Sentença de Julgado de Paz
Processo: 215/2016-JPCSC
Relator: MARIA ASCENSÃO ARRIAGA
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL / LEGITIMIDADE / RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Data da sentença: 05/09/2018
Julgado de Paz de : CASCAIS
Decisão Texto Integral:
ATA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
COM PROLAÇÃO DE SENTENÇA
Proc. N.º 215/2016-JP
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Data: 09 de maio de 2018----
Hora de Início: 15h43 ----
Hora de Encerramento: 16h00 ----
Parte Demandante: A --
Parte Demandada: B, Lda, C, Lda e D ----
Juíza de Paz: Senhora Dra. Maria de Ascensão R. Pires Arriaga ----
Técnica do Serviço de Atendimento: Lic. Lara Colaço Palma---
Feita a chamada verificou-se estarem presentes: ----
- A parte Demandante----
Verificou-se ainda estarem presentes as seguintes testemunhas: -
A) Apresentadas pela parte Demandante ----
- E, com o cartão de cidadão nº --------, solteira, maior, professora, residente na Rua -------, 75, 3º dto., ------------- Montijo.-
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Aberta a audiência de julgamento, pela Senhora Juíza de Paz foi o Demandante informado de que os Demandados não justificaram a falta à anterior sessão de julgamento e que, perante esta nova falta, não cabia novo adiamento.
Declarou o Demandante prescindir da inquirição da testemunha presente uma vez que nenhuma das pessoas Demandadas interveio nos autos, contestou ou compareceu no Julgado de Paz.
De seguida, não desejando o Demandante usar mais da palavra, pela Senhora Juíza de Paz, foi proferida a seguinte:
SENTENÇA
I- RELATÓRIO (As partes e o objecto do litígio)
A, com o NIF ------------, aqui Demandante, vem propor a presente ação, contra B, Lda. (doravante 1ª Demandada), com o NIPC 508669693, C, Lda. (2ª Demandada), com o NIPC 509497632 e D, com o NIF ------------- (aqui 3º Demandado), pedindo a resolução do contrato celebrado entre as partes e, por conseguinte, a condenação dos Demandados a restituírem-lhe a quantia de €1.014,75, acrescidos de €1.400 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, perfazendo um total de €2.414,75.
Alega, em síntese, que em 29.dezembro.2015, solicitou à 1ª Demandada, através do seu sítio da internet, www.F.com, um orçamento para o fornecimento e montagem de um sistema de cortinas de vidro. Recebendo a resposta ao referido pedido em 08.janeiro.2016, por correio electrónico – assinado por D, gerente das Demandadas e aqui Demandado –, com um primeiro orçamento no valor de €1.470, sem IVA incluído, acompanhado das condições de entrega e de garantia. Em 14.março.2016, o Demandado dirigiu-se a casa do Demandante para proceder à retificação de medidas e às necessárias atualizações do orçamento, tendo, nesse mesmo dia, enviado por correio eletrónico o novo orçamento no valor de €2.029,50, com IVA incluído e o NIB da conta da 2ª Demandada para a qual o Demandante devia transferir metade do valor orçado – €1.014,75 –, por forma a concluir a adjudicação da obra. No dia 15.março.2016, o Demandante procedeu à transferência desse montante, tendo a mesma sido confirmada, através de correio eletrónico, pelo 3º Demandado em 18.março.2016, momento que também aproveitou para mencionar que a obra começaria no espaço de duas semanas. Durante os três meses subsequentes, o Demandante interpelou várias vezes o 3ºDemandado no sentido de receber o recibo referente ao pagamento que efetuou, porém, nunca lhe foi fornecido qualquer recibo até hoje. A montagem parcial das cortinas de vidro deu-se em 17.junho.2016, tendo sido de imediato identificadas diversas falhas como: o tamanho dos vidros ser inferior ao acordado, existir falta de correspondência de cores entre os alumínios e as caixilharias existentes, existirem “lascas” nalgumas cortinas de vidro, defeitos vários na caixilharia, montagem deficiente. Essa situação foi dada a conhecer pelo Demandante através de correio electrónico enviado em 18.maio.2016 ao 3º Demandado. A pedido dos funcionários das Demandadas, o Demandante permitiu que estes deixassem na sua varanda o material que faltava montar na varanda, com a promessa de que “viriam muito brevemente acabar a montagem”. Nunca chegaram a voltar à residência do Demandante para concluir a obra, tendo este ficado impossibilitado de utilizar a sua varanda. Decorrido mais de um mês sem que a montagem fosse concluída e os defeitos corrigidos e não obstante as comunicações do Demandante, este comunicou às Demandadas, em 24.julho.2016, por correio electrónico, a sua decisão de resolver o contrato exigindo, consequentemente, a restituição do montante já pago e solicitando às Demandadas o levantamento do material já instalado lado e por instalar. No silêncio de todos os Demandados, o Demandante remeteu-lhes, posteriormente, diversas cartas registadas e nenhuma foi recebida. O Demandante e família têm estado privados de usufruir da varanda porque a respetiva caixilharia está parcialmente montada e porque nela se encontram depositados materiais destinados à montagem; não tem usufruído da correta instalação das cortinas; ficaram privados do valor pago inicialmente; viram a sua tranquilidade psicológica prejudicada; sofreram perdas de tempo e de descanso ou lazer, o que tudo consubstancia danos morais que computam em €900 e dos quais pretendem ser indemnizados. Junta 22 documentos (de fls. 3 a 21).
Após diversas tentativas frustradas, a 1ª Demandada veio a ser regularmente citada, em 12.setembro.2017 (cf. fls.55/57 e 60); a 2ª Demandada, em 14/fevereiro/2017 (cf. fls. 33/34 e 39) e o Demandado, em 17.janeiro.2018, por correio electrónico (cf. fls. 68/69).
As Demandadas faltaram à sessão de pré-mediação e não justificaram a falta (cf. relatório de fls. 63).
Designado o dia 26.abril.2018 para audiência de julgamento, os Demandados faltaram e não justificaram a falta.
Designada a presente data, em segunda marcação, e notificados os Demandados estes reiteraram a falta.
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A ação tem o valor de €2.414,75.
O tribunal é competente (artigo 7º da Lei 78/2001, de 13.07).
Cabe apreciar e decidir.
II- Fundamentação
Nos termos do disposto no nº2 do artigo 58º da Lei 78/2001, de 13.07, quando os Demandados tiverem sido pessoal e regularmente citados e não tiverem contestado nem comparecido, injustificadamente, à audiência de julgamento, consideram-se confessados os factos articulados pelo Demandante.
É o caso.
Logo, dá-se por provada toda a factualidade supra descrita e que, em breve síntese, se reconduz à adjudicação e à realização parcial e defeituosa de um contrato de fornecimento e montagem de um sistema de cortinas de vidro em caixilharia numa varanda da fração do Demandante, o que causou danos patrimoniais e morais ao Demandante e sua família. Apesar de diversas interpelações do Demandante, as Demandadas nunca procederam à eliminação dos defeitos nem à conclusão da obra.

Da ponderação dos factos provados e da legitimidade das partes
A legitimidade processual - quer dizer, quem deve e pode ser parte numa ação podendo exercer o direito que está em causa ou sujeitar-se ao que está ser pedido - afere-se em função do interesse que essa parte tem em demandar ou contradizer, interesse este que decorre do benefício ou prejuízo que decorre do ganho ou da perda da demanda. Em caso de dúvida, consideram-se sujeitos processuais legítimos aqueles que tiverem intervindo na relação jurídica em causa (v. artigo 30º do Código de Processo Civil).
O tribunal deve conhecer oficiosamente da legitimidade e, se esta se verificar, deve absolver da instância a parte que for declarada ilegítima (cf. artigos 578º, 577º, alínea e), e 576º, nº2, do Código de Processo Civil).
Verifica-se, em face dos factos alegados e apurados e suportados nos documentos juntos, que o 3º Demandado não agiu por si, em seu próprio nome e interesse, mas antes agiu na qualidade de gerente e em representação das Demandadas B, Lda. e C, Lda., sociedades das quais é gerente único.
Os atos praticados pelos gerentes, nessa qualidade, vinculam a sociedade e, por esse facto, os efeitos dos negócios por aqueles celebrados – direitos e obrigações – produzem-se na esfera jurídica dessa sociedade (nº1 do artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais).
Então, se assim é, o aqui 3º Demandado não assumiu perante o Demandante quaisquer direitos e obrigações atinentes ao fornecimento e montagem dos caixilhos e dos vidros contratados e, por essa razão, é parte ilegítima nesta ação.
Decisão
Em face do que antecede declaro o Demandado D parte ilegítima e, em consequência, absolvo-o da instância.
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Prossigamos então, a apreciação da matéria em causa quanto às Demandadas B, Lda. e C, Lda..
Dos factos alegados e apurados, decorre que a relação estabelecida entre o Demandante e as duas demandadas se reconduz à figura do contrato de empreitada, que é uma modalidade típica do contrato de prestação de serviços e que se encontra regulado nos artigos 1207º e seguintes do Código Civil (diploma ao qual pertencerão as regras doravante indicadas salvo especificação em contrário).
Ao contrato dos autos, porque estabelecido entre um consumidor e entidades que agiram no âmbito da sua atividade comercial ou industrial é também aplicável o regime de defesa do consumidor, em especial, a Lei 24/96, de 31.07. e o Dec. Lei 67/2003, na redação constante do Dec. Lei 84/2008, de 21.05., que concretiza um regime especial de conformidade e garantias de bens de consumo incluindo daqueles que são fornecidos e aplicados no âmbito de um contrato de empreitada (cf. artigo 1º-A do Dec. Lei 67/2003 de 08.abril).
In casu, as 1ªs e a 2ª Demandadas, na qualidade de empreiteiras, comprometeram-se solidariamente, em face até do seu similar objeto social, perante o Demandante, na qualidade de dono da obra, a executar trabalhos de fabrico, fornecimento e montagem de caixilhos e vidros, nas medidas e com as especificações acordadas, mediante o pagamento de um preço - que foi parcialmente satisfeito pelo Demandante mediante transferência de um montante para a conta bancária da 2ª Demandada - logo, a apresentar-lhe um resultado concreto como consequência do desenvolvimento da sua atividade de forma autónoma, i.e. não subordinada, e segundo os seus próprios critérios.
Assumiram, ainda, a obrigação de realizar e entregar a obra sem defeitos posto que o artigo 1208º impõe ao empreiteiro o dever de “executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato”. Sobre o dono da obra – aqui Demandante – impende a obrigação de pagar o preço acordado.
Os factos provados demonstram que a obra só foi parcialmente executada e que o foi com defeitos ou vícios que impedem a realização do fim a que se destinava: abertura e fecho das cortinas de vidro.
Verificados os defeitos, o dono da obra deve denunciá-los ao empreiteiro e pode exigir a sua eliminação ou, não podendo estes ser eliminados, exigir nova construção (artigo 1221º, nº1) ou, não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina, tudo sem prejuízo do direito a indemnização nos termos gerais (artigos 1222º e 1223º). A mora do devedor só passa a incumprimento definitivo quando este não cumprir a obrigação dentro do prazo limite razoavelmente fixado pelo credor com a interpelação admonitória (artigo 808º, nº 1). Todavia, diz a doutrina que, se o credor não mantiver interesse na prestação que lhe é devida, não tem de fixar qualquer prazo limite para os Demandados cumprirem a sua obrigação, uma vez que, nesse caso, já não se está perante uma situação de mora do devedor, mas sim de incumprimento definitivo.
Adicionalmente, de um modo menos complexo e mais favorável ao consumidor, o artigo 4º da supracitada legislação (Dec. Lei 67/2003), dispõe que o exercício dos respetivos direitos em situações de desconformidade do bem com o contrato não está sujeito a uma sequência cronológica nem a qualquer interpelação admonitória já que “ (…) o consumidor poderá exigir que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato. “
Com amparo nos dispositivos legais é seguro que na situação sub judice assiste ao Demandante o direito de pedir, como pede, a resolução do contrato pois que, por um lado, deu a conhecer aos Demandados todos os defeitos da obra salientando o facto da mesma se encontrar inacabada e, por outro, só decorrido um mês sem qualquer resposta ou ação por parte das Demandados é que decidiu declarar a resolução do contrato e pedir a consequente restituição do que havia pago. É certo que não fixou um prazo limite para as Demandadas cumprirem a sua obrigação de eliminação dos vícios. Contudo, como se disse, a legislação de defesa do consumidor não lhe exige tal procedimento e sempre se deve tomar em conta que o Demandante enviou quatro cartas registadas às Demandadas, que estas não receberam, e duas comunicações electrónicas o que evidencia que perdeu toda a confiança nas Demandadas e, bem assim, todo o interesse que tinha na prestação tornando inexigível a fixação de qualquer prazo admonitório.
Reconhecida, então, a legitimidade do exercício do direito de resolução tem de se reconhecer igualmente ao Demandante o direito à resolução do contrato e à consequente restituição do montante que pagou - €1.014,75 - bem como, a indemnização pelos danos sofridos em consequência do não cumprimento (cf. artigos 801º, nº1 e nº2, 432º, 434º e 289º, nº1, do Código Civil).
O Demandante alegou e foi considerado provado que ficou privado do uso da varanda e das cortinas de vidro a partir de 17.06.2016 e até à presente data, seja por falta de montagem completa dos vidros e caixilhos seja por defeitos do que ficou montado seja porque as Demandadas deixaram materiais na dita varanda e viu prejudicada a sua tranquilidade psíquica, perdeu tempo, perdeu descanso e lazer e tudo prejudicou a sua qualidade de vida. Estamos perante danos de natureza não patrimonial que, pela sua natureza e gravidade, merecem a tutela do direito. O Demandante atribui a esses danos o valor de €500 que, em face da não oposição das Demandadas, se nos afigura um valor adequado.
Reclama, ainda, danos de natureza patrimonial já que terá de contratar uma empresa para reparar as alterações feitas à sua varanda e remover o material que não vier a ser reclamado pela Demandadas, bem como, se viu e se vê privado da quantia de € 1.014,75, entregue a título de pagamento de 50% do preço, sem qualquer contrapartida. Atribui a estes danos o valor de €900. Em face da falta de contestação e ponderado o circunstancialismo dos autos, em particular a falta de interesse das demandadas, afigura-nos tal valor adequado.

III – DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, absolvendo da instância o Demandado D, por ser parte ilegítima, julgo a ação totalmente procedente quanto às duas Demandadas as quais condeno, solidariamente, a reconhecerem a resolução do contrato objeto dos autos e a devolverem ao Demandante a quantia de € 1.014,75, acrescida de indemnização no valor global de €1.400, e em conformidade a pagarem-lhe a quantia de €2.414,75 (dois mil quatrocentos e catorze euros e setenta e cinco cêntimos). Condeno o Demandante a facultar às Demandadas a remoção dos materiais instalados e depositados na varanda do Demandante.
Declaro parte vencida as Demandadas, as quais são responsáveis pelo pagamento das custas (art.º 8º da Portaria 1456/2001, de 28 de Dezembro).
Custas do processo: €70.
Tem o Demandante direito à devolução de €35.
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As Demandadas deverão efetuar o pagamento das custas no valor de €70, no prazo de três dias úteis a contar da notificação desta decisão sob pena de incorrerem numa penalização de €10 por cada dia de atraso e até um máximo de €140 (cf. nº 10 da referida Portaria 1456/2001, na redação dada pela Portaria 209/2005, de 24.02). Decorridos quinze dias sobre o termo do prazo suprarreferido sem que se mostre efetuado o pagamento, será extraída e remetida ao Ministério Público da Comarca de Lisboa Oeste – Cascais, certidão das custas e penalidades em dívida (€210) para eventual execução.
Registe, dê cópia ao Demandante e notifique todos os demandados.
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Da sentença que antecede foram todos os presentes notificados.
Para constar se lavrou a presente ata, por meios informáticos, que, depois de revista e achada conforme, vai assinada, sendo entregue uma cópia da mesma ao Demandante.

Cascais, Julgado de Paz, 09 de maio de 2018

A Técnica do Serviço de Atendimento A Juíza de Paz