Sentença de Julgado de Paz
Processo: 7/2009-JP
Relator: DIONÍSIO CAMPOS
Descritores: DIREITO DO CONSUMIDOR - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ENSINO
Data da sentença: 05/25/2009
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

1. - Identificação das partes
Demandantes: 1 - A , 2 - B e 3 - C
Demandada: D
2. - OBJECTO DO DIFERENDO
As Demandantes intentaram a presente acção com base em incumprimento contratual, tendo pedido: a) a apreciação e declaração de inexistência de fundamento legal que legitime a cobrança da quantia de € 1.260,00 pela Demandada, a título de prorrogação do prazo de entrega da dissertação; b) a condenação da Demandada a entregar às Demandantes o respectivo certificado e diploma, mediante o pagamento da quantia de € 280,00 que a Demandada exige a título de emolumentos.
Para tanto, as Demandantes alegam, em síntese, que foram alunas do I Curso de Mestrado em Administração Pública, organizado e ministrado pela Demandada através do seu E, entre Outubro de 2005 e Maio de 2008, que compreendeu dois períodos: o primeiro de Outubro de 2005 a Julho de 2006 relativo à parte curricular, e o segundo de 06-11-2006 a 06-11-2007 relativo ao período de elaboração, entrega e defesa da dissertação, que deveria ser entregue nessa última data; as Demandantes requereram no entanto o adiamento da sua entrega, o que foi deferido pelo prazo máximo de 180 dias, tendo cada Demandante entregue a sua dissertação de mestrado dentro desse prazo. Quando a 1.ª Demandante entregou a sua dissertação a Demandada pediu-lhe o pagamento de seis mensalidades, de € 210,00 cada, no valor de global de € 1.260,00, referentes ao período de prorrogação, tendo igual pagamento sido exigido à 2.ª Demandante quando esta pediu o certificado do Curso, e à 3.ª Demandante quando esta pretendeu levantar o seu certificado, sob pena de não lhes ser entregue quer o certificado quer o diploma do mestrado. As Demandantes não concordam com essa imposição da Fundação, que nunca informou os alunos da exigência de pagamento dessas mensalidades pela prorrogação do prazo de entrega da dissertação, nem o Regulamento do Curso o prevê.
Valor: € 3.780,00.
A Demandada contestou por impugnação, concluindo pela improcedência da acção por não provada, com a consequente absolvição do pedido, contra-argumentando para tanto, em breve síntese, que a D/E nunca faltou aos seus deveres, nomeadamente de informação, que é cumprido com a entrega ou disponibilização do regulamento aos alunos e pela prestação de todos os esclarecimentos por parte dos serviços administrativos e direcção, prevendo o próprio Regulamento do Curso esta situação. As Demandantes requereram o adiamento na entrega da dissertação, o que não suspende quaisquer direitos e deveres entre as partes, entre os quais o pagamento, como contra-prestação devida pela frequência do curso de mestrado, relativo ao período que resulta do pedido formulado pelas Demandantes, que tinham conhecimento quer pelo regulamento quer pelos serviços académicos de que é devida uma propina para o efeito, pelo que o direito de retenção dos certificados e diplomas é legítimo e assim deve ser declarado.
3. – FUNDAMENTAÇÃO
3.1 – Os Factos
3.1.1 – Factos Provados
Consideram-se provados e relevantes para o exame e decisão da causa os seguintes factos:
1) A Demandada é uma Instituição de Utilidade Pública que prossegue diversos fins, entre os quais o de Ensino Superior para o que instituiu o ‘E, reconhecido ao abrigo do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo. (por documento)
2) O E/D foi autorizado a conferir o grau de mestre na especialidade de Administração Pública e a ministrar o respectivo curso de especialização. (por documento)
3) As Demandantes candidataram-se e foram alunas do I Curso de Mestrado em Administração Pública (Curso), ministrado pelo E/D, entre Outubro de 2005 e Maio de 2008.(por admissão)
4) O Curso teve a duração de quatro semestres curriculares repartidos em dois períodos com o seguinte calendário lectivo: os primeiros dois semestres, para as unidades curriculares, de 07-10-2005 a 16-06-2006 com avaliações até 31-07-2006, e os segundos dois semestres destinados à preparação (elaboração e entrega) da dissertação, de 06-11-2006 a 06-11-2007. (por documento)
5) A D/E fixou as propinas de matrícula e inscrição no Curso em dez mensalidades de € 210,00 cada para os dois primeiros semestres, e em onze mensalidades de € 210,00 cada para os dois segundos semestres. (por admissão e por documento)
6) Durante o Curso existiram duas versões do Regulamento do Curso, sendo a 1.ª versão do conhecimento dos alunos durante os dois primeiros semestres do Curso, e a 2.ª versão informada às Demandantes por ofício de 05-09-2006 do E/D: “O regulamento do Curso de Mestrado e as Normas para apresentação de dissertações de Mestrado no E encontram-se disponíveis na Secção de Textos do E”. (por documento)
7) O Regulamento do Curso, em qualquer das suas versões, não foi registado por despacho ministerial nem publicado no Diário da República, 2.ª Série. (por admissão)
8) Os mestrandos deveriam fazer o registo da dissertação até 31-10-2006, com entrega na Secretaria de declaração indicando o tema da dissertação, o nome do orientador que pretendiam e declaração de aceitação por este. (por documento)
9) O registo da dissertação só poderia ser efectuado caso o mestrando tivesse a sua situação regularizada perante o E. (por documento)
10) As Demandantes fizeram o registo das suas dissertações em tempo. (por admissão)
11) O prazo regulamentar para entrega das dissertações terminava em 06-11-2007. (por admissão)
12) Os alunos interessados podiam requerer a prorrogação do prazo/adiamento de entrega e discussão da sua dissertação, até 30 dias antes da conclusão do prazo regulamentar, ocorrendo qualquer das situações previstas no art. 13.º do Regulamento do Curso (2.ª versão), entre as quais “outros casos serão apreciados pela Direcção”, e por um período de 180 dias. (por documento)
13) As 1.ª e 2.ª Demandantes (A e B) requereram em 02-10-2007 o adiamento da entrega da respectiva dissertação, fundamentando a necessidade do alargamento do prazo em “factores externos inerentes ao estudo empírico, sobre os quais não existe total domínio. O questionário, instrumento-chave da metodologia empregue para a realização do estudo, ainda não alcançou o número de respostas que garanta a representatividade da amostra, conforme os objectivos pré-estabelecidos”. A 3.ª Demandante (C) requereu no mesmo sentido e com idêntico fundamento, embora com texto diferente. (por admissão e por documento)
14) Cada uma das Demandantes juntou a esse seu requerimento o parecer do respectivo orientador, tendo cada um deles confirmado a fundamentação dos requerimentos e reafirmado a “necessidade de adiamento do prazo de entrega” da dissertação. (por admissão e por documento)
15) O E/D deferiu os requerimentos de todas as Demandantes de acordo com o disposto no art. 16.º do Regulamento do Curso, ouvido o Presidente do Conselho Científico, e concedeu um adiamento pelo prazo máximo de 180 dias, com início em 06-11-2007 e termo em 05-05-2008. (por admissão e por documento)
16) Cada uma das Demandantes entregou a respectiva dissertação dentro do prazo de 180 dias determinado pelo Conselho Científico do E. (por admissão)
17) Em 05-05-2008, quando a 1.ª Demandante entregou a sua dissertação, a D/E pediu-lhe o pagamento da propina de € 1.260,00, correspondente a seis mensalidades de € 210,00 cada, referente ao período de 180 dias de prorrogação do prazo/adiamento concedido para apresentação da dissertação (€ 210,00 x 6 meses). (por admissão)
18) Em 29/30-07-2008, quando a 2.ª Demandante requereu o certificado do Curso, a D/E exigiu-lhe igual pagamento de € 1.260,00 (€ 210,00 x 6 meses) e ao mesmo título. (por admissão)
19) Em data não determinada, quando a 3.ª Demandante foi à secretaria levantar o seu certificado do Curso, a D/E exigiu-lhe igual pagamento de € 1.260,00 (€ 210,00 x 6 meses) e ao mesmo título. (por admissão)
20) Em data não determinada, o E/D informou as Demandantes que o não pagamento da reclamada propina individual de € 1.260,00, implicava a não entrega pelo E/D do certificado e do diploma de mestrado. (por admissão)
21) A D/E não informou as Demandantes previamente (aos factos consignados em 17), 18) e 19) do dever de pagamento de qualquer propina mensal durante o período de prorrogação /adiamento do prazo de entrega da dissertação. (por testemunha)
22) A D/E não estabeleceu em qualquer das versões do Regulamento do Curso (nem em qualquer outro escrito) que o período de prorrogação do prazo em caso de adiamento da entrega de dissertação estava sujeito ao pagamento de propinas mensais. (por documento)
23) As situações de facto que podem fundamentar o pedido e concessão de adiamento são as mesmas que também podem fundamentar o pedido e concessão de suspensão da contagem dos prazos para a entrega e defesa da dissertação. (por documento)
24)Durante o período de suspensão, o aluno está isento do pagamento de propinas. (por documento)
3.1.2 – Motivação
A convicção do tribunal formou-se com base nos autos e documentos juntos de fls. 6 a 37 e 70 a 87, nas declarações das partes que se tomaram em consideração, e nos depoimentos das testemunhas apresentadas: A) pelas Demandantes: 1.ª) F, residente em Pereira; 2.ª) G, residente em Coimbra; e B) pela Demandada: 3.ª) H; 4.ª) I; 5.ª) J; 6.ª) K, as quatro últimas com domicílio profissional na D/E, Campus do Conhecimento e Cidadania, Bencanta, Coimbra.
Não obstante os vínculos profissionais que ligam as testemunhas apresentadas pela Demandada a esta, todas as testemunhas prestaram os seus depoimentos de forma clara, franca relativamente aos factos relevantes para a apreciação e decisão da causa de que tinham conhecimento directo, todas mereceram credibilidade e valoração individual na medida do adequado.
3.2 – O Direito
Na presente acção vêm as Demandantes pedir, com base em incumprimento contratual: a) a apreciação e declaração de inexistência de fundamento legal que legitime a cobrança da quantia de € 1.260,00 pela Demandada, a título de prorrogação do prazo de entrega da dissertação; b) a condenação da Demandada a entregar às Demandantes o respectivo certificado e diploma, mediante o pagamento da quantia de € 280,00 que a Demandada exige a título de emolumentos. Tal pedido funda-se na exigência feita pela Demandada D/E a cada uma das Demandantes para procederem ao pagamento de seis propinas mensais de € 210,00/cada, no tal de € 1.260,00 devidas, no entender da D/E, pelo período de adiamento (por 180 dias) para a entrega das respectivas dissertações de mestrado, sob pena de, caso não paguem, o E/D não lhes entregar os respectivos certificados e diplomas.
Da matéria de facto dada como provada resulta uma compreensão pacífica dos factos e dos seus efeitos, pelo menos até ao pedido de adiamento da entrega das dissertações no âmbito do Curso de Mestrado em causa, pelo que a matéria controvertida a que este tribunal é chamado a responder consiste em apreciar e decidir se, no caso, a Demandada D/E tem fundamento legal ou contratual para: a) exigir de cada uma das Demandantes propinas de € 210,00 por cada um dos seis meses de adiamento da entrega das dissertações; e b) não entregar o certificado e diploma do Curso a cada Demandante enquanto cada uma delas não pagar aquelas propinas.
Ora, a sentença é a decisão abstracta do caso concreto e, nesta perspectiva, as circunstâncias do caso têm de ser ponderadas e conformam necessariamente o seu sentido, em consonância, aliás, com o ‘princípio da concretude’.
O E, de que é titular a D, foi reconhecido como estabelecimento de ensino superior pelo Ministério da Educação (Portaria 10/93, de 06-01), ao abrigo do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo (DL 16/94, de 22-01, que revogou o DL 271/89, de 19-08, e alterado pela Lei 37/94, de 11-11 e pelo DL 94/99, de 23-03), e foi autorizado a conferir o grau de mestre em Administração Pública pela Portaria 585/2005, de 06-07. Por sua vez, a obtenção dos graus de mestre e de doutor foi disciplinada pelo DL 216/92, de 13-10, em vigor à data do início do ‘Curso’, entretanto revogado pelo DL 74/2006, de 24-03.
Quanto à legitimidade abstracta da D/E exigir propinas para o período de adiamento da entrega das dissertações, não vemos nisso qualquer obstáculo de princípio ou motivo de censura, porquanto não é contrário à lei e encontra-se dentro das suas competências.
Efectivamente, os estabelecimentos de ensino superior não público, caso do E/D, têm competência para fixar o valor das propinas devidas pela matrícula e inscrição no mestrado (art. 4.º do DL 216/92, em vigor no início do Curso, substituído pelo DL 74/2006; cfr. também DL 16/94).
Por outro lado, a instituição de ensino superior deve elaborar para cada mestrado um regulamento, donde conste, designadamente, as condições de matrícula e inscrição (matéria onde se incluem as propinas), as condições de funcionamento e as regras sobre apresentação e entrega da dissertação (art. 9.º do DL 216/92, em vigor no início do Curso, depois substituído pelo art. 26.º do DL 74/2006).
Durante o Curso existiram duas versões do seu Regulamento, não contemplando qualquer delas a matéria das propinas devidas pelos alunos.
As Demandantes fizeram o registo das suas dissertações em tempo e instruído conforme o art. 12.º do Regulamento do Curso – 1.ª versão, e dispunham de um prazo de 12 meses (contados da afixação das notas da parte curricular) para apresentação da dissertação; no entanto, os alunos interessados podiam requerer, até 30 dias antes da conclusão do prazo regulamentar, a prorrogação do prazo/adiamento de entrega e discussão da sua dissertação, ocorrendo qualquer das situações previstas, entre as quais “outros casos serão apreciados pela Direcção”, e por um período de 180 dias (art. 13.º do Regulamento do Curso – 2.ª versão).
Cada uma das Demandantes requereu o adiamento da entrega da respectiva dissertação, fundamentando a necessidade do alargamento do prazo em “factores externos inerentes ao estudo empírico, sobre os quais não existe total domínio. O questionário, instrumento-chave da metodologia empregue para a realização do estudo, ainda não alcançou o número de respostas que garanta a representatividade da amostra, conforme os objectivos pré-estabelecidos”. Tais requerimentos foram instruídos com o parecer do respectivo orientador, tendo cada um deles confirmado a fundamentação dos requerimentos e reafirmado a “necessidade de adiamento do prazo de entrega” da dissertação, pelo que o adiamento requerido pelas Demandantes deveu-se unicamente a factores externos de terceiros não dependentes da vontade individual das requerentes, ou seja, a factos de terceiros que não lhes são imputáveis.
O E/D deferiu os requerimentos de todas as Demandantes de acordo com o disposto no art. 16.º [‘Suspensão da contagem dos prazos’] do Regulamento do Curso – 2.ª versão (cfr. docs. de fls. 22, 23 e 24), ouvido o Presidente do Conselho Científico, concedendo um adiamento pelo prazo máximo de 180 dias, com início em 06-11-2007 e termo em 05-05-2008, nada tendo referido quanto a propinas eventualmente devidas por esse período de 180 dias.
Posteriormente, findo o concedido prazo de 180 dias e entregues as dissertações, a D/E exigiu verbalmente a cada uma das Demandantes o pagamento de seis propinas mensais de € 210,00/cada (= € 1.260,00) referentes àquele período.
Simultaneamente com a exigência de pagamento dessas propinas que, no entender da D/E se integram na contraprestação devida pela frequência do Curso, esta alertou as Demandantes para a sua decisão de que o não pagamento dessas propinas implicava a não entrega pelo E/D do certificado e do diploma de mestrado respectivos.
O contrato de prestação de serviço de ensino em causa, é considerado contrato de consumo, disciplinado também pela Lei n.º 24/96, de 31-07 (Lei de Defesa do Consumidor – LDC), e as Demandantes são consideradas ‘consumidores’, porquanto lhes foi prestado um serviço, que não destinaram a uso profissional, por pessoa que exerce com carácter profissional uma actividade económica que visa a obtenção de benefícios, como é o caso da prestadora de serviços D/E aqui Demandada (art. 2.º, n.º 1 da LDC).
O preço é um dos elementos essenciais do contrato, constituindo o objecto da prestação a cargo de quem recebe o serviço, e componente determinante na decisão do consumidor em contratar.
Sucede que, até ao momento em que interpelou as Demandantes para pagarem propinas pelo referido adiamento, a D/E nunca as tinha informado que a concessão de adiamento de entrega da dissertação acarretava para elas o dever de pagar propinas de € 210,00 por cada mês desse prazo, e tal dever não se encontrava previsto em qualquer documento, designadamente no Regulamento do Curso, nem tinha sido previamente divulgado por qualquer outro meio.
Ora, a omissão de informar com transparência a intenção de exigir o pagamento de propinas durante o ‘adiamento’ e respectivo valor, não pode deixar de se traduzir numa violação do dever de informação que competia à D/E, corolário de dever geral de agir de boa-fé, com a correspectiva violação do direito dos consumidores à informação, susceptível de os conduzir a tomarem decisões que de outro modo não tomariam (art. 7.º do DL 57/2008, de 26-03).
Com efeito, o prestador de serviços deve, tanto nas negociações como na celebração do contrato, informar de forma clara, objectiva e adequada o consumidor, nomeadamente sobre o preço do serviço (art. 8.º, n.º 1 da LDC). E, sendo o preço componente determinante da decisão de contratar, não logrou a D/E provar, como lhe competia, que tivesse acordado ou informado as Demandantes dessa cláusula modificativa do direito contra si invocado (art. 342.º, n.º 2 do CC).
Também de acordo com o princípio geral dos contratos, estes devem ser pontualmente cumpridos, e só podem modificar-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art. 406.º, n.º 1 do CC). Porém, a D/E nada invocou quanto a uma alteração do contrato inicialmente celebrado, que tinha um preço fixo, e nas suas condições gerais não contemplava qualquer eventual pagamento de propinas exigível por tal ‘adiamento’.
Como referido, os ofícios do E/D, que comunicaram a cada uma das Demandantes o deferimento do adiamento da entrega das dissertações, informam que tal adiamento foi concedido ao abrigo do art. 16.º do Regulamento do Curso, que aliás se refere à ‘suspensão da contagem dos prazos’ e não ao ‘adiamento’, e que expressamente consigna a isenção de propinas para essa suspensão. Curiosamente, no Regulamento do Curso, os factos que justificam a decisão de adiamento (art. 13.º) são os mesmos que fundam a decisão de suspensão de contagem dos prazos (art.16.º).
Face à divergência de entendimento entre as partes quanto à vontade da Demandada manifestada pelo conteúdo da sua declaração negocial, importa interpretar esta tal como se revela nos elementos disponíveis, que resultam das disposições do Regulamento do Curso, dos ofícios que comunicam o deferimento do ‘adiamento’ e do comportamento da Demandada quanto à comunicação/exigência das propinas nos seus vencimentos mensais.
Entende-se por ‘declaração negocial’ o comportamento que, exteriormente observado, cria a aparência de exteriorização de um certo conteúdo de vontade negocial, caracterizando-se esta como a intenção de realizar certos efeitos práticos, com ânimo de que sejam juridicamente tutelados e vinculantes.
Um dos problemas decisivos para determinar o sentido da declaração negocial reside, por isso, na sua interpretação. Para este efeito, e de acordo com a teoria da impressão do destinatário, consagrada no essencial no Direito português, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal (razoável), colocado na posição do real declaratário, lhe atribuiria (possa deduzir do comportamento do declarante), salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (art. 236.º, n.º 1 do CC). Considera-se, assim, o real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente, mais os que uma pessoa razoável (normalmente esclarecida, zelosa e sagaz) teria conhecido, e figura-se que ele raciocinou sobre as circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável. (cfr. Carlos Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed., 1985, p. 447)
Trata-se assim de um conceito objectivista de declaração negocial, fazendo-se consistir a sua nota essencial, não num elemento interior, vontade real, efectiva, psicológica, mas num elemento exterior, o sentido jurídico, normativo da declaração.
O direito civil põe assim hoje na primeira linha a protecção das expectativas dos declaratários e da segurança do comércio jurídico, dando relevância à ‘aparência’ e a uma ‘exigência de cognoscibilidade’, a expensas da vontade real e psicológica do declarante. E, à protecção da confiança de uma parte corresponde, em regra, a oneração da outra, responsável pela situação criada.
Do lado das declaratárias Demandantes, não se provou que elas tivessem desrespeitado os seus deveres de cuidado, exigidos pelo princípio da boa-fé, pelo que a confiança que depositaram na declaração da Demandada, em como não seriam devidas propinas naquele período, merece tutela, porquanto foi alicerçada em elementos razoáveis e exteriores, susceptíveis de provocar a adesão de uma pessoa normal.
Por sua vez, impende sobre o declarante o ‘ónus de clareza’, que significa apenas que este correrá o risco de, em virtude do sentido normativamente prevalente, ver formar-se uma interpretação que não lhe convenha (Ac. STJ de 09-07-98: BMJ, 479.º-588). Ou seja, quando alguém emite uma declaração dirigida a outrem assume a responsabilidade de se pronunciar em termos adequados, de actuar com a diligência imposta pelo ónus de adequada declaração, porque sabe que com essa declaração vai orientar as expectativas do destinatário. Esta imputabilidade ao declarante releva para a ressalva da parte final do art. 236.º, n.º 1 do CC.
Por outro lado, é também importante o próprio comportamento das partes na execução do negócio, já que é natural que a forma como as partes executam o negócio seja elucidativa sobre a maneira como elas o entenderam.
Em conformidade com o exposto, e na averiguação do sentido da vontade negocial declarada pelo E/D, verifica-se que tanto do art. 13.º do Regulamento, local que prevê o adiamento da entrega das dissertações, como dos ofícios dirigidos às Demandantes, que deferiram os requeridos adiamentos, o declaratário normal não consegue concluir no sentido de serem devidas propinas por tal período. Acresce que, o facto de tais ofícios referirem que esses adiamentos foram concedidos ao abrigo do art. 16.º (Suspensão) do Regulamento, também não ajuda a apontar para o dever de pagar propinas, antes pelo contrário; e se essa menção ao art. 16.º e não ao art. 13.º se tratou de um erro de escrita, como arreliadoramente muitas vezes acontece, o certo é que a D/E nunca o invocou como tal, nem em audiência de julgamento pretendeu a sua correcção. Por outro lado, quanto ao comportamento da D/E, esta exigiu as seis propinas mensais apenas depois de findo o prazo do ‘adiamento’, quando alegou que cada uma delas tinha vencimento mensal, e nenhuma foi exigida no seu vencimento durante nem no decurso daquele ‘adiamento’.
Ora, tratando-se do primeiro Curso de Mestrado em Administração Pública do E/D, não existindo qualquer documento, ou outro meio que tenha divulgado a obrigação de pagar propinas, com vencimento mensal, pelo período de adiamento da entrega da dissertação, sendo o Regulamento omisso a tal respeito, não tendo a comunicação do deferimento também alertado para tal obrigação, e não tendo também a D/E exigido mensalmente qualquer quantia, na data do vencimento mensal de cada propina (mas só findo o adiamento e pela totalidade) resulta de tais comportamentos e documentos que, um declaratário normalmente esclarecido, colocado na posição de cada uma das Demandantes, pode de boa fé interpretar o comportamento da D/E no sentido de que não eram devidas propinas pelo período daquele ‘adiamento’ (art. 236.º, n.º 1 do CC).
Em resultado, considera-se que não tem a Demandada fundamento contratual ou legal para exigir propinas relativas ao período de adiamento da entrega das dissertações, que foi motivada, como se provou, por factores externos de terceiros alheios à vontade das Demandantes.
Por outro lado, estamos perante contratos bilaterais, em que os alunos realizaram a sua prestação, pelo que não assiste ao prestador do serviço uma excepção de não cumprimento do contrato (art. 428.º do CC), como a Demandada D/E se arroga quando invoca o direito de retenção sobre os certificados e diplomas do Curso enquanto as Demandantes não pagarem as propinas pelo ‘adiamento’.
A passagem e entrega do certificado e diploma encontram-se a coberto do contrato tal como inicialmente celebrado, nada tendo a ver com o ‘adiamento’, o que não obsta a que, para a sua entrega, a D/E cobre o emolumento inicialmente previsto de € 280,00.
Por todo o exposto, por falta de fundamento contratual e legal, considera-se indevida a exigência de tais propinas, devendo a Demandada entregar às Demandantes os certificados e diplomas do Curso, mediante o emolumento individual de € 280,00 que previamente fixou.
4. – Decisão
Face ao que antecede, e de acordo com as disposições legais aplicáveis, julgo a presente acção procedente por provada e, em consequência: a) declaro não devida por cada uma das Demandantes à Demandada, por falta de fundamento contratual e legal, a quantia de € 1.260,00, reclamada a título de propinas pelo período de prorrogação/adiamento da entrega da dissertação de mestrado; e b) condeno a Demandada a entregar a cada uma das Demandantes o respectivo certificado e diploma de mestrado, mediante o pagamento individual do emolumento de € 280,00.
Custas: a cargo da Demandada, que declaro parte vencida (n.os 8 e 10 da Port. n.º 1456/2001, de 28-12, alterada pela Port. n.º 209/2005, de 24-02).
As custas devem ser pagas no Julgado de Paz no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efectivo cumprimento dessa obrigação.
Registe e notifique. Notifique também para o pagamento das custas e cumpra o n.º 9 da Port. 1456/2001, com restituição às Demandantes da sua entrega inicial.
Coimbra, 25 de Maio de 2009.
O Juiz de Paz,
(Dionísio Campos)

Revisto pelo signatário. Verso em branco.