Sentença de Julgado de Paz
Processo: 325/2016-JPPRS
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUA - CONTRATO DE LOCAÇÃO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS - INDEMNIZAÇÃO.
Data da sentença: 05/11/2018
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

A demandante, R…., Lda., NIPC. …., com sede na rua …., concelho de Coimbra.

Requerimento Inicial: Dedica-se á atividade de prestação de serviços na área da contabilidade, fiscalidade e seguros. Em data que não precisa, entre 15 a 25/03/2014 recebeu o consultor comercial da empresa S., ora 1ª demandada, com a intenção de propor a aquisição de uma impressora, de acordo com a proposta. O dito senhor apresentou o equipamento em catálogo, na presença do socio gerente da demandante e dois colaboradores. O gerente, como na altura tinha o respetivo equipamento avariado e sem peças para a reparação, aceitou a proposta que consistia na colocação de uma impressora da marca X., que imprimia frente e verso, mediante o pagamento mensal de 22€ mais IVA, referente a 500 impressões a preto e branco, mão de obra, deslocações e consumíveis durante 60 meses, conforme documento que se junta. A 28/03/2014 após a realização do negócio, a demandada regressou às instalações da demandante solicitando a assinatura do gerente e colocação de carimbo num documento, ainda por preencher, mas que presumiu ser o contrato, nessa ocasião o gerente da demandante limitou-se a fazer o requerido sem questionar. No dia seguinte, surge novamente o mesmo senhor solicitando-lhe mais outra assinatura, alegando que faltava para completar o processo, pois tinha-se esquecido, e referindo que dentro de dias receberia o contrato devidamente formalizado e assinado pela vendedora. De boa fé o gerente assinou e carimbou o documento, sem ler, nem verificar o seu conteúdo, não se percebendo que se tratava de um contrato de renting ou financiamento, pois tal facto nunca fora referido. A 2/04/2014 recebe o contrato n.º …., acompanhado da fatura n.º 0000072438/2014, no valor de 72€ referente a um seguro, e ainda a fatura n.º 0000072440/2014 no valor de 92,25€ de taxa de serviços, e ainda a fatura n.º 0000072440/2014 no valor de 81,18€ referente ao aluguer trimestral. A demandante ficou estupefacta com tais documentos pois nunca ouvira falar em contrato de locação, mas sim uma prestação de serviços, pelo que de imediato contacta com o dito senhor pedindo-lhe explicações, o qual foi às instalações da demandante, alegando ter havido um lapso e levaria a documentação. Dias depois, o filho do gerente da demandante, entregou-lhe um envelope que continha os mesmos documentos, tendo a indicação que nada podia fazer, pelo que devia contactar diretamente a demandada. Assim, enviou carta registada com AR, informando que o contrato em causa não correspondia ao que fora contratado, pelo que denunciava o mesmo. Como não obtinha resposta, envia nova carta que também dirigiu á 2ª demandada, no dia 13/05/2014, solicitando que viessem buscar o equipamento, e como não havia resposta acabou por cancelar a autorização bancaria. Entretanto, pela análise do extrato verifica que fora descontado 81,18€ do 1º pagamento. A 22/05/2014 receciona ofício da 2ª demandada solicitando o pagamento de 185,73€, ignorando o que lhe fora dirigido pela demandante. A 11/06/2014 recebe 1ª comunicação da L., solicitando o pagamento de 372,74€. A 15/05/2014 recebe da 2ª demandada outra fatura n.º 0000104815/2014. A 1ª demandada a 30/06/2014 responde á carta do demandante datada de 13/05/2014 informando que o equipamento não é de sua propriedade. A demandante, a 2/07/2014, responde á L., e a 9/07/2014 responde á 1ª demandada, solicitando que fossem buscar o equipamento. A 10/07/2014 receciona o aviso de pagamento no valor de 459,99€, contendo ameaça de visita domiciliária, pelo que responde a 19/07 á 2ª demandada, renovando o pedido de levantamento do equipamento. A 28/07/2014 receciona nova carta da 1ª demandada, reafirmando o teor da carta datada de 30/06/2014. A 28/08/2014 receciona nova carta da 2ª demandada solicitando o pagamento de 465,02€, mas sempre ignorando tudo o que já lhe fora comunicado por escrito e também por telefone. A 17/09/2014 receciona nova carta da 2ª demandada comunicando a resolução do contrato por falta de pagamento, pelo que a demandante responde a 19/09/2014 solicitando falar com o responsável para clarificar toda a situação, não tendo obtido resposta.

Conclui pedindo que: A) as demandadas vão buscar o equipamento às instalações da demandante; B) sejam condenadas a pagarem a quantia de 1.500€ dos prejuízos que teve por falta do equipamento; C) condenadas a restituírem a quantia de 81,18€ que indevidamente foi pago; D) bem como nos demais juros, vencidos e vincendos, á taxa legal, até efetivo pagamento e custas do processo. Juntou 41 documentos.

MATÉRIA: Ação referente á responsabilidade contratual enquadrada no art.º 9, n.º 1, alínea H) da L.J.P.

OBJETO: Contrato de locação, cláusulas contratuais gerais, indemnização.

VALOR DA AÇÃO: 1.581,18€.

A demandada, S., Lda., NIPC Z, com sede na rua …., no concelho de Figueira da Foz, representada por advogada.

Contestação: No âmbito da atividade que se dedicava em 2014, podia apresentar a proposta de aquisição da impressora X., como a que foi junta com o r.i. A aquisição de serviços de impressão podia revestir 2 formas, compra ou aluguer do equipamento. No caso a demandante optou pelo aluguer, o qual é feito com recurso a empresa de locação financeira, no caso a 2ª demandada. Todas as opções foram devidamente explicadas á demandante, e somente com a que escolheu podia fruir do preço e condições concedidas. A demandante sabia o que estava a contratar, pois além de constar da proposta foi-lhe explicado, só assim se compreende a sua assinatura, não sendo concebível que alguém que tenha a atividade da demandante assine, como refere por “cruz”. Nunca apresentou qualquer contrato em branco, aliás o contrato está pré-preenchido, e só após a contratação é identificado o equipamento em concreto com o modelo contratado. Reitera-se que foi explicado á demandante as condições contratuais, pelo que no caso a demandante não tem mais qualquer intervenção no caso, o que transmitiu, por correspondência á demandante, daí não ter procedido ao levantamento do equipamento, e não foi ela a beneficiária da quantia de 81,18€ peticionada, nem teve qualquer responsabilidade nos alegados prejuízos referentes á falta de equipamento nas suas instalações, note-se que também não são alegados quaisquer prejuízos ou factos geradores de obrigação de indemnização. Na realidade limitou-se a apresentar a proposta, fornecendo todos os elementos necessários para que o cliente formulasse a sua decisão, que se traduziu na celebração do contrato. Pelo que não pode ser atendido o pedido da demandante, pois o que alega não constitui qualquer obrigação, pelo que não são devidos juros.

Conclui pela improcedência da ação, com a devida absolvição do pedido. Protesta juntar procuração forense.

A demandada, G., S.A., NIPC. …., com sede na …., no concelho de Lisboa, representada por mandatário.

Contestação: Desconhece os factos alegados pela demandante, com exceção dos referidos ao contrato de locação celebrado com a 2ª demandada referido aos art.º 10, 11, 12, 13, 31 e 32, pois tudo o resto diz respeito aos contactos feitos pela 1ª demandada. Na realidade dedica-se á aquisição de equipamentos informáticos e software e outros bens com o propósito de os vender ou os alugar. Nesse âmbito as partes celebraram um contrato de locação, que se junta, e do qual faz parte a duração, o valor mensal, as condições gerais, a confirmação de aceitação, os termos e condições relativos ao seguro de propriedade, e do qual resultou a obrigação, para a demandante de amortizar o custo de aquisição do equipamento, bem como as despesas inerentes e lucros estimados, bem como restitui-lo após a cessação do contrato. A segunda demandada cumpriu o acordo, fornecendo e colocando á disposição o equipamento escolhido, e só após a confirmação daquela de aceitação dos bens em bom estado, é que pagou pela aquisição ao fornecedor escolhido pela demandante, a 1ª demandada, pelo que lhe enviou a faturação referente ao aluguer. Acresce que só adquire equipamentos com o propósito de os alugar ao locatário. Assim, não pode alegar desconhecer que celebrou o contrato, nem tão pouco que a relação iniciada tinha como contraparte a 2ª demandada e não a 1ª demandada. Não obstante, é totalmente alheia aos contactos feitos com a fornecedora. Cumpre esclarecer que todos os contratos celebrados, no que se inclui o objeto deste litígio, são impressos a partir da plataforma online, á qual tem acesso a 2ª demandada e fornecedores dos bens, sendo preenchidos na referida plataforma pelos diversos itens do contrato, tal facto resulta inequívoco se averiguar o teor do contrato. Assim, não pode vingar a tese de que o contrato lhe foi apresentado em branco, nem que desconhecia que era um contrato de locação, pois é precisamente essa designação que é dada ao referido contrato, sendo certo que estava acompanhado de todo o clausulado, e do qual resulta o tipo de relação contratual, bem como as obrigações que recaiam sobre cada uma das partes, daí que não subsistam duvidas sobre o que a demandante celebrou. Por outro lado, não existe qualquer relação de dependência entre as duas demandadas, para além de aquela ser a fornecedora do bem que a demandante escolheu. Sendo a 2ª demandada totalmente alheia aos factos alegados pela demandante, estranhando-se que não tivesse conhecimento de que estava em causa um contrato de locação, quando essa informação lhe foi disponibilizada, note-se que a demandante é uma sociedade, o que resulta do teor do próprio contrato, nomeadamente do título, sendo indicado a atividade da locatária, a sua assinatura com o carimbo. Ora nessa qualidade é-lhe exigido a diligência mínima de um consumidor mediano, pelo que em caso algum se pode aceitar que lhe seja disponibilizado um conjunto de cláusulas legíveis e percetíveis, que assinou, e venha agora invocar que não as leu embora lhe tenham sido disponibilizadas. Foi a demandante que não foi diligente na sua atuação, pois devia ter o cuidado normal de ler e de se inteirar do conteúdo das cláusulas, o que só a ela é imputável. Assim, tendo a demandada cumprido com a sua obrigação, não tinha a demandante qualquer motivo para invocar a resolução contratual, por o contrato não corresponder ao contratado, até porque a demandada só procedeu ao pagamento do equipamento junto do fornecedor após a demandante ter confirmado a aceitação de receção do bem, conforme consta da clausula 7 das condições gerais, o que fez, pelo que lhe foram enviadas as faturas correspondentes ao contrato. Face ao exposto, improcede as alegações de não cumprimento do contrato que sobre si impendiam, pois em nada correspondem á verdade. Para além disso, foi a demandante que procedeu ao cancelamento do débito direto que ativou para assegurar os pagamentos contratados com a 2ª demandada. A cessação antecipada do contrato por iniciativa da locatária configura o incumprimento e implica a obrigação de indemnizar a locadora pelo valor correspondente á totalidade do aluguer até ao fim do contrato, o qual decorre do comportamento exclusivo da demandante, pelo que inexiste razões para restituir a quantia peticionada, o qual foi legitimamente debitado da sua conta. Quanto aos prejuízos que alega, pelo que já se referiu é evidente que não existe fundamentos para tal pedido, além de não concretizar os prejuízos que alegadamente terá sofrido, nem explícita como se verificaram os danos. Para além disso não se alcança como será responsabilizada por não existir facto, até porque no r.i. reconhece que o bem foi-lhe entregue, confirmando mesmo a sua aceitação, nem tão pouco se afigura a tese que o bem não corresponderá ao objeto que pretendia locar, quando é ela própria que o afirma ao apor o seu carimbo e assinatura, pelo que não estão preenchidos os requisitos da pretensão indemnizatória. Conclui pedindo que a ação seja julgada totalmente improcedente, sendo absolvida dos pedidos. Junta 1 documento.

O Tribunal por despacho fundamentado, a fls. 96, solicitou á advogada da 1ª demandada que juntasse a procuração forense que protestara juntar, e que a demandada ratificasse todo o processado realizado por aquela advogada, de forma a regularizar a instância.

No prazo concedido, aquelas não responderam, pelo que foi proferido novo despacho fundamentado, a fls. 106, considerando sem efeito todos actos praticados pela advogada (art.º 48, n.º 2 do C.P.C.), ou seja, a contestação.

TRAMITAÇÃO:

Não se realizou sessão de pré-mediação por recusa da demandada.

O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.

As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.

O processo está isento de nulidades, que o invalidem na totalidade.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO

Foi iniciada dano cumprimento ao disposto no art.º 26, n. º1 da L.J.P., sem lograr obter o consenso das partes. Foi apresentado pela demandante um aperfeiçoamento aos autos, nos termos do art.º 43, n. º5 da L.J.P., o qual foi deferido, submetido ao contraditório das demandadas, seguindo-se para produção de prova, com declarações de parte do gerente da demandante, e audição de testemunhas, terminando com breves alegações, tudo conforme ata de fls. 174 a 180 verso.

FUNDAMENTAÇÃO-

I- DOS FACTOS PROVADOS:

1)A demandante dedica-se á atividade de prestação de serviços nas áreas de contabilidade, fiscalidade e seguros.

2)Por indicação de R., filho do sócio gerente da demandante, recebeu nas suas instalações L., comercial da demandada S..

3)Com vista á aquisição de uma impressora.

4)O L. apresentou o equipamento, em catálogo, na presença do sócio gerente da demandante e dois colaboradores, M. e P..

5)O sócio gerente da demandante aceitou a proposta do vendedor, a qual tinha como objeto uma impressora da marca X., que imprimia frente e verso, pelo que pagaria mensalmente 22€, acrescido do IVA, com direito a 500 impressões a branco e preto, e ainda mão-de-obra, deslocações e consumíveis, pelo período de 60 meses, conforme documento 2, junto a fls. 5.

6)Na altura a demandante tinha o equipamento de impressão avariado e sem peças para reparação.

7)Dias depois da concretização do negócio, L. deslocou-se ao escritório da demandante, solicitando a assinatura e carimbo da gerência num documento.

8)O gerente assinou e colocou o carimbo sem ler.

9)Posteriormente, o L. regressou ao escritório da demandante solicitando ao gerente mais outra assinatura, alegando que se esquecera de o fazer, e que era para completar o processo.

10) O sócio gerente da demandante confiando, assinou e carimbou o documento, sem ler a documentação.

11) O L. nunca referiu que se tratava de um contrato de renting ou de financiamento.

12)A 2/04/2014 a demandante receciona o contrato de renting com o n.º …., documento n.º 8, junto a fls. 22.

13)Este trazia a fatura n.º 0000072438/2014 no valor de 72€, referente ao seguro, documento n.º 9, junto a fls. 23.

14)E, a fatura n.º 0000072439/2014 no valor de 92,25€ respeitante á taxa do serviço, documento n.º 10, junto a fls. 24.

15)E, a fatura n.º 000007244/2014 no valor de 81,18€ respeitante ao aluguer trimestral, documento n.º 11, junto a fls. 25.

16)O gerente da demandante contactou com o L. para pedir explicações sobre as faturas.

17)Aquele deslocou-se ao escritório alegando existir algum lapso, levando com ele a documentação para resolver o problema.

18)Passado uns dias entregou a documentação ao filho do gerente da demandante, alegando que nada podia fazer.

19)A demandante envia carta, com a/r, para as demandadas, informando que o contrato não correspondia aquele que contratou, pelo que o denunciava, documentos 13 a 15, de fls. 27 a 30.

20)A 13/05/2014 a demandante envia nova carta às demandadas solicitando que fossem buscar o equipamento, documentos 16 a 19, de fls. 30 a 33.

21) A demandante cancelou a autorização de débito em conta.

22)Entretanto, fora já debitado da conta a quantia de 81,18€.

23)A 22/05/2014, a demandante receciona ofício da G. solicitando o pagamento da quantia de 185,73€, documento 21, de fls. 36 e 37.

24)A 11/06/2014, a demandante recebe comunicação da L. solicitando o pagamento da quantia de 372,74€, documento 23, de fls. 38 e 39.

25)A 15/06/2014 a demandante recebe a fatura n.º 0000104815/2014 enviada pela G., documento 25, de fls. 40.

26)A demandada S., a 30/06/2014 responde á carta da demandante datada de 13/05, informando que o equipamento não é propriedade dela, documento 26, a fls. 41.

27) A demandante a 2/07/2017 responde á L., conforme documento 27, a fls. 42, cujo conteúdo dou por reproduzido.

28) A demandante a 9/07/2017 responde á carta da S., datada de 30/06/2014, solicitando o levantamento do equipamento, documento 28, a fls. 44.

29)A 10/07/2014 a demandante receciona o aviso para pagamento da quantia de 459,99€, documento 29, a fls. 46 e 47.

30) A demandante a 19/07/2014 responde á carta da G. datada de 10/07/2014, renovando o pedido de levantamento do equipamento, documento 31, a fls. 48.

31) A demandante a 28/07/2014 receciona ofício da S. reafirmando o teor da carta de 30/06/2014, documento 32, a fls. 50.

32) A demandante a 20/08/2014 recebe nova carta da G. solicitando o pagamento de 465,02€, documento 33, a fls. 51 e 52.

33)A 17/09/2014 recebe carta da G. comunicando a resolução do contrato por falta de pagamento, documento 35 e 39, de fls. 53 a 57.

34)A 19/09/2014 a demandante envia carta solicitando falar com o responsável para clarificar este processo, documento 40, a fls. 58.

35)O equipamento que foi colocado nas instalações da demandada não possuía as qualidades, nem caraterísticas que foram apresentadas.

36)Os funcionários da demandante tiveram que se deslocar a outros locais para imprimir documentos, nomeadamente atas, balanços e demonstração de resultados.

37)Nomeadamente foram á N, que dista cerca de 20km, por deslocação, do seu escritório.

38)O que originou um desgaste de tempo e de combustíveis.

39)O que foi necessário para responder às necessidades fiscais dos clientes da demandante.

40)A demandada G. instaurou procedimento de injunção, que foi convertida em ação declarativa especial para cumprimento de obrigação pecuniária, que correu termos sob n.º …. YIPRT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, conforme documento junto de fls.128 a 138 verso.

41)Na qual a demandante foi absolvida do pedido.

42) A demandada G. é uma sociedade comercial que se dedica á aquisição de equipamentos informáticos, e software e outros bens com o propósito de os alugar.

43) A demandada G. celebrou com a demandante um contrato de locação financeira, n.º …., com inicio a 1/04/2014, com a duração de 60 meses, referente ao equipamento Y 8570 ANM.

44)O contrato foi apresentado pré-impresso pelo L., funcionário da demandada S..

45) O contrato é composto pelas condições particulares, e condições gerais da locação, seguro, autorização de débito direto, conforme documentos juntos de fls. 17 a 21 e 86 a 89, cujo teor dou por integralmente reproduzido.

46) A demandante assinou o contrato.

47)As demandadas não têm qualquer relação de dependência.

48) A demandada G. não esteve presente na altura em que o negócio foi apresentado á demandante.

49) A demandada S. não recebeu qualquer quantia da demandante.

50) A demandada S. não tem equipamentos para venda.

51) A demandada G. não esteve presente na altura em que o bem foi entregue á demandante.

52) A demandada G. não esteve presente na altura em que a demandante assinou a documentação referente ao contrato e referente á receção do equipamento.

MOTIVAÇÃO:

O Tribunal sustenta a decisão na análise critica de toda a documentação junta pelas partes, o que conjugou com a prova testemunhal, considerada em geral credível, as regras da experiência comum e normas de repartição do ónus da prova.

O gerente da demandante prestou declarações nos termos do art.º 57, n.º1 da L.J.P. Esclareceu porque fez o negócio, convicto que era somente uma simples prestação de serviço, pois nunca falaram de locação financeira, nem lhe explicaram as cláusulas de tal negócio, por isso ao assinar os documentos não reparou que referia outra entidade, pensando que era só um aluguer do equipamento. Apenas quando chegou a 1ª carta da locadora viu o tipo de negócio, pois o que estava a ser cobrado nem correspondia ao que lhe fora dito quando fez a demonstração do equipamento. Mais esclarece que o equipamento que tiveram nunca foi o que pretendia pois era lento, pelo que escreveu logo cartas para que viessem buscar o equipamento. Entretanto, a demandada intentou em Lisboa um processo para pagamento, no qual se defendeu e foi-lhe dada razão, tendo já vindo buscar o equipamento, conforme documento que exibiu. O seu depoimento foi considerado como credível, pois foi ao encontro da restante prova, nomeadamente testemunhal e documental, pelo que auxiliou na prova dos factos com os n.º 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51 e 52.

A testemunha, R., é filho do gerente da demandante, não obstante o seu depoimento foi digno de credibilidade por ser isento. Esclareceu que foi ele que apresentou o vendedor ao pai, pois era pessoa sua conhecida á largos anos, estando presente nas instalações da demandante, quando foi apresentado o negócio, e as explicações do equipamento pretendido. Posteriormente, quando o pai lhe disse que recebeu carta de uma financeira que não conhecia, foi ele que falou diretamente com o vendedor, o qual lhe disse que ia tentar resolver a situação, mais tarde devolveu-lhe a documentação dizendo que não podia fazer nada. Sabe que saiu da empresa e está emigrado. O depoimento foi claro, e isento, auxiliando na prova dos factos com os n.º 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 11, 12, 16, 17, 18, 51 e 52.

A testemunha, M., é prestador de serviços para a demandada. Teve conhecimento direto dos factos, pois estava nas instalações da demandada quando foi apresentado o equipamento e presenciou as explicações do negócio e equipamento, bem como as condições contratadas. Posteriormente, devido ao serviço que realiza para a demandante verificou que o equipamento não dispõe das qualidades que lhes foi transmitido pelo vendedor, sendo lento para o serviço que fazem, contabilidade e seguros, pelo que diariamente tiveram que se deslocar a outros locais, perdendo tempo e gastando combustível, para conseguirem imprimir os documentos essenciais para as finanças, nomeadamente os balancetes e demonstração de resultados, pois isto foi numa altura critica do ano pois os principais clientes da demandante são empresas, as quais trimestralmente têm de apresentar declarações junto da finanças. O seu depoimento foi claro, e isento, auxiliando na prova dos factos com os n.º 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 16, 17, 35, 36, 37, 38, 39, 44, 46, 51 e 52.

A testemunha, J., é gestor da demandada, S.. O seu depoimento limitou-se a explicar os procedimentos que os funcionários devem observar, explicando que em relação ao negócio em concreto só sabe o que resulta dos documentos, e que o vendedor já não trabalha para eles. O seu depoimento foi isento e coerente, sendo relevante para prova dos factos n.º 47, 49 e 50.

Os factos instrumentais com os n.º 40 e 41, resultam do documento junto pela demandante de fls. 128 a 138 verso.

Salienta-se que os factos referidos na contestação não considerados provados derivam de não serem factos concretos, mas apreciações de direito material.

III- DO DIREITO:

O caso dos autos refere-se ao contrato de locação financeira.

Questão prévia: O demandante juntou aos autos uma sentença proferida no âmbito dos autos n.º ….YIPRT, Ação especial para cumprimento de obrigação pecuniária (D.L 269/98 de 1/09), com o valor de 2.331,66€, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível, de fls. 128 a 138 verso.

A qual transitou em julgado, a 3 de dezembro/2017.

A referida ação teve como partes, a demandada, G., S.A. e a demandante, tendo como objetivo o pagamento do contrato de locação financeira. Esta ação foi julgada improcedente, com base na nulidade de todas as cláusulas contratuais insertas no dito contrato, pelo que, a ora demandante, foi absolvida do pedido.

Em ambas as ações estamos perante a mesma relação jurídica, verificando-se, independentemente da diversidade da posição processual, a identidade de sujeitos, com exceção de mais uma demandada, a S., que não interveio naquela ação.

O mesmo não se passa, inteiramente, quanto ao pedido, apesar de ser evidente a conexão entre os objetos de ambas as ações. Pois naquela o pedido é o pagamento das prestações do contrato de locação, nesta o pedido é a resolução do dito contrato e pedido de indemnização por danos patrimoniais. Ambas as ações têm na sua base o dito contrato de locação financeira, embora os contornos jurídicos sejam diferentes, uma vez que na primeira parte do princípio que o contrato foi validamente constituído, havendo um incumprimento da locatária, na presente ação é precisamente o inverso, alegando-se que não era este o contrato que a demandante pretendia realizar, mas sim outro, a simples prestação de serviços.

Ainda assim, constituindo a sentença caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (art.º 621 do CPC), importa não confundir a “exceção do caso julgado” com a “força e autoridade do caso julgado”, esclarecendo que, como tem vindo a ser sustentado, se a primeira pressupõe a aludida tríplice identidade (de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), a segunda dispensa-a, ou seja, a autoridade do caso julgado pressupõe uma decisão (transitada) de determinadas questões que já não podem voltar a ser discutidas e, diversamente daquela exceção, pode funcionar independentemente da verificação de tal tríplice identidade.

Mesmo não ocorrendo completa identidade do âmbito subjetivo, e objetivo na relação entre a ação em que foi proferida a decisão transitada e a ação subsequente, nem por isso, o caso julgado deixa de ser relevante: a decisão proferida sobre o mesmo objeto vale entre as mesmas partes de ambas as ações como autoridade de caso julgado e, quando tal suceda, o tribunal da ação posterior está vinculado à decisão proferida na causa anterior, mesmo sem a tríplice homotropia de sujeitos, pedido e de causa de pedir. O que significa que, mesmo sem essa completa identidade, o tribunal está vinculado na ação subsequente, ou seja, na presente ação, a tudo o que esteja coberto pela autoridade do caso julgado formado pela decisão proferida na causa anterior. A força e autoridade do caso julgado têm por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica.

Assim, embora não abranja a demandada S., a verdade é que o seu conteúdo é relevante para os presentes autos, por estar ligado ao assunto em análise, na medida em que o pedido de indemnização ora deduzido tem, na sua base, o contrato de locação financeira, o qual já foi devidamente discutido e analisado naquela ação, por esse motivo não irei aprofundar em que consiste tal negócio.

Assim, o referido contrato foi considerado nulo, pois as cláusulas contratuais gerais, bem como as particulares, não foram devidamente explicadas pelo vendedor, L., o qual á data dos factos era funcionário da demandada S..

Foi, igualmente, apurado que depois daquela ação, o bem em causa, impressora, já tinha sido devolvida á demandada, G., o que sucedeu no passado dia 29/11/2017, conforme se constatou pelo impresso, cópia da guia de transporte n.º 97890 TB, exibido em audiência pela demandante, no qual constava a entidade que foi buscar o equipamento às instalações da demandante estando a documento devidamente assinada pelos intervenientes nesse facto.

No decurso dos autos supra referido, a 1ª questão suscitada nos autos já foi resolvida naqueles autos. Na realidade, está a ser peticionado a resolução do contrato, como na ação anterior o contrato de locação foi considerado nulo por força das clausulas insertas no mesmo, a declaração de nulidade do negócio pressupõe (art.º 289, n. º1 do C.C.) que deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado, pelo que a demandante tem a haver a quantia que indevidamente pagou, no montante de 81,18€, o que deve ser restituído pela demandada G., e na qual vai condenada.

Assim, apenas interessa apurar se existe fundamentos para o pedido de indemnização deduzido pela demandante.

Na realidade estamos face a contratos coligados, cujo regime legal impõe que ocorrendo a nulidade do contrato implica a nulidade do outro (art.º 13, n. º1 do D.L. 133/2009 de 2/06).

Ora dos factos provados resulta que, foi o funcionário da demandada S. que apresentou o negócio, pelo que devia tê-lo feito em condições, ou seja, explicar as cláusulas contratuais e os termos corretos do negócio que a demandante estava a realizar, obrigação que resulta do art.º 25 n.1, alínea a) do D.L. 133/2009 de 2/06, assim como do art.º 6 do D.L.446/85 de 25/10.

Ficou, igualmente, provado que aquele funcionário não o fez, tendo omitido o dever de informar de forma adequada o conteúdo das cláusulas, bem como o tipo de negócio que a demandada estava a subscrever, e que só posteriormente aquela se apercebeu, quando começou a receber as cartas da demandada G., para proceder ao pagamento de quantias para as quais não fora informada.

Ora a demandada, S., no cumprimento das obrigações é responsável pelos actos dos seus funcionários, ou agentes que contrate, tal como se fosse ela que os praticasse (art.º 800, n.º 1 do C.C.). Acresce que, esta tem o dever dar formação aos funcionários, agentes, ou outras pessoas que utilize no exercício do seu objeto social, pois são estes que realizam em seu nome os negócios, sendo igualmente responsável na escolha que faz desses profissionais, algo que a testemunha J., na qualidade de administrador tem perfeito conhecimento, tal como resultou do seu depoimento na audiência.

Quanto a danos, a demandante não dispunha, naquela época de uma impressora, pois estava avariada, vendo no suposto negócio que lhe foi apresentado pelo L., a oportunidade de ver o seu negócio satisfeito com a resposta adequada dada aos clientes.

Contudo, a máquina que recebeu nas suas instalações, não tinha as qualidades que lhe foram apresentadas, era demasiada lenta, pelo que não conseguia dar resposta adequada aos clientes, frustrando-se a sua expetativa no negócio que foi gorado por dois motivos, por um lado não era aquele que pretendia realizar, por outro porque o equipamento também não tinha as qualidades que era de esperar numa máquina com caraterísticas similares.

Assim, foi forçada a procurar, pelos seus próprios meios, uma resposta que satisfizesse as necessidades imediatas dela própria, de forma a dar resposta adequada aos seus clientes.

Para o efeito, cada um dos seus colaboradores, tiveram que percorrer diariamente, pelo menos 20 km até encontrar a solução adequada, o que sucedeu junto da S., já que na zona onde a demandante tem as instalações, em Almalaguês, não há locais onde possa imprimir rapidamente tantos documentos, nomeadamente atas, balancetes e balanços de sociedades comerciais.

Do que resultou um dispêndio de tempo dos colaboradores, e consequentemente o aumento de custos para a demandante, uma vez que teve necessariamente despesas com combustível, o que resulta da experiência comum. Por outro lado, enquanto faziam este percurso, os colaboradores não estavam nas instalações da demandada, o que obrigava a um esforço suplementar para dar resposta a todos os clientes da demandada, sobretudo em alturas onde há um acréscimo de serviço, com o preenchimento e documentos para apresentar junto das repartições de finanças, tendo em consideração que a maioria dos clientes da demandante são empresas, e há prazos a observar, sob pena de aplicação de coimas fiscais, como resulta da experiência comum.

Atendendo ao supra exposto, e ao incumprimento das obrigações da demandada S., entendo ser justo atribuir á demandante a indemnização do montante de 1.500€ (art.º 566, n. º3 do C.C.).

Por fim, embora o pedido seja dirigido às duas demandadas, a verdade é que não foi feita prova de factos que possam ser imputados á demandada G., enquanto locadora financeira. Na realidade a sua intervenção no processo, limitou-se á aquisição da máquina que a demandada S. apresentou, e que esteve nas instalações da demandante durante algum tempo, mas que não correspondia às caraterísticas que o vendedor afirmou ter, pelo que vai absolvida deste pedido.

Quanto ao pedido de juros, devem ser contabilizados os juros legais (art.º 559 do C.C.), desde a citação das demandadas (art.º 805, n.º1 do C.C.), ocorrendo a última a 20/02/2017, conforme registo de receção a fls.65.

DECISÃO:

Nos termos expostos, julga-se a ação procedente por provada, condenando-se a demandada S. a pagar á demandante a quantia de 1.500€, e a demandada G. a devolver á demandante a quantia de 81,18€, tudo acrescido dos respetivos juros, á taxa legal, até integral pagamento.

CUSTAS:

São da responsabilidade das demandadas, a qual já estão satisfeitas.

Em relação á demandante, proceda-se ao seu reembolso.

Proferida nos termos do art.º 60, n. º2 da L.J.P.
Coimbra, 11 de maio de 2018

A Juíza de Paz
(redigido pela signatária, art.º 131, n. º5 do C.P.C.)


(Margarida Simplício)