Sentença de Julgado de Paz
Processo: 17/2016-JPBBR
Relator: CARLA ALVES TEIXEIRA
Descritores: CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES / EMPREITADA
PRESCRIÇÃO DOS JUROS
Data da sentença: 02/22/2018
Julgado de Paz de : BOMBARRAL-OESTE
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Relatório:

A intentou contra B a presente acção declarativa, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 2.000,00.
Alega, para tanto, que na sequência de um desentendimento com o Demandado sobre a qualidade da obra que executou na residência deste, levantou o trabalho realizado, tendo deixado ficar apenas as calhas para dois portões de correr, que se encontravam chumbadas no chão, e tendo o Demandado ficado de pagar o respectivo valor, titulado pela factura que junta, o que não fez até à data. Alega, ainda, que lhe prestou o serviço de reparação de um portão antigo, titulado pela mesma factura, e que também se encontra por pagar.
Juntou 3 documentos.
O Demandado foi regular e pessoalmente citado e apresentou contestação, alegando que o Demandante ficou de levantar também as calhas chumbadas no chão, sendo que não mais teve notícias deste, nem recebeu a factura com o valor das mesmas, alegando ainda não ser líquido qual o valor que o Demandante atribuíu às calhas por metro linear. Refere, ainda, desconhecer o critério para atribuição do custo de reparação do portão.
Não juntou documentos.
As Partes compareceram na sessão de pré-mediação, e de mediação, não tendo chegado a acordo, pelo que se procedeu à marcação da audiência de discussão e julgamento, que se realizou com observância do formalismo legal.
No início da audiência de julgamento, foi o Demandante convidado a esclarecer que danos pretendeu englobar no seu pedido de € 2.000,00 tendo em conta que a factura que juntou aos autos tem um valor de apenas € 526,35. Em resposta, esclareceu o mesmo que pretendeu englobar em tal montante todos os danos causados pelos factos que descreve, incluindo os que provêm do decurso do tempo até esta data.
Atendendo a que os danos decorrentes do decurso do tempo consubstanciam um pedido de juros de mora, que não se encontrava explícito no Requerimento Inicial, foi o Demandado notificado para se pronunciar sobre tal pedido, tendo o mesmo, no exercício do seu direito ao contraditório, vindo invocar a prescrição dos juros de mora peticionados.
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Estão reunidos os pressupostos de regularidade da instância e não há excepções, nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer.

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Fixa-se à causa o valor de € 2.000,00 (dois mil euros) - cfr. artigos 306º n.º 1, 299º n.º 1, 297º n.º 1 e 2 do CPC, ex viart. 63.º da Lei 78/2001, de 13 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei 54/2013, de 31 de Julho (de ora em diante abreviadamente designada LJP).

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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

A) FACTOS PROVADOS:
Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
A)
1 – O Demandante dedica-se à actividade de serralharia.
2 – Em Novembro de 2008, o Demandado solicitou ao Demandante um orçamento para reparação de um portão antigo, colocação de dois portões de correr e uma porta de abrir com aro, na residência daquele.
3 – O orçamento apresentado pelo Demandante foi aceite pelo Demandado, tendo o Demandante procedido à execução dos trabalhos contratados.
4 – Após a execução dos trabalhos pelo Demandante, as Partes desentenderam-se sobre quem seria o responsável pela colocação e montagem do automatismo dos portões e sobre a qualidade da pintura dos mesmos.
5 – Na sequência do desentendimento referido no ponto anterior, as partes acordaram que o Demandante levantaria os portões que havia montado.
6 – O Demandante e o Demandado acordaram que as calhas que se encontravam chumbadas no chão não seriam levantadas pelo Demandante, devendo o Demandado proceder ao pagamento do valor das mesmas.
7 – Em 12 de Novembro de 2010 o Demandante enviou ao Demandado a comunicação junta a fls. 4, cujo teor se dá por reproduzido.
8 – A comunicação referida no ponto anterior foi acompanhada pela factura junta a fls. 6 no valor de € 526,35, que inclui o preço das calhas e da reparação do portão antigo, tal como constava do orçamento apresentado.
9 – Até à data o Demandado não efectuou o pagamento de qualquer valor ao Demandante.
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B) FACTOS NÃO PROVADOS:
1 – No orçamento que entregou ao Demandado, o Demandante especificou o tipo de materiais, como chapa, tratamento do ferro, pintura e calhas do chão, assentamento e fechaduras.
2 – As Partes acordaram que o Demandado, em alternativa ao pagamento do valor das calhas, poderia proceder à devolução das mesmas ao Demandante.

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C) MOTIVAÇÃO:
A convicção do Tribunal relativamente à factualidade supra descrita, resulta da análise crítica e ponderada, à luz das regras da lógica e das máximas da experiência de vida, dos factos admitidos por acordo, dos documentos juntos, das declarações das partes e dos depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência final.
Concretizando:
- facto provado n.º 1: resultou das declarações de ambas as Partes e dos depoimentos de todas as testemunhas apresentadas pelo Demandado;
- factos provados n.º 2 e 3: resultou das declarações de ambas as Partes que pelo menos estas obras foram contratadas, tendo a testemunha C confirmado a apresentação do orçamento pelo Demandante, e a sua aceitação pelo Demandado, antes de aquele ter iniciado a colocação dos portões. Também a testemunha D confirmou a execução destas obras.
- facto provado n.º 4: resulta de admissão por acordo das partes nos seus articulados, pois apesar de o Demandado ter impugnado todos os factos alegados no Requerimento Inicial, certo é que da sua contestação resulta ter sido esta a causa do desentendimento entre ambos. De resto, o mesmo foi confirmado pelas declarações das Partes e pelos depoimentos das testemunhas D e E.
- facto provado n.º 5: resulta de admissão por acordo das partes, uma vez que o Demandado na sua contestação alega que ficou acordado o levantamento de toda a obra, onde se incluem os portões constantes deste ponto da matéria de facto. De resto, o Demandado nas suas declarações confirmou que disse ao Demandante, após a execução da obra, que “se não faz bem (a obra) não há negócio”.
- facto provado n.º 6: resultou das declarações do Demandante que após o levantamento dos portões, combinou com o Demandado que as calhas ficariam na obra, uma vez que já estavam chumbadas no chão e que o Demandado mandaria o “dinheiro” das mesmas pelo Sr. C, pedreiro que as assentou, e que até mandou a 2ª via do orçamento contendo o valor das mesmas pelo Sr. C, uma vez que o Demandado lhe disse que o tinha perdido.
O Demandado não negou nenhuma destas afirmações, declarando saber que o valor das calhas era devido, tanto mais que as mesmas estavam a ser usadas desde essa altura, simplesmente o Demandante nunca mais tinha lá ido receber e, de qualquer modo, achava o valor “caro”. A testemunha D, companheira do Demandado, confirmou este facto, tendo afirmado que as Partes tinham combinado não levantar as calhas, cujo valor seria pago pelo Demandado ao Demandante.
- factos provados n.º 7 e 8: resultam da análise dos documentos de fls. 4, 5 e 6, confirmados pelas declarações do Demandante e, ainda, pelo depoimento da testemunha D, companheira do Demandado, que declarou que o Demandante tinha enviado uma carta ao Demandado, em data em que não soube precisar, pedindo o pagamento do valor, contrariando, assim, o que vinha alegado na contestação.
Quanto ao valor que consta da factura foi declarado pelo Demandante que se limitou a retirar do orçamento o valor das calhas e da reparação do portão antigo e que nem sequer colocou na factura o valor da mão-de-obra relativa a tais trabalhos, pois tal valor da mão de obra constava do orçamento como um valor global para toda a obra. Estas declarações não foram contrariadas pelo Demandado que em momento algum disse que o valor não era o que constava do orçamento, limitando-se a referir que o valor era muito elevado, pois tinha sido informado pelas testemunhas C e F de que o preço habitual seria de € 10,00 por metro linear. Sobre esta questão (não obstante se tratar de matéria não alegada e de ser, de qualquer modo, irrelevante para a decisão da causa, como se verá em sede de matéria de Direito, mas para que às Partes não restem dúvidas de que o Tribunal teve em consideração toda a prova produzida), sempre se dirá que as testemunhas apresentadas não lograram convencer o Tribunal de que o valor das calhas constante da factura era “demasiado elevado” tendo em conta a prática habitual. De forma sucinta, a testemunha C referiu que o valor por metro linear seria de € 10,00, por ser esse o valor que o Demandante lhe cobrou num serviço que lhe prestou. Porém, tendo em conta que o Demandante colaborava profissionalmente com a referida testemunha, partilhando com esta a execução de trabalhos, nada mais natural do que cobrar-lhe um preço mais baixo do que aquele que cobrava habitualmente a desconhecidos. Para além disso, não ficou provado sequer que as calhas fossem do mesmo material e com os mesmos acabamentos. Por outro lado, a testemunha F, também serralheiro, vizinho do Demandado, começou por afirmar, com algum desconforto, que o valor habitual das calhas era de € 10,00 por metro linear. Porém, mais adiante acabou por dizer que não era habitual as calhas serem fornecidas isoladamente, sendo que o valor das mesmas era apurado de acordo com a totalidade da obra que se iria realizar, pelo que não havia um preço exacto. Quando questionado sobre se o valor constante da factura (€ 17,5 num caso e € 15,00 no outro) era um valor fora do normal de acordo com os usos do comércio, respondeu que era um valor possível, pois “cada pessoa faz o seu preço”.
- facto provado n.º 9: resulta de admissão por acordo das partes nos articulados, confirmado por ambas nas declarações que prestaram em sede de audiência.
- factos não provados n.º 1 e 2: resultam da total ausência de prova produzida sobre os mesmos.
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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO:

Pretende-se nos presentes autos obter a condenação do Demandado no pagamento da quantia de € 2.000,00, correspondente ao preço das calhas fornecidas pelo Demandante, bem como da reparação de um portão efectuada por este, e ainda aos juros de mora decorrentes do decurso do tempo.
Resulta dos factos provados que as Partes acordaram, entre si, que o Demandante procederia à reparação de um portão antigo, bem como à colocação de dois portões de correr e uma porta de abrir com aro, na residência do Demandado, e a pedido deste.
Dispõe o artigo 1154º do CC que: “Contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”
Sendo que, uma das modalidades do contrato de prestação de serviços é a empreitada definida como “o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.” – cfr. artigo 1207º do CC.
Foi, precisamente, este o caso dos autos, pelo que estamos perante um contrato de empreitada, que tinha como obrigações recíprocas entre as Partes, a execução da obra pelo Demandante, e o pagamento do preço, por parte do Demandado.
O preço, no caso, seria resultante do orçamento que foi aceite pelo Demandado.
Apurou-se, também, que após a execução da obra, as Partes se desentenderam e que acordaram que o Demandante procederia ao levantamento dos portões, que havia instalado.
Este acto consubstancia uma revogação parcial do contrato por ambas as Partes, que é uma forma de cessação do vínculo contratual por mútuo acordo dos contraentes. Esta modalidade de cessação do contrato pode ter, ou não, efeito retroactivo, sendo que no caso resulta do acordo de ambas que lhe foi conferido efeito retroactivo, uma vez que se acordou que quanto aos dois portões que haviam sido colocados – e posteriormente levantados - nada seria devido pelo Demandado.
Porém, a revogação do contrato efectuada pelas partes foi apenas parcial, uma vez que o Demandante já havia procedido à reparação do portão antigo – não sendo possível devolver tal prestação - e já havia fornecido as calhas que se encontravam chumbadas no chão, tendo as Partes acordado em mantê-las no local.
Resultou, também, provado que as Partes acordaram que estes serviços seriam pagos pelo Demandado ao Demandante o que é, precisamente, aquilo que o Demandante pretende com a presente acção. De qualquer modo, e ainda que não resultasse do acordo das Partes, tal obrigação de pagamento do preço resultaria directamente da Lei, mais concretamente do disposto no citado artigo 1207º do CC.
A questão discutida pelo Demandado na sua contestação foi apenas a de o preço não se encontrar “devidamente especificado na factura”, não sendo “líquido” qual é o preço das calhas por metro linear.
Ora, resultou provado que o Demandante apresentou um orçamento ao Demandado previamente à execução da obra, que foi aceite por este.
E resultou, também, provado, que o preço constante de tal orçamento para as calhas e reparação do portão, foi o mesmo que o Demandante colocou na factura que enviou ao Demandado e que totaliza a quantia de € 526,30. Como se disse, em parte alguma o Demandado alegou que tal preço era superior ao que constava do orçamento, que havia aceite.
Por conseguinte, e sendo o contrato subordinado ao princípio da autonomia da vontade, as Partes são livres de nele estipular o preço que entenderem – cfr. artigo 398º n.º 1 e 405º n.º 1 do CC.
Sendo que, uma vez tal preço acordado, o contrato deverá ser pontualmente cumprido por ambos os contraentes, devendo estes reger-se pelo princípio da boa-fé no seu cumprimento - cfr. artigos 406.º, 762.º e 763.º do CC.
Ora, verifica-se, dos factos provados, que o Demandante realizou as prestações a que estava vinculado, pois procedeu à reparação do portão antigo e ao fornecimento das calhas – cfr. factos provados n.º 1 e 2 e artigo 762º do CC.
Por seu lado, provou-se que o Demandado não pagou, até à data, o preço de tais obras, que é de € 526,30, conforme resulta dos factos provados.
Não tendo o Demandado cumprido a sua obrigação de pagamento do preço, nem tendo alegado qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado pelo Demandante, tem este direito a exigir judicialmente o seu cumprimento – cfr. artigos 342.º e 817º do CC.
Por último, e quanto aos juros, dispõe a Lei que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, correspondendo tal indemnização, nas obrigações pecuniárias, aos juros a contar do dia da constituição em mora – cfr. artigos 804º n.º 1 e 806º n.º 1 do CC.
No caso, não resultou provado qual foi o prazo estabelecido pelas partes para ser efectuado o pagamento pelo Demandado. Porém, resultou provado que o Demandante remeteu ao Demandado uma comunicação interpelando-o ao pagamento, na qual juntou a factura com o valor devido, em 12.11.2010.
Ora, a interpelação extra-judicial para cumprir, efectuada em 12.11.2010 constituiu o Demandado em mora, pelo que serão devidos juros de mora desde essa data e até integral pagamento.
Sucede, porém, que o Demandado veio invocar a prescrição dos juros de mora.
Dispõe o artigo 310º d) do CC que os juros de mora prescrevem no prazo de 5 anos, sendo que a prescrição se interrompeu pela citação para contestar a presente acção – cfr. artigo 323º n.º do CC – que ocorreu em 12.04.2016.
Assim, à luz dos citados preceitos legais, e ainda do disposto no artigo 279º c) do CC, verifica-se a prescrição dos juros de mora que, à data da citação, se encontravam vencidos há mais de 5 anos, ou seja, entre 12.11.2010 e 12.04.2011.
Por conseguinte, apenas são devidos os juros de mora vencidos a partir de 13.04.2011, até integral pagamento, à taxa legal de 4% aplicável aos contratos civis, nos termos do disposto na Portaria n.º 291/03, de 08.04.
Verifica-se que os juros que se encontravam vencidos à data da entrada da presente acção (07.04.2016) ascendiam a € 105,04, pelo que a soma deste valor, com o valor do capital totaliza € 631,39, valor que se encontra dentro do limite do pedido que foi de € 2.000,00, pelo que pode o Tribunal dele conhecer – cfr. artigo 609º do CPC.
Face ao exposto, conclui-se pela procedência parcial da presente acção, e pela condenação do Demandado no pagamento ao Demandante da quantia de € 631,39 (€ 526,30 + € 105,04), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos sobre o capital em dívida, à taxa legal de 4%, desde 07.04.2016 e até integral pagamento.

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Responsabilidade tributária:

Atento o disposto no artigo 527º n.º 1 e 2 do CPC aplicável ex vi do artigo 63º da LJP, e porque ambas as Partes se declaram vencidas, são as mesmas condenadas nas custas da acção, na proporção do seu decaimento, que é de 68% para o Demandante e 32% para o Demandado.
Assim, nos termos dos artigos 1º, 2º, 8º, 9º e 10º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria n.º 209/2005 de 24.02, deverá o Demandante proceder ao pagamento da quantia de € 12,60, no prazo de 3 dias úteis a contar do conhecimento da presente decisão, sob pena de a tal quantia acrescer uma sobretaxa de € 10,00 por cada dia de atraso, com o limite de € 140,00, devendo ser restituída igual quantia ao Demandado.
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Dispositivo:

Julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência disso:

I - Condeno o Demandado no pagamento ao Demandante das seguintes quantias:

a) € 526,30 (quinhentos e vinte e seis euros e trinta cêntimos) a título de capital;
b) € 105,04 (cento e cinco euros e quatro cêntimos) correspondente aos juros de mora vencidos sobre a quantia referida na anterior alínea, desde 13.04.2011 até 07.04.2016, data de entrada da presente acção, à taxa legal de 4%;
c) Juros de mora vencidos e vincendos sobre a quantia referida na alínea a), à taxa legal de 4%, desde 07.04.2016 até integral pagamento.

II – Absolvo o Demandado do demais peticionado.

Custas na proporção de 68% para o Demandante e 32% para o Demandado.

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Registe e notifique.
Bombarral, 22.02.2018

A Juíza de Paz

Carla Alves Teixeira
(que redigiu e reviu em computador – artigo 131º n.º 5 do CPC