Sentença de Julgado de Paz
Processo: 1223/2016-JP
Relator: MARIA JUDITE MATIAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE VIAÇÃO
Data da sentença: 07/11/2017
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: Sentença


(n.º 1, do art. 26º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de julho).

Processo n.º 1223/2016 - JP
Matéria: Responsabilidade civil.
(alínea h) do n.º 1, do art. 9º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de julho).
Objecto: Acidente de viação.
Valor da acção: €8.600,49 (oito mil e seiscentos euros e quarenta e nove cêntimos).

Demandante: A, residente na Rua ----------------------- Carnaxide.
Mandatário: Dr B, com domicilio profissional na Av. ----------------------- Lisboa.

Demandadas:
1 - C, S.A, agora --------------, S.A, com sede na Av. ---------------------- Lisboa.
Mandatário: Dra D, Advogada Estagiária, com domicílio profissional na Av.ª ------------------------------------------------ Lisboa.
2 - E, com sede na Avenida ------------------------------------- Lisboa.
Mandatário: Dr. F, Advogado, com domicílio profissional na Av.º --------------------------------------------------------------- Lisboa.
3 - G, residente na avenida ---------------------------------- Queluz.
4 - H, residente na Rua ---------------------------------Rio de Mouro.

Do requerimento inicial: Fls. 1 a 21.
Pedido: Fls. 19 a 21.
Junta: 20 documentos e procuração forense.
Contestação:
A fls. 70, apresentada pela Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A;
- A fls. 60, apresentada pelo Fundo de Garantia Automóvel.
Tramitação:
O demandante recusou a mediação.
Foi designado o dia 05 de maio de 2017, pelas 10h, para a audiência de julgamento, sendo as partes devidamente notificadas para o efeito.
Audiência de Julgamento.
A audiência decorreu conforme acta de fls. 133 a 135.
***
Fundamentação fáctica.
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1 – No dia 02 de abril de 2016 ocorreu um acidente de viação, na Avenida Elias Garcia, que envolveu o motociclo de marca -------------------, de matrícula OP e o veículo de marca -------------------- de matrícula QG, (confirmado pela demandada H, que confirmou a dinâmica do acidente tal como a descreveu na declaração amigável que assinou);
2 – Ambos os veículos circulavam na mesma via mas em direcções opostas (confirmado pela demandada H);
3 – O QG era conduzido por H (cfr. doc. 1, confirmado pela mesma em audiência);
4 – Em dado momento a condutora do QG virou à esquerda, cruzou um traço continuo a fim de estacionar no lado oposto ao seu sentido de marcha (cfr. doc. 1, confirmado pela mesma em audiência);
5 – O QG atravessou-se na via, cortou a linha de marcha ao OP indo este embater na porta traseira direita no QG (cfr. doc. 1 e 2, a fls. 22 e 23, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, confirmados em audiência pela demandada H e pela testemunha I que assistiu ao acidente.
6 – Do embate resultaram danos na frente e lateral esquerda do OP (cfr. doc. 1, confirmado pela mesma em audiência);
7 – Ambos os condutores subscreveram a declaração amigável (cfr. doc. 1);
8 - O QG tinha seguro de circulação automóvel na demandada, então Companhia de Seguros C, com a apólice n.º ---------------, válida até março de 2017, sendo tomador J (cfr. docs.1 e doc. de fls. 131 e 132, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
9 – Em 08 de março de 2016 o tomador J vendeu o QG à demandada G (cfr. docs. De fls. 129 a 130V, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
10 – A demandada Companhia de Seguros declinou a responsabilidade invocando o n.º 1 da cláusula 19.º do contrato (cfr. doc. 5, fls. 26, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
11 – O custo da reparação dos danos provocados no OP foi estimado pela primeira demandada em €7467,64 (cfr. doc. 4, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
12 – A primeira demandada declinou a responsabilidade e comunicou essa posição ao demandante em 19 de agosto de 2016 (cfr. doc. 18, fls. 39);
13 – Face à recusa da primeira demandada o demandante providenciou a reparação do motociclo pelos seus próprios meios (confessado).

Factos não provados.
Considera-se não provado:
- Que o demandante tenha tido despesas de hospital no montante de €132,85;
- Que o equipamento de protecção e um telemóvel do demandante tenham sofrido danos no valor aproximado de €1.000,00;
- Que o demandante utilizava diariamente o motociclo nas deslocações de casa para o trabalho e nas visitas a clientes e fornecedores;

Motivação.
A convicção do tribunal funda-se nos documentos juntos pelas partes e referidos nos respectivos factos e no depoimento da testemunha I, que presenciou o acidente descrevendo-o de forma concordante com as declarações do demandante e da demandada H, condutora do veiculo, matrícula QG.

Do Direito.
Nos presentes autos pretende o demandante a condenação da parte demandada no pagamento da quantia peticionada, correspondente a danos materiais sofridos na sua moto, bem como pela privação de uso e outras despesas. A pretensão do demandante funda-se na responsabilidade civil por factos ilícitos, ou extra contratual, que assenta nos pressupostos enunciados nos arts. 483.º, 562.º e 563.º do Código Civil. A interpretação dessas disposições reguladoras da responsabilidade civil por factos ilícitos declara a exigência de um facto voluntário; que tal facto seja ilícito; que exista um nexo de imputação do facto ao lesante, indicador da existência e intensidade da culpa; que existam danos e que entre estes e o facto ilícito exista um nexo de causalidade. O art. 483.º exige que o facto ilícito seja caracterizado pela culpa do agente. No caso, não existem quaisquer dúvidas de que a demandada H, condutora do GQ cometeu uma infracção ao Código da Estrada, violando o disposto na al. o), do artigo 146.º, cabendo-lhe na íntegra a culpa no acidente. Resta agora determinar, de entre os demandados, quem está obrigado a indemnizar, em que termos e medida, face à especial disciplina que rege a circulação automóvel e respetivo seguro obrigatório, mormente os normativos constantes do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto, diploma a que nos reportamos se outra indicação não for feita. Na responsabilidade civil automóvel, a obrigação de segurar recai, em primeira linha, sobre o proprietário do veículo, salvo nos casos de usufruto, venda com reserva de propriedade ou locação financeira, em que a obrigação recai sobre os respectivos beneficiários desses institutos ou contratos (art.º 6º, n.º 1). Estabelece o artigo 21.º, n.º 1, do citado diploma: “1 - O contrato de seguro não se transmite em caso de alienação do veículo, cessando os seus efeitos às 24 horas do próprio dia da alienação, salvo se for utilizado pelo tomador do seguro inicial para segurar novo veículo.” Assim, é claro, seguro de responsabilidade civil automóvel caduca (cessa) às 24 horas do dia de alienação do veículo recaindo sobre o novo adquirente (ou terceiro, nos termos do n.º 2 do art.º 6º), a obrigação de celebrar novo contrato. A cessação do contrato de seguro decorrente da mencionada alienação é oponível ao lesado, por tal alienação ter ocorrido antes da data do acidente (art.º 22º). Sendo certo que o contrato de seguro celebrado entre a primeira demandada e o anterior dono do QG cessou os seus efeitos nos termos do art.º 21º, tudo tem de passar-se como se o contrato de seguro em causa não estivesse realmente em vigor à data do acidente, não podendo, por isso, a primeira demandada ser responsabilizada pelo pagamento de qualquer indemnização.
Dispõe o artigo 47.º, no seu n.º 1, do citado DL n.º 291/2007: “ A reparação dos danos causados por responsável desconhecido ou isento da obrigação de seguro em razão do veículo em si mesmo, ou por responsável incumpridor da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel, é garantida pelo E nos termos da secção seguinte.” Por seu turno, estabelece o artigo 54.º:
“1 - Satisfeita a indemnização, o E fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a instrução e regularização dos processos de sinistro e de reembolso.
2 – (…)
3 - São solidariamente responsáveis pelo pagamento ao E, nos termos do n.º 1, o detentor, o proprietário e o condutor do veículo cuja utilização causou o acidente, independentemente de sobre qual deles recaia a obrigação de seguro.”
Decorre deste regime que, no caso dos autos, compete ao segundo demandado (E) satisfazer o direito do lesado, ficando investido no direito de regresso “contra o responsável civil do acidente e sobre quem impenda a obrigação de segurar, que respondem solidariamente conforme previsto no art.º 51º, n.ºs 2 e 4” (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 22-10-2013, proferido no processo n.º 1320/11.4TBLRA.C1, disponível em www.dgsi.pt). --- Deste modo, há responsabilidade das terceira e quarta demandadas, a título subsidiário, conforme previsto no art.º 39º do CPC, pelo pagamento do montante que o E for chamado a pagar pelos prejuízos decorrentes do acidente causado pela condutora do veículo QG, propriedade da terceira demandada.
Resta agora determinar o montante da indemnização.
Quanto aos danos no motociclo OP, foi o custo da reparação estimado pela primeira demandada em €7.467,64, não se vislumbrando razões para colocar em dúvida esse montante, pelo que o consideramos acertado. Quanto aos danos materiais referentes ao equipamento e outros não logrou o demandante fazer prova dos mesmos, bem como não provou as alegadas despesas com hospital. Relativamente à privação de uso, é certo que o demandante não logrou provar que “utilizava diariamente o motociclo nas deslocações de casa para o trabalho e nas visitas a clientes e fornecedores”. Porém, é de concluir que o motociclo era utilizado, tanto assim que se viu envolvido no acidente quando estava a ser utilizado. Quanto a esta matéria, sempre temos defendido que a privação de uso constitui um dano autónomo, e que a simples impossibilidade de usar viola o direito de propriedade tal como é concebido no Código Civil, mormente no artigo 1305.º, e que a prova da utilização efectiva e danos efectivos só é relevante para a quantificação do dano. Neste plano, apela o demandante à jurisprudência vertida no Acórdão da Relação de Coimbra, de 06 de março de 2012, para quantificar o dano em dez euros diários. Contudo, face ao supra exposto, concretamente a ausência de prova que estava ao alcance do demandante fazer, consideramos justo e equitativo fixar a quantia total de €1.000,00, a titulo de indemnização por violação dos poderes do proprietário consagrados no artigo 1305.º do Código Civil.
Decisão.
Em face do exposto, considero a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada e em conformidade condeno o E, e as demandadas G na qualidade de proprietária do veículo --------------, de matrícula QG, e H, na qualidade de condutora do mesmo e única responsável pelo sinistro, a pagar ao demandante a quantia de €8.467,64 (oito mil quatrocentos e sessenta e sete euros e sessenta e quatro cêntimos).

Custas.
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada nos seus n.ºs 6.º e 10.º pela Portaria n. 209/2005, de 24 de Fevereiro, custas a repartir pelos segundo, terceira e quarta demandados em igual proporção, no montante de €23,34, pelo que as terceira e quarta demandadas devem proceder ao pagamento da quantia de €23,34 no prazo de três dias úteis, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de €10,00 por cada dia de atraso.
Procedendo-se à devolução de €11,66 ao E.
Cumpra-se o disposto no n.º 9 da referida portaria em relação ao demandante e à primeira demandada.
Julgado de Paz de Lisboa, em 11 de julho de 2017
A Juíza de Paz
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Maria Judite Matias