Sentença de Julgado de Paz
Processo: 55/2015-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
Data da sentença: 07/07/2015
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA


Processo n.º 55/2015-J.P.
RELATÓRIO:
A demandante, A, Lda., NIPC. ----------, com sede na ----------, instaurou a ação declarativa de condenação contra a demandada, B, Lda., NIPC.-------------, com sede no ---------, nos termos da alínea I) do n.º1 do art.º 9 da L.J.P.
Para tanto, alega em síntese que, no âmbito da sua atividade, a pedido da demandada, procedeu á execução de um lagar, tipo madeirense, através da proposta de orçamento, que junta. Na sua execução e conforme orçamento, utilizou mão-de-obra, diversos materiais, nomeadamente vários tipos de madeira, ferragens rústicas, um fuso, conforme documento. Na execução da obra concedeu vários descontos á demandada, pelo que a realização da obra perfaz a quantia de 4.456,55€. Na adjudicação da obra a demandada pagou 1.000€, para aquisição da madeira, o que foi faturado com o n.º 4/141 de 22/08/2014, que se junta, encontrando-se por liquidar a quantia de 3.456,55€, a qual acordaram que seria paga na data da emissão da respetiva fatura, ou seja a 10/09/2014, mas aquela não liquidou, nem mesmo após a sua interpelação, pelo acresce os juros moratórios, no montante de 139,13€. A demandada alegando falta de espaço nas suas instalações solicitou que armazenasse o objecto nas instalações de forma a utiliza-lo no ano seguinte, pelo que voltou a desmontá-lo e a leva-lo para a sede, acompanhado de guia de transporte. A demandada foi interpelada por carta a 25/02/2015, para proceder ao pagamento do aluguer pela cedência do espaço na quantia de 1.000,40€. Conclui pedindo que seja condenada na quantia de 4.596,08€, acrescida de juros vincendos, á taxa legal, até efetivo e integral pagamento. Juntou 8 documentos.
A demandada foi regularmente citada, conforme registo a fls. 29 verso, tendo contestado. Alega em suma que não assiste razão á demandante, impugnado a sua versão dos factos, tal como já vem fazendo desde setembro/2014. De forma a promover animação no seu estabelecimento, solicitou á demandada que fizesse um lagar em madeira. Acordaram verbalmente que a obra não excederia os 2.500€, devendo o lagar permitir esmagar uva e recolher o líquido para beber, podendo a estrutura ser usada nos anos seguintes. Tendo pago logo a quantia de 1.000€, para aquisição da madeira e antecipação de pagamento. Mas o lagar nunca funcionou, devido a derrames e sem poder usar a uva, que tem um sabor estranho, o que deverá ser de algum produto utilizado para escurecer a madeira, impossibilitando o seu aproveitamento. Estes defeitos foram, oportunamente, denunciados á demandante, e foi por esse motivo que se recusou a ficar com a obra e a pagar o resto do preço. No entanto, e quanto ao preço tem havido alterações, vindo a diminuir o valor das faturas enviadas. Não faz sentido o pedido de guardar o lagar nas instalações dela, nem o valor do seu armazenamento, o qual só lhe foi pedido a 25/02/2015. Face ao exposto acrescenta que não tem interesse na obra pois não cumpre a função a que se destina. Conclui pela improcedência da ação, absolvendo-se a demandada do pedido. Juntou 5 documentos.

TRAMITAÇÃO:
Não se realizou sessão de pré mediação por ausência da demandada.
O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade.

AUDIENCIA DE JULGAMENTO:
Foi iniciada dando cumprimento ao disposto no n.º1 do art.º26 da LJP, mas sem lograr obter consenso entre as partes. Seguindo-se para produção de prova com a junção de documentos, e audição de testemunhas, e requerimento para a ata, terminando com alegações dos mandatários das partes, conforme atas de fls. 54 a 58.

-FUNDAMENTAÇÃO-
I-FACTO ASSENTE (Por Acordo):
A)Que a demandada é uma sociedade comercial que se dedica á atividade de carpintaria, marcenaria e construção de edifícios.
B)Que a demandada dedica-se á atividade de indústria e fabrico de cerveja e seus derivados, transformação de produtos, importação, exportação e comércio de bebidas e produtos afins.
C)Que a demandada pagou á demandante 1.000€ para aquisição de madeiras e adiantamento do preço acordado.

I-FACTOS PROVADOS:
1)Que no âmbito da sua atividade a demandante, a pedido da demandada, procedeu á execução de um lagar, tipo madeirense.
2)Para o qual apresentou propostas de orçamento.
3)Que na execução do lagar a demandante utilizou, em média, a mão-de-obra de 5 funcionários/dia.
4)E, diversos tipos de madeiras.
5)Que utilizou ferragens rústicas.
5)Que para o efeito a demandante adquiriu um fuso.
6)Que as partes celebraram verbalmente o contrato.
7)Que o serviço realizado pela demandante perfaz a quantia de 4.456,55€.
8)Que a demandante apresentou á demandada a fatura n.º 4/151, na quantia de 3.456,55€.
9)Que a demandante emitiu o recibo n.º 95, referente á quantia de 1.000€, que a demandada pagara.
10)Que o objeto apresenta defeitos.
11)Que deixa derramar/verter o líquido.
12)Que o sumo da uva fica com um sabor estranho
13)Que a demandante utilizou um produto para escurecer a madeira.
14)Que a demandada denunciou os defeitos á demandada.
15)Que se recusa a pagar o resto do preço.
16)Que não mantém interesse no objeto adquirido.
17)Que a demandada devolveu as faturas á demandante.
18)Que a demandante a 25/02/2015 enviou carta registada com aviso de receção á demandada.
19)Que solicitava uma quantia pela cedência de espaço e armazenamento do lagar.
20)Que na quantia incluía ainda o IVA.
21)Que a demandada não pediu que o objeto fosse guardado.

MOTIVAÇÃO:
O Tribunal firmou a decisão, na análise critica dos documentos juntos pelas partes, os quais foram conjugados com a prova testemunhal, declarações de parte e dados da experiencia comum.
Os depoimentos das testemunhas foram em geral credíveis e isentos, relevando para os factos dados como provados.
A testemunha, C, foi fulcral para considerar que o orçamento n.º 2014173 não representa o valor que as partes acordaram para adjudicação da obra, pois conforme disse: fizeram 2 propostas de orçamento, e qualquer um deles não dava para fixar o valor real do trabalho, era apenas uma estimativa para o cliente se regular quanto poderia importar o seu custo. Foi, ainda, importante na parte do aluguer do espaço dizendo: “que tenha conhecimento não firmaram qualquer acordo em relação ao aluguer do espaço e muito menos em relação ao valor”. Sendo esta testemunha a única que concretamente se referiu a este assunto. Quanto ao sabor estranho que o vinho poderia ter, admitiu terem utilizado produtos para escurecer algumas madeiras, para lhe dar o aspeto de velho/usado, sendo relevado devido á sua qualificação profissional dentro da empresa.
Quanto aos acordos firmados entre as partes, nenhuma testemunha presenciou, apenas sabiam o que o demandante lhes disse.
Por estes motivos, não se valorizou o orçamento apresentado a fls. 14, como representando a adjudicação da empreitada, conforme orçamento apresentado, nem como sendo o valor do preço acordado.
Quanto á obra apresentar defeitos resulta de todas as testemunhas. As que o construíram não experimentaram a obra, pelo que não podem dizer se a obra estava ou não perfeita, e as outras que viram efetivamente os defeitos, nomeadamente o vinho a sair pelas reentrâncias da madeira e o sabor do vinho.
Não se provou mais factos por ausência de prova, nomeadamente que a demandante tenha concedido á demandada descontos sobre o valor do serviço, nomeadamente na mão-de-obra, descontos comerciais, e na madeira.

III-DO DIREITO:
O caso dos autos prende-se com o incumprimento de um contrato de prestação de serviços de carpintaria, que tem como objecto a construção de um lagar.
Questões: qualificação do contrato, preço, defeitos, aluguer.
Quanto ao contrato que as partes celebraram, e atendendo ao depoimento da testemunha C, o documento junto a fls. 14, o orçamento, embora seja considerado como valor real do custo do serviço realizado pela demandante, não pode ser considerado como sendo o valor acordado pelas partes, representando antes o valor real que a demandante considerou para apresentar ao cliente, tendo em consideração que contabilizou o serviço por hora de trabalho despendida pelos seus funcionários. Por outro lado, também, não pode ser considerado como um contrato de empreitada, visto que o trabalho/obra não foi adjudicado tendo em consideração que o orçamento represente o acordo que as partes firmaram.
Na realidade, as partes terão firmado um acordo verbal, que consistia na realização de um lagar tradicional, em madeira, o qual corresponde aquilo que as testemunhas provaram.
Lagar que seria para ser utilizado no decurso da festa da vindima, sendo esta a data, importante, em que o objeto devia estar pronto.
Como é evidente na realização desse serviço, é necessário utilizar mão-de-obra de forma a converter a madeira no objeto pretendido, e a mão-de-obra tem um custo. No caso concreto foi ponderado o número de funcionários necessário por dia e sua especialidade funcional, tendo em consideração o tipo de objeto pretendido pelo cliente, assim como os materiais necessários para o realizar, e isto é o que se reflete no documento junto a fls. 14, o qual é corroborado pela testemunha, Nelson de Freitas, que explicou, que o valor do serviço foi quantificado á hora, acrescentando que os orçamentos que foram apresentados ao cliente eram uma estimativa, não dava para qualificar o volume de trabalho que seria necessário fazer, sendo utilizado entre 5 trabalhadores/dia, em media, pois era um serviço urgente.

De facto a prestação de serviços distingue-se da empreitada porque neste promete-se a atividade, através da utilização de trabalho (art.º 1154 do C.C.), enquanto na empreitada promete-se o resultado do trabalho, a obra em si mesma (art.º 1207 do C.C.).

Assim, o negócio que acordaram consiste numa das partes se obrigar a proporcionar á outra certo resultado do seu trabalho, intelectual ou manual, com ou sem retribuição (art.º 1154 do C.C.).
Atendendo ao seu objeto, como já foi referido, trata-se de um contrato inominado, pelo que se regulará pelas normas do mandato (art.º 1156 e 1157 e sgs do C.C.).
Este contrato carateriza-se pela sua sinalagmaticidade, na medida em que a realização da obrigação da demandante, ou seja, realizar o lagar, serviço a que se comprometeu, tem como correspectiva obrigação, a retribuição correspondente, a qual é a obrigação que compete fazer á demandada (art.º 1161 e 1167, ambos do C.C.).
Não obstante a aplicação deste regime é, ainda, preciso não esquecer o disposto na lei da defesa do consumidor, igualmente aplicável ao caso por força do art.º 1-A, n.º 2 do D.L. 84/2008 de 21/05, sendo que a demandante será de qualificar como entidade profissional, e a demandada como consumidor.
Na realidade, embora exista alguma celeuma em relação ao conceito de consumidor, este tribunal tem vindo a perfilhar um conceito amplo. Estando em causa uma pessoa coletiva, os diplomas que existem no nosso ordenamento jurídico, ao referirem-se ao consumidor, não distinguem a posição de consumidor pelo tipo de pessoa em causa, pois referem-se sempre a “todo aquele”, sendo uma expressão demasiada ampla, que pode perfeitamente abranger, pessoas singulares, colectivas e equiparadas. O que de facto importa na relação consumidor/profissional é que o profissional é aquele (entidade) que preste um serviço ou venda um bem, actuando no âmbito da sua atividade profissional, exercendo-a com carater regular visando com ela a obtenção de benefícios económicos. Em contrapartida, o consumidor será quem actua fora da sua área específica de atividade, por isso existe um desequilibro na relação jurídica que as partes estabelecem, e como tal é digno de uma proteção jurídica, para tentar contrabalançar a desprotecção gerada.
Assim, no âmbito dos diplomas que regulam a proteção do consumidor D.L. 67/2003 de 8/04 com as alterações introduzidas pelo D.L. 84/2008 de 21/05, nomeadamente no art.º 2, n.º1 defende-se que o vendedor deve entregar ao consumidor bens que sejam conformes o contrato, e acrescenta-se no n.º2 que se presume a existência de não conformidade a verificação de: (alínea b) não ser adequado ao uso especifico para o qual o consumidor o destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato.
No caso concreto o lagar foi entregue, em data não concretamente apurada, sendo a sua montagem no local designado efetuada pelos próprios funcionários da demandante, conforme assim o afirmaram.
Por sua vez, estes, também, afirmaram que nunca tinham visto o lagar a funcionar. Mas alguns trabalhadores da demandada, que o puderam ver a trabalhar, constataram que a madeira utilizada foi envelhecida na hora, o que não permite a utilização adequada do lagar, pois o líquido verte, a madeira não teve tempo de inchar e não podiam aproveitar o sumo da uva, devido ao sabor com que ficou, era improprio para ser consumido.
De facto, os trabalhadores da demandante afirmaram que foi uma obra realizada á pressa, devido á urgência da altura em que deveria ficar pronta, o que evidencia que nem puderam experimentar para ver se realmente tinha algum defeito.
Tal facto consubstancia o cumprimento defeituoso do serviço, na medida em que o objeto foi realizado mas não como devia ter sido e seria expectável, tendo em consideração que a demandante sabia o fim a que o mesmo se destinava, algo que os seus funcionários foram claros, dizendo que se destinava a ser utilizado na festa da vindima.
Perante a falta de conformidade, deve o consumidor denunciar os defeitos (art.º 5-A, n.º2 D.L.84/2008 de 21/05), no prazo de 2 meses, tendo em consideração que o objeto em causa é uma coisa móvel- lagar em madeira. Na realidade apenas uma das testemunhas da demandada o confirmou. Relatou a conversa que o representante legal da demandada estava a falar ao telefone, bastante aborrecido, dizendo que o lagar não estava em condições, derramava o sumo, e não o podia aproveitar, mais acrescentou que foi no decurso da conversa que disse para virem buscar o lagar, o que sucedeu no decurso da festa da vindima, após terem utilizado o lagar e tentado remediar os defeitos.
E, alguns dias depois os funcionários da demandante foram ao espaço onde a demandada tinha o lagar desmonta-lo, conforme relataram, levando-o para as instalações daquela, a qual, sabendo o objetivo da deslocação, emitiu a respetiva guia de transporte a qual foi assinada pelo gerente da demandada, documento junto a fls. 22.
Quer isto dizer que a denúncia foi realizada verbalmente, em data não apurada, mas no decurso daquele evento, e uma vez que a lei, também, não exige qualquer forma específica para concretizar a denúncia, pode dizer-se que foi efetuada e atempadamente.
No que diz respeito aos direitos do consumidor, diz o art.º 4, n.º 1, 5, que tem direito a que a coisa seja reposta, por meio de reparação, substituição, redução adequada do preço ou resolução do contrato, podendo exercer qualquer um destes direitos, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir um abuso de direito nos termos gerais, ou seja nos termos do art.º 344 do C.C.
No caso concreto, do pedido efetuado pelo representante legal da demandada, resulta que não se conformou com o objeto, já que não satisfazia os fins que idealizou, e o qual deu conhecimento á demandante. E, foi no seguimento disto que acabou por devolver a fatura do serviço, o que fez várias vezes, conforme admite na sua contestação, art.º 12, e resulta dos documentos juntos a fls. 20, 41 e 59, este último junto em audiência de julgamento.
Depreende-se da conjugação destes documentos e do solicitado pelo gerente da demandada, que a sua intenção seria considerar a quantia que já tinha entregado á demandante como perdida a favor dela mas não pretende pagar a quantia em falta, que entretanto lhe fora apresentada.
Embora as palavras utilizadas pela demandada ao dirigir a sua reclamação á demandante não sejam as mais correctas, do comportamento descrito subentende-se que pretendia diminuir o valor do preço, ou da contrapartida a pagar pelo serviço realizado em termos inadequados, já que a resolução do contrato importa a restituição de tudo o que foi prestado (art.º 436, n.º1 e 432, n.º2 do C.C.), e no caso concreto nunca lhe pediu para devolver a quantia que adiantara por conta do preço do serviço.
Tendo em consideração que a demandada, ainda, está em tempo de exercer esta faculdade já que a lei faculta-lhe o prazo de 2 anos para o fazer (art.º 5-A, n.º2 do D.L. 84/2008), nada obsta a que o faça nos presentes autos, tendo em consideração que o objeto em causa foi executado em agosto de 2014, e terá sido reclamado na festa da vindima, ou seja em meados de setembro de 2014.

No que diz respeito à cedência do espaço e armazenamento do objeto, consistiria num outro contrato, o qual poderíamos qualificar como um contrato misto de prestação de serviço e depósito, colocando o objeto nas instalações da demandante, que disponibilizaria o espaço, guardando o objeto, o que faria mediante a contrapartida o pagamento de uma quantia mensal.
No entanto, a existir o acordo negocial está dependente de prova, a qual compete á demandante efetuar (art.º 342, n.º1 do C.C.), mas no caso concreto tal não foi provado.
Por outro lado, a demandada prova que efetivamente lhe disse para vir buscar o lagar, o que realmente aquela fez, mas de tal facto não se pode depreender que exista um acordo para guardar a coisa, tal como foi provado esta conserva tinha um contexto, o descontentamento sobre a função que a coisa devia desempenhar, tendo por esse motivo perdido interesse naquele negócio.

DECISÃO:
Nos termos expostos julga-se a ação improcedente por não provada e em consequência absolve-se a demandada do pedido deduzido.

CUSTAS:
São da responsabilidade da demandante devendo proceder ao pagamento quantia de 35€ (setenta euros) no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente sentença, sob pena de lhe ser aplicado a sobretaxa diária na quantia de 10€ (dez euros) pelo atraso no cumprimento desta obrigação legal, art.º 8 e 10 da Portaria n.º1456/2001 de 28/12 na redação da Portaria n.º 209/2005 de 24/02.

Proceda-se ao reembolso da demandada.

Funchal, 7 de julho de 2015

A Juíza de Paz
(redigido e revisto pela signatária, art.º 131, n.º5 C.P.C.)


(Margarida Simplício)