Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 380/2014-JP |
Relator: | MARGARIDA SIMPLÍCIO |
Descritores: | EMPREITADA - INCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO - PRESCRIÇÃO |
Data da sentença: | 12/19/2014 |
Julgado de Paz de : | FUNCHAL |
Decisão Texto Integral: | SENTENÇA O demandante, A- Construções Metálicas, com sede no Funchal intentou a ação declarativa de condenação contra os demandados, B e mulher C, residentes no Funchal, com os NIFS. -------------- e ---------------, respetivamente, o que fez nos termos do art.º 9, n.º1 alínea I) da L.J.P. Para tanto, alega em suma que, no âmbito da sua atividade profissional, foi contatada pelos demandados para executar um serviço na moradia deles, apresentou-lhe o orçamento e a obra foi-lhe adjudicada pelo demandado. O serviço foi iniciado em 2009 e concluído 15/10/2012. O serviço executado corresponde á fatura n.º C 11/52 na quantia de 12.282,75€, tendo o demandado pago algumas quantias, do que entregou o respetivo recibo, no entanto deixou por pagar a quantia de 5.484,96€. Para além disso, deverá acrescer os juros de mora vencidos, desde 15/10/2012 na quantia de 792,94€ Conclui pedindo que sejam condenados: no pagamento da quantia em divida 5.484,96€, ao que acresce os juros vencidos, á taxa legal,na quantia de 792,94€, e dos vincendos. Juntou 2 documentos. Os demandados regularmente citados contestaram. Invocam que a divida está prescrita, pelo decurso do prazo de 2 anos, sendo um crédito de um profissional, sendo o serviço foi iniciado em março de 2009 e terminado em agosto do mesmo ano. Alega, ainda, que o serviço foi totalmente pago, logo não há divida. Impugnam os factos e acrescenta que não celebraram contrato escrito, nem aprovaram o orçamento apresentado mas outro que estava assinado pelo demandado e que não foi junto aos autos. Quanto ao serviço foi executado em 2009 e pago, não houve trabalhos a mais, mas houve material que é referido no orçamento e não foi aplicado. Do que foi pago nunca lhe foi entregue qualquer recibo, por isso só por má-fé vem agora pedir o que está pago. Conclui pela procedência das exceções e improcedência da ação. A demandante responde. Alega que o crédito prescreve no prazo de 20 anos e não o prazo invocado, mas alega também que ainda não foi totalmente pago. Mais esclarece que o serviço foi todo realizado em 2009, porém o demandado não podia pagar tudo e acordaram pagar em prestações, mas fez só alguns pagamentos, daí existir quantias em falta. Mais esclarece que tem de cobrar o IVA á taxa em vigor que entretanto passou para 22%, dai também o aumento da quantia em divida. Quanto ao pagamento do preço foi estipulado a combinar. Conclui pela improcedência das exceções e procedência da ação. Junta 1 documento. TRAMITAÇÃO: AUDIENCIA DE JULGAMENTO: A testemunha, G, é irmão do gerente da demandante. Explicou que não pertence á empresa mas por falta de pessoal acabou por ajudar o irmão na parte da substituição de vidros. O que sucedeu, sobretudo no interior da moradia, embora houvesse serviço que foi realizado no exterior. Tudo isto se passou há alguns anos, mas não sabe precisar datas. Recorda que, ainda, não passava a estrada ao pé da casa, tinham que ir por cima, a deslocação era maior, daí dizer que foi há mais de 3 anos. Quanto ao negócio nada sabe mas o irmão disse-lhe, antes de o ir ajudar no serviço, que precisava de ajuda para que o senhor lhe pagasse, pois dizia que enquanto não substituísse os vidros não lhe pagava, mas não sabe que quantias estão em causa. Os demandados não apresentaram testemunhas, embora também tivessem prestado algumas declarações que foram tomadas em consideração, no âmbito da prova produzida no seu conjunto. II-DO DIREITO: Porém, antes de proceder á análise das questões escritas suscitas pelas partes nas peças processuais, os demandados em sede de audiência de julgamento suscitaram outras questões, nomeadamente defeitos de obra. Estes não foram alegados em tempo oportuno, ou seja na contestação (art.º 573, n.º1 do C.P.C.), e de acordo com o que referiram não se tratam de defeitos que tenham surgido depois de terem contestado, mas anteriores á mesma, pelo que não podem ser considerados como facto supervenientes (art.º 588 e sgs do C.P.C.), e como tal não podem ser levados em consideração. Mas mesmo que fossem, resta acrescentar que a existirem, até ao dia da audiência não tinham sido denunciados á demandada, facto que os demandados deixaram claro. Quanto á primeira questão a prescrição é uma forma de extinção das obrigações pelo não exercício do direito durante um determinado período, fixado na lei. A lei estabelece um regime geral, com prazo alargado (art.º 309 do C.C.) e uma modalidade específica denominada por prescrição presuntiva (art.º 312 e sgs do C.C.). E, dentro do regime regra, prevê, ainda, um prazo específico de 5 anos para algumas situações especiais (art.º 310 do C.C.). Alegam, os demandados, que a divida em causa prescreveu, apontando para o efeito a prescrição presuntiva com o prazo de 2 anos (art.º 317, alínea b) do C.C.). A lei estabelece concretamente quais são este tipo de prescrições (art.º 312 e sgs do C.C.), tendo prazos muito curtos, pois fundam-se numa presunção de cumprimento da obrigação. De acordo com o citado preceito,o art.º 317, alínea b), inserem-se nesta os seguintes elementos: pela aquisição de objetos, não ser o devedor comerciante ou sendo-o não ter destinado os objetos ao seu comércio (requisitos cumulativos);os créditos dos que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento das mercadorias ou produtos, e ainda a execução e gestão de negócios alheios. No caso em apreço temos um alegado crédito de uma sociedade comercial, por quotas, entendida nos termos do art.º 13 do C. Com, face ao devedor, que no caso concreto são pessoas singulares. Esta sociedade comercial tem um objeto social vasto, o que resulta da certidão do registo comercial que juntou a fls. 43 a 46, no que se destaca a serralharia para construção civil, construção civil e obras, etc… O alegado crédito provem de um contrato de prestação de serviços, na modalidade de empreitada (art.º 1155 e 1207, ambos do C.C.), no qual a demandante, foi a empreiteira, executando o serviço e fornecendo o material, e os demandados são os donos da obra. O serviço que foi executado para proveito pessoal dos demandos, e segundo o apurado na atual residência dos mesmos, integrando-se o serviço no âmbito do objeto social da demandante. Os materiais foram fornecidos pela empreiteira e integrados na propriedade dos demandados (imóvel urbano). Assim, não ocorreu nenhuma venda de bens mas sim a execução de um serviço, tal como os demandados o admitiram na contestação (art.º 14 e 15).Este serviço, também, não pode ser considerado como industria, no sentido amplo, considerando-se assim a transformação de matéria-prima em produtos comercializáveis, utilizando para o efeito maquinas, energia e força humana, e acrescente-se que no caso concreto não resultou do exercício daquela atividade qualquer produto final que fosse comercializável, ocorrendo sim a instalação de diversos produtos, de acordo com a vontade do dono da obra, que foram assim incorporados na obra, o imóvel daqueles.Por fim, muito menos se pode enquadrar como ocorrendo qualquer situação de gestão de negócios ou ingerência em negócio alheio, pois o negócio para a demandada é próprio, inclui-se na sua atividade profissional e para os devedores é também um negócio próprio, que contrataram para a sua residência. Perante o exposto, não posso considerar a prescrição presuntiva mas sim o prazo ordinário de prescrição que é de 20 anos (art.º 309 do C.C.), e desde 2009 até á altura em que a sentença (dezembro de 2014) é proferida, fica muito aquém do prazo, logo não ocorreu. Para além disso os demandados alegam, ainda, terem pago a totalidade do serviço, mas não fazem qualquer prova nesse sentido, sendo que a ter ocorrido cumpria-lhes efetuar a referida prova pois o ónus era deles, é o que resulta do art.º 342, n.º2 do C.C. Por sua vez, a demandante não nega ter recebido algumas quantias, tendo em sede de audiência apresentado os respetivos recibos que perfazem a quantia de 9.500€. A empreitada carateriza-se por ser um negócio obrigacional, que consiste na obrigação de realizar uma obra mediante um preço (art.º 1027 do C.C.). De acordo com o regime legal, não é exigido qualquer forma específica para se considerar que existe um contrato, sendo por isso um negócio consensual (art.º 219 do C.C.), para o qual basta o acordo convergente de vontades para que as partes fiquem vinculadas aos seus termos. E, no caso concreto os demandados admitem a sua realização, o que significa que se realizou um contrato, mesmo que isso lhes custe admitir. Em relação ao pagamento, a demandante acaba por admitir que não foi acordado prazos, uma vez que os demandados não possuíam a totalidade da quantia acordada. Admitindo, ainda, que na data da execução do serviço outubro de 2009, não emitiram a correspondente fatura, não só porque o demandado lhes disse que não queria qualquer fatura, como porque sabia que tinham que liquidar o IVA de algo que ainda não estava pago, por isso apenas o veio a fazer mais tarde, quando percebeu que não era intenção daquele pagar a quantia total acordada, daí aparecer a fatura em 2012, a qual corresponde á data em que aquele deixou de querer liquidar a quantia em divida. Mas não há duvida que a fatura era devida e foi emitida a 10/15/2012, a fls. 7, e sobre a quantia incidia o respetivo IVA, á taxa de 22%, o que importa a quantia de 2.702,21€. Abstraindo-me da questão da emissão da fatura, que para evitar fugas tributárias passou a ser obrigatória no prazo de 5 dias após a realização do serviço, e não é essa a questão, o que importa é que o serviço foi realmente executado e havia sempre a obrigação de proceder ao respetivo pagamento, já que se trata de um negócio oneroso, tendo no pagamento a contrapartida da execução do serviço. Por isso em termos obrigacionais, que são os que aqui estão em discussão, importa dizer que a fatura em questão é um pro forme, assim como o prazo de pagamento nela indicado. Isto é, não foi estabelecido um prazo certo de pagamento, mas sim foi admitido pela demandada que a quantia acordada fosse sendo paga, ao longo do tempo sem estabelecer prazos, nem quantias, o que constitui em termos jurídicos uma obrigação pura (art.º 777 do C.C.), o que permite que o credor a todo tempo possa exigir o seu cumprimento. E, como foi provado a demandante ia exigindo o seu cumprimento, mas só ia obtendo pagamentos parciais, até que deixou de obter a quantia em falta. Assim, para esses casos o devedor só fica constituído em mora depois de ser interpelado para a cumprir, é o que dispõe o art.º 805, n.º1 do C.C., por este motivo entende-se, em relação aos juros apenas são exigidos com a citação para a ação, ocorrida a 26/09/2014, por este motivo decaí esta parte do pedido. No que respeita á quantia que, ainda, se encontrará em divida, será precisamente a quantia do IVA, facto que deriva de a quantia apresentada, inicialmente, aos demandados ter aposta uma taxa inferior faca á data em que foi emitida, o que implicou uma alteração no valor apresentado inicialmente ao cliente. Quanto ao serviço, embora as testemunhas não conseguissem concretizar quantias, explicaram em que concretizou o serviço realizado, quer no interior, quer no exterior da moradia, o qual não foi negado pelos demandados, pois as suas reclamações referiam-se precisamente a esses dois locais, o que significa que são versões dos factos coincidentes. Para além disso, os demandados, na contestação acabam por afirmar que não houve trabalhos a mais, ou seja, o que foi executado foi o acordado, algo que a testemunha H, também o admite. Tudo isto é coincidente com a fatura apresentada, onde se pode verificar os locais onde foi realizado o serviço, e se descriminou material aplicado, a quantidade e preço por metros (a fls. 7). Mais se acrescenta, conforme explicações da testemunha, H, que a alteração ocorrida nos vidros foi a pedido do demandado, isto devido às reclamações que fez, e depois de serem substituídos não voltou a reclamar, o que significa que o achou conforme. No que respeita á carta enviada aos demandados, a qual foi apresentada por estes na audiência, fazendo as contas verifica-se que a quantia em divida era realmente de 2.782,75€, se a esta se acrescentar o IVA á taxa de 22%, perfaz realmente aquantia de 5.484,96€. De facto, a demandada pode, se assim o entender, suportar o IVA, mesmo sabendo que tinha que o devolver ao Estado, mas nada a obriga a faze-lo. E, embora o demandado em sede de audiência dissesse que não precisava da fatura, na contestação alega precisamente o contrario, que não lhe foi apresentada, o que além de ser contraditório, indicia algum facilitismo, com o qual não se pode concordar pois pode dar azo a más interpretações. Assim, se foi pago 9.500€, conforme recibos apresentados, ainda falta pagar a quantia total de 5.484,96€, que já inclui o IVA, na qual vão assim condenados. Funchal, 19 de dezembro de 2014 (redigido e revisto pela signatária, art.º 131,n.º5 C.P.C.) A Juíza de Paz (Margarida Simplício) |