Sentença de Julgado de Paz
Processo: 91/2018-JPTRF
Relator: IRIA PINTO
Descritores: COMPRA VENDA AUTO USADO
DEFEITOS
Data da sentença: 05/22/2018
Julgado de Paz de : TROFA
Decisão Texto Integral:
Sentença

Processo nº 91/2018-JP
Relatório
A demandante ......................, melhor identificada a fls. 2 dos autos, intentou em 29/3/2018, contra o demandado ............................., melhor identificado a fls. 2 ação declarativa com vista a obter a restituição do preço pago pelo bem adquirido, formulando o seguinte pedido:
- Ser o demandado condenado a pagar à demandante a quantia de €1.600,00, relativo à restituição do valor pago na aquisição do veículo automóvel e a proceder à transmissão da titularidade da propriedade da viatura.
Tendo, para tanto, alegado os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 2 e 3 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido. Juntou 3 (três) documentos.
*
A demandante prescindiu da sessão de pré-mediação (fls. 9 dos autos).
*
Regularmente citado o demandado (fls. 16), apresentou a contestação de folhas 20 e 21 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, impugnando, em suma, os factos relatados no requerimento inicial, peticionando a absolvição do demandado.
*
Procedeu-se a realização de audiência de julgamento em 9 de maio de 2018, com a observância das formalidades legais, como da respetiva Ata se infere.
Cumpre apreciar e decidir
O Julgado de Paz é competente. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e não se verificam quaisquer outras exceções ou nulidades de que cumpra conhecer.
Fixo à causa o valor de €1.600,00 (mil e seiscentos euros).
Fundamentação da Matéria de Facto
Com interesse para a decisão da causa, estão provados os factos, a seguir, enumerados.

Factos Provados:
1 - Em 7 de novembro de 2017, a demandante adquiriu ao demandado um veículo automóvel da marca PEUGEOT 206, com a matrícula .................
2 - Pelo valor de €1.600, pago em numerário.
3 – Após a aquisição da viatura a demandante veio a deparar-se com alegadas anomalias, tendo solicitado orçamento para a sua reparação no valor de €918,32.
4 - A demandante informou o demandado do sucedido.
5 – O veículo vendido tinha, à data da venda, quase 17 anos.
6 – A demandante experimentou a viatura.
7 – Na data da venda, demandante e demandado falaram que o veículo fazia um barulho no casquilho das rodas, padecendo dessa anomalia.
*
A fixação da matéria dada como provada resultou da audição das partes, dos factos admitidos, da prova testemunhal apresentada, além de outros meios de prova como se verá.
As testemunhas apresentadas pela demandante, ..........., namorado da demandante, acompanhou a demandante no negócio da compra do veículo, tendo experimentado o carro, percebendo que havia um barulho na roda e que o demandado referiu ser o casquilho e que foi reparado, tendo revelado ser um problema no eixo, tendo a demandante pago o valor de €450,00, entretanto, perceberam que passava óleo para o depósito da água e havia gasóleo nos injectores, tendo sido pedido orçamento para reparação, que o mecânico do demandado aceitou não ser descabido, referindo ainda que o demandado aceitou pagar metade do valor dessa reparação, o que não chegou a acontecer, tendo enviado carta registada com aviso de receção ao demandado para o efeito; a segunda testemunha, ............, pai da demandante e pintor de automóveis, revelou que levou o carro para arranjar o casquilho que se veio a revelar um problema de eixo e que entretanto aperceberam-se que o veículo tinha um problema de óleo na água, na junta da cabeça, que vai agravando e que já vendeu um carro com o mesmo problema, tendo-o reparado, mais expondo, a seu ver, a necessidade para o veículo de todas as peças constantes do orçamento apresentado. Estas testemunhas tiveram um depoimento pouco isento e parcial, compreensível dados os laços próximos e familiar (no caso do pai) tidos com a demandante, pelo que verificada a falta de objetividade não foram considerados.
A testemunha da parte demandante, .............., que foi um interessado na viatura objeto dos autos, antes da sua venda em fins de setembro de 2017, expôs que esteve a ver o carro, deu uma volta nele e que o mesmo tinha barulho na roda, estando o veículo em estado razoável, bom para a idade, com cerca de 17 anos, pois era de 2001, não tendo feito negócio por questões de preço. Esta testemunha demonstrou isenção e credibilidade, pelo que o seu depoimento foi considerado em termos probatórios.
Estes meios de prova devidamente conjugados com a demais prova, com os documentos de fls. 1 e 3, além de regras de experiência comum e critérios de razoabilidade alicerçaram a convicção do Tribunal.
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou insuficiência de prova nesse sentido.

O Direito
A demandante intentou a presente ação peticionando a condenação do demandado no pagamento da quantia de €1.600,00, alegando em sustentação desse pedido a celebração com o demandado de um contrato de compra e venda de um veículo automóvel de marca PEUGEOT 206, matricula .................., melhor identificado a fls. 1, que o demandado alegadamente incumpriu.
Estamos, assim, perante um contrato de compra e venda, com previsão no artigo 874º do Código Civil, segundo o qual se dá a transmissão de propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço. Tal tipo de contrato tem como efeitos essenciais a transmissão da coisa, a obrigação de a entregar e a de pagar o preço respetivo (artigo 879º do Código Civil).
No caso dos autos, dos factos provados resulta que demandante, na qualidade de compradora e o demandado, na qualidade de vendedor, celebraram um contrato de compra e venda da viatura PEUGEOT 206, tendo o demandado procedido à entrega desse veículo à demandante, que liquidou o respetivo preço de €1.600,00.

Terá que se perceber se à situação objeto dos autos se poderá ou não aplicar o preceituado no Decreto-Lei 84/2008, de 21.05 (DL 67/2003 atualizado). Na verdade, no referido Decreto-Lei é dada ao consumidor a possibilidade de denunciar junto do vendedor a falta de conformidade do bem adquirido, coberto pela garantia, comprovando a respetiva compra, acontece porém que, para tal ocorrer, terá que estar subjacente uma relação de consumo, entre um vendedor profissional e um consumidor, não se aplicando este regime nas vendas de particular a particular.

No presente caso, não há dúvidas em qualificar as parte como compradora e vendedor de um automóvel, a título pessoal.

Pelo que, ao caso dos autos terá aplicabilidade o regime do Código Civil relativamente a denúncia de defeitos objeto dos autos, dado que tal aplicabilidade se relaciona com relações privadas entre as partes.

À parte isto e mesmo vendendo a título pessoal, considera-se que a parte vendedora também é responsável pela qualidade do bem que vende.

Da prova produzida resulta pois que a demandante deu conhecimento de problemas no veículo adquirido ao demandado, nomeadamente referente a barulho existente no casquilho das rodas do veículo e que a demandante percecionou quando experimentou a viatura, como aceitou e se conformou.

Quanto às alegadas anomalias que a demandante refere relativamente a perda de gasóleo pelos injetores e cabeça do motor queimada, entre outros, cuja reparação importaria em 918,32, de acordo com orçamento obtido pela demandante, importa saber se já constitui defeito do veículo na altura da compra e venda.

Na verdade, aos autos não é trazida qualquer testemunha da arte mecânica, existindo o orçamento atrás mencionado da oficina em que são expostas as intervenções a realizar na viatura, desconhecendo se põem em causa o normal funcionamento do veículo na altura da venda ou se integram o desgaste normal de uma viatura com cerca de 17 anos, reportando à altura da venda.

E é verdade que o bem objeto dos autos é um veículo usado, ou em segunda mão e que as coisas se vão deteriorando com o uso ou pelo simples decurso do tempo.

Não obstante, entende-se que a responsabilidade por incumprimento defeituoso não é excluída com respeito a coisas usadas, não sendo de prever que estas tenham vícios. Estes problemas colocam-se, em especial, a propósito da venda de veículos usados. Porém entende-se que eventuais defeitos não se identificam com a deterioração motivada pelo uso ou pelo decurso do tempo.

Verdade é que relativamente a um bem usado pressupõe-se um desgaste normal, em função da utilização (como o número de quilómetros percorridos) ou do tempo (como o número de anos do veículo), mas não tem de ser defeituoso. É que para além do desgaste normal, a coisa usada pode ter um vício oculto.

Assim, se existe um problema de funcionamento do veículo, isto é, se esse veículo foi vendido em segunda mão não funcionando convenientemente, há um defeito que excede o desgaste normal.

Assim sendo, há que admitir a aplicação do regime de cumprimento defeituoso, mesmo às compras e vendas de coisas usadas.

Na verdade, não está legalmente consagrada a distinção entre coisas novas e usadas, o que não pode ser fundamento para efeitos de excluir a responsabilidade.

Ora, sendo vendida uma coisa usada, o acordo incide sobre o objeto com qualidade idêntica a um bem novo, razão pela qual o regime do cumprimento defeituoso só encontra aplicação na medida em que essa falta de qualidade exceder o desgaste normal.

À parte isto, mesmo vendendo a título pessoal, o vendedor também é responsável pela qualidade dos produtos que vende. A lei civil prevê situações específicas de cumprimento defeituoso dos contratos de compra e venda nos artigos 913º a 922º, que importa ter em conta no caso vertente, visto que prevalecem em relação às regras gerais de responsabilidade civil contratual.

Expressa, por um lado, que se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias à realização daquele fim, observar-se-á, com as necessárias adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes (artigo 913º, nº 1).

E, por outro, que se do contrato não resultar o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria (n.º 2 do mesmo artigo).

Ao remeter para o disposto na secção precedente adaptado e a título subsidiário, a lei, por um lado, confere ao comprador de coisas defeituosas, no confronto com o vendedor, além do mais, o direito à anulação do contrato, por erro ou dolo, verificados os respetivos requisitos de relevância exigidos pelo artigo 251º (erro sobre o objeto do negócio) e pelo artigo 254º (dolo); redução do preço, quando as circunstâncias do contrato mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço inferior (artigo 911º); indemnização do interesse contratual negativo, traduzido no prejuízo que o comprador sofreu pelo facto de ter celebrado o contrato, cumulável com a anulação do contrato e com a redução ou minoração do preço (artigos 908º, 909º e 911º, por força do artigo 913º); reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a sua substituição (artigo 914º, nº 1, 1ª parte), independentemente de culpa do devedor, se este estiver obrigado a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, quer por convenção das partes, quer por força dos usos (artigo 921, nº 1).

O regime dos artigos 916º e 921º dispõe, nomeadamente de um prazo de garantia de seis meses, o que significa que o vendedor poderia responder, naquele prazo, pelos defeitos surgidos, sendo o prazo de denúncia de defeitos, neste caso, de trinta dias, após o conhecimento do defeito.

Assim, atenta a data de compra do veículo – 7/11/2017 - e de deteção das avarias, que a demandante refere ser “Logo após a aquisição da viatura...”, mas sem determinar uma data concreta, embora junte orçamento datado de 8/2/2017 e a carta de interpelação ao vendedor, ora demandado, seja datada de 7/3/2018 - há que concluir que já se encontra excedido o prazo de 30 dias de denúncia de defeitos, na medida em que se fossem conhecidos durante esse mesmo mês de novembro de 2017, pois como refere a demandante, os alegados defeitos terão surgido “Logo após a aquisição da viatura...”, a denúncia teria que ocorrer até dezembro de 2017, pelo que se encontra excedido o prazo mencionado de denuncia de defeitos do bem vendido de 30 dias.

Bem como, a denúncia de defeitos de defeitos deveria verificar-se dentro dos seis meses após a entrega da coisa, como dispõe o artigo 916º, nº 2, 2ª parte do Código Civil, sob pena de caducidade da ação (artigo 917º), o que no presente caso estaria cumprido, não fosse a extemporaneidade verificada para denúncia de defeitos.

Além do mais, mesmo que fosse considerada atempada a denúncia de alegados defeitos na viatura adquirida ao demandado, estando este obrigado a garantia de bom funcionamento da coisa vendida, sempre incumbiria à parte demandante fazer prova que o automóvel adquirido não tinha um funcionamento normal e adequado ao fim a que se destinava, nomeadamente de circulação em condições de segurança, comprovando se os alegados e assinalados defeitos poriam em causa o normal funcionamento do veículo, considerando a sua idade, o que a demandante também não logrou fazer.

Em consequência, excedido o prazo de denúncia de alegados defeitos atrás mencionado, a demandante também não provou a falta de conformidade e de qualidades necessárias para a realização do fim normal do veículo que é de circular, pelo que o fim de obter a anulação do contrato de compra e venda nomeadamente fundada em erro por atingir os motivos determinantes da vontade, nomeadamente quando se refira ao objeto do negócio, não lhe dá o direito de exercer o direito de resolução contratual.
Conclui-se, assim, improceder integralmente o peticionado pela demandante.

Decisão
Em face do exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada, absolvendo o demandado ............................. do peticionado.

Custas
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, condeno a demandante ...................................... (NIF ....................) no pagamento das custas totais do processo no valor de €70,00 (setenta euros), pelo que tendo pago a taxa de justiça de €35,00 (trinta e cinco euros), deve ainda a demandante proceder ao pagamento do valor restante de €35,00 (trinta e cinco euros), no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de €10,00 (dez euros) por cada dia atraso, comprovando o pagamento neste Julgado de Paz.
Devolva ao demandado o valor de €35,00 (trinta e cinco euros).
*
A Sentença (conforme A.O., processada em computador, revista e impressa pela signatária) foi proferida nos termos do artigo 60º da Lei nº 78/2001, alterada pela Lei 54/2013.
Na data e hora agendada para leitura de sentença – 22/5/2018, pelas 16H00 - não estiveram presentes as partes e mandatários, pelo que se procede a notificação postal.
Registe.

Julgado de Paz da Trofa, em 22 de maio de 2018
A Juíza de Paz,
(Iria Pinto)