos.

Por outro lado, foi apurado que após a reparação da parede exterior a humidade no quarto cessou, pelo que terá de se concluir que esta era a causa/origem das infiltrações.

Perante o exposto, e tendo em consideração as especificidades provenientes do regime da propriedade horizontal, sendo as paredes exteriores consideradas obrigatoriamente como comuns (art.º 1421, n.º 1 alínea a) do C.C.), teria de se concluir que a responsabilidade pelas reparações quer a nível exterior, quer as que por força destas provoquem danos no interior de cada fração, compete ao condomínio.

No que diz respeito a valores, como o administrador do condomínio não procedeu á reparação os danos que existem no quarto de dormir, o demandante solicitou a uma empresa um orçamento para repara-los, conforme documento 11 junto de fls. 22 e 23.

No que diz respeito a este orçamento, considerando que existe apenas uma fissura nas paredes do quarto, nomeadamente no canto poente/norte, como se vê nas fotografias de fls. 10 a 13, e resulta também, do orçamento a fls. 23, o prazo referido para a execução completa da reparação de oito dias, é excessivo, pois a sua reparação não exige que durante todos os dias haja necessidade de mão de obra, uma vez que a referida parede após a reparação precisa de secar, e só depois deverá ser pintada, o que resulta do senso comum.

Por outro lado, o orçamento não explica se a pintura é somente na parede que tem a fissura ou se é para pintar o quarto todo. Mas, mesmo que fosse o quarto todo o valor apresentado é excessivo, pois não inclui o tratamento anti fungos, adequado ao problema que tem, mas uma tinta normal, daí que o valor indicado, também, seja excessivo.

Não obstante, tendo em consideração o disposto no art.º 566, n. º3 do C.C., recorrendo-me da equidade, e ponderando o que já referi, bem como que os valores líquidos devem incluir a mão-de-obra e os materiais, considero que a quantia de 300€ (no que se inclui o IVA) será adequada para proceder às devidas reparações.

No que diz respeito aos pedidos, constata-se que o demandante deduziu pedidos alternativos (art.º 553, n. º1 do C.P.C), perante o mesmo considero que o primeiro deve prevalecer sobre o segundo (art.º 566, n.º 1 do C.C.), pois traduz a restauração natural da situação que teria caso não tivesse ocorrido a referida fissura/racha, devendo o demandado procedendo às suas expensas á reparação dos danos que existem no quarto de dormir daquele, indo assim ao encontro do disposto no art.º 562 do C.C.

Quanto a alegada exceção de venire contra factum proprium, é uma das modalidades em que a figura do abuso de direito (art.º 334 do C.C.) se pode manifestar, conforme bem o alega o demandado na sua contestação, no entanto é preciso apurar se existem comportamentos do demandante suscetíveis de o enquadrarem.

No caso concreto resultou que, o imóvel do demandante tem infiltrações no quarto de dormir, e que as mesmas provinham da parede exterior do edifício, mas que, entretanto, foi objeto de reparação.

Ora quando alguém intenta uma ação contra o pretenso titular da coisa, que originou os danos, como se passa no presente caso, não se pode dizer que o tenha feito em termos abusivos, mas sim por se encontrar lesado no seu património.

E, a propriedade é um bem tutelado pela própria Constituição (art.º 62, n.º 1), a qual deve ser defendida mediante o recurso á justiça.

Por outro lado, o próprio demandado admite que somente reparou as paredes exteriores do edifício, não tendo procedido á reparação no interior da fração, embora lhe tenha sido dado a conhecer pelo demandante, por entender que não tinha de o fazer, veja-se o documento junto a fls. 20, intitulado de “informação”.

Daí que o demandante, enquanto lesado, tivesse recorrido judicialmente para ver o seu problema resolvido, nada tendo contribuído para o aparecimento das fissuras/rachas. Para além disso, não se provou, que exercesse a defesa do seu direito fora dos limites normais de um proprietário, nem que tivesse exteriorizado qualquer comportamento que possa ser entendido como contraditório face a comportamento anterior ou que frustrasse indevidamente a confiança que nele fora depositada, as quais são fundamentos essenciais deste instituto, motivos pelos quais entendo improceder a referida exceção.

Quanto aos danos não patrimoniais, o critério da aferição dos mesmos é-nos dado pelo disposto no art.º 496, n.º 1 do C.C., segundo o qual são ressarcíveis somente os que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito.

No caso em apreço foi provado que o demandante padece de uveíte crónica anterior do olho esquerdo, conforme documento junto a fls. 17.

Todavia, esta doença do foro ocular (inflamação intraocular, na camada média do globo ocular) não foi desencadeada pelas humidades, segundo, o que também resulta do teor do próprio r.i. conforme consta dos art.º 5 e 14, mas pode ser exacerbada com a mesma.

Na realidade é o que se passa com a maioria das doenças crónicas, que estão controladas, mas que são alvo de recaídas pontuais, por algum motivo, na presente situação com o contacto com humidades.

No entanto, apurou-se que, também, no ano de 2016 além deste problema o demandante teve, ainda, no interior do seu imóvel outras infiltrações. Ora foi o conjunto destas humidades que levaram ao exacerbamento da sua doença, e não apenas a existente no quarto.

Mais se apurou que, o demandante, teve dores na vista e diminuição da acuidade visual, os quais são sintomas típicos desta doença, conforme explicou a testemunha M., que acompanhou o demandante nas consultas médicas, referindo ainda que estes problemas demoraram a passar, cerca de 3 meses.

De facto, a saúde é um bem inestimável, e a falta dela não é suscetível de quantificar, daí que o recurso á equidade (art.º 566, n.º 3 do C.C.) seja necessário para apurar um valor que seja justo. Ponderando o conjunto de todos os factos já referidos entendo ser justo o valor de 200€ (duzentos euros).

DECISÃO:

Nos termos expostos, julga-se a ação parcialmente procedente, condenando-se o demandado a proceder á reparação dos danos que existem no interior do imóvel do demandante (quarto de dormir) e no pagamento da quantia de 200€ de danos não patrimoniais.

Custas:

Tendo em consideração o decaimento de parte do pedido, considero que se encontram satisfeitas.

Proferida nos termos do art.º 60, n. º2 da L.J.P.

Coimbra, 15 fevereiro de 2018

A Juíza de Paz

(redigido e revisto pela signatária, art.º 131, n.º5 C.P.C.)

(Margarida Simplício)